O autoritarismo custará caro ao México
Ambições autocráticas de Obrador e seus acólitos, incluindo a nova
presidente, estão destruindo não só as liberdades políticas dos
mexicanos, mas suas oportunidades econômicas
P or 70 anos o México viveu sob o regime de um partido único, sem os
contrapesos do Legislativo e do Judiciário. Nos anos 90, as pressões de
uma sociedade civil complexa, educada e sedenta de pluralismo forçaram o
Partido Revolucionário Institucional (PRI) a fazer concessões e
reformas estabelecendo instituições eleitorais e judiciais
independentes. Agora, o país caminha a passos largos para hipertrofiar o
Executivo e concentrar poder no partido incumbente, o Movimento
Regeneração Nacional (Morena), fundado por Andrés Manuel López Obrador
(AMLO), que no dia 1.º encerrou seu mandato presidencial de seis anos,
passando a faixa para sua pupila, Claudia Sheinbaum. Um partido único
está sendo reinstaurado ? só que desta vez pode ser pior.
O PRI mutilou as liberdades políticas dos mexicanos e controlava as
eleições, mas era disciplinado e construiu instituições e burocracias
profissionais. A agenda do Morena vai na direção oposta.
AMLO sufocou o Instituto Nacional Eleitoral (INE) e manipulou as regras
para favorecer seu partido. Nas eleições de junho, elegeu Sheinbaum com
ampla margem. A coalizão de esquerda liderada pelo Morena obteve 54% das
cadeiras na Câmara dos Deputados, mas um INE já aparelhado distorceu as
regras de representação, concedendolhe 74% das cadeiras e uma
supermaioria no Senado.
Em setembro, quando AMLO ainda era presidente e a nova legislatura
assumiu, ele tentou aprovar 18 emendas constitucionais para, entre
outras coisas, eliminar agências independentes, banir parcerias de
estatais com a iniciativa privada, ampliar a ingerência das Forças
Armadas na segurança pública, erguer barreiras a investimentos e ao
comércio internacional e reduzir prerrogativas de partidos minoritários.
O tempo não foi suficiente para aprovar o pacote, mas Sheinbaum promete
encaminhá-lo, e a mais perniciosa das reformas, a do Judiciário, foi
aprovada.
Em três anos, todos os magistrados e ministros da Suprema Corte serão
removidos, e passarão a ser eleitos por voto popular. Os candidatos
serão préselecionados pelo Executivo e o Legislativo, as exigências
profissionais serão mínimas e um ?tribunal disciplinar? terá poderes
para punir os indóceis. Além do poder oficial, o poder paralelo do
narcotráfico terá amplas oportunidades de influenciar as escolhas
através do dinheiro e da violência.
AMLO e seus acólitos replicam o manual de outros candidatos a déspotas,
como Viktor Orbán, na Hungria. Nesses casos, a democracia não é
derrubada à força de golpes e tanques na rua, mas por erosão intestina. O
México mostra que essa destruição da democracia por meios democráticos
não é prerrogativa de alguma região ou ideologia.
Pode acontecer na Europa ou América Latina, à esquerda ou à direita. Mas
nenhum país é uma ilha, muito menos um país grande, mas em
desenvolvimento, como o México, ou um país desenvolvido, mas pequeno,
como a Hungria. O autoritarismo tem custos, e já se fazem sentir.
A União Europeia tem encontrado meios de neutralizar e isolar Orbán. As
políticas de AMLO estão sangrando a economia mexicana. Seu governo teve
as piores taxas de crescimento neste século: o Banco Central prevê 1,5%
neste ano e 1,2% no próximo. O peso está em queda e o déficit está acima
de 5%, o maior desde os anos 80. Agências de risco advertem para um
aumento do prêmio, e a mídia e o governo dos EUA, país que tem US$ 144
bilhões investidos no México e recebe 80% de suas exportações, alertam
que a reforma judicial não só mina a proteção de direitos humanos e o
acesso imparcial à justiça, como inviabiliza os negócios. Outras
reformas no pacote do Morena violam o acordo de livre comércio com EUA e
Canadá, que expira em 2026 e precisa ser renegociado.
Uma parcela da população mexicana está revoltada. Se não for capaz de
mobilizar seus conterrâneos e reverter a destruição do Estado
Democrático de Direito em curso, seu país provará uma das mais amargas
lições da História: que a combinação da concentração do poder político
com a penúria econômica leva inexoravelmente ao recrudescimento da
tirania ou à ruptura pela anarquia.
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