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domingo, 11 de julho de 2010

Carreira diplomática: uma trajetória

Como no caso de textos anteriores, que vem sendo aqui trancritos, são respostas a questionários submetidos por pessoas ou veículos de comunicação, que nunca tiveram divulgação mais ampla, por pura distração da minha parte.
Acredito que, descontando mudanças e matizes que ocorreram desde sua redação, no começo de 2007, muita coisa permanece válida.
Paulo Roberto de Almeida

Carreira diplomática: uma trajetória
Respostas fornecidas à Carta Forense por Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 março 2007

Carta Forense – Em que momento decidiu se enveredar pela carreira diplomática?

PRA: A decisão foi tomada de maneira inopinada, com base num anúncio publicado nos jornais, no primeiro semestre de 1997, anunciando a abertura de dois concursos de entrada na carreira diplomática: o primeiro pela via tradicional do Instituto Rio Branco, ou seja, o vestibular para admissão no Curso Preparatório à Carreira Diplomática (à época requerendo apenas e tão somente dois anos, ou quatro semestres, de qualquer graduação universitária), o segundo consistindo num exame direto (com maior número de provas eliminatórias, inclusive orais, e exigindo curso superior completo), dando acesso imediato ao primeiro escalão da carreira, isto é, Terceiro Secretário.
Nessa ocasião, eu acabava de voltar ao Brasil, depois de um longo exílio auto-imposto (quase sete anos) por causa da ditadura militar. Passei seis anos e meio na Bélgica, tendo completado minha graduação em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas (1974), defendido minha dissertação de mestrado em planejamento econômico e economia internacional pela Universidade do Estado de Antuérpia (1976) e iniciado um doutoramento, que ficou esperando meu primeiro posto diplomático para ser finalizado. Como eu já possuia mestrado e encontrava-me em meio ao doutoramento, optei pelo concurso direto e ingressei, portanto, na carreira, no final do ano de 1977.
Como disse, tratou-se de uma decisão repentina, uma forma de reinserir-me na vida brasileira, depois de longos anos no exterior, e já possuindo certa vivência prática de temas de política internacional, alguma experiência na análise de questões de política externa e conhecimento de línguas.

CF – Como o senhor se preparou para este concurso?

PRA: Devo confessar que quase não me preparei, inclusive porque estava trabalhando em São Paulo, dando aulas em duas faculdades, atuando em programas de assessoria em formação de recursos humanos para a Unicamp e também porque o intervalo entre, de um lado, o conhecimento e a decisão de participar do concurso, e, de outro, a realização das provas foi muito curto, não me permitindo cobrir toda a bibliografia recomendada ou freqüentar algum cursinho preparatório (que de toda forma não estava em minhas intenções ou necessidades).
Como eu posso dizer, sem medo de errar, que passei quase metade da minha vida em bibliotecas, ou lendo de forma compulsiva, meu conhecimento acumulado – pelo menos nas áreas tradicionais das ciências sociais aplicadas –já era bastante grande, bastando-me completar o conhecimento de direito, onde estavam minhas lacunas mais notórias. Li os livros de que dispunha, não comprei nenhum em especial para o concurso e fui muito bem sucedido, ingressando em segundo lugar e fazendo jus ao prêmio Lafayette Carvalho e Silva.

CF – Quais são os requisitos para se candidatar a este cargo?
PRA: É preciso ser brasileiro nato, estar em dia com as obrigações eleitorais e de serviço militar e ser formado em um curso superior reconhecido no Brasil pelo Ministério da Educação (MEC). Qualquer curso superior. Apesar de mais ou menos metade dos aprovados no concurso serem via de regra formados em direito, e muitos outros em relações internacionais, conheço diplomatas formados em engenharia, medicina, letras e ciência da computação. Diplomas estrangeiros, só se reconhecidos pelo MEC.

CF – Quem tem dupla nacionalidade é aceito na carreira?

PRA: Desde que sejam brasileiros natos sim. A Constituição reza que, exceto as exceções, quem pede para ser naturalizado como nacional de outro país perde a identidade brasileira. No entanto, já ficou estabelecido que, em boa parte dos casos em que um brasileiro tem uma nacionalidade estrangeira, não foi ele que pediu uma outra nacionalidade — a dupla nacionalidade é apenas reconhecida, segundo as leis próprias do país estrangeiro, e portanto não há perda da nacionalidade brasileira. Assim sendo, não há obstáculos ao ingresso desses cosmopolitas no concurso. E não, não vão suspeitar que você é um agente duplo trabalhando para vender o Brasil para a Itália, por exemplo. Só tem uma coisa: a Lei do Serviço Exterior afirma que, para casar-se com estrangeiros, os diplomatas precisam da autorização do Ministro de Estado.

CF – Como é o processo seletivo?
PRA: Em uma primeira etapa, realiza-se um Teste de Pré-Seleção (TPS), composto de uma seleção de questões de múltipla escolha ou de opções certo ou errado, com base numa amostragem do conjunto de provas setoriais aplicadas na terceira fase (Português, Inglês, História Mundial e do Brasil, questões de relações internacionais). Em seguida, os candidatos aprovados no TPS fazem a prova de Português (segunda fase). Na terceira fase, os candidatos aprovados nas fases anteriores realizam 6 provas: Questões Internacionais Contemporâneas, Inglês, História, Geografia, Noções de Direito e Noções de Economia. Adicionalmente, eles têm de escolher entre Frnacês ou Espanhol para uma prova classificatória numa dessas duas línguas.

CF – Há alguma disciplina que deve ser priorizada?

PRA: É recomendável que em todas as disciplinas o candidato tenha um bom conhecimento, mas acredito que o domínio da língua inglesa é fundamental, embora não seja mais eliminatório na prova. O nível da prova é altíssimo, a exigência é que se escreva um inglês correto de verdade, um inglês que um norte-americano médio provavelmente não alcançaria.
A prova de Português é extremamente rigorosa, exigindo que o candidato tenha um domínio quase perfeito da língua. Adicionalmente, a amplitude dos conhecimentos exigidos nas provas de história (mundial e do Brasil) leva muito gente à desclassificação.

CF - É verdade que os bacharéis em Direito tem mais facilidade para ser aprovados?
PRA: Não necessariamente os bacharéis em Direito apresentam maior facilidade intrínseca, tanto porque os conteúdos de história, de economia e de relações internacionais (lato sensu) vêem sendo reforçados relativamente em relação às anteriores exigências prioritárias em direito e línguas. Mas é certo que grande parte dos diplomatas tem formação jurídica na graduação.

CF - Depois de aprovado, qual o plano de carreira?
PRA: Ingressa-se como terceiro Secretário, embora ainda aluno do Instituto Rio Branco. Depois, a intervalos de mais ou menos 4 a 6 anos, vai se galgando so demais escalões da carreira: segundo e primeiro Secretário, Conselheiro (que necessita submeter-se a uma espécie de doutoramento, o Curso de Altos Estudos, para habilitar-se à próxima etapa: Ministro de segunda classe e finalmente, Ministro de primeira classe, vulgarmente chamado de Embaixador.
Exceto em casos especiais, apenas um diplomata que alcança o grau de Ministro de Primeira Classe pode servir como embaixador do Brasil em algum país estrangeiro, daí esse grau ser chamado, por comodidade, de “Embaixador”. Em países pequenos, com embaixadas menores, um Ministro de Segunda Classe pode eventualmente servir como Embaixador. Há também indicações políticas, normalmente raras, em que o Presidente da República designa alguém de fora da carreira como Embaixador. Foi o caso, por exemplo, do ex-presidente Itamar Franco, na Itália. Nesses casos, o embaixador “civil” poderá contar como seus assessores com diplomatas de carreira experientes.

CF – Com a globalização e a inserção cada vez mais freqüente do Brasil no mercado internacional, o senhor acredita que cada vez abrirá mais vagas nesta carreira?
PRA: Certamente que o aumento da interface externa do Brasil vai contribuir para a expansão das oportunidades nas “carreiras internacionalistas”, entre as quais se situa a de diplomata. Isto pode implicar num aumento gradativo de “vagas” na carreira diplomática, ainda que essa expansão se dê aos “saltos”, consoante as características do serviço público. As duas ampliações de vagas no serviço exterior foram conduzidas com aproximadamente 30 anos de intervalo, em 1975 e em 2006, respectivamente.

CF – É verdade que o curso de formação diplomática vale como mestrado?
PRA: Desde 2002 o curso do Instituto Rio Branco tem valor de mestrado, o que requer, como sua atividade principal, o preparo pelo aluno de uma dissertação acadêmica. Esta pode versar sobre temas ligado às relações internacionais do Brasil, ao direito internacional, à economia internacional ou à questões de identidade nacional. Como vê, a margem é ampla. O aluno escolhe seu orientador acadêmico dentre uma lista de nomes fornecida pelo Instituto. Nem todos são professores do Rio Branco.
O curso do Rio Branco é reconhecido pela CAPES como Mestrado Profissional, avaliado com conceito 4 em uma escala de 1 a 7.

CF – Quais são as dicas que o senhor dá aos candidatos?
PRA: Não pensar que se pode aceder à carreira com algum cursinho rápido e leituras superficiais em pouco tempo de preparação. Os exames de entrada são reconhecidamente difíceis e isso requer uma preparação metódica e sistemática, estudos de larga duração e amplo espectro, nos quais a cultura humanística é essencial, mas também o conhecimento corrente sobre as mais importantes questões da atualidade internacional, em especial dos processos negociadores externos nos quais esteja inserido o Brasil. A redação precisa ser impecável, o conhecimento de inglês excelente e uma grande cultura geral também ajuda.
De maneira geral, ler com atenção a bibliografia recomendada no Guia de Estudos do IRBr, mas preparar-se também de maneira autodidata, com leituras extensas nos mais diversos campos das ciências humanas e sociais.

Brasília, 27 março 2007

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