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terça-feira, 27 de julho de 2010

Diplomacia brasileira: julgamento severo do Estadao

Entre o erro e a omissão
Editorial - O Estado de S.Paulo
27 de julho de 2010

A coincidência não poderia ser mais simbólica. Enquanto na vizinhança do Brasil arde a crise deflagrada com o rompimento de relações entre a Venezuela e a Colômbia -- depois de o governo de Bogotá denunciar que 1.500 narcoterroristas das Farc vivem no país vizinho sob a proteção de Hugo Chávez --, eis que o chanceler Celso Amorim dá o ar de sua presença em Istambul, participando de uma reunião com os seus colegas da Turquia e do Irã.

A diplomacia brasileira sofreu há pouco um desmoralizante revés na região, ao se associar a um esquema de enriquecimento de urânio iraniano no exterior que corroboraria os alegados fins pacíficos do programa nuclear de Teerã. Concluído durante a visita do presidente Lula ao Irã, o acordo foi apresentado como gesto de boa vontade do país e saudado pelo Itamaraty como evidência de que o contencioso entre o Ocidente e a República Islâmica pode ser resolvido pela negociação, sem ameaças.

Isso justificaria o envolvimento do Brasil no Oriente Médio, contrastando com o silêncio ensurdecedor do governo diante dos problemas bilaterais no seu entorno, como entre Colômbia e Venezuela, ou em relação à sina dos presos políticos em Cuba. Mas a euforia durou pouco. Logo em seguida, com o apoio até da China e a solitária oposição do Brasil e da Turquia, o Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas aprovou nova rodada de sanções contra o Irã.

Em favor do endurecimento, os Estados Unidos invocaram fatos que deixaram o Itamaraty sem respostas convincentes. Em primeiro lugar, os 1.200 quilos de urânio a serem beneficiados no exterior passaram a representar metade dos estoques iranianos, ante os 3/4 que seriam despachados caso Teerã não tivesse renegado o acerto de outubro de 2009 com a AIEA, a agência nuclear da ONU.

Além disso, expondo ao mundo a ingênua sofreguidão brasileira para tomar pelo valor de face a palavra de um governo destituído de credibilidade nessa esfera -- tantas as suas tentativas de iludir os inspetores internacionais sobre as suas atividades --, imediatamente após a assinatura da chamada Declaração de Teerã o chefe do programa nuclear iraniano anunciou que o país continuaria a enriquecer urânio à taxa de 20%, cerca de seis vezes mais do que o necessário para um reator destinado à produção de energia elétrica. É mais fácil passar de 20% para os 95% usados numa bomba atômica do que completar a etapa anterior.

Por fim, a Declaração silenciou sobre a origem da crise -- a recusa iraniana a abrir as suas instalações e programas à inspeção da AIEA, bem como a permitir entrevistas com os cientistas envolvidos. Consumada a decisão do Conselho de Segurança da ONU, reforçada pelo pacote de punições unilaterais dos Estados Unidos, e às vésperas da aprovação, prevista para ontem, de outra série de medidas, desta vez pela União Europeia, o Irã tornou a fazer o seu número -- e o Brasil tornou a entrar no seu jogo.

O fato é que a coleção de sanções impostas a Teerã já começou a fazer efeito. O ponto crítico é o acesso aos derivados de petróleo. Embora detenha a terceira maior reserva mundial do combustível (e a segunda maior de gás), o país importa quase a metade da gasolina que consome. Grandes transportadoras estão pensando duas vezes antes de carregar gasolina para o Irã e as grandes seguradoras hesitam em atender à frota iraniana -- praticamente bloqueando a entrada dos seus navios em portos estrangeiros.

Que o Irã, diante disso, faça expressão corporal de voltar "imediatamente" à mesa de conversações não deve surpreender. Mas a reincidência brasileira no erro só pode ter uma explicação: o fracasso da ambição de promover o País a potência mundial subiu à cabeça do Itamaraty. Para mal dos pecados, a diplomacia lulista, ainda que o queira, não tem como assumir agora o papel que poderia desempenhar na América Latina, como mediador credenciado pela equidistância entre as partes desavindas.

Não se vê, por exemplo, como Bogotá poderia aceitar a intermediação brasileira depois de Lula dizer que "as Farc são um problema da Colômbia, e os problemas da Venezuela são da Venezuela". Se vestisse uma camiseta com a efígie de Chávez não deixaria mais claro de que lado está.

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Addendum (agradeço a meu leitor Rubens, por chamar-me a atenção para este artigo, abaixo reproduzido) de um jornalista que se pretende de esquerda:

Falta o "algo mais"

Blog do Alon, terça-feira, 13 de julho de 2010
(Alon Feuerwerker, Observações Políticas)

Têm faltado sofisticação e inteligência à nossa política externa. Ela pode ser “de direita” ou “de esquerda”. Só não deve ser incompetente

Talvez esteja na hora de a diplomacia brasileira tentar reencontrar o eixo perdido. As últimas semanas não foram boas para o Itamaraty. Nem para o presidente da República, no front externo. Um ponto de derrapagem foi a condução final do tema nuclear iraniano. De lá para cá as coisas parecem meio fora de lugar.

Ao ponto de o G20 reunir-se para debater as estratégias econômico-financeiras globais e o Brasil passar em branco. Lula sempre defendeu a necessidade imperiosa de ampliar o debate para além do G8, para fora dos estreitos limites do mundo desenvolvido. Quando a ampliação começa a acontecer, o Brasil parece meio à margem.

Tem sido notável o investimento político brasileiro nos Brics, o grupo das nações emergentes mais importantes, como polo alternativo aos Estados Unidos e à Europa. Mas as últimas semanas registram não apenas o nosso isolamento no âmbito dos Brics — como se viu na aprovação das sanções contra o Irã pelo Conselho de Segurança da ONU. Há uma inédita coordenação entre os Estados Unidos, a China e a Rússia.

Passou meio despercebido aqui, encoberto pela reta final da Copa do Mundo e pelo horrendo “Caso Bruno”, mas americanos e russos fizeram uma troca-relâmpago de espiões semana passada que é um sintoma das excelentes relações bilaterais. E nos últimos dias apareceram conexões de separatistas islâmicos chineses uigures com a Al Qaeda, quando se desbaratou uma conspiração terrorista na Noruega.

Em Cuba, finalmente o Partido Comunista começa a se mover, pressionado pela exigência internacional de mais respeito aos direitos humanos. De um jeito meio torto, é verdade, pois propõe banir do país os oposicionistas presos, em vez de simplesmente libertá-los. A ditadura brasileira fazia isso nos anos 1960 e 1970.

O Itamaraty correu para dizer que o Brasil tem um papel no avanço obtido, mas nossa capacidade de capitalizar politicamente é zero. Aqui menos por culpa dos diplomatas e mais por causa do incrivelmente desastroso paralelismo que Lula fez lá atrás entre os presos políticos cubanos e bandidos brasileiros condenados por crimes comuns. E tem mais: custava aos amigos de Lula em Havana avisarem da nova disposição para o diálogo? Teria evitado a saia justa.

Outro desconforto é acabarmos empurrados para o incômodo papel de aliados de Mahmoud Ahmadinejad. Tem gente no governo brasileiro achando que uma bomba iraniana ajuda o Brasil, mas a ideia inicial não era essa, era credenciarmo-nos como interlocutores.

Lula em Teerã deu uma de Asamoah Gyan. No último minuto da prorrogação perdeu o pênalti. Achou antes da hora que o sucesso estava consumado. Deu-se mal.

Em vez de entrar na História como o construtor do canal de negociação entre o Irã e as grandes potências, acabou por enquanto confinado a “marcar posição” contra americanos, russos, chineses, franceses e britânicos. Está emparedado.

Nada porém é definitivo. O peso do Brasil no jogo das relações políticas planetárias deve-se menos a aspectos subjetivos da ação dos governantes e mais ao nosso tamanho econômico, populacional, territorial. Só que talvez esteja faltando o “algo mais” para gerir esse capital.

O Itamaraty tem sua culpa. Por aceitar a relativização e o enfraquecimento do profissionalismo. Uma chancelaria subserviente é ruim para o país.

Falta também à diplomacia adaptar-se adequadamente às novas realidades. O sinal de alerta veio em Honduras, quando não tivemos inteligência (informação) sobre a real força política de Manuel Zelaya. Em Teerã, ninguém disse a Lula que talvez o acordo obtido por ele não fosse suficiente para brecar o expresso das sanções. E que era preciso trabalhar um pouco mais antes de ir para o palco.

Foi evidente ali que o Itamaraty e o Palácio do Planalto não tinham a mínima ideia do estágio das negociações entre as potências no Conselho de Segurança.

Ninguém avisou Lula que era uma má estratégia colocar todas as fichas na possibilidade de Barack Obama destravar as negociações da Rodada Doha?

Tem faltado sofisticação e inteligência à nossa política externa. Ela pode ser “de direita” ou “de esquerda”. Só não deve ser incompetente.

É um bom tema para quem vier a ocupar a cadeira presidencial em janeiro.

2 comentários:

Rubens disse...

Caro Professor, volto à sua caixa de comentários para mais uma vez fazer uma humilde sugestão de leitura e divulgação. Na mesma linha deste editorial do Estadão, recentemente o jornalista Alon escreveu um texto interessante acerca da série de derrotas que sofreu a diplomacia brasileira recentemente. Acho que o texto é notável pois o jornalista em questão é "de esquerda" e tradicionalmente não se coloca contra o governo.

http://www.blogdoalon.com.br/2010/07/falta-o-algo-mais-1307.html

Ver as falhas da atual política externa não é coisa apenas da chamada "direita", se é que essa existe no Brasil. A esquerda menos apaixonada também tem ficado preocupada.

Um abraço.

Danilo Belo disse...

De fato, a única justificativa para o Brasil ocasionar essa reincidência, seria a de já estar dentro das negociações e querer conclui-lá, mostrar uma força da qual ainda não foi sofisticada. Professor, acompanhei os seus comentários a respeito de Hipólito da Costa, no Observatório Jornalístico, parabéns.
Abraços

OBS: Mais uma vez, se possível, faça um comentário a respeito do vazamento de arquivos americanos da questão Afegã.