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segunda-feira, 1 de janeiro de 2018
Terremoto em Angola? Novo presidente limpa o terreno dos corruptos
Terramoto político em Angola: o acontecimento internacional de 2017
29.12.2017 às 8h00
As eleições em Angola foram a escolha da redacção do Expresso para
Acontecimento Internacional do Ano. João Lourenço, o novo Presidente
angolano, está a mostrar todos os dias que não é um homem de palha
Agostinho
Neto, o primeiro Presidente de Angola, tem um poema onde afirma: “Eu
não espero/ Eu sou aquele por quem se espera”. Jorge Amado escreveu “O
cavaleiro da esperança”. Os angolanos esperavam há muito por um homem
que lhes devolvesse a esperança, depois de quase 40 anos em que José
Eduardo dos Santos dominou a cena política angolana e em que os seus
familiares e o círculo mais próximo construíram enormes fortunas, com
destaque para a sua filha Isabel dos Santos, que se tornou a primeira
bilionária africana, enquanto o povo continuou a viver com dois dólares
por dia. Surpreendentemente, o homem que está a devolver a alegria e a
esperança aos angolanos manteve, ao longo da sua extensa carreira no
MPLA, nas Forças Armadas, no Governo e noutras funções um perfil muito
discreto e contido. Talvez por isso, quando foi escolhido pelo
todo-poderoso Presidente cessante para lhe suceder, as interrogações
seguiram-se. Como seria a presidência de João Lourenço? A manutenção do
statu quo? Teria feito um acordo para não mudar durante um ou dois anos
as nomeações do anterior Presidente nos últimos dias do seu reinado ou
tocar nos interesses dos filhos? Ou iria afirmar-se e correr em pista
própria? Pois bem, a resposta tem sido brutal. O que neste momento tem
vindo a acontecer em Angola no plano político é um enorme tremor de
terra, que surpreende pela intensidade, rapidez e capacidade de
destruição do velho poder. Os sinais foram-se acumulando. No seu
discurso de posse, Lourenço assinalou que na comunicação social estatal
tinha de haver maior abertura à diferença e à divergência de opiniões. E
concretizou, exonerando todas as administrações das empresas públicas
de comunicação social no dia 9 de novembro: Televisão Pública de Angola
(TPA), Rádio Nacional de Angola (RNA), Edições Novembro e Agência Angola
Press (Angop). Da empresa Edições Novembro, que publica o “Jornal de
Angola”, foi exonerado José Ribeiro do cargo de presidente do Conselho
de Administração e de diretor daquele diário estatal. Ribeiro, nomeado
para o cargo em 2007, destacou-se desde aí pelos violentos editoriais
contra as pretensas ingerências de Portugal na vida política angolana,
contra empresários e a imprensa portuguesa, bem como pela sua ortodoxia
na defesa das mais altas figuras do regime angolano. A 17 de outubro já
tinha sido extinto o Gabinete de Revitalização e Execução da Comunicação
Institucional e Marketing da Administração (GRECIMA), órgão liderado
pelo influente ex-ministro Manuel Rabelais, desde 2012 responsável pela
imagem da Presidência de José Eduardo dos Santos.
MANUEL DE ALMEIDA / Lusa
No
mesmo discurso, o novo Presidente disse que o seu grande combate seria
contra a corrupção — reafirmando esse desiderato no discurso sobre o
estado da nação, ao sublinhar que essa luta é para encarar “com a devida
seriedade e responsabilidade”. A 27 de outubro tinha dado o sinal de
partida ao exonerar o governador do Banco Nacional de Angola. Novembro
foi o mês de todas as demissões. No dia 1 demitiu o conselho de
administração da Ferrangol, a empresa mineira do país. No dia 2 foi a
vez de ser exonerada a administração da Endiama, a segunda maior empresa
nacional de diamantes. No dia 3 aconteceu o mesmo na Sodiam, a empresa
de comercialização de diamantes. Seguiu-se, a 9 de novembro, a rescisão
do contrato de exploração de laboratórios de análises com a empresa
Bromangol, acusada pelos empresários de encarecer a importação de
alimentos por ser a única reconhecida pelo Estado para realizar as
obrigatórias análises laboratoriais. Foi também exonerado o responsável
pelo Secretariado Executivo do Conselho Nacional do Sistema de Controlo e
Qualidade, Jorge Sebastião, apontado como sócio de José Filomeno dos
Santos na Bromangol.
Finalmente, no quinquagésimo dia da sua
presidência, João Lourenço deu um golpe violento no poder da família Dos
Santos, ao afastar Isabel da presidência da petrolífera estatal,
nomeando para o seu lugar Carlos Saturnino, que a mesma Isabel tinha
demitido em 2016 da presidência da Sonangol Pesquisa & Produção sob a
acusação de má gestão.
No mesmo dia, o Presidente mandou cessar
os contratos da Semba Comunicações, empresa responsável pela gestão do
Canal 2 e da TPA Internacional. A Semba é propriedade dos irmãos Tchizé e
Coreon Du dos Santos, que detinham o controlo de dois canais da
televisão pública.
Para a eliminação da herança santista ser
total só falta mesmo o afastamento de Filomeno dos Santos, que dirige o
Fundo Soberano de Angola, recentemente envolvido no escândalo dos
“Paradise Papers”. Salva-o uma investigação às contas da instituição que
está a decorrer.
Finalmente, a 20 de dezembro, o Presidente
exonerou as administrações de nove empresas públicas, dos aeroportos e
portos, de distribuição de eletricidade e água, e dos caminhos de ferro.
getty
No
total, e até agora, João Lourenço precisou de menos de três meses para
demolir parte substancial da estrutura de poder de Dos Santos, fazendo
300 nomeações e exonerando mais de 30 oficiais generais e cerca de 20
administrações de empresas públicas, na área petrolífera, dos diamantes,
e de comunicação social, além do próprio BNA e de bancos detidos pelo
Estado. Depois das exonerações, Lourenço terá acima de tudo de mostrar
resultados e com rapidez. É essa a expectativa de quem votou no
candidato que, afinal, fez campanha para uma presidência de corte com o
passado, reformadora, inclusiva e anticorrupção. Tem a seu favor ser um
homem do mundo, viajado e com relações regionais e internacionais com
que o seu antecessor nunca contou.
Digamos, pois, que João
Lourenço está a atuar como um bulldozer, limpando todos os resquícios do
poder de José Eduardo dos Santos, da sua família e dos que enriqueceram
à custa dele e com a permissão dele. Sabe que tem de ser rápido e
determinado. Já não pode voltar para trás. O caminho, contudo, não é
isento de riscos. José Eduardo dos Santos continua a ser presidente do
MPLA e, apesar de doente, não está seguramente disposto a ceder sem luta
tudo aquilo que ele, os familiares e os que enriqueceram à sua sombra
conseguiram. Para se precaver, Lourenço já nomeou lideranças da sua
confiança para as forças armadas, para a polícia e para os serviços de
segurança. Mas à medida que exonera mais e mais dirigentes a todos os
níveis, ganha também mais e mais inimigos, vários deles com capacidade
para retaliar. É esse braço de ferro que se joga neste momento no grande
país africano. Para já, Lourenço está a levar a melhor, contando com o
apoio da generalidade da população. Mas sobre o país ainda paira uma
liderança bicéfala e convém não dar por adquirido o trajeto seguido nos
últimos três meses. Angola nunca teve terramotos. Está agora a viver um.
E as réplicas, como se sabe, podem provocar mais danos do que o
primeiro abalo.
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