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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Carreira diplomática: uma trajetória - Paulo Roberto de Almeida

 Um texto antigo, mas que ainda pode exemplificar a preparação para a carreira diplomática:

1739. “Carreira diplomática: uma trajetória”, Brasília, 27 março 2007, 5 p. Respostas a perguntas colocadas pela Carta Forense, para caderno especial sobre concursos, sobre diplomacia. Publicado, sob o título “Minha trajetória como concursando”, na revista Carta Forense (ano 5, n. 47, abril 2007, Caderno de Concursos, p. C2-C3). Postado no blog Diplomatizzando (12/07/2010; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/07/como-no-caso-de-textos-anteriores-que.html).


Carreira diplomática: uma trajetória

 

Respostas fornecidas à Carta Forense por 

Paulo Roberto de Almeida

 

Carta Forense – Em que momento decidiu se enveredar pela carreira diplomática?

PRA: A decisão foi tomada de maneira inopinada, com base num anúncio publicado nos jornais, no primeiro semestre de 1997, anunciando a abertura de dois concursos de entrada na carreira diplomática: o primeiro pela via tradicional do Instituto Rio Branco, ou seja, o vestibular para admissão no Curso Preparatório à Carreira Diplomática (à época requerendo apenas e tão somente dois anos, ou quatro semestres, de qualquer graduação universitária), o segundo consistindo num exame direto (com maior número de provas eliminatórias, inclusive orais, e exigindo curso superior completo), dando acesso imediato ao primeiro escalão da carreira, isto é, Terceiro Secretário.

Nessa ocasião, eu acabava de voltar ao Brasil, depois de um longo exílio autoimposto (quase sete anos) por causa da ditadura militar. Passei seis anos e meio na Bélgica, tendo completado minha graduação em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas (1974), defendido minha dissertação de mestrado em planejamento econômico e economia internacional pela Universidade do Estado de Antuérpia (1976) e iniciado um doutoramento, que ficou esperando meu primeiro posto diplomático para ser finalizado. Como eu já possuía mestrado e encontrava-me em meio ao doutoramento, optei pelo concurso direto e ingressei, portanto, na carreira, no final do ano de 1977. 

Como disse, tratou-se de uma decisão repentina, uma forma de reinserir-me na vida brasileira, depois de longos anos no exterior, e já possuindo certa vivência prática de temas de política internacional, alguma experiência na análise de questões de política externa e conhecimento de línguas.

 

CF – Como o senhor se preparou para este concurso? 

PRA: devo confessar que quase não me preparei, inclusive porque estava trabalhando em São Paulo, dando aulas em duas faculdades, atuando em programas de assessoria em formação de recursos humanos para a Unicamp e também porque o intervalo entre, de um lado, o conhecimento e a decisão de participar do concurso, e, de outro, a realização das provas foi muito curto, não me permitindo cobrir toda a bibliografia recomendada ou frequentar algum cursinho preparatório (que de toda forma não estava em minhas intenções ou necessidades).

Como eu posso dizer, sem medo de errar, que passei quase metade da minha vida em bibliotecas, ou lendo de forma compulsiva, meu conhecimento acumulado – pelo menos nas áreas tradicionais das ciências sociais aplicadas – já era bastante grande, bastando-me completar o conhecimento de direito, onde estavam minhas lacunas mais notórias. Li os livros de que dispunha, não comprei nenhum em especial para o concurso e fui muito bem-sucedido, ingressando em segundo lugar e fazendo jus ao prêmio Lafayette Carvalho e Silva.

 

CF – Quais são os requisitos para se candidatar a este cargo?

PRA: É preciso ser brasileiro nato, estar em dia com as obrigações eleitorais e de serviço militar, ter a ficha limpa na polícia e ser formado em um curso superior reconhecido no Brasil pelo Ministério da Educação (MEC). Qualquer curso superior. Apesar de mais ou menos metade dos aprovados no concurso serem, via de regra, formados em direito, e muitos outros em relações internacionais, conheço diplomatas formados em engenharia, medicina, letras e ciência da computação. Diplomas estrangeiros, só se reconhecidos pelo MEC.

 

CF – Quem tem dupla nacionalidade é aceito na carreira?

PRA: Desde que sejam brasileiros natos sim. A Constituição reza que, exceto as exceções, quem pede para ser naturalizado como nacional de outro país perde a identidade brasileira. No entanto, já ficou estabelecido que, em boa parte dos casos em que um brasileiro tem uma nacionalidade estrangeira, não foi ele que pediu uma outra nacionalidade — a dupla nacionalidade é apenas reconhecida, segundo as leis próprias do país estrangeiro e, portanto, não há perda da nacionalidade brasileira. Assim sendo, não há obstáculos ao ingresso desses seres cosmopolitas no concurso. E não, não vão suspeitar que você é um agente duplo trabalhando para vender o Brasil para a Itália, por exemplo. Só tem uma coisa: a Lei do Serviço Exterior afirma que, para casar-se com estrangeiros, os diplomatas precisam da autorização do Ministro de Estado.

 

CF – Como é o processo seletivo?

PRA: Em uma primeira etapa, realiza-se um Teste de Pré-Seleção (TPS), composto de uma seleção de questões de múltipla escolha ou de opções certo ou errado, com base numa amostragem do conjunto de provas setoriais aplicadas na terceira fase (Português, Inglês, História Mundial e do Brasil, questões de relações internacionais). Em seguida, os candidatos aprovados no TPS fazem a prova de Português (segunda fase). Na terceira fase, os candidatos aprovados nas fases anteriores realizam 6 provas: Questões Internacionais Contemporâneas, Inglês, História, Geografia, Noções de Direito e Noções de Economia. Adicionalmente, eles têm de escolher entre Francês ou Espanhol para uma prova classificatória numa dessas duas línguas.

 

CF – Há alguma disciplina que deve ser priorizada?

PRA: È recomendável que em todas as disciplinas o candidato tenha um bom conhecimento, mas acredito que o domínio da língua inglesa é fundamental, embora não seja mais eliminatório na prova.  O nível da prova é altíssimo, a exigência é que se escreva um inglês correto de verdade, um inglês que um norte-americano médio provavelmente não alcançaria.

A prova de Português é extremamente rigorosa, exigindo que o candidato tenha um domínio quase perfeito da língua. Adicionalmente, a amplitude dos conhecimentos exigidos nas provas de história (mundial e do Brasil) leva muito gente à desclassificação.

 

CF - É verdade que os bacharéis em Direito têm mais facilidade para ser aprovados?

PRA: Não necessariamente os bacharéis em Direito apresentam maior facilidade intrínseca, tanto porque os conteúdos de história, de economia e de relações internacionais (lato sensu) vêm sendo reforçados relativamente em relação às anteriores exigências prioritárias em direito e línguas. Mas é certo que grande parte dos diplomatas tem formação jurídica na graduação. 

 

CF - Depois de aprovado, qual o plano de carreira?

PRA: Ingressa-se como terceiro Secretário, embora ainda aluno do Instituto Rio Branco. Depois, a intervalos de mais ou menos 4 a 6 anos, vai se galgando os demais escalões da carreira: segundo e primeiro Secretário, Conselheiro (que necessita submeter-se a uma espécie de doutoramento, o Curso de Altos Estudos, para habilitar-se à próxima etapa: Ministro de segunda classe e finalmente, Ministro de primeira classe, vulgarmente chamado de Embaixador. 

Exceto em casos especiais, apenas um diplomata que alcança o grau de Ministro de Primeira Classe pode servir como embaixador do Brasil em algum país estrangeiro, daí esse grau ser chamado, por comodidade, de “Embaixador”. Em países pequenos, com embaixadas menores, um Ministro de Segunda Classe pode eventualmente servir como Embaixador. Há também indicações políticas, normalmente raras, em que o Presidente da República designa alguém de fora da carreira como Embaixador. Foi o caso, por exemplo, do ex-presidente Itamar Franco, na Itália. Nesses casos, o embaixador “civil” poderá contar como seus assessores com diplomatas de carreira experientes.

 

CF – Com a globalização e a inserção cada vez mais frequente do Brasil no mercado internacional, o senhor acredita que cada vez abrirá mais vagas nesta carreira?

PRA: Certamente que o aumento da interface externa do Brasil vai contribuir para a expansão das oportunidades nas “carreiras internacionalistas”, entre as quais se situa a de diplomata. Isto pode implicar num aumento gradativo de “vagas” na carreira diplomática, ainda que essa expansão se dê aos “saltos”, consoante as características do serviço público. As duas ampliações de vagas no serviço exterior foram conduzidas com aproximadamente 30 anos de intervalo, em 1975 e em 2006, respectivamente.

 

CF – É verdade que o curso de formação diplomática vale como mestrado?

PRA: Desde 2002 o curso do Instituto Rio Branco tem valor de mestrado, o que requer, como sua atividade principal, o preparo pelo aluno de uma dissertação acadêmica. Esta pode versar sobre temas ligado às relações internacionais do Brasil, ao direito internacional, à economia internacional ou à questões de identidade nacional. Como vê, a margem é ampla. O aluno escolhe seu orientador acadêmico dentre uma lista de nomes fornecida pelo Instituto. Nem todos são professores do Rio Branco.

O curso do Rio Branco é reconhecido pela CAPES como Mestrado Profissional, avaliado com conceito 4 em uma escala de 1 a 7.

 

CF – Quais são as dicas que o senhor dá aos candidatos?

PRA: Não pensar que se pode aceder à carreira com algum cursinho rápido e leituras superficiais em pouco tempo de preparação. Os exames de entrada são reconhecidamente difíceis e isso requer uma preparação metódica e sistemática, estudos de larga duração e amplo espectro, nos quais a cultura humanística é essencial, mas também o conhecimento corrente sobre as mais importantes questões da atualidade internacional, em especial dos processos negociadores externos nos quais esteja inserido o Brasil. A redação precisa ser impecável, o conhecimento de inglês excelente e uma grande cultura geral também ajuda. 

De maneira geral, ler com atenção a bibliografia recomendada no Guia de Estudos do IRBr, mas preparar-se também de maneira autodidata, com leituras extensas nos mais diversos campos das ciências humanas e sociais. 

 

Brasília, 27 março 2007

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Relações internacionais, política externa do Brasil e carreira diplomática, Aula Inaugural 2021, Paulo Roberto de Almeida

Relações internacionais, política externa do Brasil e carreira diplomática

Paulo Roberto de Almeida

Notas para aula inaugural no quadro do curso do Ibmec Global Affairs, em 20/08/2021.

      Residente que fui nos Estados Unidos, por duas vezes, ademais de diversas outras viagens de trabalho, acadêmicas ou de simples lazer naquele país continente, que atravessei duas vezes costa a costa, do Atlântico ao Pacífico, e várias outras vezes no sentido Norte-Sul ou em diagonal, percorrendo a quase totalidade dos seus estados federados – faltou o Dakota do Norte, no território continental, o Alaska e o Havaí, no Pacífico, e o estado associado de Porto Rico, para completar toda a nação – posso dizer que conheço razoavelmente aquela grande nação.

 (...)

Pois, num dos boletins eletrônicos que recebo regularmente, este, da New Yorker, a irreverente revista mensal de uma das melhores cidades do mundo, trazia a seguinte manchete provocadora: “Does the Great Retreat from Afghanistan Mark the End of the American Era?”, (16/08/2021; link para a minha postagem no blog Diplomatizzando: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/08/does-great-retreat-from-afghanistan.html), por Robin Wright, uma das melhores colunistas da revista desde 1988. Repito, em português: “A Grande Retirada do Afeganistão marca o fim da Era Americana?”, interrogação, pois o colunista tem dúvidas sobre se isso representa uma fatalidade ou um processo reversível. Vamos, pois, examinar os dados da questão, e depois tentar ver como se situa o Brasil e a nossa política externa em face dessas questões. Finalmente, tratarei muito brevemente sobre os impactos disso tudo sobre a minha profissão e sobre a de muitos dos que me leem ou assistem minha exposição.

(...)

Ler a íntegra desta aula inagural neste link.

 

 


sábado, 21 de setembro de 2024

Carreira diplomática: respostas a questões de candidatos - Paulo Roberto de Almeida

 Ao longo da carreira, diplomática e acadêmica, tenho respondido a dezenas, centenas de perguntas de alunos, de candidatos à carreira diplomática, assim como de jornalistas ou simples curiosos. A todas as questões tenho procurado responder da maneira mais honesta possível, ainda que não da maneira mais ortodoxa, como talvez recomendariam certos cânones do corpo diplomático profissional.

Algumas dessas respostas foram condensadas numa relação que pode satisfazer a curiosidade dos curiosos, se tiverem paciência de ler:

4331) Lista de trabalhos sobre a carreira diplomatica e a diplomacia (2023)

    https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/03/lista-de-trabalhos-sobre-carreira.html

Mais recentemente recebi mais algumas perguntas, cujas respostas seguem abaixo,

Paulo Roberto de Almeida

Brasilia, 21 de setembro de 2024


Perguntas formuladas por candidatos à carreira diplomática

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor. 

 

1) Qual o primeiro passo você indicaria para quem gostaria de seguir a carreira diplomática no Brasil atualmente?

PRA: Antes do primeiro passo, que é obviamente o planejamento da preparação, uma reflexão sincera sobre quais suas reais motivações: muitos fazem o concurso do Itamaraty à procura de um bom emprego, com muitas viagens ao exterior, estadas em países avançados – e outras em países muito piores do que o Brasil – e uma vida que se imagina de charme, beleza e, sobretudo, para alguns, estabilidade garantida pela maior parte da vida adulta. Outros respondem a conceito mais subjetivo de “ calling”, ou vocação, que é o interesse e o fascínio concreto por coisas internacionais, pela cultura, conhecimento, experiências diversas que nunca serão obtidas numa profissão do setor privado ou na burocracia interna do Estado.

Creio que essa primeira reflexão sobre suas reais propensões, não exatamente de um emprego, mas de vida, de dedicação a causas outras do que o egotismo pessoal, de busca de uma elevação ainda maior na satisfação pessoal, de empatia a tudo o que é diferente do vivido no ambiente local, e qualquer ambiente estrangeiro desperta reflexões e reações, nem todas as melhores possíveis, mas por vezes com desafios realmente relevantes, inclusive do ponto de vista familiar, quando não se tem o conforto e ajuda dos pais, amigos, vizinhos.

Feita essa reflexão, que não significa a simples preparação concurseira, cabe então iniciar o planejamento da preparação para os exames. A primeiríssima coisa, uma vez consultado o Edital e os requerimentos das provas, fazer uma tabela, um balanço, avaliação, descrição detalhada de todas as suas “fortalezas” e fraquezas, isto é, quem é bom em Português e Inglês (que são requisitos essenciais), em história e relações internacionais, e quem é fraco em economia, direito e nas demais provas. Feito esse quadro, é preciso planejar meticulosamente uma dedicação intensa aos estudos, não apenas acadêmicos, baseados nos text books, nos livros de referencias, nos grandes manuais de cada matéria, mas sobretudo práticos, com base naquilo que o Brasil fez, vem fazendo, pretende fazer, no plano regional, bilateral, multilateral, dos condicionamentos domésticos (constitucionais e infra) e do registro efetivo da experiência brasileira em cada um dos desafios externos.

Como regra geral, o conhecimento perfeito das posições brasileiras em cada um dos itens da agenda externa – e eles são milhares – é um elemento estratégico em qualquer prova que se tenha de fazer; por isso um seguimento das matérias postadas pelo Itamaraty, pela presidência, e por alguns outros órgãos do executivo federal, é quase tão importante, talvez até mais, do que o conhecimento das teorias e dos livros conceituais em cada área. Na preparação das provas do ano não entram apenas professores versados nas matérias com base em conceitos abstratos e posições principistas, mas também diplomatas enfronhados nos assuntos que escolhem para perguntas, com perguntas cabeludas, algumas até maldosas, pois que representam pegadinhas por uma palavra estranha embutida num argumento ate correto, mas inviabilizado justamente por uma adversativa que não é válida, a não ser por que cuida do assunto na ONU, na OMC, no Mercosul, etc.

Eu considero esse detalhismo exacerbado em determinadas questões algo impróprio e até injusto com candidatos que não acompanham em minúcias determinados posicionamentos da diplomacia brasileira, que podem até mudar de um governo a outro (pois o que era correto, globalista, numa fase, passa a ser impróprio, neoliberal, em outra). Daí a necessidade de seguir com atenção todos os pronunciamentos e informações emanados do Itamaraty.

Resumo. Primeiro passo, identificar seus pontos fortes e fracos e depois dividir o tempo entre reforço e revisão de questões relevantes. Uma consulta às provas já feitas nos últimos anos pode ajudar a medir o grau de dificuldade intrínseca a todas as questões.

 

2) Se o Dr. fosse ingressar na carreira diplomática hoje, como se prepararia? E, ao ingressar, qual rumo pensa que tomaria dentro do Itamaraty, tendo em vista a diversidade de funções que compreende a carreira?

PRA: Já descarto a segunda questão, pois muitas vezes o recém ingressado já se defronta com escolhas determinadas pelas necessidades do serviço exterior, não pelas suas preferencias intelectuais. Eu tenho preferencia por questões de desenvolvimento econômico, mas não foi isso que me foi sempre “ oferecido”  no trabalho. Ao longo da carreira, o diplomata vai construindo suas afinidades eletivas de acordo a suas possibilidades concretas e no contato com as chefias da Casa, que podem fazer convite para os “ especialistas”  num determinado ramo; eu por exemplo, tinha poucas afinidades com Direito ou Administração e nunca trabalhei nessas áreas, mas assumi também funções consulares, o que nunca tinha sido objeto de minhas primeiras preferências de área.

Quanto à primeira questão, confesso que não tenho uma mínima ideia, pois jamais fiz vestibular para o Rio Branco e nunca cursei o instituto. Entrei por um direto, exigências maiores, provas orais e discursivas, com mais liberdade ao meu estilo próprio de exames. Se eu tivesse de concorrer atualmente, provavelmente não seria aprovado, pois o formato das provas é infinitamente mais complicado do que discorrer sobre assuntos nos quais você pode expressar seu pensamento com maior latitude. Hoje em dia se exige precisão absoluta nas respostas, o que requer um amplo conhecimento das menores questões da agenda.

Como no caso da questão anterior, o “primeiro passo”, os concursos do Itamaraty requerem uma longa e exigente preparação, com estudos se estendendo durante tempo mais largo do que os 12 meses de um ano. Persistência e empenho no estudo duro são necessários, o que não foi o meu caso no concurso direto. Mas, cabe registrar que eu sempre fui um rato de biblioteca e já tinha passado longos anos em bibliotecas, lendo jornais, sabendo muito sobre uma enorme variedade de assuntos de meu interesse: eu já estava preparado, sem nenhum estudo prévio, para praticamente todas as provas, com exceção de Direito e Inglês.

 

3) Nota-se que o senhor faz uso de lições históricas para analisar as crises contemporâneas, aprecio muito isso. Há erros históricos da diplomacia brasileira que o senhor acredita que poderíamos evitar no cenário atual, especialmente frente aos desafios globais mais recentes, como a questão da Palestina?

PRA: Com oito anos eu já estava lendo história, e assim fiz durante toda a minha vida, assim que me é fácil recorrer aos ensinamentos do passado ao discorrer sobre o presente (embora eu seja contra o uso de analogias históricas, que são quase todas sempre falsas).

A diplomacia brasileira tem uma parte boa, que é a excelente preparação intelectual dos diplomatas – o que não quer dizer que eles sejam isentos de preconceitos e de desvios de formação, dadas as características da educação brasileira, deficiente em várias áreas, sobretudo história econômica e política econômica tout court – e uma parte que pode ser muito ruim, que é sua dependência de lideranças políticas que podem ser medíocres ou tisnadas ou comprometidas com posições ideológicas e partidárias bastante nefastas para fazer as boas escolhas nas alianças externas e na adoção de políticas voltadas para os mais relevantes interesses da nação como um todo.

O caso da Palestina nem é o mais grave, ainda que preocupante, pois a tragédia dos enfrentamentos na região é um problema para TODOS os serviços diplomáticos, dada a complexidade dos vários imbróglios com todos aqueles povos, vítimas do colonialismo e dos seus próprios erros políticos e deficiências culturais, educacionais, religiosas. O mais grave, na verdade, é que já poderíamos ser um país, não digo avançado, mas mais desenvolvido, e só perdemos oportunidades nas últimas décadas, dada a incompetência e mediocridade das lideranças políticas, oligarquias extratoras e um mandarinato estatal comprometido apenas com o seu próprio bem-estar. Digo isto, porque em 1960 a Coreia do Sul tinha exatamente a metade da nossa renda per capita e hoje está quatro ou cinco vezes acima; ou seja, algo, ou várias coisas, eles fizeram de correto e nós erramos muito, exageradamente, em políticas macro e setoriais, na parte fiscal, na introversão nacionalisteira, na não-educação. A diplomacia carrega uma parte das responsabilidades por esse atraso, por aderir acriticamente ao receituário desenvolvimentista e estatizante, o que nos deixou isolados das melhores tendências em matéria de políticas econômicas, como é o padrão OCDE de políticas.

Leia, por exemplo, este meu texto: “O outro lado da glória: o reverso da medalha da diplomacia brasileira (17/10/2020: link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/10/o-outro-lado-da-gloria-o-reverso-da.html), que remete ao integral:

Sumário: 

1. Tropeços na independência e durante o império

2. Os fracassos da primeira diplomacia republicana

3. A difícil construção de uma diplomacia autônoma, e consciente de sê-lo

4. A diplomacia profissional, como base da diplomacia presidencial

5. A deformação da política externa sob a diplomacia bolsolavista

Referências bibliográficas

Texto integral disponível na plataforma Academia.edu: link: https://www.academia.edu/44317668/3772_O_outro_lado_da_gloria_o_reverso_da_medalha_da_diplomacia_brasileira_2020_).

 

4) Com essa aderência à nova ordem global e a aproximação aos regimes ditatoriais, quais são as principais habilidades diplomáticas que um jovem aspirante a diplomata deveria desenvolver para lidar com um cenário como esse? Me parece que é distintivo a necessidade de raciocínio lógico-crítico, claro, mas um tanto de sangue frio, por assim dizer, parece ser preciso conciliar a posição do Brasil pela neutralidade e diálogo a todo custo.

PRA: Confesso que me é difícil de responder, pois já ingressei no serviço diplomático com 27 anos, sem ter sido domado, ou socializado, pelo IRBr, nunca respeitei os dogmas sacrossantos da carreira – hierarquia e disciplina, mais próprio para soldados do que para nós, diplomatas – e sempre me guiei pela minha consciência e discernimento, pouco por ordens superiores. Mas não recomendo a ninguém ser um “anarco-diplomata” como eu fui, pois pode-se pagar um alto preço por isso. Por exemplo, eu fiquei 13,5 anos sem nenhum cargo na Secretaria de Estado durante toda a vigência do reinado companheiro no poder, isso por ter escrito artigos críticos à diplomacia partidária lulopetista. Isso inviabilizou minha promoção e desempenho em certos cargos no Itamaraty, o que não me angustiou muito, pois sempre valorizei bem mais minha produção acadêmica do que o trabalho certinho na burocracia bem comportada do Itamaraty.

Mais concretamente, considero a diplomacia companheira de amizade  e conluio com ditaduras execráveis um horror e um desprestígio para a diplomacia e para o próprio Brasil, e nunca me eximi de expressar minha opinião, tendo sofrido retaliações a partir do alto. Um diplomata que não queira prejudicar sua carreira precisa engolir em seco e “ seguir as instruções” que vêm de cima, procurando não se angustiar muito com o besteirol de certos pronunciamentos oficiais e com os evidentes equívocos diplomáticos dos amadores. 

 

5) Durante sua carreira, houve alguma situação em que você precisou tomar uma decisão difícil ou controversa em uma negociação diplomática? Como você lidou com isso? Quais habilidades interpessoais você considera mais importantes para um diplomata no ambiente atual, e como um jovem aspirante pode aprimorá-las?

PRA: Sim, ocorreu diversas vezes, sobretudo nas negociações comerciais da Rodada Uruguai em Genebra, quando insistíamos na postura tipicamente desenvolvimentista, ou seja, introvertida e mercantilista, quando os asiáticos e outros (o Chile, por exemplo) já estavam caminhando por outras sendas globalizantes e interdependente (estilo OCDE, por exemplo). Mas isso ocorreu quando eu tinha de me guiar por instruções de Brasília, e sabia que as posições restritivas do Brasil seriam derrotadas na prática, ou seja, ficaríamos atrasados, como de hábito. Numa conferência diplomática eu me revoltei contra as instruções medíocres de Brasília e fui excluído da delegação: como sempre faço, fui ler e me informar melhor sobre os assuntos, e me certifiquei que o Brasil, como dizia Roberto Campos, não perde uma oportunidade de perder oportunidades. Acho que tem raízes similares nosso atraso, que não é tanto material, quanto intelectual.

O jovem diplomata pode se conformar com esse tipo de situação, e conviver com ela, ou procurar estudar mais o assunto para responder com argumentos mais elaborados para uma posição que ele possa encontrar como equivocada, mas tendo fundamentos para isso.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4739, 21 setembro 2024, 5 p.

 

Addendum

Uma carreira muito exigente:

Diplomatas trabalham o tempo todo, pois requerimentos de reuniões internacionais impõem viagens de fins de semana, reuniões sem hora para terminar, o que pode causar stress no plano familiar e geralmente dificulta a carreira para mulheres.

Desde o Instituto Rio Branco, os jovens são apresentados aos dois dogmas da profissão: hierarquia e disciplina.

A competição por promoções, postos e funções pode ser extenuante, ocorrendo o pistolão, o “ quem indica” e outros expedientes, mas o trabalho competente é em geral reconhecido.

 

Uma trajetória refletida nos livros e trabalhos publicados:

Trajetória de Paulo Roberto de Almeida nas relações internacionais (2024)

Paulo Roberto de Almeida: capitulos em obras coletivas, 1987-2024

4655) Lista de trabalhos sobre Mercosul, integracao e processos correlatos (2024)

4538) Relação de livros de Paulo Roberto de Almeida, linkados (1993 a 2023)

    4421) BRIC-BRICS: da pré-história à situação atual (2023)


 

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Relações internacionais, política externa do Brasil e carreira diplomática: reflexões de um diplomata não convencional - Paulo Roberto de Almeida

 

Relações internacionais, política externa do Brasil e carreira diplomática: reflexões de um diplomata não convencional

 

Paulo Roberto de Almeida

Notas para aula inaugural no quadro do curso do Ibmec Global Affairs, em 20/08/2021, 19hs.

 

Agradecimentos pelo convite.

Como sempre faço, tomo notas do que gostaria de expor, mas como também sempre acontece, fica muito grande, e por isso acabo não lendo, mas colocando à disposição de todos as minhas reflexões do momento, para que todos possam ler com mais calma, do que numa exposição ex-catedra, que teria virtudes dormitivas.

Comecei pelo assunto do momento, a retirada dos Estados Unidos do Afeganistão e o reflexo disso para as relações internacionais e para a posição dos EUA, e para isso me vali de um interessante artigo na revista The New Yorker, da colunista Robin Wright, Does the Great Retreat from Afghanistan Mark the End of the American Era?” (16/08/2021; que coloquei à disposição de todos em uma postagem no meu blog Diplomatizzando: “A Grande Retirada do Afeganistão marca o fim da Era Americana?”).

Faço uma série de considerações sobre a questão dos Impérios, um pouco com base na conhecida obra de Arnold Toynbee, Estudo da História, mas também recomendo um livro que estou lendo atualmente: Empires in World History, de Jane Burbank e Frederich Cooper, que downloadei no meu Kindle (Princeton, 2010). É um livro diferente das histórias convencionais, pois que justamente trata das questões de poder, desde a antiga Roma e a China até o fim do sistema imperial, o que não está perto de ocorrer. Não vou retomar aqui tudo o que escrevi sobre os variados impérios, com destaque para o americano, em aparente declínio, até a irresistível ascensão da China e a sua volta ao seu antigo status imperial. Apenas me refiro ao fato de que o moderno sistema de relações internacionais, baseado numa representação supostamente igualitária dos Estados nacionais, têm no máximo 75 anos, ou seja, pouco mais de três gerações. O próprio sistema de Estados nacionais, se sistema existe, têm aproximadamente quatro ou cinco séculos, mas isso de uma perspectiva ocidental, pois que outros impérios e civilizações existiram, coexistiram se combateram e se suplantaram durante muitos séculos antes, e em várias outras regiões do mundo.

O império chinês, que existiu por meio de mais de duas dezenas de dinastias, através dos séculos, por mais forte e inovador que tenha sido, não pode evitar sua conquista por povos de fora de suas muralhas supostamente inexpugnáveis: os mongóis, no século XII, e os manchus, no século XVII. O império romano do Ocidente, com sua capital em Roma, existiu durante mais de quatro séculos, até ser submerso pelos povos germânicos ou eslavos que viviam na sua periferia, no século V despois de Cristo. O império romano no Oriente, com sua capital em Constantinopla, ou Bizâncio, sobreviveu durante mil anos, aproximadamente, até ser conquistado pelos otomanos, que mantiveram, por sua vez, o seu império por mais de 600 anos.

Mais próximo de nós, o império britânico, o maior do mundo entre o final do século XIX e o início do XX, dominou o comércio internacional, pagamentos e financiamentos durante décadas, até o seu declínio, a partir da Grande Guerra e finalmente em Suez. Foi a partir de 1917 que tem início a era do império americano, começando pelo lado financeiro para depois se traduzir num domínio econômico e estratégico claramente preeminente, pelo resto do século XX: o século americano parecia predestinado a durar mais um século inteiro, todo o século XXI. A China recém emergia dos anos destruidores de maoísmo demencial – depois do fracasso mortífero do Grande Salto para a Frente e dos anos turbulentos da Revolução Cultural – e não parecia estar minimamente em condições de desafiar a superpotência americana.

O que assistimos, nos últimos trinta anos, desde os anos 1990, quando começa, verdadeiramente, a fulgurante ascensão da China, foi algo absolutamente excepcional na história econômica mundial, jamais visto nos registros de crescimento econômico e de capacitação tecnológica e de construção de poderio militar.

O mundo está próximo, agora, de ver a China conquistar o primeiro lugar na formação do PIB global, como já é o caso em grande parte do comércio internacional e será certamente o caso dos investimentos diretos e dos financiamentos em mais alguns anos. Os chineses, não alcançarão, provavelmente, o PIB per capita dos americanos no corrente século ou em qualquer tempo, mas existem outros elementos que sinalizam a mudança de cenário.

Três observações podem ser feitas a esse respeito. Em primeiro lugar, a ascensão da China não significa, inevitavelmente, o declínio, mesmo relativo, do poderio científico e tecnológico ocidental, ou seja, americano, europeu, japonês (e de alguns outros membros do clube das nações avançadas). Em segundo lugar, o impulso excepcional da China pode não ser tão irresistível quanto parece atualmente, sobretudo em vista de tremores geopolíticos na Ásia Pacífico ou no próprio Império do Meio, Em terceiro lugar, não se pode conceber que, após essa “era americana” – que ainda não terminou, cabe esclarecer – virá uma “era chinesa”, o que está longe de ser admitida universalmente ou consensualmente.

A China também foi humilhada ao longo de sua história, duas vezes por invasores que não se intimidaram com o seu tamanho e desprezaram solenemente a Grande Muralha, e mais algumas outras vezes pelas potências ocidentais, nas guerras do ópio e na destruição do Palácio de Verão, em meados do século XIX,

Os impérios que humilharam a China já não poderão voltar a fazê-lo novamente, e os impérios que ainda restam já não podem ignorar solenemente os Estados nacionais, como frequentemente fizeram no passado. O mundo mudou, mas veleidades imperiais permanecem presentes, assim como as mesmas paixões e instintos que deslancharam a guerra de Troia permanecem invariavelmente humanas, mesmo a uma distância de milhares de anos.

Como se situa o Brasil no presente contexto de uma incerta multipolaridade?

Nos trinta anos precedentes, o Brasil e o Itamaraty construíram as bases conceituais de suas relações exteriores e os instrumentos operacionais de uma diplomacia autônoma e soberana, identificadas, ambas, com os grandes interesses do desenvolvimento nacional, em todos os planos: bilateral, regional e multilateral.

A política externa, a gestão ambiental, a condução da cultura e a da educação nunca corresponderam, no atual governo, a padrões compatíveis com o que se espera de uma administração normal, dotada de um programa qualquer que pudesse garantir estabilidade macroeconômica e programas setoriais voltados para o crescimento, o emprego e ganhos de produtividade necessários para enfrentar a competição econômica num mundo globalizado.

Examinei, em quatro livros digitais, fase de demolição completa dos fundamentos conceituais e de sua substância operacional nos dois anos e três meses em que perduraram os desatinos e loucuras perpetrados por quem chamei de “chanceler acidental”, sendo que os efeitos da virtual derrocada de nossa credibilidade no exterior não foram ainda totalmente superados, uma vez que a política externa continua a ser marcada pela mesma autoridade incompetente. Esses livros receberam os significativos nomes de Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019), O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira e Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira (ambos de 2020) e O Itamaraty Sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo, 2018-2021, o mais recente. A esses, se seguirá um novo livro, Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileira (em versão impressa, pela Editora Appris).

Não pretendo refazer aqui todas as críticas e comentários que já formulei a propósito da miséria da nossa atual política externa e dos descompassos de nossa diplomacia – no momento felizmente liberta das loucuras alucinadas e alucinantes do ex-chanceler acidental –, tanto porque já disso tudo o que poderia ser dito nesses cinco livros mencionados acima. Mas cabem algumas palavras de alento aos que pensam em seguir a carreira diplomática e que se preparam seriamente para tal.

Como diz o famoso bordão: não há bem que nunca acabe, e não há mal que sempre dure. O Itamaraty e a política externa passaram por turbulências inéditas em nossa história independente, mas uma recuperação está em curso, e ela se completará no próximo governo.

A carreira diplomática é uma das mais atraentes na burocracia federal, pelo menos para aqueles que não estão apenas à procura de um emprego público, mas que, sim, tenham a vocação internacionalista, possuam um bom preparo intelectual e se sintam totalmente à vontade numa vida nômade, feita de postos excelentes, muitos médios e algumas situações de dificuldades materiais no vasto mundo da periferia do capitalismo global.

 “Dez Regras Modernas de Diplomacia” (Chicago, 22 de julho de 2001; 19/08/2021: link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/08/regras-modernas-e-sensatas-de.html).

Se ouso concluir, seria por uma nota de otimismo. No Brasil, depois de surpresas e frustrações, retomaremos nosso inevitável processo de crescimento econômico, visando um grau maior de desenvolvimento social, o que virá, no devido tempo, e reconstruiremos também a nossa política externa e a diplomacia de qualidade, uma vez afastados os novos bárbaros do poder. É uma questão de persistência, de resiliência, de insistência no caminho iniciado 200 anos atrás, que construiu uma das melhores diplomacias entre novas nações saídas do colonialismo e uma política externa das mais respeitadas entre países em desenvolvimento.

De minha parte, continuarei me exercendo em minhas vantagens comparativas relativas, que estão na pesquisa, no estudo, na reflexão e na escrita e publicação de materiais diversos atinentes às relações internacionais do Brasil, à sua política externa e à sua diplomacia, cujo itinerário estou concluindo com plena satisfação intelectual e um registro de boas obras realizadas, no plano profissional e no acadêmico.

Muito obrigado.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3960, resumo: 19 agosto 2021, 14 p.