Apresento, nesse texto, dados empíricos que comprovam a virtual impossibilidade de se obter, no Brasil, crescimento superior a 3% ao ano, em função da baixa taxa de investimentos, que por sua vez está diretamente vinculada ao nível das despesas públicas, obrigando a uma carga fiscal excessiva para a capacidade da economia.Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de novembro de 2006
Uma
verdade inconveniente
(ou sobre a impossibilidade de o Brasil crescer 5% ao
ano)
Paulo
Roberto de Almeida
Durante a campanha presidencial de 2006, e nos dias que
se seguiram à vitória do presidente-candidato, muito se falou sobre a intenção
de fazer o Brasil crescer mais, isto é, de ser acelerado o crescimento
econômico. Chegou-se a citar a cifra – não se sabe se mágica, ou apenas
anódina, em vista de taxas bem maiores nos demais emergentes – de 5% anual como
índice aceitável, ou até mesmo necessário, para o crescimento do PIB.
Com todo o respeito por promessas eleitorais ou mesmo
por projetos de governo, uma verdade inconveniente precisaria ser afirmada: o
Brasil, caso único entre os países emergentes, atende a todos os requisitos
para, justamente, NÃO crescer. A intenção deste breve ensaio é a de demonstrar
como e por que o Brasil não pode atender aos objetivos proclamados de uma taxa
mais rápida de crescimento econômico, por uma razão simples: ele NÃO consegue
crescer e a causa está nos níveis elevados de despesas públicas.
Em economia não existem certezas absolutas, apenas
relações matemáticas que podem apresentar algum grau de correlação com a
realidade, ou seja, mesmo não sendo verdades científicas, elas podem ser
comprovadas empiricamente. Entre essas correlações encontram-se as conexões
entre taxas de investimento e taxas de crescimento, a relação capital-produto
(que varia muito setorialmente), os vínculos entre a competitividade das
exportações e a taxa de câmbio, efeitos inflacionários da paridade cambial,
aqueles sobre a demanda agregada derivados das políticas monetária, fiscal e
tributária, bem como variações nos níveis de emprego em função de encargos
laborais compulsórios ou outras medidas (inclusive a taxação sobre o lucro das
empresas e a renda dos agentes privados).
Não se sabe bem de onde foi tirada a cifra “mágica” de
5% de crescimento, mas o que pode, sim, ser afirmado, é que, com uma taxa de
investimento anual inferior a 20% do PIB, é virtualmente impossível fazer a
economia brasileira crescer mais do que 3% ao ano. Se o Brasil deseja crescer
mais do que isso, vai ter de aumentar consideravelmente o nível dos investimentos,
o que não quer dizer, necessariamente, a poupança doméstica – pois esta pode
ser suplementada pela poupança externa, ou até aumentar no bojo do próprio
processo de crescimento –, mas o certo é que o País precisaria diminuir, muito
e rapidamente, o nível da “despoupança” estatal, que consome os recursos dos
particulares no estéril jogo das despesas públicas.
Uma das evidências mais notórias da política econômica
nas últimas décadas, tal como demonstrada por exercícios feitos a partir de
estatísticas dos países da OCDE, é a que víncula o nível das despesas públicas
nacionais com as taxas de crescimento anual. Em estudo sobre as causas dos
diferenciais de crescimento entre as economias da OCDE ao longo de 36 anos a
partir de 1960, o economista James Gwartney, da Florida State University (http://garnet.acns.fsu.edu/~jgwartne/) , demonstra a existência de uma correlação direta entre crescimento
econômico e carga tributária. A explicação para esse fenômeno é tão simples
quanto corriqueira: quanto maior o nível da punção fiscal sobre a sociedade,
menor é o incentivo para que os agentes econômicos se disponham a oferecer uma
contribuição positiva para a sociedade; em contrapartida, quanto mais alta a
carga tributária, mais e mais recursos fluem dos setores produtivos para o
aparato do governo.
Para aqueles ainda não convencidos por esta simples
correlação matemática, ou meramente empírica, recomenda-se uma consulta a este
trabalho de Gwartney, junto com J. Holcombe e R. Lawson: “The
Scope of Government and the Wealth of Nations”, The Cato Journal (Washington: vol 18, nr. 2, outono de 1998, p.
163-190; disponível no link: http://garnet.acns.fsu.edu/~jgwartne/scope_of_govt_gwartney.pdf). A figura 2, à p. 171, contém a evidência da
correlação apontada: a taxa média anual de crescimento do PIB, entre 1960 e
1996, para os países de carga fiscal inferior a 25% do PIB foi de 6,6%, ao
passo que o mesmo índice para os países com carga superior a 60% do PIB foi de
1,6%.
Recentemente, o economista Jeffrey Sachs, da Columbia
University, enfatizou as supostas virtudes do “modelo escandinavo” de
desenvolvimento: em um curto artigo, quase uma nota, “The
Social Welfare State, beyond Ideology” (Scientific American, 16/10/2006, link: http://www.sciam.com/print_version.cfm?articleID=000AF3D5-6DC9-152E-A9F183414B7F0000), ele afirma expressamente que “Friedrich von Hayek was wrong” e que o modelo nórdico, baseado na forte presença do Estado, é
superior ao modelo anglo-saxão (que produz mais crescimento do que o modelo
econômico adotado na Europa continental). Ele já tinha sido desmentido
previamente por um trio de belgas, Martin De Vlieghere, Paul Vreymans e Willy
De Wit, que assinaram conjuntamente o artigo “The
Myth of the Scandinavian Model”, publicado no The Brussels Journal (25/11/2005; link: http://www.brusselsjournal.com/node/510).
Uma consulta à página do site da instituição que patrocinou o
estudo que fundamenta o referido artigo de imprensa, o think tank belga Work
for All ((http://www.workforall.org/html/faq_en.html),
traz comprovações aplastantes sobre o sucesso do modelo irlandês de crescimento
econômico – baseado, justamente, em baixas taxas governamentais sobre o lucro
das empresas e sobre o trabalho –, em contraste com o medíocre desempenho das
economias escandinavas ou continentais, todas apresentando altos níveis de
despesas. Ou seja, a existência de um grande Estado indutor e de redes
generosas de proteção social estão, de fato, contribuindo para o lento declínio
dessas sociedades, outrora bem mais prósperas.
A explosão de crescimento na Irlanda, a uma taxa superior a 5% ao
ano nas duas últimas décadas, continuou sustentada, mesmo quando o desempenho
econômico geral da UE começou a diminuir ao longo dos anos 1990. Alguns
argumentos tendem a fazer crer que as altas taxas de crescimento experimentadas
pela Irlanda, ou pela Espanha, em determinados períodos, são devidas aos
abundantes subsídios comunitários, que irrigaram essas economias com pesados
investimentos em infra-estrutura ou diretamente em setores produtivos. As evidências,
porém, demonstram que a Irlanda – que efetivamente recebeu transferências de
Bruxelas a partir de seu ingresso na então Comunidade Européia, em 1972, já que
o país ostentava então metade da renda per capita da média comunitária –
começou a crescer apenas a partir de 1985, quando ela reformou inteiramente sua
estrutura tributária, no sentido de aliviar a carga sobre as empresas e o
trabalho, e quando, justamente, os subsídios europeus começaram a diminuir.
Outras regiões deprimidas da Europa, como a Valônia belga, ou a
Grécia, receberam igualmente, subsídios generosos, com efeitos muito limitados
sobre as taxas de crescimento, em virtude, justamente, de aspectos negativos em
outras vertentes, entre eles o nível das despesas governamentais. Um eloquente gráfico
comparativo entre o desempenho da Bégica e da Irlanda, inserido no site do
think tank (http://workforall.net/English/size_of_government.gif),
ilustra à perfeição que a elevação da taxa de crescimento da Irlanda começou,
precisamente, em 1985, quando o país reduziu sua carga fiscal.
No caso do Brasil, infelizmente, todos sabem dos níveis
anormalmente elevados da carga fiscal e das despesas públicas, que nos colocam,
inevitavelmente, na faixa dos países impossibilitados de crescer mais de 3% ao
ano. Como vem demonstrando, desde longa data, o economista Ricardo Bergamini, o
Brasil vive um verdadeiro “manicômio tributário” (http://www.rberga.kit.net/ap/pr/pr39.html),
com uma profusão de impostos atingindo justamente os setores produtivos.
Adicionalmente, uma parte significativa da renda dos não tributados
diretamente, isto é, as faixas dos cidadãos mais pobres, também é extraída
compulsoriamente pelo Estado sob a forma de impostos sobre os produtos e
serviços, em níveis muito elevados no Brasil, em comparação com outros países.
Como resume esse economista, o Brasil amargou sucessivas quedas no crescimento,
desde as fases de alta expansão do PIB, nos anos 1950 a 1980, até os anos de
relativa estagnação no período recente, como se pode verificar na tabela
abaixo:
Taxa média anual de crescimento do PIB, 1952-2005 (%)
|
períodos
|
1952/63
|
1964/84
|
1985/89
|
1990/94
|
1995/02
|
2003/05
|
média-ano
|
6,99
|
6,22
|
4,39
|
1,18
|
2,33
|
2,60
|
|
Evidências adicionais sobre os problemas fiscais, tributários e de
má alocação dos recursos coletados pelo Estado brasileiro junto aos únicos
produtores de riqueza do país, que são os agentes econômicos privados –
empregadores e trabalhadores –, estão contidas num livro que acaba de ser
publicado sob a coordenação do economista Marcos Mendes: Gasto Público Eficiente: 91 propostas para o
desenvolvimento do Brasil (Rio de Janeiro: Topbooks, Instituto Fernand
Braudel, 2006). O capítulo 2 desse livro, assinado pelos economistas Cláudio D.
Shikida e Ari Francisco de Araújo Jr. (do Ibmec-MG) – “Por que o estado cresce
e qual seria o tamanho ótimo do estado brasileiro?” –, demonstra como o Estado
vem crescendo exageradamente nos últimos vinte anos, no Brasil, um período de
apenas 2,5% de crescimento médio anual do PIB (e de 1% de crescimento do PIB
per capita). Durante o mesmo período, a maior economia do planeta, os EUA – que
sairam de um PIB de 3 ou 4 trilhões de dólares para alcançar a casa dos 13
trilhões de dólares –, mantiveram-se, com algumas variações, em torno do mesmo
patamar de carga fiscal, de aproximadamente 29% do PIB (contando ainda com
encargos reduzidos sobre a folha de salários das empresas). A tabela abaixo
resume alguns dos dados apresentados nesse trabalho:
Carga Tributária
sobre o PIB, EUA e Brasil
(anos selecionados, % do PIB)
|
Anos
|
EUA
|
Brasil
|
1964
|
27
|
17
|
1970
|
30
|
26
|
1980
|
30
|
24
|
1985
|
30
|
24
|
1988
|
31
|
22
|
1990
|
31
|
29
|
1993
|
30
|
26
|
1995
|
32
|
29
|
1998
|
30
|
33
|
2000
|
34
|
33
|
2002
|
30
|
36
|
2004
|
29
|
36
|
Fontes: EUA: Tax Foundation
(2004); Brasil: diversas, in Shikida-Araujo Jr., Gasto Público Eficiente (op. cit.)
|
Com base nas evidências disponíveis, Shikida e Araújo Jr. chegam à
conclusão de que o ponto “ideal” da carga fiscal, nas condições brasileiras,
não deveria ser superior a 32% do PIB. Registre-se, apenas, que a média para os
países emergentes situa-se em 28% do PIB, sendo que países de maior crescimento
ostentam taxas de 17% (China) ou de 18% (Chile) do PIB, ao passo que os ricos
países europeus, que crescem abaixo de 3%, estão na faixa de 38% do PIB (que é
a ostentada atualmente pelo Brasil, mas com tendência a um crescimento ainda
maior), com picos acima de 50% para os já referidos escandinavos (estes, que
sairam de altos patamares de renda per capita, vêem declinando lentamente,
alinhando-se com as médias “normais” dos países da OCDE).
Em síntese, a única conclusão possível a ser retirada dessa
abundância de dados quantitativos e de análises qualitativas sobre as condições
objetivas e os requerimentos do crescimento econômico seria mesmo esta: o
Brasil é um país excepcionalmente bem preparado para NÃO CRESCER. Verdades
inconvenientes como estas merecem ser repetidas, até que os principais
decisores e a própria população tomem consciência dos fatores impeditivos ao
crescimento brasileiro e resolvam contribuir para a construção de um consenso
que se torna cada vez mais necessário para a definição de uma agenda de
desenvolvimento nacional: ou o Brasil diminui o peso excessivo do Estado sobre
os cidadãos ativos e as empresas, ou o Estado continuará a pesar sobre a taxa
de crescimento do país. Não há como escapar a essa verdade inconveniente...
Paulo
Roberto de Almeida
Brasília,
12 de novembro de 2006
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