[A OAB, a advocacia e os Jubilados em 2021]
Wagner Rocha D’Angelis [*]
RESUMO – O diploma de jubilamento, conferido aos advogados e advogadas que se dedicaram com galhardia, resiliência e longevidade ao exercício profissional e da cidadania, expressa uma meritória honraria para a classe e enaltece os homenageados. Em virtude de recente sessão de jubilamento da OABPR, na qual fui um dos diplomados, procuro neste texto sintetizar a importância ímpar da cerimônia e demonstrar a relação estreita entre o papel do advogado com o Estado Democrático de Direito, a advocacia dos direitos humanos, a solidariedade e a luta pela Justiça Social.
Palavras-chaves: Jubilamento advocatício; direitos humanos; estado democrático de direito; justiça social; lições de Alceu Amoroso Lima; homenagem a Wagner D’Angelis.
Sumário: 1. Introdução; 2. A OAB e a advocacia dos direitos humanos; 3. Os jubilados e o estado democrático de direito; 4. As lições de Alceu Amoroso Lima na luta pela justiça; 5. Conclusão – o exemplo do Dr. Alceu para os jubilados; 6. Referências.
1 - INTRODUÇÃO
Em solenidade festiva, realizada no seu grande auditório, na tarde do último dia 02 de dezembro de 2021, a OAB/Seccional do Paraná celebrou o jubilamento de 110 advogados e advogadas de Curitiba, que foram divididos em dois grupos por conta dos cuidados relativos à pandemia ainda vigente. Conduzida pelo ilustre ‘bâttonier’ da entidade paranaense, o advogado Cássio Lisandro Telles, a relevante iniciativa homenageou os profissionais jurídicos com trajetória ilibada e militância diuturna, que completaram 45 anos de atuação, ou, mesmo, que chegaram aos 70 anos de idade com 30 anos de inscrição na Seccional. Ver: Site da OABPR. In: https://www.oabpr.org.br/oab-parana-realiza-solenidade-de-jubilamento-para-advogados-de-curitiba/ (matéria publicada em 02/12/2021).
No evento vespertino, com início às 17 horas, além do atual presidente da seccional, se fizeram presentes na mesa dos trabalhos, o advogado José Lúcio Glomb, ex-presidente a OABPR, do Instituto dos Advogados do Paraná e também um dos jubilados, a secretária-geral adjunta Christhyanne Bortolotto, o diretor de Prerrogativas Alexandre Salomão, e, a coordenadora-geral da Escola Superior de Advocacia (ESA), Adriana D’Avila Oliveira.
Após exortar os agraciados – presentes nos plenários físico e também virtual - a terem orgulho de serem advogados (as), conscientes da grande missão social da classe, Telles enalteceu a importância daquela paradigmática sessão, que, costumeiramente, desde a edição do Provimento 111, de 12 de setembro de 2006, a OAB dedica aos integrantes registrados na Seccional, relembrando, ainda, que os operadores do direito “são defensores da justiça, da cidadania, da liberdade e do Estado Democrático de Direito”.
2 - A OAB E A ADVOCACIA DOS DIREITOS HUMANOS
Em seguida, já na segunda parte da festividade jubilatória, o presidente do colegiado paranaense pediu vênia para destacar que o evento estava sendo acompanhado, online, pelo advogado e professor universitário, com histórico de 45 anos de múnus público, Dr. Wagner Rocha D’Angelis, que na ocasião ainda se recuperava de uma complexa cirurgia (da coluna lombar), a quem reconheceu, na amplitude urbi et orbi, papel ativo e altivo enquanto dirigente de Ordem, principalmente louvando a lúcida, corajosa e intermitente atuação do Prof. D’Angelis na defesa peremptória dos direitos humanos, ao longo de quase meio século de inscrição profissional. Ver: https://www.youtube.com/ watch?v=7xT_3tOs27Q (Cerimônia de Jubilamento – Ativo Isento - 02/12/2021) - notadamente a partir de 2min50seg de execução.
A partir desse momento, recordando que a comemoração toda estava sendo gravada, o presidente Telles fez questão de citar alguns dos relevantes papéis exercidos pelo advogado Wagner D’Angelis no âmbito da atividade diretiva institucional, enumerando várias de suas contribuições à seccional, desde quando ajudou a criar e tornou-se membro titular da primeira Comissão Estadual de Direitos Humanos da OABPR, entre 1983 a 1985 (gestão Oto Sponholz), e assim de vários outros comitês subsequentes, além de secretário da mesma Comissão na gestão Alfredo de Assis Gonçalves Neto (1995-1997), presidente da Comissão Estadual de Direitos Humanos na gestão Edgard Luiz Cavalcanti de Albuquerque (1998-2000), Conselheiro Estadual (em dois mandatos), representante da OABPR na Comissão Especial de Indenização a Ex-Presos Políticos (Governo do Paraná / Decreto nº 3.485, de 20 de agosto de 1997 – até a 2003), representante da OABPR para investigação de violências cometidas contra agricultores, indígenas e expropriados por hidrelétricas, representante da OABPR na averiguação dos problemas enfrentadas por boias-frias e pequenos agricultores no Paraguai (caso “brasiguaios”), além de inúmeras palestras e debates para as quais foi designado por várias diretorias.
Cabe noticiar, ainda, o que sequer foi preciso referenciar, porquanto uma honraria mais recente, que este jubilado compõe, já por três mandatos consecutivos (desde 2014), a Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da OABPR (CEVIGE), a cujo respeito me permito abrir um parêntese para destacar o profícuo e coerente trabalho da CEVIGE, tida pelo autor como uma das mais dinâmicas e valiosas contribuições prestadas pela seccional à sociedade paranaense.
3 - OS JUBILADOS E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Após concluir a parte laudatória de seu discurso em meu favor, o dr. Cássio Telles, lembrando que a seccional paranaense será pela primeira dirigida por uma mulher em toda a sua história (a advogada Marilena Indira Winter), fez questão de convidar uma advogada para também se pronunciar, cujo encargo recaiu na pessoa de Maria Lúcia Weinhardt, ex-presidente da subseção da Lapa, que relembrou das dificuldades instrumentais do exercício profissional nos anos 1970 até 1990, e, inclusive, enfatizou o pequeno número de mulheres que se formavam nos Cursos de Direito, algo que está sendo superado com o movimento de “feminização da advocacia” nas últimas décadas. Apesar da polêmica diferença notada no quesito mercado de trabalho e honorários advocatícios, o Conselho Federal noticiou, em abril deste ano (2021) que o número de advogadas passou a ser maior que o número de advogados no país [CF/OAB. In: https://www.conjur.com.br/2021-abr-27/numero-advogadas-supera -advogados-vez-brasil - matéria de 27/04/2021]. Além disso, o resultado final das eleições para diretorias e conselhos regionais neste ano de 2021 aponta, e isso é uma nova guinada positiva nesse quadro, que cinco das seccionais serão presididas por mulheres no triênio 2022-2024, a saber: São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Bahia e Mato Grosso.
Dando-se sequência ao ato público, a palavra foi passada ao ex-presidente José Lucio Glomb, que cumprimentou os homenageados em nome da OAB. Para o orador convidado, certamente “todos (os jubilados) estão orgulhosos da trajetória que construíram passo a passo. Os meus cumprimentos mais sinceros por terem essa dedicação e nunca terem deixado de ter fé no direito. Sigamos a nossa vocação”. Vale recordar que ao longo de seu mandato (triênio 2010-2012), o advogado Glomb encabeçou com outras lideranças a campanha “O Paraná que queremos”, de combate denodado contra a corrupção institucionalizada no âmbito da Assembleia Legislativa do Paraná, o que levou à criação da chamada Lei de Transparência (Lei 16.595/2021, depois complementada pelo Decreto Estadual 10.285/2014), texto originado da parceria entre a OAB/Paraná e a Associação Paranaense dos Juízes Federais (Apajufe). Por essa atuação, inclusive, a seção paranaense da OAB concedeu ao Dr. Glomb, em 11 de agosto de 2021, a Medalha Vieira Neto, a maior honraria local que se concede às personalidades que se destacam no exercício profissional. [In: https://www.gazetadopovo.com.br/parana/advogado-que-liderou-reacao-civica-ao-escandalo-dos-diarios-secretos-sera-homenageado/ - matéria publicada em 03/08/2021]
Voltando a fazer uso da palavra, o presidente Cássio Telles ainda ressaltou a importância dessa geração da advocacia que estava a receber o prêmio jubilatório. “Temos que reverenciar a memória, o trabalho, a luta de cada um. Todos vêm de muita dificuldade, vivíamos um Estado exceção, as liberdades eram patrulhadas e cerceadas. Foi a luta dos senhores e senhoras que fez voltarmos à democracia”, elogiou. “Todos nós que passamos por momentos difíceis em nome da preservação dessa memória temos de continuar sendo vigilantes”, advertiu o presidente da seccional.
Naturalmente, tais manifestações de elevado jaez, a nos deixar deveras envaidecidos, compelem-me a agradecer, sensibilizado, em meu nome e de tantos colegas jubilados, aos dirigentes da entidade representativa setorial, para o que escolhi por evocar as lições de vida e de atuação profissional do brilhante advogado cristão Alceu Amoroso Lima, seja por com ele me identificar, seja pela proximidade da sua data natalícia, 11 de dezembro, ele que nasceu no final do século XIX (1893). Como humanista, escritor, cientista político, educador, crítico literário, jornalista, pensador cristão, o dr. Alceu Amoroso Lima sobrevive no seu pseudônimo ou heterônimo de Tristão de Ataíde, uma das glórias da literatura nacional.
4 - AS LIÇÕES DE ALCEU AMOROSO LIMA NA LUTA PELA JUSTIÇA
Alceu, o lendário Tristão, sempre me serviu de imensa inspiração, notadamente em relação à advocacia dos direitos humanos. Paladino da causa da justiça e da democracia, Alceu esteve na trincheira da atividade jurídica, sem a banca convencional e sem peticionar no Foro, mas que se batia como poucos pela realização do direito e pela concretização da justiça, defensor com mandato tácito da sociedade civil nas questões das liberdades humanas básicas, que devem ser asseguradas por lei e que a esta se sobrepõem. A este respeito, ver: D’ANGELIS, Wagner Rocha. O advogado e os direitos humanos em Alceu Amoroso Lima. In: Jornal do Estado, Curitiba, 08 de outubro de 1993.
Tal qual Joaquim Nabuco, o advogado sem escritório que se bateu como poucos pela causa dos escravos, o dr. Alceu foi um advogado operante, sem cartão ou placa na porta é verdade, cujo escritório era sua vasta biblioteca, felizmente preservada, por obra e graça da prática do mecenato intrínseca às atividades do eterno reitor Cândido Antônio Mendes de Almeida, do Rio de Janeiro. Acerca do perfil e brilhantismo do prof. Mendes de Almeida, que ajudou a fundar e presidiu por longo tempo o Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade (CAALL), ver: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/candido-antonio-jose-francisco-mendes-de-almeida (acessado em 01/12/2021).
Como jurista, o pensamento do mestre Amoroso Lima tinha por base o direito natural. Em sua obra “Introdução ao Direito Moderno”, que contou com quatro edições, Alceu Amoroso Lima dedicou-se a uma ampla análise do direito como inerente a todo ser humano, inserido em sua própria natureza, e por isso mesmo transcendente à atuação legislativa do Estado.
Nesse livro, apresentado como tese para concurso de cátedra na Faculdade Nacional de Direito (UFRJ), o dr. Alceu procurou alçar o direito natural à categoria de instrumento fundamental para assegurar a paz, a concórdia e a liberdade entre os seres humanos. Em seu prefácio à 2ª edição da citada obra, ele escreveu magistralmente:
“A campanha em favor da Paz só será sincera e eficiente, como querem todos os homens e povos de boa-vontade, se for acompanhada de uma campanha em favor do direito. Não de um direito abstrato e unilateral, baseado no interesse de uma nação, de uma classe, de um partido, de uma raça, de um continente, mas nas exigências substanciais e perenes da Justiça universal. Dessa justiça que impede a exploração do homem pelo homem, dos povos fracos pelos povos fortes, das classes oprimidas pelas classes dominantes, dos esquecidos pelos privilegiados, dos pobres pelos ricos, e assim por diante”. [In: Introdução ao Direito Moderno, 2ª ed. Rio de Janeiro: Liv. Agir, 1961].
Com igual ênfase, ainda, Amoroso Lima condenou a desumanização do direito, a sua cristalização em textos de lei estanques, frios e impessoais, aplicados mecanicamente. Denunciando que o esvaziamento do direito começava nos cursos jurídicos, ele pregou a necessidade de se restituir ao direito a sua base moral e a sua aplicação social, como único meio de impedir o que denominou de “desumanização da humanidade”.
Enfim, o grande humanismo que o professor Alceu sempre encarnou, cuja advocacia, que se pode nominar de “extrajudicial”, esteve estreitamente compromissada com a fé cristã (a que se converteu em 1928), o fez erigir o direito como uma poderosa bandeira de transformação social e efetivação do desenvolvimento com justiça social, a serviço do ser humano todo e de cada pessoa em particular. Sua admoestação ecoa atualizada pelo século XXI adentro: “Não basta a liberdade para garantir a liberdade. É preciso a prática efetiva da Justiça”. [Ver: D’ANGELIS, Wagner Rocha. O advogado e os direitos humanos em Alceu Amoroso Lima. In: Jornal do Estado, Curitiba, 08 de outubro de 1993].
Vale registrar ainda que, no pós-1964, em um tempo de excessivos e surpreendentes silêncios, emergiu de Alceu Amoroso Lima, uma primeira e inalterada manifestação pela defesa de uma sociedade democrática e do compromisso ético do cristão para erigi-la. As suas colunas semanais, em jornais do Rio e de São Paulo, para o que adotou o pseudônimo de Tristão de Ataíde, tornaram-se a voz da consciência nacional, de resistência ao arbítrio do Estado, de defesa da liberdade e dos direitos humanos, na luta pela anistia e redemocratização do Brasil.
5 – CONCLUSÃO
[O EXEMPLO DO DR. ALCEU PARA OS JUBILADOS]
Falecido em 14/08/1983, na cidade de Petrópolis, o dr. Alceu deixou-nos o legado profético da alegria conquistada a partir da fé, bem assim os exemplos sobejos da esperança otimista, da perseverança no bom combate, da opção pela humildade e simplicidade, e da crença na humanidade. Razões sobejas pelas quais escolhi trazer suas lições à colação, relembrando-as nessa belíssima cerimônia de Jubilamento verificada no âmbito da OAB/Seccional do Paraná.
O mestre Alceu, o consagrado Tristão de Athayde, continuará vivendo, nas palavras do também inesquecível e talentoso jurisconsulto Heleno Fragoso, enquanto houver na mente e no coração do defensor ou patrono – e o somos todos/as os que foram reverenciados na citada solenidade jubilatória -, “amor e compreensão pelo ser humano em desgraça e também a sua dedicação a serviço dos outros”. Ver: FRAGOSO, Heleno Cláudio. Advocacia da Liberdade. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1984, p. 154.
E, ouso esperançosamente acrescentar à irretocável frase de Heleno, assim o será, na exata proporção em que muitos mais se somarem à construção de um novo tempo, onde haja liberdade qualitativa, igualdade de possibilidade, paz de consciência e vida digna para todos – sinônimos maiores dos direitos humanos.
REFERÊNCIAS
D’ANGELIS, Wagner Rocha. O advogado e os direitos humanos em Alceu Amoroso Lima. In: Jornal do Estado, Curitiba, 08 de outubro de 1993.
D’ANGELIS, Wagner Rocha. Heleno Cláudio Fragoso e os direitos humanos. In: Centro Heleno Fragoso pelos Direitos Humanos (opúsculo). 4ª ed. Curitiba: CHF, 1991.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Advocacia da Liberdade. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1984.
LIMA, Alceu Amoroso. Prefácio. Introdução ao Direito Moderno, 2ª ed. Rio de Janeiro: Liv. Agir, 1961.
MENDES, Cândido et al. Dr. Alceu e o laicato hoje no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira / CAALL, 1993.
Site da OABPR. In: https://www.oabpr.org.br/oab-parana-realiza-solenidade-de-jubilamento-para-advogados-de-curitiba/ (matéria publicada em 02/12/2021).
https://www.youtube.com/ watch?v=7xT_3tOs27Q (Cerimônia de Jubilamento – Ativo Isento - 02/12/2021)
https://www.conjur.com.br/2021-abr-27/numero-advogadas-supera-advogados-vez-brasil (matéria de 27/04/2021)
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/candido-antonio-jose-francisco-mendes-de-almeida (acessado em 01/12/2021).
https://www.gazetadopovo.com.br/parana/advogado-que-liderou-reacao-civica-ao-escandalo-dos-diarios-secretos-sera-homenageado/ (matéria publicada em 03/08/2021)
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(*) WAGNER ROCHA D’ANGELIS - Advogado, historiador e professor universitário. Especialista em Direito Internacional (USP). Pós-graduado em Direito – USP/UFPR (Mestrado e Doutorado). Presidente da Associação de Juristas pela Integração da América Latina (AJIAL) e Presidente do Centro Heleno Fragoso pelos Direitos Humanos (CHF). Membro do Instituto dos Advogados do Paraná (IAP). E-mail: wagner.dangelis@yahoo.com.br.