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quarta-feira, 25 de setembro de 2024

The Battle for the BRICS - Alexander Gabuev and Oliver Stuenkel ( Foreign Affairs) - introdução de Paulo Roberto de Almeida

Nota inicial PRA a este importante artigo histórico-diplomático sobre a trajetória desviante do BRICS:

Nunca deixei de considerar a aventura inicial do BRIC ministerial (2006), depois oficializado como foro em nivel de cúpula (2009), expandido sorrateirameente pela China como BRICS (2011), dotado de um banco de fomento em 2014, a despeito do brutal imperialismo aberto demonstrado pela Rússia na Crimeia poucos meses antes, e agora continuamente ampliado para abrigar, no chamado BRICS+, novos membros criteriosamente escolhidos pelas duas grandes autocracias no encontro da África do Sul (2023) e agora novamente em Kazan (2024), retomo, nunca deixei de considerar toda essa aventura, mal pensada e mal concebida desde o início, como um insensata iniciativa da diplomacia lulopetista, animada em seu ativismo antiamericano como potencialmente PREJUDICIAL ao Brasil e à sua diplomacia, pois que submetendo nossa tradicional autonomia e independência nos assuntos de política internacional aos interesses nacionais e diplomáticos de duas grandes autocracias, cujos interesses geopolíticos são essencialmente diferentes — em vários sentidos CONTRÁRIOS— aos do Brasil como país em desenvolvimento plenamente integrado às tradições culturais ocidentais e alheio a todas as disputas interimperiais entre grandes potências. Infelizmente, o gesto insensato de Lula e de Amorim, em 2005-2006, converte, de certa forma, nossa diplomacia em CAUDATÁRIA das decisões e interesses dessas duas grandes potências, cujas motivações e iniciativas passam ao largo dos interesses e necessidades do Brasil como nação soberana e plenamente autônoma no cenário internacional.

O fato é que, em lugar de ser um ativo em nossa diplomacia, o BRICS+ se tornou agora um imenso passivo a ser administrado com todo cuidado pela diplomacia profissional, uma BOLA DE FERRO atada aos pés de um país que sempre desejou exercitar uma diplomacia completamente autônoma em relação aos interesses de grandes potências, pois que ingressamos agora numa etapa anti-G7, anti-OCDE e anti-Ocidente, que não corresponde EM NADA aos reais interesses do país. A outra ilusão da diplomacia lulopetista é, obviamente, essa pretensão tresloucada de ser lider de um diáfano e inexistente Sul Global, o que não a converte em coordenadora de NADA CONCRETO, a não ser de continuar a ser um conceito inventado por acadêmicos e usado de maneira oportunista por politicos sedentos de algum palanque internacional. Nossa “liderança” na América do Sul já é uma ilusão completa, para continuarmos ainda a ser um joguete no contexto de um bizarro e contraditório BRICS+.

Lamento pelo Brasil e por sua diplomacia profissional, embarcada involuntariamente numa aventura que nunca fez parte de seus estudos técnicos ponderados ou de um planejamento diplomático consciensioso, sendo apenas uma inserção política e ideológica, um contrabando totalmente artificial e desconectado de nossos reais interesses externos.

Ao que me consta, fui, e sou, o único diplomata da ativa, agora aposentado, a me manifestar ceticamente sobre as virtudes alegadas do BRIC-BRICS, e agora muito criticamente sobre esse BRICS+, desfigurado e desviado de suas pretensões originais, posto a servir a objetivos próprios de duas autocracias, e que não responde mais a nossas necessidades diplomáticas ou a nossos interesses nacionais.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 25/09/2024

The Battle for the BRICS

Why the Future of the Bloc Will Shape Global Order

Foreign Affairs, October 24, 2024

In late October, the group of countries known as the BRICS will convene in the Russian city of Kazan for its annual summit. The meeting is set to be a moment of triumph for its host, Russian President Vladimir Putin, who will preside over this gathering of an increasingly hefty bloc even as he prosecutes his brutal war in Ukraine. The group’s acronym comes from its first five members—Brazil, Russia, India, China, and South Africa—but it has now grown to include Egypt, Ethiopia, Iran, and the United Arab Emirates. Saudi Arabia also participates in the group’s activities, but it has not formally joined. Together, these ten countries represent 35.6 percent of global GDP in purchasing power parity terms (more than the G-7’s 30.3 percent) and 45 percent of the world’s population (the G-7 represents less than ten percent). In the coming years, BRICS is likely to expand further, with more than 40 countries expressing interest in joining, including emerging powers such as Indonesia.

Putin will be able to claim that despite the West’s best efforts to isolate Russia after its full-scale invasion of Ukraine, his country not only is far from being an international pariah but also is now a pivotal member of a dynamic group that will shape the future of the international order. That message is not mere rhetorical posturing, nor is it simply a testament to the Kremlin’s skillful diplomacy with non-Western countries or to those countries’ self-interested, pragmatic engagement with Russia.

As the United States and its allies are less able to unilaterally shape the global order, many countries are seeking to boost their own autonomy by courting alternative centers of power. Unable or unwilling to join the exclusive clubs of the United States and its junior partners, such as the G-7 or U.S.-led military blocs, and increasingly frustrated by the global financial institutions underpinned by the United States, such as the International Monetary Fund and the World Bank, these countries are keen to expand their options and establish ties with non-American initiatives and organizations. BRICS stands out among such initiatives as the most significant, relevant, and potentially influential.

Since the group’s founding, 15 years ago, numerous Western analysts have predicted its demise. Its members were very different from one another, often at odds on various matters, and scattered around the globe—hardly the recipe for meaningful partnership. But BRICS has endured. Even following the global geopolitical earthquake unleashed by Russia’s invasion of Ukraine and the deepening of tensions between China and the United States in recent years, interest in joining BRICS has only grown, with many developing countries seeing the grouping as a useful vehicle to navigate the years ahead.

But despite its allure, the club must grapple with an internal fissure. Some of its members, chief among them China and Russia, want to position the grouping against the West and the global order crafted by the United States. The addition of Iran, an inveterate adversary of the United States, only deepens the sense that the group is now lining up on one side of a larger geopolitical battle. Other members, notably Brazil and India, do not share this ambition. Instead, they want to use BRICS to democratize and encourage the reform of the existing order, helping guide the world from the fading unipolarity of the post–Cold War era to a more genuine multipolarity in which countries can steer between U.S.-led and Chinese-led blocs. This battle between anti-Western states and nonaligned ones will shape the future of BRICS—with important consequences for the global order itself.

THE KREMLIN’S BRICOLAGE

The BRICS summit in Kazan follows years of diplomatic efforts by the Kremlin to turn this alphabet soup of a group first cooked up by Goldman Sachs analysts into a proactive global organization. In 2006, Russia assembled the first meeting of BRIC foreign ministers in New York during the UN General Assembly. In June 2009, Russian President Dmitry Medvedev hosted the leaders of Brazil, China, and India for an inaugural summit in Yekaterinburg. And in 2010, the group added South Africa, completing the acronym as it is known today.

Fifteen years ago, the global financial crisis that originated in the United States stoked interest in the BRIC grouping. The failure of American regulators to prevent the crisis and the exposed inefficiency of the Bretton Woods institutions—not to mention China’s sustained spectacular growth as Western economies struggled—spurred calls to redistribute global economic power and responsibility from the West to the developing world. BRICS was the most representative club to express this sentiment. Back then, however, Moscow and its partners largely worked to improve the existing order, not torpedo it. BRICS announced the New Development Bank (NDB) in 2014 to complement existing international institutions and to set up a financial safety net that offered liquidity should any of its members face short-term difficulties. It was meant to supplement, not rival, the World Bank and the IMF.

Russia saw greater purpose and value in BRICS following the annexation of Crimea in 2014, the war in eastern Ukraine, and the coordinated Western sanctions against Russia that followed. Russia portrayed the BRICS summit it hosted in 2015 as a sign that it was not isolated, and that the group could serve as an alternative to the G-7—formerly the G-8, from which Russia had just been evicted. The Kremlin’s sense that BRICS can be a refuge from the domineering hegemony of the United States has only grown more pronounced since the 2022 invasion of Ukraine.

Interest in joining BRICS has grown significantly in recent years.

Russia’s ties to its fellow BRICS members China and India have allowed the regime to weather the Western sanctions campaign. But U.S. sanctions on Russia still affect those countries that don’t intend to punish the Kremlin for the war in Ukraine. U.S. pressure forced many Chinese banks, for example, to end transactions with Russian counterparts this year, thereby disrupting payment schemes and increasing transaction costs for Russian importers. Moscow was troubled to discover that Washington’s toolkit affects not only payments in U.S. dollars but even those in Chinese yuan. Those punitive restrictions also apply to the NDB, which Russia had hoped would serve as a source of funding as Western sanctions shut off other avenues, but the BRICS bank has frozen all projects in Russia.

These complications notwithstanding, BRICS still plays a major role in Russia’s evolving grand strategy. Before February 2022, Moscow hoped for a multipolar order in which Russia could balance relations with the two most powerful countries, China and the United States. The war in Ukraine has smashed the remnants of pragmatism in the Kremlin’s foreign policy. Since Putin perceives the war as part of a broader confrontation with the West, he now seeks to undermine the United States’ positions wherever he can—including by undermining various aspects of current global institutions and by helping to strengthen China’s challenge to U.S. hegemony. This approach can be seen in multiple areas, including Russia’s sharing of advanced military technology with China, Iran, and North Korea; its work to destroy the UN sanctions regime against Pyongyang; and its tireless promotion of payment schemes that can bypass instruments under Western control. Putin summarized the agenda of Russia’s BRICS presidency in remarks in July as part of a “painful process” to overthrow the “classic colonialism” of the U.S.-led order, calling for an end to Washington’s “monopoly” on setting the rules of the road.

In this fight against the Western “monopoly,” Putin identified the most important campaign as the quest to weaken the dominion of the dollar over international financial transactions. This focus is a direct result of Russia’s experience with Western sanctions. Russia hopes that it can build a truly sanctions-proof payments system and financial infrastructure through BRICS, involving all member countries. The United States may be able to pressure Russia’s partners one by one, but that will be much harder or even impossible if these countries have joined an alternative system that features important U.S. partners, such as Brazil, India, and Saudi Arabia. The NDB’s decision to suspend projects in Russia served as a potent reminder that BRICS needs to evolve further to reduce its members’ vulnerabilities to Western sanctions.

CHINA AT THE HELM

Russia may be the angry vocal spearhead of the bid to use BRICS to create an alternative to the U.S.-led global order, but China is the real driving force behind the grouping’s expansion. During the global financial crisis of 2008–10, Beijing shared Moscow’s desire to make BRICS more relevant. China wanted to position itself as part of a dynamic group of developing countries that sought to gradually rebalance global institutions to more fairly reflect shifts in economic and technological power. Under Chinese President Hu Jintao, however, Beijing was unwilling to claim leadership of the grouping, still guided by Deng Xiaoping’s formula of “keeping a low profile.”

Things started to change soon after Xi Jinpingbecame China’s paramount leader, in 2012. In 2013, Beijing concocted an ambitious project that became the Belt and Road Initiative, a vast global infrastructure investment program. Around the same time, China helped launch regional financial institutions in which it would have strong influence: first came the NDB, in 2014, then the Asian Infrastructure Investment Bank, set up in 2016. The People's Bank of China also pushed the internationalization of the yuan by expanding the use of the Chinese currency in settling trade, extending national currency swaps with other central banks to boost the global liquidity of the yuan, and lobbying for the inclusion of the yuan in the IMF’s special drawing rights basket, making it the only nonconvertible global reserve currency. Through the NDB, through initiatives to use local currencies in bilateral trade, and through efforts to create a pool of national reserve currencies, BRICS plays a significant role in building the multilateral institutions that increase Chinese clout inside the current global order.

China is the real driving force behind the expansion of BRICS.

As U.S.-Chinese relations have plummeted in the last decade, Beijing’s foreign policy has grown more radical. Chinese leaders are convinced that the United States won’t willingly allow China to become the dominant power in Asia, much less deign to share global leadership with Beijing. China believes that the United States is instrumentalizing the alliances and institutions that underpin the current global order to constrain China’s rise. In response, Beijing has embarked on projects such as Xi’s overlapping Global Security Initiative, Global Development Initiative, and Global Civilization Initiative, all of which challenge the West’s right to unilaterally define universal rules and seek to undermine the notion of universal values in areas such as human rights. These initiatives point to China’s desire to build a different order rather than simply reform the current one.

China and Russia now have similar ambitions for the BRICS, making Putin and Xi a powerful tandem. Both want to dethrone the United States as the global hegemon, and to that end, Beijing and Moscow seek to make alternative financial and tech platforms immune to U.S. pressure. Deepening multilateralization through BRICS seems like the best path forward. Like Putin, Xi casts this effort in moral terms. As he said at a BRICS summit in 2023, “We do not barter away principles, succumb to external pressure, or act as vassals of others. International rules must be written and upheld jointly by all countries based on the purposes and principles of the UN Charter, rather than dictated by those with the strongest muscles or the loudest voice.”

Beyond rhetoric, China has led the effort—with Russian backing—to add members to the BRICS. Beijing advocated a maximalist approach, trying to rope in as many countries as possible. It wants to be the leader of a strong and sizable bloc. Lengthy negotiations behind closed doors narrowed the list of new members down to six, which became five after Argentina reneged its commitment to join in the wake of the triumph of the libertarian Javier Milei in presidential elections last fall.

The summit in Kazan will be the first meeting of the expanded BRICS. But Beijing’s aggressive push to enlarge the grouping and expand its role on the international stage comes with a cost. The grouping has become less cohesive and more fragile; not all countries within it share Xi’s and Putin’s anti-Western agenda.

THE SEARCH FOR MIDDLE GROUND

The fissure is apparent among the bloc’s founding members. China and Russia may be on the same page, but Brazil and India remain largely committed to pursuing the reform of global governance without trying to assail the international system as it is currently constructed. Decision-makers in Brasília and New Delhi are keen to take a nonaligned stance and find a middle ground between the West, on the one hand, and Russia and China, on the other. Both Brazil and India have largely sat on the fence when it comes to the war in Ukraine, reluctant to support the West's attempts to isolate Russia but equally unwilling to explicitly side with Moscow, recognizing that the invasion amounts to a flagrant violation of international law. Both countries have benefited in economic terms from the trade diversion caused by Western sanctions against Russia. Brazil purchases discounted Russian fertilizer and last year was one of the biggest buyers of Russian diesel. India, too, buys discounted Russian energy commodities. But neither country desires to cut ties with the West or consign itself to an anti-Western bloc.

Brazil and India are therefore wary of the BRICS’ hardening orientation. Both were initially opposed to China’s push to expand the group, which Beijing first proposed in 2017 under the rubric of “BRICS Plus.” Brazil and India were keen to retain the club's exclusivity, worried that adding more members to the bloc would dilute their own influence within it. In 2023, China stepped up its diplomatic campaign and pressured Brazil and India to support expansion, mostly by casting their resistance as tantamount to preventing the rise of other developing countries. Keen to preserve its own standing in the global South, India dropped its opposition, leaving Brazil no choice but to go along with expansion. Brazil did lobby against adding any overtly anti-Western countries—an endeavor that failed spectacularly when Iran was announced as one of the new members that year.

The way China imposed its preferences at the 2023 summit took Brazilian diplomats by surprise, confirming fears that their country’s role would be diminished in an expanded group helmed by a much more assertive China. These developments have raised concerns in Brazil that being part of BRICS may complicate its strategy of nonalignment. For now, a broad consensus that membership generates significant benefits still holds. Brazil appreciates the chance to deepen ties with other BRICS member states and the added leverage it brings to negotiations with Washington and Brussels. BRICS membership has also helped countries such as Brazil and South Africa, whose bureaucracy had limited knowledge about the non-Western world, adjust to a multipolar order. And it comes with significant face time with Xi and other Chinese decision-makers—a perk that is far from trivial, considering how important Chinese investment and trade have become for countries across the global South.

Brazil and India are keen to take a nonaligned stance between the West and China.

Despite the growing divergence between the explicitly anti-Western camp in the BRICS and the nonaligned camp, all members still agree on a number of fundamental issues that explain why the grouping has become vital to its members. In the view of most countries in the grouping, the world is moving from U.S.-led unipolarity to multipolarity, with geopolitics now defined by the competition among several centers of power. The BRICS grouping, despite its internal tensions, remains a key platform for actively shaping this process. Indeed, seen from capitals across the global South, multipolarity is the safest way to constrain hegemonic power, which, unrestrained, represents a threat to international rules and norms and to global stability. Western policymakers often overlook this baseline agreement among BRICS countries and the part it has played in keeping all members committed to the grouping since its inception.

This shared perspective also explains why much of the developing world looks forward to greater multipolarity in the global order and does not pine for Washington’s or the West’s undisputed preeminence. For many countries, joining BRICS is a seriously attractive proposition. For their part, China and Russia welcome the large number of countries that have expressed interest in joining, including Algeria, Colombia, and Malaysia.

Yet any country that joins BRICS will have to grapple with a key question: Which side are they on? Will they band together with Brazil, India, and other nonaligners, or with the anti-Western faction led by China and Russia? Iran, itself a pariah on the international stage, will strengthen the anti-Western camp. But most other countries will likely view accession to BRICS as a way to strengthen their ties to China and other countries in the global South without downgrading their ties to the West.

Saudi Arabia is a prime example. While Riyadh remains a key ally of Washington, it has sought to deepen ties to Beijing, and has initiated an unprecedented diplomatic outreach in regions where Saudi Arabia traditionally played no role, such as in Latin America and the Caribbean, accompanied by investments in countries such as Chile and Guyana. Latin American governments embrace these initiatives with the same rationale: in an increasingly unstable world heading fitfully toward multipolarity, they would do well to diversify their economic and diplomatic strategies.

CRACKS IN THE WALL

In the West, some critics of BRICS dismiss the outfit as a motley crew that deserves no serious attention. Others believe it is a direct threat to the global order. Both views lack nuance: the emergence of BRICS as a political grouping reflects genuine grievances over the inequities of the U.S.-led order and cannot simply be waved away. But owing to changes in Chinese and Russian grand strategy, the divergences within the group are also growing, and the recent expansion is likely to weaken its cohesiveness.

For now, China and Russia have the upper hand in the internal debate about shaping the future of BRICS. But that may not always be the case. It is true that power in the club is not distributed equally—China's economy is larger than those of all the other founding members combined—but that does not mean that other members cannot resist the transformation of the grouping into a Beijing-led bloc copiloted by Moscow. Brazil and India have for years worked behind the scenes to tone down Russia’s more assertive language in summit declarations, and China, too, will find that it cannot ignore their moderating influence. For example, Brazil’s president explicitly rejects the framing of the BRICS as a counterpoint to the G-7 and often states that the group is “against no one.” Arvind Subramanian, former chief economic adviser to the government of India, recently urged New Delhi to leave the grouping, as its expansion was tantamount, in his view, to a takeover by Beijing and its agenda. But Brazil or India still have significant leverage within the BRICS: their departure would severely weaken the entire outfit in a way that is not in China’s or Russia’s interest.

The grouping will have to manage these tensions and contradictions in the years ahead. The fissures within BRICS are likely to grow but are unlikely to lead to its breakup. To be sure, the group could face very real strains. The technology competition between China and the United States may lead to the erection of a digital iron curtain and the emergence of two separate and incompatible technological spheres, which would make fence-sitting more challenging. Finding a common denominator in the grouping will become more difficult, particularly on sensitive geopolitical issues such as the war in Ukraine. Those differences might make the bloc less influential on the international stage, even as its efforts to advance alternative currencies to the U.S. dollar gather strength.

For the United States and other Western powers, the dynamics inside BRICS underline the necessity of taking the grouping—and the underlying dissatisfaction with the current order—seriously. It is entirely reasonable for rising powers such as Brazil to search for hedging options and to feel dissatisfied with how the United States has steered the existing system. Western powers should focus on not making things worse by, for example, trying to scare middle powers away from joining BRICS, which smacks of paternalism and quasi-colonial interference. In the same way, Western attempts to warn middle powers in the global South about being too dependent on China have proved ineffective.

Western countries can do more to not alienate those middle powers seeking greater space for maneuver and to ensure that BRICS does not become an anti-Western bloc. They should spell out more clearly how certain sanctions relate to violations of international law, and try to be consistent in applying those sanctions against all violators—not just against geopolitical adversaries. Countries in the global South want to escape the hegemony of the dollar when they see Western countries, for instance, freezing Russian central bank reserves in 2022 as a response to the invasion of Ukraine but receiving no punishment for similarly unlawful military interventions in the Middle East and Africa. Wealthy countries can also be better problem solvers for poorer countries, including by sharing technology and assisting with the green transition. And the West should make more genuine efforts to democratize the global order, such as by doing away with the anachronistic tradition that only Europeans head the IMF and only U.S. citizens lead the World Bank.

Such actions would build trust and undermine Chinese and Russian attempts to enlist the global South to an anti-Western cause. Rather than bemoaning the emergence of the BRICS, the West should court those member states that have a stake in making sure that the grouping does not become an overtly anti-Western outfit intent on undermining the global order.

  • ALEXANDER GABUEV is Director of the Carnegie Russia Eurasia Center in Berlin.
  • OLIVER STUENKEL is Associate Professor at the School of International Relations at Fundação Getulio Vargas in São Paulo and a Visiting Scholar at the Carnegie Endowment for International Peace.
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domingo, 25 de agosto de 2024

Construtores da Nação: projetos para o Brasil, de Cairu a Merquior - Paulo Roberto de Almeida


Paulo Roberto de Almeida: 

Construtores da Nação: projetos para o Brasil, de Cairu a Merquior

(São Paulo: LVM, 2022)

Trechos da Introdução

Da construção do Estado à construção da Democracia

 

Obrigado de minha curiosidade fiz, por espaço de dezessete anos que residi no Estado do Brasil, muitas lembranças por escrito do que me pareceu digno de notar, as quais tirei a limpo nesta corte, enquanto a dilação de meus requerimentos me deu para isso lugar; ao que me dispus entendendo convir ao serviço de El Rei nosso Senhor, e compadecendo-me da pouca notícia que nestes reinos se tem das grandezas e estranhezas desta província, no que anteparei algumas vezes movido do conhecimento de mim mesmo, e entendendo que as obras que se escrevem têm mais valor que o da reputação dos autores delas.

Como minha intenção não foi escrever história que deleitasse com estilo e boa linguagem, não espero tirar louvor desta escritura e breve relação (em que se contém o que pude alcançar da cosmografia e descrição deste Estado), que a V.S. ofereço; e me fará mercê aceitá-la, como está merecendo a vontade com que a ofereço; passando pelos desconcertos dela, pois a confiança disso me fez suave o trabalho e o tempo que em a escrever gastei: de cuja substância se podem fazer muitas lembranças a S.M. para que folgue de as ter deste seu Estado, a que V.S. faça dar a valia que lhe é devida.

 

Gabriel Soares de Souza, Tratado Descritivo do Brasil em 1587. “Edição castigada pelo estudo e exame de muitos códices manuscritos existentes no Brasil, em Portugal, Espanha e França, e acrescentada de alguns comentários à obra”, por Francisco Adolfo de Varnhagen, sob a responsabilidade do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1851, p. x-xi.

 

 

Como se pode depreender pela descrição inicial que desta terra fez, para os seus soberanos, um dos primeiros habitantes do Estado do Brasil, os projetos para se construir uma nova nação, nesta parte do território da América do Sul, não são exatamente novos. Gabriel Soares de Souza (1540-1591) foi um observador atento e perspicaz, que se empenhou em tomar da pluma para discorrer sobre tudo o que viu, o que ouviu e coletou ao longo dos 17 anos em que se exerceu, como senhor de engenho, nestas paragens ermas, ainda repletas de selvícolas, cujos hábitos ele procurou relatar com exatidão e até espanto (o canibalismo, por exemplo, e a “luxúria” de seus hábitos sexuais). A obra permaneceu praticamente incógnita dos habitantes do Estado do Brasil até meados do século XIX, quando o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen conseguiu retirá-la de um injusto anonimato para enfim divulgá-la a seus compatriotas.

Exatos quarenta anos depois, Frei Vicente do Salvador (1564-1636) terminava uma primeira História do Brasil(1627), que, como sua predecessora de 1587, permaneceu incógnita por 260 anos, tendo sido consultada por Varnhagen, na Biblioteca das Necessidades, em Lisboa, mas publicada apenas no final do século XIX, numa edição anotada por Capistrano de Abreu (1856-1927), pela Biblioteca Nacional (1889). Para José Honório Rodrigues (1913-1987), a História do Brasil “é um dos livros mais saborosos do Brasil seiscentista, pela simplicidade do estilo, natural, sem artifícios, pela ingenuidade da narrativa, entremeada de estórias populares e ditos pitorescos” (1979, p. 490).

Mas, Frei Vicente do Salvador – que recebeu a alcunha de “Heródoto brasileiro”, ou o “Pai da História” no Brasil – também reclama, logo no capítulo segundo do livro, da situação de abandono a que foi relegado o “Estado do Brasil”:

... ao nome do Brasil ajuntaram o de Estado, e lhe chamam Estado do Brasil, ficou ele tão pouco estável que, com não haver hoje cem anos, quando isto escrevo, que se começou a povoar, já se hão despovoado alguns lugares, e sendo a terra tão grande, e fértil, nem por isso vai em aumento, antes em diminuição.

Disto dão alguns a culpa aos Reys de Portugal, outros aos povoadores; aos Reys pelo pouco caso que hão feito deste tão grande Estado, que nem o título quiseram dele; pois intitulando-se Senhores de Guiné por uma caravelinha que lá vai, e vem, como disse o rei do Congo, do Brasil não se quiseram intitular, nem depois da morte de El-Rey dom João terceiro, que o mandou povoar, e soube estimá-lo, houve outro que dele curasse, senão para colher suas rendas e direitos; e deste mesmo modo se hão os povoadores, os quais, por mais arraigados que na terra estejam, e mais ricos que sejam, tudo pretendem levar a Portugal... (..) Porque tudo querem para lá, e isto não tem só os que de lá vieram, mas ainda os que cá nasceram, que uns e outros usam da Terra não como senhores, mas como usufrutuários, só para a desfrutarem e deixarem destruída.

Donde nasce também, que nenhum homem nessa terra é repúblico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular. (...)

Estas são as razões, porque alguns, como muito dizem, que nem permanece o Brasil nem vai em crescimento; e a estas se pode ajuntar a que atrás tocamos de lhe haverem chamado Estado do Brasil, tirando-lhe o de Santa Cruz com que pudera ser Estado, e ter estabilidade e firmeza. (SALVADOR, 1889, p. 6-7).

 

Um novo relato sobre as riquezas da terra, Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas, feito quase um século depois por um outro observador atento, André João Antonil – pseudônimo do jesuíta italiano João Antonio Andreoni (1649-1716), trazido ao Brasil em 1681 pelo padre Antonio Vieira (1608-1697) –, foi retirado de circulação seis dias depois de aprovado para imprimir e distribuir pela própria censura do Reino, em 1711, e assim permaneceu desconhecido durante mais de um século, tendo sido redescoberto somente depois da independência (RODRIGUES, 1979, p. 403). Segundo relata uma estudiosa dessa obra:

As razões para o confisco da obra... foram evitar exposição das riquezas da colônia à cobiça de outras nações, responsáveis por saques constantes na costa brasileira. Naquele momento, falar em açúcar, ouro e tabaco era inadequado e perigoso, podendo aguçar a cobiça da França, Holanda e Inglaterra, interessadas em participar do mercado internacional. (SILVA, 1999, p. 57)

 

Antonil defendia em sua obra (1982) a proposta de que seria justo, “tanto para Fazenda real quanto para o bem público, favorecer a conquista e o desenvolvimento econômico do Brasil” (SILVA, 1999, p. 73). Com isso, evidentemente, não concordaram os censores do Reino, numa atitude que, mutatis mutandis, continuou a ser imitada durante largo tempo, talvez ainda atualmente, quando se continua a falar das fabulosas riquezas do Brasil, sempre cobiçadas por potências estrangeiras.

 

Ao revelar a riqueza potencial da nova terra, os cronistas dos primeiros tempos cumpriam, portanto, mesmo indiretamente, um papel de promotores da prosperidade da colônia, ainda que a exploração dos recursos estivesse mais destinada a enriquecer a própria metrópole. Os projetos tentativos de se fazer da terra uma nação próspera passaram a adquirir maior consistência a partir do desembarque da Corte dos Braganças na colônia que já era, no quadro do imenso império marítimo lusitano, a principal fonte de recursos para o Tesouro do Reino. Tem início, em 1808, a administração dos negócios desse império desde o Rio de Janeiro.

(...)

Disponível na Amazon

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Itamaraty sob pressão (e marginalizado) - Rubens Barbosa (Interesse Nacional) - Introdução: Paulo Roberto de Almeida,

O Itamaraty dominado pelos autoritários

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Notas sobre a submissão do Itamaraty ao poder político, com base na minha própria experiência de exercício da liberdade de pensamento. Postado como introdução a artigo de Rubens Barbosa sobre “O Itamaraty sob pressão” (Interesse Nacional, 16/08/2024) 

 

O Itamaraty esteve sob pressão durante o regime militar, que tinham lá suas obsessões contra o comunismo s até contra simples contrarianistas, como eu (fui fichado, ainda como terceiro secretário no meu primeiro ano na carreira, como “diplomata subversivo”). Depois recuperamos a liberdade de expressão e de fazer certas coisas na agenda externa.

Depois vieram os companheiros e sua diplomacia partidária de amizade e de “relações carnais” com os castristas e mais algumas ditaduras execráveis: por causa disso, e da minha maneira de dizer o que penso, passei TREZE ANOS E MEIO, ou seja, todo o primeiro reinado companheiro nos governos petistas, SEM QUALQUER CARGO na Secretaria de Estado, ostracismo que me levou a escrever alguma livros sobre a diplomacia lulopetista.

Depois de um novo período de acalmia, quando fui chamado finalmente a exercer um cargo não executivo no Itamaraty, vieram os aloprados do bolsolavismo diplomático, que me afastaram do cargo e me deixara sob as ordens de um Conselheiro na Divisão do Arquivo. Escrevi cinco livros sobre o bolsonarismo diplomático.

Assim foi a minha experiência no Itamaraty…

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4717, 17 agosto 2024, 1 p.

 

 Itamaraty sob pressão

Rubens Barbosa

Portal Interesse Nacional, 16/08/2024

Nos últimos 30 anos, o Itamaraty vem perdendo espaço no contexto dos sucessivos governos por razões de política interna e mudanças externas

Diplomatas protestam em defesa da valorização dos funcionários do Serviço Exterior Brasileiro (Foto: ADB/Instagram)

Está muito difícil para o Ministério das Relações Exteriores desempenhar suas competências constitucionais de assessorar o presidente da República e de ser a voz do Brasil no cenário internacional.

Nos últimos 30 anos, o Itamaraty vem perdendo espaço no contexto dos sucessivos governos por razões de política interna e mudanças externas. Internamente, emergiu uma tecnocracia que passou a representar interesses setoriais no exterior, como a área econômica, o setor agrícola, o de defesa e o de polícia. Externamente, o mundo se transformou pela rapidez da informação, a facilidade dos contatos entre chefes de Estado com conversas e encontros frequentes. Nos últimos 15 anos, um novo elemento contribuiu para o esvaziamento do Itamaraty: a politização e a partidarização da política externa e a atração de lealdades ao presidente, ao ministro e às ideias por eles defendidas. Exemplos recentes desse esvaziamento político são a retirada da Camex, da Apex, a dualidade de funções entre a assessoria presidencial e o ministro do exterior. 

‘A credibilidade do Itamaraty e da solidez da política externa na defesa do interesse nacional ficaram afetadas por pronunciamentos presidenciais neste e no governo anterior’

A credibilidade do Itamaraty e da solidez da política externa na defesa do interesse nacional ficaram afetadas por pronunciamentos presidenciais neste e no governo anterior. No governo atual, as posições oficiais expressas pela chancelaria em relação à guerra na Ucrânia, a Gaza e sobre a eleição na Venezuela foram contraditadas por manifestações presidenciais.

A duplicidade de interlocutores com o presidente da República entre o Itamaraty e a assessoria internacional da presidência, estão criando dissonâncias sobre assuntos que colocam em questão o interesse nacional. O caso mais recente é a vocalização da posição oficial do governo brasileiro no tocante à Venezuela ou o silêncio quanto às violações da democracia e dos direitos humanos. O último exemplo, nesta semana, foi a opinião do assessor internacional da presidência sobre a realização de novas eleições na Venezuela, em vista da contestação dos resultados pela oposição, logo contraditada pelo Itamaraty ao divulgar que a posição do governo não havia mudado e que o Brasil continuava no aguardo da divulgação das atas. Sem mencionar a nota do PT aceitando o resultado das urnas e se congratulando com Maduro pela eleição.

‘As interferências de outros membros do governo nos assuntos de competência do MRE se multiplicam’

As interferências de outros membros do governo nos assuntos de competência do MRE se multiplicam. A disputa pela liderança da COP30 entre o Itamaraty, que normalmente deveria assumir esse papel, e o Ministério do Meio Ambiente e, nesta semana, o encontro entre o chefe da Casa Civil e o embaixador da China para discutir a vinda ao Brasil do presidente chines Xi Jinping são exemplos de fatos que contribuem para o esvaziamento da Chancelaria. A assessoria internacional do Planalto prevaleceu sobre o Itamaraty no tocante à ampliação do Brics e o Ministério do Planejamento discute e propõe políticas sobre a integração física regional. 

É evidente a perda de espaço do Itamaraty nas secretarias internacionais dos ministérios, a descoordenada ação subnacional, a marginalização dos embaixadores nas reuniões em nível de chefe de Estado, a perda da coordenação das negociações internas nas áreas de comércio exterior, inclusive no tocante ao Mercosul, ao meio ambiente e às agendas multilaterais (direitos humanos, energia, costumes, gênero e outras).

‘O esvaziamento do Itamaraty vem ao mesmo tempo em que aumenta a insatisfação dos diplomatas com os salários e com o fluxo das promoções’

O esvaziamento do Itamaraty vem ao mesmo tempo em que aumenta a insatisfação dos diplomatas com os salários e com o fluxo das promoções. A criação de um sindicato dos diplomatas, nos últimos anos, criou um fórum de coordenação para a defesa dos interesses burocráticos dos funcionários diplomáticos como nunca houve no passado. Em assembleia nesta semana, o sindicato votou a favor de indicativo de greve, com estado de mobilização permanente pela primeira vez na história do Palácio do Itamaraty. A principal motivação para o movimento foi uma contraproposta de reajuste salarial apresentada pelo Ministério da Gestão e Inovação (MGI), considerada insuficiente pelos diplomatas. A categoria considerou a oferta insuficiente para compensar as perdas inflacionárias, especialmente para diplomatas nas classes iniciais e intermediárias. 

Diferentemente de outras carreiras públicas, nas quais os servidores podem chegar ao topo em pouco mais de dez anos, diplomatas costumam levar até 30 anos para alcançar o nível máximo. Com o aumento da idade de aposentadoria para 75 anos e uma estrutura engessada, com vagas limitadas por classe, um número significativo de servidores fica estagnado nas classes iniciais ou intermediárias. A decisão pela greve reflete a frustração das gerações mais recentes do Itamaraty com a falta de perspectivas de desenvolvimento profissional, “de valorização e de reconhecimento da importância da carreira”, segundo a entidade, “em um momento que o Brasil retoma as ambições na política externa, sediando importantes eventos como as cúpulas do G20, do Brics e a COP30”. Canções de protesto e carros de som em frente ao Itamaraty colocam as reivindicações no mesmo nível das demais carreiras da burocracia na Esplanada dos Ministérios.

‘O Itamaraty tem de ser revigorado e deveria recuperar sua capacidade de interpretação do sentido das mudanças globais e de sua competência para articulação e coordenação interna de todas as ações do governo no exterior’

Ao contrário do que está acontecendo agora, o Itamaraty tem de ser revigorado – inclusive para melhor defender os interesses dos funcionários diplomáticos – e deveria recuperar sua capacidade de interpretação do sentido das mudanças globais e de sua competência para articulação e coordenação interna de todas as ações do governo no exterior.Como instituição de Estado, o Ministério das Relações Exteriores deve ser preservado para a defesa do interesse nacional acima de princípios ideológicos ou partidários. Os governos de turno não podem improvisar na política externa.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Autocracy Inc. de Anne Applebaum, Introdução (Inteligência Democrática)

 Autocracy Inc. de Anne Applebaum

Inteligência Democrática4/08/2024

 

Reproduzimos abaixo, numa tradução automática do ChatGPT4, a introdução do mais recente livro de Anne Applebaum (2024), Autocracy Inc. Os ditadores que querem governar o mundo. O PDF com o texto integral pode ser baixado aqui: APPLEBAUM Autocracy, Inc.


 

INTRODUÇÃO

Todos nós temos em nossas mentes uma imagem caricatural de um estado autocrático. Há um homem mau no topo. Ele controla o exército e a polícia. O exército e a polícia ameaçam o povo com violência. Existem colaboradores malignos e, talvez, alguns dissidentes corajosos.

Mas, no século 21, essa caricatura pouco se assemelha à realidade. Hoje em dia, as autocracias não são dirigidas por um único homem mau, mas por redes sofisticadas que dependem de estruturas financeiras cleptocráticas, um complexo de serviços de segurança — militares, paramilitares, policiais — e especialistas tecnológicos que fornecem vigilância, propaganda e desinformação. Os membros dessas redes estão conectados não apenas entre si dentro de uma dada autocracia, mas também a redes em outros países autocráticos, e às vezes em democracias também. Empresas corruptas controladas pelo estado em uma ditadura fazem negócios com empresas corruptas controladas pelo estado em outra. A polícia em um país pode armar, equipar e treinar a polícia em muitos outros. Os propagandistas compartilham recursos — os fazendeiros de trolls e as redes de mídia que promovem a propaganda de um ditador também podem ser usados para promover a de outro — bem como temas: a degeneração da democracia, a estabilidade da autocracia, o mal dos Estados Unidos.

Isso não quer dizer que há uma sala secreta onde os caras maus se encontram, como em um filme de James Bond. Nem nosso conflito com eles é um concurso binário preto-e-branco, uma “Guerra Fria 2.0.” Entre os autocratas modernos estão pessoas que se autodenominam comunistas, monarquistas, nacionalistas e teocratas. Seus regimes têm raízes históricas diferentes, objetivos diferentes, estéticas diferentes. O comunismo chinês e o nacionalismo russo diferem não apenas entre si, mas também do socialismo bolivariano da Venezuela, do Juche da Coreia do Norte ou do radicalismo xiita da República Islâmica do Irã. Todos eles diferem das monarquias árabes e outros — Arábia Saudita, Emirados, Vietnã — que em sua maioria não buscam minar o mundo democrático. Eles também diferem das autocracias mais suaves e democracias híbridas, às vezes chamadas de democracias iliberais —Turquia, Cingapura, Índia, Filipinas, Hungria — que às vezes se alinham com o mundo democrático e às vezes não. Ao contrário de alianças militares ou políticas de outras épocas e lugares, este grupo opera não como um bloco, mas sim como uma aglomeração de empresas, vinculadas não pela ideologia, mas sim por uma determinação implacável e única de preservar sua riqueza e poder pessoal: Autocracia, Inc.

Em vez de ideias, os homens fortes que lideram a Rússia, China, Irã, Coreia do Norte, Venezuela, Nicarágua, Angola, Mianmar, Cuba, Síria, Zimbábue, Mali, Bielorrússia, Sudão, Azerbaijão e talvez outras três dúzias compartilham uma determinação de privar seus cidadãos de qualquer influência ou voz pública reais, de lutar contra todas as formas de transparência ou responsabilidade, e de reprimir qualquer um, em casa ou no exterior, que os desafie. Eles também compartilham uma abordagem brutalmente pragmática da riqueza. Ao contrário dos líderes fascistas e comunistas do passado, que tinham máquinas partidárias atrás deles e não exibiam sua ganância, os líderes da Autocracia, Inc., muitas vezes mantêm residências opulentas e estruturam grande parte de sua colaboração como empreendimentos lucrativos. Seus vínculos entre si e com seus amigos no mundo democrático são cimentados não por ideais, mas por negócios — negócios projetados para atenuar as sanções, trocar tecnologia de vigilância, ajudar uns aos outros a enriquecer.

(...) 

(+ 11 páginas)

Leia a íntegra neste link: 

https://www.academia.edu/122602843/Autocracy_Inc_Anne_Applebaum_Introdu%C3%A7%C3%A3o_2024_



sexta-feira, 2 de junho de 2023

Mercosul e União Europeia: a longa marcha da cooperação à associação - Paulo Roberto de Almeida, introdução a livro sobre relações Mercosul-UE

 Meu trabalho mais recentemente publicado, embora tenha sido escrito dois anos atrás (com revisão atualizada para publicação em outubro de 2022, antes, portanto, da mudança de governo no Brasil):

4247. “Mercosul e União Europeia: a longa marcha da cooperação à associação”, Brasília, 2 outubro 2022, 20 p. Colaboração, publicada como Introdução ao livro: André Pires Gontijo, Camilo Negri; Elisa de Sousa Ribeiro (orgs.). (Cor)Relações entre Europa e América Latina: atualidades e perspectivas. Curitiba: CRV, 2023, 290 p.; ISBN Digital 978-65-251-4631-7; ISBN Físico 978-65-251-4630-0. Divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/102774811/4247_Mercosul_e_União_Europeia_a_longa_marcha_da_cooperação_à_associação_2022_). Relação de Publicados n. 1510.

              

Disponível no site da editora, no link: https://www.editoracrv.com.br/produtos/detalhes/37887-correlacoes-entre-europa-e-america-latina-br-atualidades-e-perspectivas 


(COR)RELAÇÕES ENTRE EUROPA E AMÉRICA LATINA: ATUALIDADES E PERSPECTIVAS

Coordenadores:

André Pires Gontijo Elisa de Sousa Ribeiro Camilo Negri

Prefácio

Fernando Collor de Mello

Apresentação

André Pires Gontijo, Elisa de Sousa Ribeiro e Camilo Negri

Introdução

Paulo Roberto de Almeida

Autores
Adriana Dreyzin de Klor, Aline Beltrame de Moura, André Pires Gontijo, Beatriz Nunes Diógenes, Carlos Federico Domínguez Avila, Clarita Costa Maia, Dalia B. Carranco, Elisa Campo Dall’Orto Corrêa, Graciela R. Salas, Graziela Tavares de Souza Reis, Karina L. Pasquariello Mariano, Letícia Mulinari Gnoatton, Regiane Nitsch Bressan, Sérgio Martins Costa Coêlho, Stephanie Cristina de Sousa Vieira, Tarin Cristino Frota Mont’Alverne, Víctor Minervino Quintiere.


(COR)RELAÇÕES ENTRE EUROPA E AMÉRICA LATINA: ATUALIDADES E PERSPECTIVAS

Sumário:

APRESENTAÇÃO ..9
André Pires Gontijo
Elisa de Sousa Ribeiro
Camilo Negri

PREFÁCIO
32 ANOS DO MERCOSUL: um balanço para pensar o futuro ..13
Fernando Collor

PRÓLOGO
32 ANOS DE UMA EXPERIÊNCIA COMUNITÁRIA! ..19
Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha

INTRODUÇÃO
MERCOSUL E UNIÃO EUROPEIA: a longa marcha da cooperação à associação..21
Paulo Roberto de Almeida

HACIA LA PRÓXIMA CUMBRE CELAC-UE: continuidad, cambio y ruptura en la agenda de trabajo birregional ..41
Carlos Federico Domínguez Avila

ACUERDO MERCOSUR – UE ¿MÁS INTERROGANTES QUE CERTEZAS? EL DERECHO INTERNACIONAL EN MERCOSUR UNA PERSPECTIVA DESDE ARGENTINA ..67
Adriana Dreyzin de Klor
Graciela R. Salas

GOVERNANÇA AMBIENTAL REGIONAL E O ACORDO UNIÃO EUROPEIA-MERCOSUL ..95
Regiane Nitsch Bressan
Karina L. Pasquariello Mariano

AGRICULTURA SUSTENTÁVEL NO MERCOSUL: o desenvolvimento da agricultura familiar e de práticas agrícolas sustentáveis ... 117
André Pires Gontijo
Elisa Campo Dall’Orto Corrêa

UMA ANÁLISE DA RECOMENDAÇÃO 2020/2129 DO PARLAMENTO EUROPEU SOBRE A OBRIGATORIEDADE DO DEVER DE DILIGÊNCIA EMPRESARIAL: instrumento extraterritorial de proteção aos direitos humanos no Brasil? ..143
Beatriz Nunes Diógenes
Stephanie Cristina de Sousa Vieira
Tarin Cristino Frota Mont’Alverne

OS REFLEXOS INTERNACIONAIS DA REGULAMENTAÇÃO EUROPEIA EM MATÉRIA DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS ..169
Aline Beltrame de Moura
Letícia Mulinari Gnoatton 

O PROJETO LATINO-AMERICANO DE INTEGRAÇÃO EM INFRAESTRUTURA E O PAPEL DA EUROPA: os corredores bioceânicos como vetores de desenvolvimento regional e política econômica anticíclica ..193
Clarita Costa Maia

QUESTÕES ATUAIS ENVOLVENDO O DIREITO AO VOTO DOS CONDENADOS EM DEFINITIVO: perspectivas e desafios para o Brasil frente ao cenário mundial ..233
Víctor Minervino Quintiere

SIN NACIÓN: la apatridia en américa latina y europa ..261
Dalia B. Carranco

A PERSPECTIVA DE GÊNERO NO SISTEMA INTERAMERICANO E O DIÁLOGO ENTRE CORTES REGIONAIS DE DIREITOS HUMANOS ..281
Graziela Tavares de Souza Reis

A INVENÇÃO DA AMÉRICA LATINA ..307
Sérgio Martins Costa Coêlho

COORDENAÇÃO DA OBRA .329

AUTORES E AUTORAS ..331


Introdução
Paulo Roberto de Almeida

Embaixador e professor. Atuou em diversas negociações do Mercosul, na primeira década de existência do bloco, e  representou o Brasil, como delegado alterno, perante a ALADI, presidiu e fez parte de grupos de pesquisa voltados à análise da União Europeia, do comércio internacional e de processos de integração econômica.

Início da Introdução: 

Mercosul e União Europeia: a longa marcha da cooperação à associação

 

 

Paulo Roberto de Almeida[1]

 

 

Resumo: Ensaio de caráter histórico analítico sobre as diferentes etapas do relacionamento inter-regional entre o Mercosul e a União Europeia, com ênfase na longa e lenta construção do acordo de associação comercial entre os dois blocos, os percalços existentes em duas décadas e as dificuldades remanescentes com a assinatura do acordo concluído em junho de 2019. A despeito de todos os obstáculos de natureza política e econômica, a densidade de relações de todos os tipos entre as duas regiões deve assegurar, no futuro previsível, a continuidade dessa associação entre as duas únicas uniões aduaneiras em vigor no contexto do sistema multilateral de comércio.

Palavras chaves: União Europeia; Mercosul; relações Europa-América Latina; acordo de associação; sistema multilateral de comércio.

 

 

Antecedentes históricos e quadro institucional da integração na Europa e nas Américas

A América Latina, ou melhor, o hemisfério americano, na sua configuração resultante dos descobrimentos, nos albores da era moderna, é uma criação legitimamente europeia, com todos os bonus et malus de um processo marcado por fenômenos e movimentos paradoxais: pela conquista violenta e pela colonização subsequente; pelo extermínio de povos originários (voluntário, em muitos casos, mas geralmente involuntário, pelo germes); pela exploração e pela extração de recursos naturais e produtos feitos no hemisfério; pela cultura e instituições que estiveram na origem dos novos Estados independentes; pelos investimentos, pela emigração maciça e pelo comércio mantidos em todas as épocas; pela ajuda generosa concedida em diferentes momentos da vida contemporânea; pela defesa da democracia e dos direitos humanos em países dominados por ditaduras e oligarquias predatórias; pela transferência (na maior parte das vezes não deliberada) de tecnologias proprietárias e patrimônio intelectual às nações e sociedades que ali se formaram desde o início do século XIX; enfim,  tudo isso e muitas outras coisas não detectadas, ou seja, bens invisíveis ou não mensuráveis, tudo o que existe de concreto e intangível, com a exceção da quase esquecida herança humana pré-existente aos primeiros contatos civilizatórios, todos esses fatores constituem o resultado da ocupação material e humana europeia, mais especificamente dos reinos ibéricos, com alguns aportes marginais de outros europeus, notadamente britânicos, franceses, italianos, holandeses, belgas, alemães e eslavos, assim como vários outros povos europeus. [2]

Não se pode esquecer, tampouco, que muito do que foi feito, desde o início da colonização, foi o resultado dos próprios povos ameríndios e, no caso do Brasil e de outros países, basicamente de escravos africanos, arrastados para uma vida infernal, curta, dolorosa e absolutamente indigna de nações cristãs, como se pretendiam os europeus. Não cabe jamais esquecer que grande parte, senão o essencial, do que foi construído num hemisfério que se encontrava entre o paleolítico e o neolítico foi obra dos povos originários submetidos à servidão ou de escravos africanos explorados num grau de crueldade poucas vezes visto no processo civilizatório da comunidade humana em todas as épocas e lugares. 

Que a América Latina seja europeia – depois enriquecida por diversos outros aportes humanos e materiais de outras fontes culturais, notadamente Ásia e Oriente Médio – não é, ou não deveria ser objeto de contestação, embora visões revisionistas da história pretendam oferecer uma outra visão do descobrimento (ou invasão), da colonização (ou exploração), das transferências tecnológicas ou culturais (para o próprio lucro ou enriquecimento) desses “fornecedores”, o que também faz parte do universo acadêmico europeu (e americano), ou seja, o remorso pela colonização, pelo extermínio vinculado à exploração violenta e pelo racismo associado, assim como as inovações politicamente corretas do “descolonização” terminológica e conceitual e outras invencionices do gênero. Mas, falar de correlações entre a América Latina e a Europa é muito genérico, e impreciso, para abordar o objeto desde ensaio, que toma como objeto as correlações específicas entre a União Europeia e o Mercosul, ou seja, um fenômeno e um processo dos últimos trinta anos apenas, com débeis raízes nos 500 anos anteriores de interações destrutivas e construtivas entre dois continentes. Mas, mesmo nessa dimensão mais reduzida geograficamente e temporalmente, pode-se dizer que também o Mercosul é um produto genuinamente europeu, na sua inspiração, no seu formato e, embora ainda não realizadas, nas suas intenções e objetivos. 

Três décadas antes da formação do bloco do Cone Sul, o primeiro experimento de integração na região também tomou como base experimentos anteriores na Europa, sob a forma de zonas de livre comércio ou de união aduaneira, como materializado na Tratado de Montevidéu de 1960, criando uma Associação de Livre Comércio da América Latina, fundado juridicamente no Artigo 24 do Gatt, que tomou como base o único experimento existente em sua elaboração, em 1947, o Benelux, a união aduaneira entre Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo (formulada originalmente em Londres em 1944, e formalizado pelo Tratado da Haia de 1947). Já a integração negociada no âmbito da Cepal, na segunda metade dos anos 1950, era inspirada nos primeiros experimentos comunitários do Tratado de Paris de 1951, que criou a CECA (a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, entre França, Alemanha, Itália e os três do Benelux), e dos tratados de Roma de 1957, criando, entre outros órgãos e mecanismos de integração mais profunda, o mercado comum europeu.

A etapa seguinte, a substituição da Alalc pela Aladi, por meio do segundo Tratado de Montevidéu, de 1980, criando a Associação Latino-americana de Integração, tem mais a ver com desenvolvimentos no âmbito do Gatt – especificamente a decisão da Rodada Tóquio, de 1979, instituindo uma “cláusula de habilitação” –, do que com inovações europeias, uma vez que a nova faculdade de concluir acordos preferenciais e parciais, não mais submetidos aos requerimentos do Artigo 24 do Gatt, estava restrita às partes contratantes consideradas menos desenvolvidas. Mas, o processo que conduziu precipuamente ao Mercosul também pode ser considerado como um derivativo de movimentos inspiradores a partir do “berço” europeu, como agora se pode expor sucintamente. Depois de uma fase de relativa “euroesclerose”, do final dos anos 1970 a meados da década seguinte, o “Ato Único” europeu, de 1986, criando um mercado unificado num espaço de seis anos, representou um avanço bastante ousado na então Comunidade Econômica Europeia, já bastante ampliada em relação aos seis membros originais, o que significava desmantelar centenas de normas nacionais e outros dispositivos restritivos para realmente consolidar a livre circulação de bens e serviços no continente. Tal decisão apareceu a parceiros externos do outro lado do Atlântico como suscetível de criar uma “fortaleza europeia”, já particularmente protecionista na área agrícola.

A reação não tardou a se organizar. Na América do Norte, Estados Unidos e Canadá decidiram ampliar o livre comércio automotivo que já vigorava entre os dois países desde meados dos anos 1960 para um acordo geral de livre comércio, o que foi concretizado em 1988. No Cone Sul, Argentina e Brasil decidem, de seu lado, dar início a um cuidadoso processo de liberalização comercial recíproca – por meio do PICE, o Programa de Integração e Cooperação Econômica, de 1986 – que se consolidaria num Tratado de Integração em 1988, já prevendo um mercado comum em dez anos, mas baseado num roteiro gradual e flexível de conformação progressiva de cadeias de valor, por meio de protocolos setoriais, num total de mais de duas dúzias, que passaram a reger a abertura recíproca de indústrias e setores agrícolas dos dois países. A chegada de dois presidentes mais inclinados a um modelo mais liberal do que intervencionista de integração, Carlos Menem e Fernando Collor, levou a que esse modelo cauteloso de integração fosse substituído por um outro, de desmantelamento automático das barreiras existentes, o que foi feito pela Ata de Buenos Aires, de julho de 1990, já prevendo o estabelecimento de um mercado comum na metade do tempo, em 1995.

Na América do Norte, depois de uma proposta hemisférica de liberalização geral feita pelo presidente George Bush (pai) em 1990, a iniciativa evoluiu para um primeiro acordo tripartite, estendendo ao México o acordo de livre comércio já feito com o Canadá dois anos antes, o que resultou no NAFTA, aprovado em 1994, ao mesmo tempo em que o México era aceito para integrar a OCDE, alterando, portanto, sua tradicional postura desenvolvimentista. No caso da América do Sul, o anúncio de um projeto de mercado comum bilateral entre o Brasil e a Argentina estimulou os países vizinhos a se juntarem ao esquema da Ata de Buenos Aires e, em menos de um ano, Paraguai e Uruguai aderem ao esquema, que foi formalizado por meio do Tratado de Assunção, de março de 1991, nos mesmos termos do acordo anterior.[3]

 

Mercosul e União Europeia: vidas paralelas?

(...)

(...)

Final do texto: 

Numa conjuntura em que a desglobalização econômica e o acirramento das tensões geopolíticas parecem, novamente, ameaçar o mundo com uma nova fragmentação de blocos não convergentes entre si, a unidade de propósitos e o diálogo político entre o bloco europeu e o sul-americano constitui, possivelmente, um patrimônio diplomático que não seria conveniente descartar. Com efeito, o acordo de associação representa bem mais do que uma simples relação de interesse comercial, ao consolidar uma trajetória de laços históricos e de imbricações de povos e culturas de mais de cinco séculos de existência. Diferente da Ásia e da África, a América Latina, especialmente os países da América do Sul e os povos e nações do Mercosul constituem filhos legítimos da Europa ocidental, no pleno significado cultural e civilizatório do conceito. O acordo não é, portanto, um mero instrumento de intercâmbios econômicos, e sim uma interação natural e necessária. Trata-se, provavelmente, da mais intensa correlação entre a Europa e a América Latina que se possa conceber no plano da geopolítica mundial, tão relevante quanto têm sido, desde mais de 500 anos, as relações euro-atlânticas entre a Europa Ocidental e a América do Norte.

[Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4247: 2 outubro 2022, 20 p.]

 


[1] Diplomata de carreira, professor universitário; doutor em Ciências Sociais; mestre em Planejamento Econômico; diretor de Relações Internacionais no Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal; CV: http://lattes.cnpq.br/9470963765065128; Contatos: www.pralmeida.orgpralmeida@me.com.

[2] Para uma visão geral do relacionamento entre as duas regiões ao início dos anos 1980, cabe referir-se ao artigo de Wolf Grabendorff, “El papel de Europa en las relaciones internacionales de la América Latina”, revista Relaciones Internacionales(Universidad Nacional de Costa Rica, vol. 5, n. 2, 1982, p. 82-92; disponível: https://www.revistas.una.ac.cr/index.php/ri/article/view/7024; acesso: 10 jul. 2022).

[3] Para as origens e os fundamentos do processo de integração no Cone Sul, ver Paulo Roberto de Almeida, Mercosul: Fundamentos e Perspectivas (São Paulo: Editora LTr, 1998.