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segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Registro formal do trabalho n. 1 (nao o primeiro, mas o mais antigo preservado) - Paulo Roberto de Almeida

Primeira viagem a Brasília (de carona), em 1968, ano em que foi escrito o texto abaixo.


Todo mundo já ouviu falar da primeira moeda do Tio Patinhas, aquele tostão que ele guarda zelosamente, preservado num quadro, como uma verdadeira relíquia, ou um trofeu glorioso; e era: o primeiro centavo que ele ganhou ainda criança, antes de acumular toda aquela montanha de dinheiro e muitas coisas mais, naquele imenso edifício-cofre que os Metralhas – eu disse Metralhas, não petralhas – tentam roubar e nunca conseguem.
Eu também tenho a minha primeira "moedinha", que não foi o primeiro trabalho elaborado – pois tenho resenhas de livros, anteriores, que se perderam – mas o texto primitivo que foi preservado entre um exílio de sete anos na Europa e o retorno para uma vida acadêmica e profissional mais ordenada.
Aí está, portanto, a minha primeira moedinha.
Note-se o marxismo ingênuo de certos argumentos – como a determinação de "classe" das escolhas profissionais, mas também a consciência clara que de que o progresso do Brasil deveria passar por um sistema de ensino completo, e de qualidade, sobretudo em nível técnico profissional.
Como eu geralmente divulgo o que escrevo – OK, não tudo, mas a maior parte – não há risco de que metralhas acadêmicos ou petralhas militantes tentem roubar este meu "tesouro" (ou outros). Tudo está disponível, ou quase tudo, em meu site e nas plataformas acadêmicas que utilizo.
Este vai entrar na história. Ou já entrou...
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 29 de janeiro de 2018






Paulo Roberto de Almeida

001. “Quais os Fatores que Determinam uma Escolha Profissional Consciente?”, São Paulo, Maio 1968, 9 p. Trabalho escrito para concurso promovido pelo jornal Folha de São Paulo, encaminhado sob pseudônimo. Concurso não levado a termo. Inédito.



Introdução

O presente trabalho não pretende ser um estudo pormenorizado dos problemas de escolha profissional, dentro de normas estritamente psicológicas; isso, por si só, já denunciaria o seu caráter teórico e abstrato. Ao contrário, ele se ocupa sobretudo em discutir – e portanto, dentro de uma base empírica – os problemas referentes à profissionalização em uma estrutura subdesenvolvida, onde poucas vezes os indivíduos têm uma margem de liberdade real para decidir de seu próprio destino. Dentro desse quadro, dificilmente os fatores que agem sobre uma escolha profissional o fazem de forma a torna-la consciente. Mas, mesmo assim, discutiremos as variáveis apontadas esperando contribuir dessa forma com um apelo aos planos de desenvolvimento econômico e social do governo, que se tornam necessários, pois o problema é, essencialmente, o mesmo enfrentado por outras sociedades e culturas – ou seja, o de sermos capazes de aplicar a compreensão histórica à ação política.

Para evidenciar sua complexidade e melhor caracterizar o problema da escolha profissional resolvemos dividir nosso estudo em tópicos específicos, da seguinte maneira:

a)     Caminhos profissionais: preparação escolar e oportunidades oferecidas pela sociedade

b)    A conjuntura brasileira e o mercado de trabalho

c)     Fatores da escolha profissional

d)    Algumas diretrizes como contribuição à solução dos problemas do encaminhamento profissional.



E, agora, sem mais delongas, passemos ao trabalho propriamente dito.



Primeira Parte

Um dos problemas com os quais o jovem se defronta ao abandonar o curso secundário é o encaminhamento de sua futura no campo profissional. Geralmente mal orientado (ou quase nada orientado) acerca das diversas opções sobre as quais tem de decidir-se, ele permanece incerto frente aos vários caminhos que se abrem à sua vida a partir deste momento. Esta incerteza tem, como todo fenômeno social e psicológico, causas que podem ser encontradas na estrutura própria da sociedade. Se o jovem se mostra incapaz de escolher sua futura ocupação, ou se o faz incertamente, sem a necessária convicção em discernir aquilo que deseja realmente do que lhe é imposto, então é porque algo está errado. E por uma questão de lógica natural cumpre saber o que anda errado nesse processo de escolha e, consequentemente, reformulá-lo ou afastá-lo, conforme o caso. É o que veremos agora.

Por um lado, a formação educacional dos jovens não se processa (salvo casos esporádicos que apontaremos mais adiante) no sentido de unir, através de um elo concreto, o ensino dos bancos escolares com a vida real que se lhes apresenta mais tarde – ou simultaneamente, como é o caso de muitos jovens que trabalham e estudam ao mesmo tempo. Há uma dissociação flagrante entre a família, a escola e outras atividades ocupacionais, entre estas, presumivelmente o emprego. Isso leva evidentemente a um desequilíbrio nas atitudes do jovem frente a todas estas instituições, o que vai refletir-se, em última instância, na sua indecisão em escolher uma profissão. De quem é a culpa? Do jovem que tem de dividir o seu tempo entre o emprego e a escola? De nosso desenvolvimento econômico que exige mais força de trabalho e melhores condições educacionais? Da família que, muitas vezes, assiste impotente a esse desdobrar-se contínuo? Preferimos admitir que grande parte dessa culpa cabe à escola secundária –e, portanto, aos senhores responsáveis pela educação – que mostra-se incapaz de adaptar-se às novas necessidades impostas pela industrialização do país.

Sem dúvida, o ensino atual não fornece ao jovem os requisitos básicos para que ele possa, por si mesmo, empregar os conhecimentos adquiridos – ou que seria preciso adquirir, é questão de se dizer – a serviço de sua vida profissional. E isso porque ensinam-se coisas sem nenhuma relação com a vida prática, isto é, conhecimentos que dificilmente iremos usar. Isolada socialmente, a escola secundária não participa do fenômeno de industrialização e desenvolvimento país, conservando-se neutra perante a crise de crescimento econômico e perante os movimentos de renovação cultural, crescendo em completo divórcio dos problemas básicos da nacionalidade.

Mas não apenas o conteúdo do ensino secundário contribui para debilitar uma formação real do jovem. São também as formas de aprendizagem que reduzem o aluno a uma fita de gravação para aprender uma enxurrada de matéria em apenas (vejam bem) 180 dias de aula – número que desce a 160 para os períodos noturnos. Um ano letivo, sem sombra de dúvida, ínfimo para as nossas necessidades. Mas, as formas de aprendizagem, como dizíamos, consistem nisso que se pode chamar de aulas de “salivação”, onde o professor dá razão aos seus arroubos oratórios e o aluno se conforma em anotar pacientemente os respingos de sabedoria que emitem as glândulas salivares do mestre. E o pior de tudo é que inverte-se o processo de aprendizagem. Ao invés da apresentação da situação-problema, discussão em equipe entre os alunos (trabalho socializado num processo análogo ao das reuniões numa grande indústria) e por fim a elaboração do esquema com as conclusões, temos exatamente o contrário: um esquema é colocado no quadro negro e, a seguir, o professor derrama todo o seu conhecimento sobre a classe embasbacada e boquiaberta, totalmente alheia à matéria que se vai transmitir. Nessa situação, é claro que as escolas tradicionais não contribuem, na proporção que lhes é devida, para apressar o ritmo de desenvolvimento econômico e integrar o estudante no processo produtivo da sociedade, contribuindo antes, para emperrar o desenvolvimento normal do processo da absorção de mão de obra pelo mercado de trabalho. Urge fazer uma reforma completa e saneadora em todo esse quadro.

Quando nos referimos, acima, a casos esporádicos na estrutura educacional estávamos pensando nos ginásios estaduais vocacionais que, com sete anos de existência, já provaram sua necessidade. Contudo, é preciso ver-se que estes poucos vocacionais se revelam insuficientes e, por vezes, carecem de apoio governamental. Quanto à rede de escolas SENAI, escolas agrícolas e outros centros de especialização de nível médio, que se destinam à formação de pessoal técnico, discutiremos na segunda parte sua real situação.

Por outro lado, o jovem se vê numa difícil posição de escolha por força do próprio meio em que vive. Se analisarmos o problema sob o ponto de vista de uma estrutura urbana industrializada, como é São Paulo, por exemplo, constatamos que, para a pequena burguesia (que é a classe que mais injeta força de trabalho no mercado), a carreira profissional é concebida como projeto e o jovem como uma esperança e um “investimento social”. No transcorrer do processo de constituição e de integração ao sistema profissional global, o grupo social vê no jovem um reforço a um consolidação das posições sociais adquiridas e sua própria ascensão nos escalões mais elevados da sociedade. Dessa forma, a liberdade de opção do jovem transforma-se, na verdade, na obrigatoriedade de escolha dentre as profissões que possam favorecer a ascensão de sua classe. Os fatores sociais que constituem as perspectivas da carreira do jovem orientam o seu comportamento profissional e delimitam, como vimos, as alternativas de escolha. Subjacentes a estes fatores e a eles vinculados como matriz determinante, estão os interesses de classe, vagamente admitidos no projeto familiar.

Interrompemos, porém, esta análise para retomá-la mais adiante quando estudarmos os fatores da escolha profissional em capítulo próprio. Neste paragrafo quisemos apenas evidenciar o contorno do problema da escolha profissional em relação a certas condições sociais determinantes. Por ora, iniciamos o estudo da profissionalização dentro da estrutura social brasileira.



Segunda Parte

As relações de produção nas sociedades da esfera do capitalismo englobam uma série de fatores complexos e muitas vezes contraditórios que determinam, por meio de mecanismos de sua própria estrutura psicológica, modelos reais de uma escolha profissional que atendam especificamente às exigências dessas mesmas relações de produção. O desenvolvimento do capitalismo no Brasil – com todas as consequências sociais que acarretou, tais sejam, a formação de um mercado de trabalho condizente com o nível de desenvolvimento econômico, a ampliação do mercado interno e todos os seus reflexos na superestrutura social – não fugiu a esse esquema. A vertiginosa transformação operada num centro urbano como São Paulo, por exemplo, a partir de 1930, está alterando os diversos sistemas profissionais, nas mais variadas esferas, provocando uma integração maior entre a população e o desenvolvimento econômico.

Contudo, a industrialização de São Paulo e regiões paralelas, se bem que permitisse uma diversificação profissional com a respectiva elevação de renda para grande parte da população, não favoreceu plenamente um desenvolvimento auto estimulado, de modo que, ainda hoje, recorremos ao auxílio de técnicos e profissionais estrangeiros, os capitais postos a serviço da indústria (capitais originados de excedentes cafeeiros que se intensificaram a partir de 1930, como é o caso de São Paulo) não se multiplicaram devido à uma própria dinâmica interna, o que poderia se refletir, mais tarde, num desenvolvimento autônomo do setor industrial e, com ele, de toda a estrutura social. Mas, ao contrário: esse desenvolvimento foi subsidiado por fatores fortuitos e ocasionais, entre os quais podemos incluir a 2ª guerra mundial. E vemos que, depois de 1954, a inflação, que até então não se manifestara muito negativamente, aliada às péssimas condições cambiais do país, começa a agravar a situação de nossa indústria. Isso vai motivar uma crescente intervenção estatal na vida econômica, que se traduz no apelo ao capital estrangeiro. O afluxo de verbas do exterior, por sua vez, vai incrementar o progresso industrial e, consequentemente, amplia o mercado interno e diversifica as atividades profissionais.

 Mas cumpre notar que, de resto, no Brasil não plenamente industrializado, onde as classes dominantes alicerçam os seus valores sociais de comportamento frente à escolha profissional na estratificação de diversas categorias sociais, percebem-se, de maneira acentuada, resíduos sobreviventes de situações histórico-sociais, já superadas e que ainda persistem em agir como apêndices condicionadores da estrutura social. Isso acontece notadamente no que diz respeito a certas prevenções do sistema à diversificação profissional, o que impõe limitações às nossas mais prementes necessidades; subsiste o preconceito contra as profissões não liberais, valorizando-se o bacharelato retórico do século XIX e a concepção “racionalista” da ciência, tal como a viam os pensadores do século XVIII.

Agora, observando-se os múltiplos aspectos assumidos pelas perspectivas do sistema profissional brasileiro, e considerando-se as inovações da tecnologia contemporânea, ficamos embasbacados diante do atraso técnico da maioria dos nossos centros formadores de mão de obra especializada, que, por motivos, vários não conseguem promover a integração nacional dos diversos sistemas de ensino profissional. Já se disse que sem tecnologia não há desenvolvimento mas, também, não podemos ficar importando, indefinidamente, a tecnologia de que carecemos sob o grave risco de eternizarmos nossas inflexibilidades estruturais. O desenvolvimento sempre implica em modificações estruturais, isto é, transformações nas relações e proporções do sistema econômico. As mudanças de estrutura são causadas principalmente por modificações nas formas de produção e apenas se concretizam através de alterações nas formas de distribuição e utilização da renda. O desenvolvimento, portanto, é um problema de acumulação de capital e de progresso técnico e, ao mesmo tempo, de evolução dos valores culturais e sociais de uma coletividade. Por aí se vê a importância da dinamização profissional para o progresso do país.

Contudo, não é menos grave a crise que assola o ensino profissional. Vejamo-la. A rede de escolas do SENAI possui um total de 111 núcleos de aprendizagem industrial, tendo os objetivos presumíveis de atender às necessidades de nosso crescimento industrial. Infelizmente, este pronto atendimento verifica-se de maneira lenta, não acompanhando o ritmo crescente das nossas necessidades industriais. A Fundação Getúlio Vargas, por sua vez, prepara técnicos para diversas especialidades industriais. Ainda assim, entretanto, é preciso ampliar e conduzir racionalmente, isto é, na base de previsões fundadas sobre as necessidades presentes e futuras de mão de obra qualificada, esse processo de diversificação dos cursos industriais. Esta previsão futura parece esquecida pelos responsáveis pela organização desse ensino profissional, com perda irrecuperável de formação de mão de obra especializada para o desenvolvimento do país.

A situação do ensino de nível superior não difere muito da acima apresentada: o sistema existente não é capaz de prover a economia do país de profissionais na quantidade e nas especializações necessárias. Além disso, determinados setores do sistema profissional não se encontram devidamente regulamentados pelos governos; setores estes de grande importância para o desenvolvimento nacional, tais como: sociólogo, físico, pesquisador, desenhista industrial e trabalhadores em petróleo, para citar alguns casos mais evidentes.

Como vimos, através deste breve estudo, os problemas com que se defrontam as condições institucionais de nossa profissionalização são particularmente graves e afetam a própria estrutura do desenvolvimento econômico. Agora, cumpre estabelecer as relações entre essas condições e os fatores da escolha profissional. É o que analisaremos a seguir.



Terceira Parte

Antes de mais nada, torna-se necessário fixar um conceito elementar de sociologia para que mais adiante possamos analisar conclusivamente o problema da escolha profissional. Como já o afirmaram muitos sociólogos, não são os homens em geral que pensam, nem mesmo os indivíduos isolados, mas os homens dentro de certos grupos que elaboram um estilo peculiar de pensamento, graças a uma série interminável de reações à certas situações típicas, características de sua posição comum. E, portanto, a determinado tipo de consciência social corresponde determinado tipo de valorização profissional. Dentro desse raciocínio, por conseguinte, quais são os critérios normalmente utilizados para justificar uma escolha profissional? São muitos, variando de acordo com a classe social e com os condicionamentos ambientais.

Ao tomarmos o encaminhamento profissional como problema para análise não estaremos, por certo, levando em consideração o tipo de carreira a que o jovem se destina, nem nos deteremos no detalhamento das peculiaridades que distinguem as diferentes modalidades de atuação profissional. Começaremos por explicitar as condições sociais em que se desenvolve o problema da escolha profissional. Para isso, retomaremos a análise do ponto em que a havíamos deixado na primeira parte deste trabalho, isto é, na função de jovem como arma de sua classe, o que impõe um condicionamento decisivo à sua carreira profissional. Vejamos esse processo mais a fundo.

Ficou claro que as alternativas de escolha do jovem são delimitadas por fatores manipulados pela sua classe que, por sua vez, tem interesses na carreira do jovem. A identidade entre a escolha do jovem e o projeto da família demonstra os interesses da classe, pois a família é a agência social que mediatiza as exigências da classe e do sistema. Nesse processo, o ESCOLHER para o jovem, no sentido do encaminhamento profissional, vê-se afastado e substituído pelo DECIDIDO. Em muitos casos, se coloca o jovem na dependência de aceitação de sua tarefa ocupacional futura, somente porque se cogitou de haver descoberto sua vocação pelo simples reflexo de, na escola, ter ele obtido um melhor aproveitamento numa disciplina, em detrimento de outras. Mas o que na maioria das vezes interfere nesse processo de imposição da profissão pela família são as vantagens asseguradas por uma carreira em relação a outras. As vantagens de uma determinada profissão pode, assim, ser medida pelas possibilidades de ganho material que ela proporciona, pela posição social de prestígio que ela confere, pela facilidades de vencer na vida, etc. A mobilidade social, a ascensão e o prestígio, fornecidas pelas vantagens acima explicitadas, são objetivos legítimos da família, para serem concretizadas pela formação profissional do jovem, o que, em última análise, traduz a preocupação de garantir a posição conquistada, ou ter condições de preservá-la.

Resumindo o que dissemos até agora: a classe social, através da família, aponta ao jovem suas possibilidades de escolha e o que acontece geralmente é que ele mostra-se comportado e paciente e, em muitos aspectos, em perfeita sintonia com os padrões tradicionais de escolha. Dessa forma, pode acontecer que as aspirações legítimas de tal jovem sejam tolhidas de concretização – o que poderá vir a acarretar a impossibilidade de um desenvolvimento integral de sua personalidade e, quiçá, sua participação na comunidade como elemento socialmente produtivo.

Mas, se o jovem adota uma posição contrária à apontada pelo seu grupo social ocorre, então, uma ruptura com os modelos apresentados, em prejuízo dos fatores condicionadores já apontados acima. Somente a férrea vontade do jovem permite-lhe, nesse caso, solucionar o problema e desenvolver o seu ajustamento às novas situações de existência social, apesar da quebra de unidade verificada no âmago de seu grupo social.

Portanto, os mecanismos da escolha profissional independem da vontade do jovem e, antes, impõem uma atitude determinada ao mesmo. Dessa forma, são poucas as possibilidades reais com que o jovem conta para interferir nesse processo e torná-lo submisso aos seus desejos conscientes, se é que existem como tais; pois, nessa fase do processo – quando a personalidade está praticamente formada e a família exige uma definição – o jovem ainda possui objetivos que não se manifestam com suficiente clareza, de modo a permitir uma escolha verdadeiramente consciente do caminho profissional. E dizemos possibilidades reais pois, apesar das opções aparentemente abertas ao jovem, ele raramente dispõe de uma margem de liberdade real para fazer frente às pressões contidas na estrutura social. Convém dizer que nossa atual estrutura social apenas permite uma escolha profissional verdadeiramente consciente quando esta se baseia no conhecimento, pelo indivíduo, das necessidades de sua comunidade e de suas próprias potencialidades e inclinações. Ora, tal conhecimento exige – se não se quer transformá-lo, também, num privilégio de elite – a participação de maiores contingentes populacionais no usufruto de níveis educacionais condizentes com nossas necessidades. Isso implica, consequentemente, que, sabendo dos problemas de seu meio, o jovem poderá, então, fazer uma opção deliberada e consciente por uma profissão que atenda às exigências de nossas condições institucionais e satisfaça, ao mesmo tempo, suas legítimas aspirações.



Quarta Parte

Insistimos nas linhas acima – e já o tínhamos dito na introdução deste trabalho –que os fatores determinantes que agem sobre a escolha profissional não o fazem de forma a torná-la consciente, ou pelo menos sob o domínio do indivíduo. Quando ocorre, por conseguinte, uma escolha profissional dita consciente é porque fatores circunstanciais – e, portanto, sem qualquer conotação social mais ampla – interferiram e orientaram tal processo de escolha. Os fatores circunstanciais a que nos referimos podem significar, por exemplo, formação educacional mais adequada com oportunidade de testes vocacionais e de personalidade, crescimento num ambiente socialmente sadio, conhecimento dos problemas das várias esferas sociais, etc. Ora, são poucos os jovens que hoje dispõem, ou podem dispor, destes pré-requisitos básicos para uma escolha profissional realmente consciente e, assim, voltamos a uma necessidade já tantas vezes dita e repetida, que é a das reformas estruturais de nossa sociedade.

Contudo, não é nossa intenção oferecer neste capítulo um modelo das reformas estruturais globais que se fazem necessárias. Nossa insuficiência intelectual não o permite. Contentamo-nos em apontar algumas diretrizes que se nos afiguram de importância relativa no que concerne às reformas parciais que se hão de fazer no campo profissional – e note-se que, ainda assim, prendemo-nos a soluções específicas que visem tornar consciente o problema da escolha profissional.

A solução deste, e de muitos outros problemas relativos à área profissional exige sobretudo reformas na estrutura educacional que precisa adaptar-se, já o dissemos, às novas condições institucionais de um país em franco desenvolvimento e cujo crescimento depende, em grande parte, de dinamização deste setor. O aperfeiçoamento do sistema educacional deve-se processar de modo que ele possa favorecer uma integração pronta do jovem em sua comunidade tão logo isso se faça necessário, e isto significa que a escola secundária deve trabalhar com situações sociais concretas sem nunca descambar para interpretações simplistas da realidade, como acontece na maioria dos casos. Significa, ainda, que ela deve realizar esta integração com os olhos humildemente voltados para as nossas realidades, sem contemplações para com o que acontece nos demais países em matéria de ensino. Um passo já foi dado para tal integração: a criação do sistema vocacional.

Cumpre, no entanto, disseminar este notável empreendimento já que os poucos ginásios vocacionais atualmente existentes não bastam para atender as exigências da estrutura social. Paralelamente a isso é preciso criar e aperfeiçoar centros técnicos de especialização profissional, sem o que estaremos provocando um impasse em nosso crescimento industrial. A intensificação dos cursos industriais exige, por sua vez, a criação de um sistema que possibilite o aproveitamento real da mão de obra especializada, isto é, sua imediata absorção pelo mercado de trabalho. Poderíamos apontar outras diretrizes além das acima relacionadas porém, cremos que estas já permitem evidenciar a natureza das soluções que se hão de impor, obedecendo-se, é claro, a critérios válidos de prioridade e proporcionalidade; e bastam também, estas diretrizes, para constatar a gravidade do problema que enfrentamos, cujas repercussões colocam em xeque o próprio desenvolvimento econômico do país.

Mas, para apresentar soluções é preciso, antes de tudo, pesquisa e planejamento. Pesquisa para termos à mão dados reais sobre o assunto em questão, e planejamento para que possamos fundar nossas atividades futuras em programas essenciais de desenvolvimento. E compete ao governo planificar tais programas, do qual esperamos, diga-se de passagem, uma política que assegure as modificações estruturais pelo desenvolvimento.



Conclusão

Neste estudo, defendemos a tese de que a escolha profissional consciente não apresenta validade social mais ampla, pois ela só é feita, justamente, sob condições muito particulares, o que já denota o seu caráter de exceção. Procuramos, por conseguinte, demonstrar a necessidade de ela ser feita sob o impulso de condições sociais mais atualizadas e justapostas à realidade, pois o homem não pode permitir que fatores estranhos ao seu controle decidam por ele quando se trata de problemas existenciais de grande importância para sua vida, como é o caso das tarefas ocupacionais.

Salientamos, também, que tais condições sociais de escolha profissional exigem, para efetivarem-se, as reformas estruturais já mencionadas, sem as quais estaremos criando mais um círculo vicioso responsável pelo nosso subdesenvolvimento. Sabemos que o trabalho é complexo e árduo, mas acreditamos que ele será feito porque confiamos, sobretudo, na capacidade ilimitada do homem em adaptar-se á novas condições de existência.



São Paulo, maio de 1968

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