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sábado, 26 de abril de 2025

Livro: Alexandre de Freitas Barbosa & Alexandre Macchione Saes: Celso Furtado, Trajetória, pensamento e método (Introdução)

Alexandre de Freitas Barbosa & Alexandre Macchione Saes:

Celso Furtado – Trajetória, pensamento e método 

Belo Horizonte, Autêntica, 2025, 318 págs

[https://amzn.to/3EF1tJs]

O lançamento em São Paulo será nesta segunda-feira, 28 de abril, a partir das 18h30, na Livraria da Vila (Rua Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena)

 

Celso Furtado – Trajetória, pensamento e método


 


Por ALEXANDRE DE FREITAS BARBOSA & ALEXANDRE MACCHIONE SAES*

Introdução dos autores ao livro recém-lançado

 

Os vários Furtados

“Por que um país com tanta riqueza, tanta terra […] tem esse mundo de gente abandonada, pedindo esmola na rua. Como se explica isso? Isso não é economia. Isso daí tem a ver com a história… O debate não alcança os pontos essenciais, porque a sociedade não está preparada para levar adiante esse debate”.
Celso Furtado, 10 de julho de 2004.[i]

1.

Celso Furtado é um dos intelectuais mais conhecidos e estudados no Brasil e na América Latina. Sua trajetória se mistura à do Brasil República, especialmente a partir dos anos 1950, a tal ponto que não se pode contar a história do país na segunda metade do século XX sem fazer a menção a esse homem público que refletiu e atuou sobre a cena nordestina, brasileira, latino-americana e mundial.

Nascido em 1920, na cidade de Pombal, Paraíba, sua trajetória compreende vários Furtados que se sucedem e se superpõem: o funcionário público do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), o estudante de doutorado na Sorbonne, o economista da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), o gestor da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e do Ministério do Planejamento.

Há ainda os anos de exílio como professor em universidades do exterior e o regresso ao Brasil, quando participa da transição democrática e da estruturação do Ministério da Cultura e desafia as promessas do “capitalismo global”. As diversas atividades exercidas por Furtado nutrem-se de suas utopias e projetos de transformação do Brasil, sempre presentes em suas obras, mesmo naquelas em que sobressai a verve analítica.

O presente livro fornece uma abordagem panorâmica de Celso Furtado, costurando sua trajetória e seu pensamento em constante transformação, repleto de nuances, ajustes e até rupturas, assim como a sociedade brasileira que ele procurou destrinchar por meio de uma perspectiva que parte da economia para transcendê-la.

Nesse sentido, é importante acompanhar como se dá o movimento de fusão de Celso Furtado com a história brasileira. Se a história avança por desvios, atalhos e cortes bruscos, também são vários os Furtados que a partir dela se expressam.

Isso pode ser percebido na leitura de seus Diários intermitentes. Há o jovem existencialista em busca de seu ser no mundo; o economista responsável por uma das mais originais contribuições brasileiras para a história do pensamento econômico; o intelectual público no front de batalha na Cepal, na Sudene e no Ministério do Planejamento; o professor exilado repensando o país com distanciamento histórico; e, finalmente, o intelectual renomado atuando nos bastidores da transição democrática inconclusa e procurando lapidar seu legado para as novas gerações.

Ao longo de aproximadamente cinquenta anos de produção intelectual e atividades públicas, Celso Furtado publicou quase quarenta livros. Ao percorrermos a vasta bibliografia produzida por Celso Furtado, nos deparamos com uma diversificada produção, com textos ora mais voltados para uma análise sobre os processos históricos, ora mais preocupados com o debate no campo da teoria econômica; mas sempre movido pelo anseio de estilhaçar as fronteiras estabelecidas entre as ciências sociais. Encontramos também a elaboração de manifestos de intervenção política em momentos decisivos de nossa história, assim como reflexões de cunho biográfico.

Em Celso Furtado, não há intervenção política sem teoria e história e tampouco interpretação sem propostas de ação. Teoria e práxis interagem mutuamente na trajetória de Celso Furtado, compondo um olhar muito próprio sobre a realidade brasileira e as possibilidades de transformação da sociedade.

2.

O livro procura apresentar, em linhas gerais, o pensamento de Celso Furtado a partir do contexto histórico em que produziu suas principais obras, sempre sob uma chave interdisciplinar, tornando-o palatável não apenas a economistas e cientistas sociais, mas também a leitores e leitoras provenientes do direito, história, geografia, relações internacionais, arquitetura, literatura e das artes e ciências em geral.

Se o contexto histórico permite acompanhar suas reflexões em constante mutação, é importante ressaltar que cada obra de sua autoria procura atuar de volta sobre a história, numa espécie de bumerangue incessante. Por isso, Francisco de Oliveira qualificou Celso Furtado como o mais “ideológico” de nossos intérpretes,[ii] no sentido de que suas sínteses sempre são projetadas no horizonte de possibilidades de cada momento.

Nesse sentido, nosso intuito é abarcar as múltiplas dimensões de sua obra em constante elaboração, numa chave panorâmica e pedagógica, apresentando nosso olhar sobre o intelectual – sua trajetória, seu pensamento e seu método – em diálogo com a ampla literatura existente.

Se a porta de entrada para conhecer a obra de Celso Furtado costuma ser Formação econômica do Brasil, sua obra-prima, este livro busca descortinar os “vários Furtados”.

Para além de uma das mais influentes interpretações da história econômica do Brasil, publicada em 1959, a obra de Celso Furtado navega pela teoria econômica, pela dinâmica história latino-americana, pela questão regional, pela economia da cultura e pela análise do capitalismo internacional. O que salta aos olhos é sua capacidade de fornecer uma perspectiva totalizante ao integrar essas temáticas. Isso se torna possível ao ampliar a concepção do sistema centro-periferia a partir da interpretação do subdesenvolvimento e da dependência.

3.

O variado espectro de temas é atualizado pelo confronto de três planos de análise: “o fenômeno da expansão da economia capitalista, o da especialidade do subdesenvolvimento e o da formação histórica do Brasil vista do ângulo econômico”.[iii] Portanto, uma interpretação que produz releituras sobre as conjunturas – do desenvolvimento nacional dos anos 1950 e da reestruturação do capitalismo global dos anos 1970 –, avaliando as oportunidades de transformação da sociedade e redesenhando os projetos de intervenção.

O método constantemente lapidado é o eixo a partir do qual procuramos encontrar a coerência de sua trajetória e seu pensamento, compreendidos a partir das rupturas da história brasileira e de como ele se posiciona frente a elas. Não se trata de uma coerência definida a priori, pois resultante do processo que altera a sua forma de vinculação à vida nacional em diferentes momentos: luta pela superação do subdesenvolvimento nos anos 1950 e 1960, exílio e crítica ao “modelo brasileiro” de desenvolvimento do pós-1964 e volta ao centro da cena durante a redemocratização dos anos 1980.

Celso Furtado se debruça ao longo de sua obra sobre o Nordeste, o Brasil, a América Latina e o sistema capitalista mundial estruturado por meio das relações entre centro e periferia. Essas dimensões de seu pensamento serão abordadas em seu devido lugar, mas não podemos esquecer que elas se referem a diversos níveis de análise sobre o mesmo problema – a tensa, complexa e por vezes dialética interação entre desenvolvimento e subdesenvolvimento – que muda conforme as escalas e temporalidades, e sempre de maneira encadeada.

Não podemos deixar de mencionar nessa introdução que o livro foi escrito com uma mirada para as próximas gerações, para os jovens que ingressam na universidade e na vida política, tal como fazia Celso Furtado em seus primeiros livros, dirigindo-se aos estudantes e à juventude.

Para os leitores que travaram algum conhecimento com a obra do intelectual na universidade ou nas batalhas políticas, procuramos recuperar os vários Furtados, como se fossem heterônimos de uma mesma persona. Poderão, assim, redescobrir esse pensador multifacetado a partir de novos olhares e perspectivas. Se os mais velhos possuem cada um “o Furtado para chamar de seu”, o convite que fazemos é para que ampliem seu repertório furtadiano.

Nós, os autores, nos damos por satisfeitos se o leitor e a leitora, ao chegarem ao final do livro, forem correndo ler este ou aquele livro do mestre. Nosso objetivo não é cultuar Furtado, mas praticar Furtado, aplicando seu método para entender as novas configurações assumidas pela economia nordestina, brasileira, latino-americana e mundial, sempre interagindo – por vezes de maneira contraditória – com as dimensões sociais, políticas e culturais.

4.

Com 22 anos incompletos, o estudante de Direito no Rio de Janeiro, e aficionado por música, publica na Revista da Semana, um artigo intitulado “Os inimigos de Chopin”.[iv] O jovem Furtado realiza então uma bela síntese em que o artista e seu país de origem aparecem fundidos.

Eis o trecho: “Chopin e Polônia estiveram por tanto tempo juntos e tanto se assemelham em suas trajetórias que se nos afiguram dois lados de uma mesma coisa. E teria sido possível um Chopin se não existisse uma Polônia? Certamente não. Como a Polônia não seria o que é sem este capítulo de sua existência: Frederico Francisco Chopin”.[v]

Parodiando o jovem, podemos dizer que o Brasil, país do sertanejo paraibano, tampouco seria o que foi, ainda é e pode ser, se não existisse o capítulo Celso Monteiro Furtado.

O intelectual Celso Furtado perscrutou analiticamente o potencial de desenvolvimento da nação, apesar da sordidez de suas elites e classes dominantes. Como se isso não bastasse, construiu possibilidades utópicas, entranhadas em sua metodologia inovadora, transformando-se numa “matriz de referência que não desiste nunca”, conforme a expressão de Maria da Conceição Tavares.[vi]

O capítulo Celso Furtado da história do Brasil não se encerrou com a partida do economista em 2004. Seu reconhecimento foi materializado, em 2004, com a criação do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, proposta encabeçada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E justificado pela crescente quantidade de trabalhos dedicados a refletir sobre a trajetória e a vasta obra de Celso Furtado. Uma obra que vem sendo debatida e valorizada, cada vez mais, para além das fronteiras da ciência econômica. Uma obra interdisciplinar necessária para enfrentar os novos desafios do Brasil.

Tal como Chopin revive toda vez que é tocado ao piano, alçando consigo sua Polônia natal, a sinfonia furtadiana encontra-se presente em sua obra. Toda vez que ela é lida, reinterpretada ou aplicada por alguém, o Brasil se reveste de possibilidades inauditas.

Foi assim durante as caravanas virtuais de 2020, quando o centenário de Celso Furtado despertou intelectuais, professores, estudantes e militantes dos quatro cantos do país, reivindicando seu legado durante a pandemia real e metafórica. Foram inúmeras lives, webinários, cursos, eventos, além dos dossiês publicados em revistas acadêmicas e livros lançados para rememorar esse capítulo da história do Brasil.

Se Chopin parece distante, vamos de Emicida: “eu não sinto que vim, eu sinto que voltei”.[vii] Furtado está sempre voltando, para levar adiante o necessário debate com ousadia crítica e imaginação transformadora. Não desanimemos.

5.

Celso Furtado: trajetória, pensamento e método foi escrito para dar conta do seguinte desafio: fornecer os instrumentos para acessar o seu método de análise e a sua produção intelectual por meio de uma abordagem panorâmica que tornasse possível acompanhar o pensamento e a trajetória de Celso Furtado ao longo da segunda metade do século XX.

O livro percorre a vida e obra de Celso Furtado descortinando os “vários Furtados” – teórico do subdesenvolvimento, intérprete do Brasil e do capitalismo, formulador de políticas de desenvolvimento, pensador da cultura e intelectual atuante –, situando a publicação de suas obras com os contextos históricos e os desafios vividos.

Para além de sua interpretação presente em Formação econômica do Brasil ou de seu papel como o representante brasileiro do estruturalismo latino-americano, procuramos situar a trajetória de Celso Furtado de uma maneira pedagógica, compondo um amplo quadro em que autor, obra e contexto histórico se conectam por meio de nossa leitura do projeto furtadiano de construção de um país soberano, justo e democrático.

A estrutura do livro é cronológica, pois sua biografia serve de ponto de partida para a compreensão de sua produção bibliográfica, mas sem projetar uma trajetória linear, cujo sentido esteja dado de antemão. Se o tratamos como “mestre”, é porque, com ele, aprendemos a pensar o Brasil. Não se trata, pois, de heroicizar o personagem. Ele viveu seu tempo e deixou seu legado. Cabe a nós recuperá-lo. Simples assim.

O capítulo inicial, “O jovem Furtado e os eixos de sua formação (1920-1948)”, apresenta suas primeiras reflexões, saindo da realidade nordestina para o Rio de Janeiro e, depois, da capital brasileira para a Europa. Uma formação jurídica na Universidade do Brasil, mas, acima de tudo, navegando pelas leituras das ciências sociais e pelos desafios de constituição do moderno Estado brasileiro nas décadas de 1930 e 1940. No doutoramento em Paris, por sua vez, sedimenta-se em sua formação a história como instrumento de análise, uma história problema, como presente na tradição da escola dos Annales.

O encontro com a ciência econômica, por outro lado, somente ocorreria a partir de 1949, quando se transfere para Santiago do Chile para trabalhar na Cepal. Este é o objeto do Capítulo 2, “A aventura da Cepal (1949-1958)”, fase da fantasia organizada, quando o economista se equipa com as ferramentas de planejamento para atuar no sentido da superação do subdesenvolvimento nos países latino-americanos. Essa fase se encerra com sua ida para a Universidade de Cambridge, contexto de redação de sua obra-prima, que figura como síntese de sua trajetória – por conjugar método analítico e interpretação histórica da economia brasileira –, objeto do Capítulo 3, “Formação econômica: o método histórico-estrutural e uma ideia de Brasil”.

“O intelectual estadista (1958-1964)”, Capítulo 4, situa Celso Furtado no auge de sua atuação política, pois num curto espaço de tempo o economista da Cepal transforma-se no formulador de um dos mais ousados planos de desenvolvimento regional do país, com a criação da Sudene no governo de Juscelino Kubitschek. Mais tarde, em meio à crise econômica e política do governo de João Goulart, Celso Furtado é o responsável pela formulação do Plano Trienal, como ministro extraordinário do Planejamento. A fantasia (é) desfeita com o golpe militar e seu longo exílio de quase vinte anos.

Os dois capítulos seguintes tratam do período em que Celso Furtado, tendo seus direitos políticos cassados pelo Ato Institucional n.º 1, precisa produzir distante do palco político. O Capítulo 5, “O intelectual no exílio 1: repensando o Brasil (1964-1974)”, percorre a primeira década do exílio, quando sua prioridade é compreender os dilemas da economia brasileira, as razões do golpe e os significados do novo modelo de subdesenvolvimento.

“O intelectual no exílio 2: repensando o capitalismo (1974-1980)”, por sua vez, destaca sua produção no contexto em que o economista se distancia dos problemas da conjuntura econômica brasileira e produz textos voltados para compreender os impasses da civilização industrial e do capitalismo contemporâneo, oferecendo uma reflexão inovadora no campo da ciência social.

6.

Os capítulos finais do livro se voltam para as duas últimas décadas de vida de Celso Furtado. Com seu retorno definitivo para o Brasil, durante o processo de redemocratização, o economista reaparece em plena forma, atualizando sua leitura do “modelo brasileiro” e esclarecendo aos cidadãos a origem e a dinâmica da dívida externa e da inflação. Assume, no governo Sarney, o Ministério da Cultura, área em que fornece contribuições valiosas desde os anos 1970, agora transformadas em política pública.

O Capítulo 7, “De volta à cena nacional: economia, redemocratização e cultura (1980-1988)”, procura explicar como e porque Celso Furtado foi escanteado pelos economistas do poder, ao passo que se sobressai como um intelectual para além da economia. Sua atuação na cena política lhe permite compreender os impasses da democracia brasileira por meio de uma perspectiva histórica.

O Capítulo 8, “Na linha do horizonte: dialogando com as novas gerações (1988-2004)”, apresenta uma fase de balanços e sínteses de Celso Furtado. Uma década em que o reconhecimento do economista se concretiza por meio de prêmios e indicações, como o recebimento de diversos títulos honoris causa, a nomeação para a Academia Brasileira de Letras e a indicação para o prêmio Nobel de Economia.

Por meio de seus livros, Celso Furtado estabelece um diálogo com as novas gerações, com ênfase nos novos desafios para o enfrentamento do subdesenvolvimento, a partir de um resgate de sua contribuição teórica e de sua trajetória pública, e de suas reflexões sobre a transformação da economia mundial.

A título de conclusão, apresentamos um ensaio-síntese que percorre meio século de produção intelectual de Celso Furtado com o objetivo de reter os instrumentos metodológicos de sua análise econômica e social. Uma perspectiva analítica burilada por décadas, que a despeito de completarmos vinte anos de seu falecimento em 2024, ainda nos auxilia a captar a essência da realidade – condição para o enfrentamento da pobreza e da desigualdade nas suas variadas formas, sempre levando em conta as transformações do cenário internacional, as quais constrangem e abrem possibilidades para novas propostas de desenvolvimento nacional.

*Alexandre de Freitas Barbosa é professor de economia no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP). Autor, entre outros livros, de O Brasil desenvolvimentista e a trajetória de Rômulo Almeida (Alameda).

*Alexandre Macchione Saes é professor no Departamento de Economia da USP. Autor, entre outros livros, de Conflitos do capital (EDUSC). [https://amzn.to/3LoAQIA]

Referência



Alexandre de Freitas Barbosa & Alexandre Macchione Saes. Celso Furtado – Trajetória, pensamento e método. Belo Horizonte, Autêntica, 2025, 318 págs. [https://amzn.to/3EF1tJs]

O lançamento em São Paulo será nesta segunda-feira, 28 de abril, a partir das 18h30, na Livraria da Vila (Rua Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena)

Notas


[i] Trecho do documentário O longo amanhecer: cinebiografia de Celso Furtado. Direção: Jose Mariani. Rio de Janeiro: Andaluz Produções, 2004. (73 min.)

[ii] Oliveira, F. A navegação venturosa: ensaios sobre Celso Furtado. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 18-19.

[iii] Furtado, Celso. Aventuras de um economista brasileiro. In: Celso Furtado: Obra autobiográfica. Organização de Rosa Freire d’Aguiar.

Tomo II. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 21.

[iv] Furtado, Celso. Os inimigos de Chopin [Revista da Semana, 14 abr. 1942]. In: Anos de Formação: 1938-1948. Organização de Rosa Freire d’Aguiar. Rio de Janeiro: Editora Contraponto/Centro Celso Furtado, 2014b. (Arquivos Celso Furtado, v. 6).

[v] Furtado ([1942] 2014a, p. 67).

[vi] O longo amanhecer: cinebiografia de Celso Furtado. Direção: Jose Mariani. Rio de Janeiro: Andaluz Produções, 2004. (73 min.)

[vii] AmarElo: é tudo para ontem. Direção: Fred Ouro Preto. São Paulo: Netflix, 2020. (89 min.)

 

segunda-feira, 11 de julho de 2022

Samuel Pessoa analisa criticamente Celso Furtado - Conjuntura Econômica

 Samuel Pessoa demorou para chegar a esses argumentos críticos: Douglas North, no início dos anos 1960, e Carlos Manuel Pelaez, logo em seguida, detectaram erros fundamentais na “economia literária” de Celso Furtado. Sua tolerância com a inflação e o prebischianismo exacerbado causaram enormes equívocos nas políticas econômicas do Brasil, dos anos 1950 à era Lula. Já era sem tempo.

Paulo Roberto de Almeida 

"Celso Furtado é nosso melhor e nosso pior"

Samuel Pessôa, pesquisador associado do FGV IBRE

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Um dos projetos recentes de Samuel Pessôa, pesquisador associado do FGV IBRE, autor da coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica, é transformar suas décadas de leitura da obra de Celso Furtado em uma contribuição à literatura dedicada ao autor de Formação Econômica do Brasil, desta vez, sob o olhar ortodoxo. Na Conjuntura de julho, Pessôa contou de seu projeto, avaliando que os principais erros de Furtado foram “achar que microeconomia não tem papel, que eficiência alocativa é desimportante; e não tratar a educação de qualidade com a ênfase que deveria”. Leia, abaixo, trechos dessa entrevista:

O que o levou a escrever sobre Celso Furtado?

Leio Celso Furtado há mais de 20 anos. De três anos para cá, comecei a fazer isso de forma sistemática: reli toda a obra dele, fazendo anotações, buscando produzir uma construção de seu pensamento. Por que Furtado? Celso Furtado é o economista mais influente que a gente tem. Não tenho aqui números precisos, mas acho que Formação Econômica do Brasil ainda vende mais de 10 mil cópias por ano. O livro foi publicado há 63 anos e a vitalidade do texto impressiona muito.

Mas quem escreve sobre Furtado em geral é de seu campo ideológico, compartilha sua visão de mundo, e naturalmente o festeja muito. Minha avaliação é de que faltava alguém de fora de sua área, mas que se dedicasse à sua obra, dando a importância que ela merece, para fazer uma análise à luz da teoria econômica padrão. E fizesse uma crítica respeitando sua grandeza, sem caricaturas. Esse é o meu objetivo: construir, a partir de um ponto de vista ortodoxo, um retrato intelectual de nosso economista maior, que é o pai de toda uma tradição gigantesca do pensamento econômico brasileiro, que é o pensamento econômico heterodoxo.

Deu trabalho. Tive que me dedicar para ter empatia e buscar entendê-lo a partir do mundo em que foi criado, tentar reconstruir seu pensamento para então fazer minha crítica. Se eu começasse pela crítica, não ia entender por que foi tão vitorioso. Formação Econômica do Brasil é um livro lindo mesmo. E estava na fronteira do conhecimento, no sentido do uso da teoria econômica moderna para entender fenômenos históricos. Roberto Fogel, que foi Prêmio Nobel, estava fazendo isso para os Estados Unidos na mesma época. Arthur Lewis, que é o grande macroeconômico básico que Furtado usou para estudar o subdesenvolvimento do Brasil, ganhou Nobel por seu estudo de desenvolvimento econômico, e Furtado chegou a alegar que o modelo de Lewis tinha sido criado por ele também. Será que Furtado não deveria ter compartilhado esse prêmio? Acho que a alegação procede.

O fato é que não há outro economista que tenha pensado o Brasil como ele. Há sociólogos, historiadores, mas não economistas que o tenham feito e tenham ganhado os debates nos quais Furtado se envolveu. O diagnóstico que fez do subdesenvolvimento econômico brasileiro foi adotado por todas as nossas elites, seja de direita, seja de esquerda. Mas acho que esse diagnóstico estava errado. Minha avaliação é que Celso Furtado não entendeu o fenômeno do subdesenvolvimento. Agora, o fato de Furtado ser nosso profissional de economia mais importante de todos os tempos significa que não foi ele quem entendeu errado. Fomos todos nós. Não sabemos o que é o subdesenvolvimento, e não sabemos qual o caminho para gerar desenvolvimento econômico. Costumo chamar o erro de Furtado como o erro da sociedade brasileira toda.

Por que discorda do diagnóstico de subdesenvolvimento, entre outros pontos da obra de Furtado? 

Furtado tinha uma visão do desenvolvimento econômico que considero mecânica. Para ele, desenvolvimento econômico era essencialmente acumulação de capital e transposição de trabalhadores desqualificados do setor tradicional para o setor moderno da economia. Ele achava que isso bastava para o trânsito de uma economia de subdesenvolvimento para a de desenvolvimento. O que faltou aí? Eficiência econômica. Furtado tinha uma desconfiança imensa com a microeconomia, e acho que esse é o grande pecado dele. 

No texto que estou escrevendo, elenco ao menos cinco citações – entre Formação Econômica do Brasil e Um Projeto para o Brasil (1968) –, em que Furtado mostra acreditar que o Brasil está a um passo de ter as condições dadas para que o desenvolvimento seja uma questão de tempo e acumulação. Mas se observarmos, por exemplo, que naquela época metade das crianças estava fora da escola, é estranho achar que é possível haver desenvolvimento econômico sem educação. Claro que essa visão não era só dele, era do momento. Mas veja o exemplo de Eugênio Gudin. Mesmo nos anos dourados de 1950, em que toda a elite brasileira achava que estávamos a caminho do desenvolvimento, Gudin olhava para aquilo e dava risada, pois sempre teve a certeza de que isso não aconteceria facilmente. Porque Gudin tinha cabeça de microeconomista, que via o crescimento como uma questão de produtividade e eficiência alocativa, e não uma questão quantitativa. E, em questão de desenvolvimento econômico, ter qualidade é mais importante que ter quantidade. Não faz muito tempo, vimos o exemplo do esforço imenso para se reconstruir uma indústria naval, acumular capital num setor moderno, mas com incentivos todos errados, regras mal desenhadas, sem eficiência. Dessa forma, o setor moderno não é moderno; é fonte de desperdício, de perda de dinheiro público. 

O que Furtado fez foi olhar o desenvolvimento econômico, que é algo mais complicado, com os óculos da macroeconomia de Keynes. Nem tenho certeza se Keynes aprovaria a transposição que foi feita de sua visão de mundo, construída para discutir ciclo econômico de curto prazo, para o debate de crescimento de longo prazo. Mas Furtado pertencia a essa tradição, portanto, olhou o desenvolvimento econômico a partir dela. Furtado nasceu em 1920. O trabalho clássico de Keynes que revolucionou a economia é de 1936, quando Furtado tinha 16 anos. Então, a formação dele como economista aconteceu na cheia keynesiana, que vai do final dos anos 1960 até meados dos anos 1970. E parte das limitações dele é por não conseguir transcender esse universo em que ele se formou. Pois, como disse, acho que sua ideia de subdesenvolvimento está totalmente equivocada.

Em resumo, diria que os dois grandes erros de Furtado foram achar que microeconomia não tem papel, que eficiência alocativa é desimportante, com uma visão mecânica do crescimento. E nessa visão mecânica, não tratar a educação de qualidade com a ênfase que deveria. Costumo dizer que Furtado é nosso melhor e nosso pior.

Sua avaliação é de que Furtado não dava o braço a torcer. Acha que essa característica prejudicou o debate em torno de suas teorias?

Eugenio Gudin foi o principal contraponto a Furtado, mas em um debate surdo que ocorreu nos anos 1950 e início dos anos 1960, pois Furtado desconsiderava olimpicamente qualquer crítica contra ele. Gudin era 36 anos mais velho que Furtado, e foi o polo do pensamento ortodoxo brasileiro até pelo menos meados dos anos 1960. Furtado e Gudin chegaram inclusive a trabalhar na FGV na mesma época, na breve passagem de Furtado pelo IBRE, entre 1948 e 1949. Gudin escreveu várias colunas, publicadas no jornal O Globo, criticando os posicionamentos de Furtado quando este foi ministro do Planejamento do governo João Goulart (1961-64). Lendo-as, considero-as bem fundamentadas, com números. Uma das críticas de Gudin era de que Furtado era mais literato que técnico. E Furtado nunca se preocupou em responder. Ele era uma pessoa educada, fina, absolutamente correta com a coisa pública, mas nunca dialogou com a divergência. Acho isso ruim, e acho que Furtado estabeleceu um padrão que é seguido pela heterodoxia brasileira. Ele não só não dialogava com a divergência como não testava as próprias teorias. Para Furtado, o simples fato de haver um argumento racionalmente lógico que ia ao encontro de seus pontos de vista era suficiente para ser uma teoria aceita. Nunca passava pela cabeça dele que deveria buscar, a partir da teoria, alguns experimentos que pudessem colocar à prova sua visão de mundo.

Como seu empenho de revisita ao pensamento de Furtado com um olhar ortodoxo pode contribuir para o debate econômico de hoje? 

Acho, como disse, que é preciso ter claro que desenvolvimento econômico não é uma questão quantitativa, mas qualitativa, associada à governança, à qualidade das instituições do país, e que escolarização da população é o item mais importante de todos. Falamos de capital, e o capital mais importante e mais escasso no Brasil é o capital humano. Disparado, mais que o físico. 

Leia a íntegra desta entrevista na Conjuntura Econômica de julho. O acesso é gratuito.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

sexta-feira, 14 de maio de 2021

A correspondência intelectual de Celso Furtado, por Rosa Freire d’Aguiar (BBC)

Correspondência intelectual de Celso Furtado nesta matéria da BBC, sobre o livro organizado por Rosa Freire d’Aguiar. 

Como diplomata, tendo também vivido, em etapa anterior ,um exílio voluntário durante a ditadura militar, mas dispondo felizmente de passaporte, constrange-me especialmente transcrever este trecho de suas palavras na entrevista:

“"As cartas do exílio são muito pungentes, dolorosas de ler. Expõem os dramas vividos pelos exilados. Seus problemas eram incontáveis: de saúde, financeiros, familiares... As embaixadas, por sua vez, dificultavam ao máximo suas vidas: negavam vistos, não concediam passaportes, entre outras pequenas maldades".”

Como as ditaduras, os regimes intolerantes, em geral, podem ser tão crueis com os seres humanos, os concidadãos? 

Durante a ditadura, o Itamaraty colaborou sim com o regime. Sabemos do colaboracionismo da maior parte dos franceses durante a ocupação nazista do país: por mais que existam “explicações”, ou justificativas, é sempre vergonhoso reconhecer. 

Saber que as ditaduras militares do Cone Sul cooperaram entre si na repressão a seus próprios nacionais, em alguns casos levando-os à morte, é algo pungente de descobrir, quando alguém se torna, como no meu caso, membro da corporação, depois de ter enfrentado o exílio, ainda que voluntário (era aquilo ou expor-se a uma possível prisão). 

O Itamaraty teve sua cota de colaboracionistas, alguns entusiastas da ditadura por obsessiva ideologia anticomunista, outros por oportunismo dos mais abjeto, outros simplesmente por falta de coragem. Tentei fazer a minha parte durante a ditadura, antes e depois de me tornar diplomata, o que um dia relatarei.

Paulo Roberto de Almeida

Cinquenta e cinco anos de História do Brasil em 300 cartas: a correspondência do economista Celso Furtado

  • André Bernardo
  • Do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Crescimento nem sempre é tudo: o paradoxo dos quatro "d"s - Paulo Roberto de Almeida (OESP, 1994)

 Acho que não preciso acrescentar mais nada no que já escrevi em 1994, em Paris, lendo a imprensa econômica francesa, dentro de minhas atribuições como chefe do setor econômico da embaixada do Brasil. O curioso é que na mesma edição do excelente jornal de negócios Les Echos eu tive quatro matérias diferentes, mas cada uma focalizando um aspecto da realidade econômica internacional. Cada uma reproduzia um problema que parecia exatamente do Brasil: só que não era.

Acho que isso destrói um pouco a famosa teoria do Celso Furtado sobre o desenvolvimento, cujas características seriam diferentes nos países ricos e nos países em desenvolvimento. Sempre fui contra isso, dentro dos meus parcos conhecimentos de economia – sou da tribo dos sociólogos – e achava que apenas os resultados eram diferentes, mas que processos, mecanismos e ferramentas do crescimento econômico eram fundamentalmente os mesmos, provocando DESENVOLVIMENTO, e alguns casos, e POUCO desenvolvimento, em outros.

Os nossos desenvolvimentistas rezam pela cartilha furtadiana, o que eu nunca fui, ainda que admirando sua capacidade analítica e explicativa. Mas, como sempre pratiquei o CETICISMO SADIO, sempre mantive um pé atrás em qualquer argumento sociológico e até ECONÔMICO.

Fica aqui o artigo de 1994, para conferir se alguma realidade ou problema mudou, no Brasil e em outros países.

Paulo Roberto de Almeida

Brasilia, 29/12/2020

Crescimento nem sempre é tudo

 

Paulo Roberto de Almeida

O Estado de São Paulo, 11/09/1994, Opinião, p. 2.

 

Desenvolvimento, desigualdade, desemprego e desequilíbrio: esses quatro “d”s podem apresentar-se como paradoxos no caso de uma economia em crescimento, como a do Brasil.

Comecemos pelo editorial de um jornal econômico: “É lógico que dirigentes ressaltem dados que demonstram o sucesso de sua política. Os indicadores convergem: o desemprego baixa, a inflação está controlada, o produto bruto está em alta. Mas, eles divulgaram também uma pesquisa sobre a renda das famílias. Descobre-se que um quarto das famílias e uma criança em três vivem hoje na pobreza. Seus recursos não alcançam o limite mínimo fixado pelas autoridades. A renda média progrediu 36% em 15 anos, mas os 20% mais pobres nunca foram beneficiados. Quanto aos 10% mais pobres, a renda média real baixou em 17%. Tal contradição obriga a perguntar qual o sentido da noção de desenvolvimento: esse agravamento das desigualdades traz o risco de uma explosão social sobre a qual os índices de crescimento não dão a mínima ideia”.

Brasil? Não! Trata-se da Grã-Bretanha, que passou à frente dos demais países europeus em crescimento e redução do desemprego. Mas, a combinação de crescimento e de aumento das desigualdades sociais e da concentração de renda apresenta um curioso aspecto “brasileiro”.

Vejamos outra citação: “Se a produtividade de nossos trabalhadores fosse a mesma de seus homólogos americanos, o produto interno bruto poderia ser realizado com uma população ativa de apenas 40 milhões de pessoas, contra 60 milhões atualmente. Ou seja, nós teríamos 20 milhões de trabalhadores sobrando”.

Brasil, novamente? Não, trata-se do Japão. A “Nikkeiren”, federação patronal, publicou uma pesquisa que traz a angustiosa conclusão de que os progressos da produtividade no país podem condenar 1/3 da população economicamente ativa ao desemprego. É apenas uma ameaça, mas ressalta a necessidade de controlar a alta de preços e dos salários para manter a competitividade externa. Os japoneses estão preocupados: a alta do yen e as deslocalizações industriais podem acarretar o fenômeno relativamente desconhecido, para eles, do desemprego.

Terminemos pela luta entre o poder central e governos estaduais para “racionalizar” a divisão da receita: “A divisão proposta entre a União e os estados, visando aumentar os recursos do Governo central, ainda não foi aceita por vários governadores. Os dois estados mais ricos recusam-se a seguir as recomendações do Governo central ou contribuir em favor dos estados mais pobres. Mesmas dificuldades para a reforma das estatais no limite da falência e mantidas graças a subsídios. Todo mundo sabe que será preciso, mais cedo ou mais tarde, desfazer-se dessas empresas, que custam muito caro para o Estado. Mas, todos temem as consequências sociais dessas falências”.

Ah, agora trata-se do Brasil ! Ainda não... Trata-se da China, esse fenômeno mundial. Ela vem passando por altas taxas de crescimento, mas os desequilíbrios regionais vêm acentuando-se a ponto de colocar em risco a unidade política do país. E, claro, nenhum governador quer ceder recursos para o Governo central, que tem a seu encargo algumas pesadas estatais ávidas por subsídios públicos.

Desenvolvimento, desigualdade, desemprego e desequilíbrio: quatro fenômenos paradoxais, ilustrados com exemplos diversos, mas que demonstram, de maneira angustiante, que o crescimento e a produtividade não resolvem problemas de emprego e de bem-estar social.

Esses paradoxos não são exclusivos de países pobres, já que a Grã-Bretanha e a França estão descobrindo agora o fenômeno da exclusão social (que é a pobreza do Norte). A economia pode ir bem e a riqueza aumentar, deixando ao mesmo tempo uma parte da população nos limites da precariedade. O Japão precisa enfrentar os dilemas da produtividade e do pleno emprego. O caso da China, por outro lado, indica que toda reforma econômica é sempre difícil, pois ela implica redistribuir recursos escassos, nem sempre com o assentimento de quem está ficando rico. Em tempo: todos os casos e citações foram retirados da mesma edição do jornal econômico francês Les Echos (22/08/1994). 

 

Paulo Roberto de Almeida é mestre em economia internacional e doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas. 

 

450. “O Paradoxo dos 4 ‘d’s”, Paris, 23 agosto 1994, 2 p. Artigo com base em notícias econômicas sobre desigualdade, desemprego e desequilíbrio em outros países. Encaminhado por Alberto Tamer. Publicado, sob o título “Crescimento nem sempre é tudo”, em O Estado de São Paulo (11 setembro 1994, p. 2). Relação de Publicados n. 160.

 

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Alexandre Rands Barros e as origens do atraso economico brasileiro: livro em ingles

Economista explica o atraso no desenvolvimento do Brasil

Alexandre Rands Barros, que foi consultor de Eduardo Campos, demonstra em livro como o baixo capital humano significou um obstáculo ao crescimento econômico

 

Por volta de 1820, pouco antes da Independência, o Brasil era mais rico do que a Austrália e quase tão rico quanto a Suécia. Passados três séculos, australianos e suecos lideram os rankings de desenvolvimento humano e vivem em sociedades que estão entre as mais avançadas do mundo. No Brasil, o desenvolvimento ficou pela metade. Pelo critério do PIB per capita (a divisão do total produzido anualmente no país divido pelo número de habitantes), o país ocupa uma posição intermediária. Isso sem falar que, além de relativamente pobre, o Brasil permanece profundamente desigual.
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Por que o Brasil ficou para trás? Por que não enriqueceu como os Estados Unidos, um país também de passado colonial escravocrata? Tais questões, há anos, ocupam o trabalho de historiadores, economistas e sociólogos. A teoria mais popular, formulada pelo economista Celso Furtado, é a de que a economia brasileira especializou-se na produção de mercadorias básicas, por isso industrializou-se tardiamente.
Na avaliação do economista Alexandre Rands Barros, entretanto, a especialização em produtos minerais e agrícolas explorados em grandes propriedades latifundiárias foi consequência, e não a verdadeira causa do atraso. A verdadeira causa da pobreza brasileira em relação a europeus e americanos foi o atraso no desenvolvimento do capital humano. É isso que o autor demonstra, de maneira convincente, no livro Roots of Brazilian Economic Backwardness, lançado recentemente, apenas em inglês, pela editora Elsevier.
Uma síntese de suas ideias pode ser vista em artigo publicado na Revista de Política Econômica no ano passado. Um exemplo das informações apresentadas: na segunda metade do século XIX, enquanto a alfabetização foi tornada obrigatória nos Estados Unidos, na Suécia e em muitos países europeus, o Brasil era um mar de analfabetos. A educação era algo exclusivo da elite. Suécia e Estados Unidos tinham 80% da população alfabetizada em 1870; no Brasil, mais de 80% dos homens e mulheres livres não sabiam ler nem escrever – e isso sem falar nos escravos. A baixa escolaridade representou um obstáculo ao desenvolvimento. Os trabalhadores eram incapazes de realizar trabalhos mais elaborados. Pesou também para o atraso o fato de o Brasil ter recebido um influxo de europeus mais preparados, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos. Os imigrantes foram e continuam sendo uma fonte essencial de transferência de conhecimentos e tecnologia. Segundo as estimativas apresentadas pelo autor, o diferencial na qualidade do capital humano dos imigrantes explica praticamente toda a diferença de renda per capita entre americanos e brasileiros no início do século XX.
Alexandre Rands Barros, que foi consultor econômico do candidato à presidência Eduardo Campos, é um grande estudioso do desenvolvimento. No seu livro anterior, Desigualdades Regionais no Brasil (2011), mostrou como o atraso de Norte e Nordeste em relação ao Sul e Sudeste também decorre do diferencial na educação e do atraso no desenvolvimento do capital humano de maneira geral.
Apesar de muita gente ainda acreditar nas análises de Furtado e em seus derivados, como a teoria da dependência, para Rands, isso é um equívoco que custou caro: fez o país investir muito em políticas de desenvolvimento baseadas em incentivos e subsídios para a instalação de indústrias, o que não impediu o Nordeste de seguir pobre e atrasado. Por quê? O foco deveria ter sido no desenvolvimento do capital humano.
Rands Barros conversou com VEJA sobre o seu novo livro.
Livro - Roots of Brazilian Relative Economic Backwardness
Roots of Brazilian Relative Economic Backwardness – Alexandre Rands Barros (Heitor Feitosa/VEJA.com)
Como surgiu a hipótese, demostrada muito bem no livro, de que foi a defasagem no capital humano que explicou o atraso no desenvolvimento brasileiro? As escolas de economia vivem de modismos. Hoje existe uma vasta literatura acadêmica que enfatiza o capital humano como o fator que melhor explica o desenvolvimento dos países. Esse é o motor do crescimento econômico e, portanto, do desenvolvimento. Faltava, entre os pesquisadores brasileiros, uma aplicação aprofundada desse conceito. A ideia em si já é bastante consolidada na teoria econômica. No Brasil, ainda estamos demasiadamente presos à explicação de Celso Furtado (1920-2004) para o atraso brasileiro. Essa teoria fala da especialização econômica em produtos primários como a causa para a industrialização retardatária. Os economistas já deixaram de lado a teoria de Furtado e seguem a teoria dominante que enfatiza a importância do capital humano. Resolvi aplicar essa teoria para analisar as razões do atraso brasileiro.
E que fatores contribuíram para o atraso no capital humano? Procurei mostrar com a formação da sociedade brasileira, a origem de seus povos, influenciou no acúmulo de capital humano.
Celso Furtado e seguidores da teoria da dependência não enfatizam a questão do capital humano. O atraso no capital humano, quando muito, parece ser tratado como consequência do baixo desenvolvimento, e não sua causa. É isso mesmo? Realmente, o capital humano é um aspecto relegado ao terceiro plano. Para Furtado, quando houvesse a industrialização, naturalmente haveria o investimento em capital humano, como uma consequência, portanto, do desenvolvimento. Na verdade, a lógica é inversa. É o capital humano que, tendo sido construído e acumulado, vai determinar qual será a especialização.
Furtado usava também o exemplo do sucesso dos Estados Unidos para justificar a defesa de medidas protecionistas como maneira de incentivar a indústria. Mas os americanos tiveram políticas protecionistas por um período relativamente breve, e depois de a sua economia já ser uma das maiores do mundo, correto? As políticas protecionistas são irrelevantes para explicar o desenvolvimento dos Estados Unidos. Isso nem arranha a casca. O desenvolvimento ou não da indústria e a especialização produtiva de um país são consequência, e não causas.
Falando em modismos, o modelo mais aceito para o desenvolvimento é o institucional. Os países são o fruto da qualidade de suas instituições. Esse modelo explica o atraso brasileiro em capital humano? Essa visão é muito forte hoje entre os economistas brasileiros. O atraso institucional brasileiro herdado de Portugal é tido como a razão para o atraso econômico. Essa hipótese, na minha avaliação, carece de uma análise mais aprofundada. Eu, no meu trabalho, inverto um pouco essa lógica. Para mim, é a luta de classes que determina as instituições e que leva ao fim ao acúmulo de capital humano. Não coloca as instituições como fonte de equilíbrio na sociedade. É a luta de classes que gera um determinado equilíbrio e a partir desse equilíbrio as instituições são formadas.
O seu trabalho enfoca também o papel determinante da imigração no acúmulo de capital humano e no desenvolvimento. Esse é outro aspecto pouco ressaltado nas análises tradicionais sobre o atraso brasileiro. Quão importante foi a imigração? Os dados que exponho no livro mostram que a diferença na imigração, ou seja, no capital humano dos imigrantes, explicar praticamente toda a diferença de renda que havia entre o Brasil e os Estados Unidos em 1900. Os dados, para mim, foram impressionantes. Fiquei surpreso com o poder da imigração para explicar o atraso relativo do Brasil. Apenas a diferença na composição dos imigrantes entre os dois países explica 95% da diferença da renda per capita registrada ao redor do ano 1900. Os dados que exponho no livro mostram que a diferença na imigração, ou seja, no capital humano dos imigrantes, explicar praticamente toda a diferença de renda que havia entre o Brasil e os Estados Unidos em 1900.
Recentemente, houve um avanço em matrículas, mas a qualidade do ensino tem ficado a desejar. O Brasil está recuperando o atraso no que diz respeito à educação? Houve uma melhora do governo Fernando Henrique em diante, não podemos negar. Com a estabilização da democracia, a parte da sociedade menos privilegiada passou a ter mais força política. Hoje o investimento brasileiro em educação, como proporção do PIB, é maior do que na maioria dos países europeus. No passado, as populações mais pobres tinham pouco poder de mobilização. Não conseguiam pressionar o poder público. A elite brasileira foi muito esperta. Instituiu o ensino superior privado gratuito para os seus filhos, mas não investiu no ensino público básico. Para deixarmos de ser um país atrasado, precisamos desmontar esse tipo de privilégio.
Entre os historiadores paulistas, existe uma tradição, desde o trabalho de Caio Prado Júnior (1907-1990), de apontar a estrutura fundiária, particularmente os latifúndios, como um determinante do atraso brasileiro. Concorda? Mais uma vez, considero os latifúndios uma consequência, não a origem do atraso brasileiro. A realidade é que os latifúndios eram uma estrutura de exploração eficiente, dado o nível de organização dos produtores. É bom lembrarmos que o Brasil tinha fronteiras agrícolas abertas. Mas por que na margem, onde havia fronteira aberta, as pessoas não se instalavam ali e exploravam a terra de maneira eficiente? Na verdade, as pessoas que se instalavam nessas áreas possuíam um baixíssimo capital humano. Não tinha condições de explorar a terra de maneira competente. Esses historiadores afirmam que os latifúndios impediram a formação de uma classe média rural. Ora, essa classe média rural não se formou por causa da deficiência no capital humano daqueles agricultores. Como os fazendeiros não dispunham de infraestrutura adequada, as propriedades consequentemente tinham de ser extensas para prosperar. São Paulo, no passado, era composto por grandes latifúndios cafeeiros. Quando chegaram os imigrantes mais qualificados, eles conseguiram fazer arranjos para adquirir propriedades.
A longo prazo, qual sua avaliação para o país? Vivemos uma crise série, motivada pelo fato do governo ter imaginado que o estado pode tudo. Mas, quando sairmos da crise, há uma forte mais forte dos segmentos tradicionalmente excluídos. Esses setores se libertaram de uma hegemonia de elites locais e votam com maior consciência. Saúde e educação serão questões importantes. São exigências dessa população. A qualidade do ensino será certamente uma das grandes demandas da sociedade. Mas é importante os governantes compreender que para desenvolver o país não é necessário violentar as leis de mercado, ao contrário da visão pregada por Celso Furtado. É preciso atuar em outras áreas, para que as leis de mercado contribuam para o desenvolvimento.