O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador crises financeiras. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador crises financeiras. Mostrar todas as postagens

domingo, 22 de novembro de 2020

Fundo Monetário da América Latina?: uma idéia discutível (2000) - Paulo Roberto de Almeida

 Fundo Monetário da América Latina?: uma idéia discutível

 

Paulo Roberto de Almeida

Doutor em ciências sociais. Autor de

O Brasil e o multilateralismo econômico

(Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999)

pralmeida@brasilemb.org  http://pralmeida.tripod.com

Publicado no boletim Network (Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes, Centro de Estudo das Américas, v. 9, n. 2, abr/jun. 2000, p. 1 e 2). Relação de Publicados n. 255.

 

 

Representantes de países andinos, em encontro preparatório à reunião de Cúpula do Grupo do Rio, realizada em junho último em Cartagena de Índias, na Colômbia, voltaram a tocar numa idéia que já tinha sido aventada por eles mesmos quando dos efeitos mais desestabilizadores do vendaval financeiro que agitou o mundo entre 1997 e 1999: a criação de um “Fundo Monetário da América Latina”, supostamente destinado a oferecer opção alternativa (ou complementar) de crédito aos países da região.

Tal como apresentada pelo presidente do Fundo Latino Americano de Reservas (Flar), Roberto Guarnieri, o novo organismo, se constituído, seria o resultado da ampliação do Flar, do qual participam atualmente apenas os países do chamado grupo andino. Segundo ele, os presidentes dos países andinos teriam dado seu apoio à proposta, que seria em seguida levada a conhecimento dos demais participantes do Grupo do Rio. Na verdade, tratava-se de velha sugestão, repetidamente apresentada ao longo dos anos aos responsáveis monetários e financeiros dos demais países da região.

A iniciativa, velha conhecida dos funcionários do Banco Central do Brasil, vem sendo sugerida de maneira recorrente como uma espécie de “FMI latino” e assim foi imediatamente caracterizada pela imprensa. Matéria da correspondente especial do Jornal do Brasil ao encontro de presidentes do Grupo do Rio, Sonia Carneiro, fazia a chamada em sua edição de 16 de junho: “Países andinos pedem FMI latino”, completando-se o subtítulo da seguinte forma: “Apresentada na reunião de governantes latino-americanos, plano é parte de reformulação da arquitetura financeira mundial”. Altamente especulativa, a reportagem chegou a confundir zona de livre-comércio com união monetária, num contexto de reforma do sistema financeiro internacional. Segundo a repórter, “O primeiro passo para a criação de uma zona de livre comércio latino-americana e de uma moeda única, foi dado ontem [isto é, 15/06/2000] por representantes de 19 países latino-americanos – 15 presidentes e 4 chanceleres – no primeiro dia de reunião da XIV reunião de Cúpula do Grupo do Rio, convocada para analisar a revisão do sistema financeiro internacional, o papel da ONU no próximo século e medidas para aumentar a segurança humana. Os presidentes aceitaram discutir a proposta encaminhada pelos representantes do grupo andino – Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela – para a criação de um Fundo Monetário do continente (já batizado de FMI latino-americano), idealizado para permitir aos países em desenvolvimento enfrentar os desafios da globalização.”

Levada à fase final da reunião de cúpula do Grupo do Rio, a idéia foi devidamente expurgada de seus aspectos mais comprometedoras e reduzida a uma fórmula genérica, sem qualquer conteúdo vinculatório mais explícito. De fato, o parágrafo 34 da Declaração de Cartagena de Índias, intitulada “Um compromisso para o Milênio”, assim rezou: 

Proponemos complementar el fortalecimiento del sistema financiero global con un mayor desarrollo de las instituciones financieras regionales y subregionales, aprovechando sus ventajas comparativas, promoviendo la coordinación de sus actividades y evitando la duplicación de funciones.

 

Tendo prevalecido o bom senso, imaginemos contudo como seria se o projeto tivesse prosperado e levado adiante em seus compromissos práticos. Para isso, antes de apresentar as respostas previsíveis ou esperadas pelos seus proponentes, é preciso fazer as perguntas adequadas. Com que capital trabalharia o suposto FMI latino? Quem, ou quais países, mais exatamente, seriam chamados a integralizar as cotas da subscrição básica e que relação teria o capital operacional com o exigível? Em que moedas trabalharia a nova instituição, em quais manteria reservas, como seria administrado o fundo rotativo? Como se definiria seu processo decisório e como seriam escolhidos seus dirigentes e funcionários? Em que condições atuaria essa instituição de crédito e que tipo de política se aplicaria para situações de “simples” desequilíbrio de balanço de pagamentos ou uma de risco sistêmico? Haveria condicionalidades na utilização dos recursos, determinação de políticas de ajuste, recomendações de ordem fiscal, monetária, macroeconômica? Enfim, como faria esse “FMI latino” para ser um pouco mais latino e bem menos FMI?

Conhecendo-se o registro histórico de inadimplências periódicas e de crises financeiras regionais, não é difícil imaginar os limites e as peculiaridades, bem como antecipar os prováveis resultados de uma tal instituição regional. Consideremos, antes de mais nada, a ordem de magnitude dos valores envolvidos. Quando da crise do Tequila, entre dezembro de 1994 e janeiro de 1995, o pacote montado sob a liderança dos Estados Unidos para salvar o México de uma completa débacle financeira representou a mobilização de mais de 50 bilhões de dólares, dos quais foram efetivamente utilizados pouco mais da metade. Da mesma forma, quando o Brasil corria o risco imediato de se apresentar como o “next one”, no seguimento da moratória russa de agosto de 1998, o pacote de apoio financeiro constituído pelo dinheiro do FMI, dos bancos multilaterais (BIRD e BID) e por vinte países membros do BIS, ultrapassou 41 bilhões de dólares, dos quais o Brasil sacou pouco mais da metade igualmente. O pacote foi dispensado em abril de 2000, quando o Banco Central efetuou pagamento de 10 bilhões de dólares, retendo ainda algumas linhas de crédito do FMI, de custo mais aceitável para o país.

Com quanto poderia contar o FMI latino? Atualmente, o Flar conta com um capital de US$ 1 bilhão e pretenderia, segundo seu dirigente, dobrar o valor em cinco anos. Recentemente, o organismo ajudou o Equador a lidar com sua crise, dando-lhe socorro de US$ 411 milhões. Em outros termos, o FMI latino precisaria pelo menos quintuplicar o seu capital num horizonte razoável de tempo para poder hipoteticamente vir a prestar ajuda aos países maiores da região, adicionalmente aos mecanismos de apoio financeiro já existentes no âmbito do Fundo Monetário Internacional. De onde supostamente sairia o dinheiro? Como se imagina mal o FMI de Washington ou os países desenvolvidos correrem em socorro de uma entidade puramente regional, a conclusão é a de que ele teria de vir da própria América Latina.

A idéia não é nova e de fato ela retoma iniciativas anteriores de criação ou ampliação de fundos regionais, que mais recentemente surgiram na Ásia, quando do início da crise financeira em 1997. O Japão, potência financeira regional, até se dispôs a ajudar a constituição desse fundo, mas foi discretamente dissuadido pelos Estados Unidos e pelos países europeus. Na América Latina, entretanto, na ausência de uma verdadeira potência financeira regional, supõe-se que os países maiores – Argentina, Brasil, México – seriam chamados a cumprir esse papel. Em resumo, o Brasil seria chamado a contribuir para um fundo ao qual ele não administraria totalmente e do qual não poderia realisticamente esperar grande socorro numa situação de emergência. A iniciativa pode até ser generosa, para países como o Equador, mas trata-se certamente de um mau negócio para países como o Brasil.

 

Network Cândido Mendes [739: Washington, 21/06/2000]

 

sábado, 12 de maio de 2018

Os programas economicos do Brasil com o FMI: corrigindo Paulo Gala

Recebi em minha caixa, a seguinte mensagem para uma nova aula de Paulo Gala, um professor de economia online que possui excelentes postagens informativas sobre a economia brasileira e mundial.
Esta, porém, decepcionou-me pela inexatidão do relato sobre as crises brasileiras e os programas com o FMI.
Ei-la:

On May 11, 2018, at 11:29 AM, Paulo Gala <pgala@uol.com.br> wrote:


Memórias de um latino-americano! Crises cambiais nos 90 foram abundantes

Brasil, 13 de Janeiro de 1999. O Banco Central brasileiro manda comunicado para o mercado de câmbio brasileiro avisando que não mais iria intervir para segurar nossa taxa. Chegava ao fim nossa âncora cambial implantada em setembro de 1994 para ajudar na estabilização de preços do plano real. Depois de algum crescimento, nossas contas externas saem do controle. O endividamento externo explode e passamos a sofrer recorrentes ataques especulativos contra nossa moeda. Nossos juros em dólar disparam e por aqui o Gustavo Franco aumenta a SELIC para 40% ao ano para tentar segurar a fuga de capital. Respostas do governo para a crise? Corte de gastos e austeridade fiscal. Temos que agradar o FMI para receber os empréstimos que nos ajudariam a não quebrar. Funcionou? Não! A economia brasileira não saía da recessão e nossa dívida interna e externa explodiam! Até que veio a crise de 1999 com a desvalorização gigante da moeda brasileira! Nosso pacote de empréstimo do FMI de 30 bilhões de dólares não deu conta.
BLOG de Paulo Gala Sao Paulo SP, SP 01313-902 Brazil

Respondi da seguinte maneira:

Sinto discordar. O pacote de 30 bi com o FMI deu conta, sim, tanto que desse dinheiro apenas a metade integrou as reservas brasileiras, o resto sendo "usado" como seguro.
O que você deveria registrar seria a sequência exata dos três pacotes de ajuda do FMI, o primeiro em 1998-99, de mais de 40 bi (mas apenas uma parte das entidades de Bretton Woods e dos bancos regionais, sendo o resto, metade, de países credores, inclusive a Grécia, por uma dessas ironias da história); depois o de 2001, de apenas 15 bi, por causa da crise argentina. Esse de 30 bi foi o terceiro, única e exclusivamente por causa do efeito Lula em 2002, sendo que as políticas de ajuste já tinham sido todas tomadas pelo Armínio em 1999 e estavam funcionando muito bem, tanto que já em abril de 2000 ele devolvia boa parte do dinheiro emprestado ou garantido no primeiro pacote.
O país estava pronto para retomar o crescimento depois desse ajuste e da desvalorização, mas foi vítima do apagão elétrico e da crise argentina. Já o terceiro problema não tem nada a ver com a consistência ou inconsistência das medidas adotadas em 1999, e tudo a ver com a esquizofrenia econômica petista.
Outra loucura petista: em 2005 Lula resolveu acabar deliberadamente e antecipadamente com o programa stand-by com o FMI, em antecipação das eleições de 2006, deixando de usufruir de um dinheiro barato, com os juros amigáveis do FMI, para ficar com empréstimos comerciais muito mais caros. Pura demagogia política, populismo barato, e um crime econômico contra o país.
A história a gente deve contar por inteiro...
----------------------
Paulo Roberto de Almeida

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

O Brasil e o sistema financeiro internacional entre 1985 e 1994 - Paulo Roberto de Almeida


Encontros e desencontros entre o Brasil e o FMI entre 1985 e 1994

Paulo Roberto de Almeida  
Trecho deste trabalho: 

O BRASIL E O FMI DESDE BRETTON WOODS: 70 ANOS DE HISTÓRIA 
Revista Direito GV (vol. 10, n. 2, 2014, p. 469-495; ISSN: 1808-2432; link: http://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/artigo-Edicao-revista/05-rev20_469-496_-_paulo_roberto_de_almeida_-_5.pdf;  http://direitosp.fgv.br/publicacoes/revista/artigo/brasil-fmi-desde-bretton-woods-70-anos-de-historia). 

(...)
Em janeiro de 1985, como forma de pressionar por novas facilidades creditícias, o governo brasileiro anunciou que estaria suspendendo o pagamento de juros sobre a dívida oficial bilateral até o reescalonamento dessas dívidas, ao que o Clube de Paris respondeu que o estabelecimento de um acordo stand-by com o FMI era a condição necessária para fazê-lo. A substituição de Francisco Dornelles por Dilson Funaro, em meados daquele ano, não foi particularmente bem-sucedida em termos de entendimentos com o FMI e com os demais credores oficiais e privados. A “novela da dívida” e o “balé de missões” do Fundo ao Brasil continuaram pelos meses seguintes, sem qualquer progresso substantivo na condução das renegociações e com muito pouco progresso no tratamento conceitual do problema. O presidente Sarney adotou uma retórica anti-Fundo, ao declarar em setembro de 1986 – e descartando o simples fato de que o Brasil não cumpria nenhum plano com a instituição – que “as fórmulas do FMI para o Brasil simplesmente não funcionam. Elas nos conduziram à mais dramática recessão em toda nossa história.”
A moratória declarada em fevereiro de 1987, envolvendo o pagamento de juros dos empréstimos de médio e longo prazo dos credores privados, chocou o mundo e o FMI, mas de fato ela era inevitável: a dívida total era então de 121 bilhões de dólares e as reservas brutas tinham caído dramaticamente de US$ 9,25 bilhões no final de 1985 para menos de 4 bilhões no momento da moratória. Uma renegociação inédita – isto é, sem o aval do Fundo e sem um stand-by em vigor – tinha, no entanto, sido concluída com o Clube de Paris um mês antes, o que permitiu algumas acomodações até que o ministro Funaro fosse substituído por Luiz Carlos Bresser Pereira, em abril de 1987.
O novo ministro não pretendia renegociar com o Fundo antes de acomodar a situação com os banqueiros privados, aos quais pediu um novo empréstimo-ponte a uma taxa de juros zero: levou zero empréstimo. Seu plano de debt relief para o Brasil – de fato de “securitização” da dívida –, discutido com funcionários do Tesouro norte-americano, foi recebido com um non-starter, a começar pelo próprio secretário do Tesouro James Baker, que recusou em setembro daquele ano desvincular o esquema “voluntário” de redução de dívidas privadas dos arranjos com o FMI. O mais extraordinário é que esse esquema conceitual veio depois a ser consubstanciado no chamado Plano Brady, nome do sucessor de Baker à frente do Tesouro. O episódio revela, em todo caso, que o crédito político e financeiro do Brasil estava próximo de zero e, provavelmente, com poucas perspectivas de melhoria.
Esse tipo de guerrilha financeira sem vitórias nem vencedores continuaria pelo resto da década, até que a gestão Marcílio Marques Moreira, na Fazenda, no princípio dos anos 1990, seguida mais adiante pela de Fernando Henrique Cardoso na mesma pasta – com Pedro Malan designado como negociador oficial da dívida externa – permitiu dar início a uma nova fase no relacionamento do Brasil com a comunidade financeira internacional. Um pouco antes dessa época, o Fundo e as próprias autoridades americanas já estavam convencidos que era preciso separar a estratégia do tratamento da dívida dos interesses dos banqueiros privados, o que foi logrado em 1989 por meio do Plano Brady, que previa precisamente uma estratégia mais flexível para o debt relief, e para o apoio do FMI aos novos esquemas de facilitação da renegociação dos créditos oficiais e dos empréstimos privados.
No intervalo, o sucessor de Bresser na Fazenda, Mailson Ferreira da Nóbrega, assinou uma carta de intenções com o Fundo, em junho de 1988, prevendo a negociação de um novo acordo stand-by e antecipando negociações com banqueiros e o Clube de Paris. Em agosto, o Brasil conseguiu sacar uma tranche de 365 milhões de DES (Direito Especial de Saque) de um total de mais de 1 bilhão aprovados, mas isso foi tudo. As turbulências políticas do final do governo Sarney e as expectativas geradas pela nova Constituição, entretanto, minaram os esforços do ministro Mailson em prol de acordos consistentes e duráveis com aqueles parceiros. Da mesma forma, uma carta de intenções negociada em setembro de 1990, já no governo Collor, não teve implementação em virtude das demais inconsistências do plano de estabilização introduzido em março daquele ano. Mas, o ministro Marcílio Marques Moreira logrou concretizar um reescalonamento no âmbito do Clube de Paris em 1992, mesmo sem dispor do aval do FMI.
Com a presença de Fernando Henrique Cardoso na condução dos negócios da Fazenda, a partir de maio de 1993, e uma brilhante equipe de assessores econômicos em postos estratégicos do governo Itamar Franco, foi possível conduzir, pela primeira vez em muitos anos, um processo realista e consistente de ajuste estrutural que, via desindexação planejada da economia, acabaria levando ao plano Real, passando pela solução parcial do problema da dívida em abril de 1994 e a subsequente suspensão oficial da moratória. Um acordo com o Clube de Paris em 1992 tinha contornado a situação dos créditos oficiais, reconduzidos por um período suplementar de pagamentos comprometidos.
O primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, eleito em outubro de 1994, em virtude basicamente do sucesso do Plano Real, inicia, em 1995, sua gestão com um desafio externo de grande amplitude: controlar os efeitos da crise do México de dezembro daquele ano e garantir a manutenção da estabilidade cambial, o que foi obtido mediante pequeno ajuste na política de valorização cambial do período inicial do programa de estabilização. Introduziu-se o sistema de bandas e a prática de correções ou ajustes (“minidesvalorizações” disfarçadas) dentro da banda, de maneira a compensar parte da erosão inflacionária e a valorização de fato pela qual passou o Real a partir de sua introdução nos segundo semestre de 1994. No plano internacional, o governo FHC começa a propor, mediante carta do presidente aos países do G-7, medidas de controle dos capitais voláteis, sem muita receptividade, porém.
Ao mesmo tempo, entretanto, o G-7 também propunha a liberalização dos movimentos de capitais, área que nunca fez parte da jurisdição do FMI, consoante o espírito keynesiano que presidiu aos acordos de Bretton Woods, voltados basicamente para a liberalização dos pagamentos correntes (à exclusão, portanto, dos fluxos voluntários de ativos). As autoridades monetárias brasileiras, a despeito de uma adesão conceitual ao princípio da liberalização progressiva e cautelosa desses fluxos, não concordavam com a ideia de abandonar de vez o monitoramento nacional desses capitais, uma vez que, escolado pelos desequilíbrios persistentes que o País conheceu praticamente desde a inauguração da República, o Brasil sequer tinha operado, quando da ratificação dos acordos de Bretton Woods, a liberalização completa de seus pagamentos correntes (fazendo uso das exceções previstas no artigo 14 do convênio constitutivo do FMI, para derrogar às obrigações previstas no artigo 8º, aceito integralmente apenas numa fase ulterior).
O ministro da Fazenda, Pedro Malan, também expressou restrições ao caráter amplo do sistema de disseminação de dados, argumentando que sua divulgação poderia ser fator de instabilidade, em lugar de contribuir para a estabilização dos mercados financeiros. Em todo caso, consoante seu novo papel internacional e de liderança na diplomacia dos países em desenvolvimento mais dinâmicos, o Brasil foi convidado em 1996, junto com outros sete países emergentes, a ingressar no Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sua sigla em inglês), o que foi efetivado em 1997, assim como a participar, mais tarde, de esquemas restritos de discussão das turbulências financeiras (como o G-20).
(...)

Artigo completo: 
Revista Direito GV (vol. 10, n. 2, 2014, p. 469-495; ISSN: 1808-2432; link: http://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/artigo-Edicao-revista/05-rev20_469-496_-_paulo_roberto_de_almeida_-_5.pdf;  http://direitosp.fgv.br/publicacoes/revista/artigo/brasil-fmi-desde-bretton-woods-70-anos-de-historia). 

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

1998 crisis and now: differences and similarities - Ye Xie (Bloomberg News)

Why 1998 Was Different, and Same, to Emerging-Market Crisis Now

Oil prices were tanking. Emerging-market currencies were in a freefall. Venezuela was mired in a financial crisis and Russia had sunk into a debt default and devaluation. 
The year was 1998.
Emerging markets today look a lot like they did back then. Yet there have been key changes that could help most of them escape full-blown crises. Here’s a look at the similarities and differences between now and then. 

Similarities

*Falling Oil Prices 
Crude has dropped 48 percent since June to about $55 a barrel, squeezing exporters from Venezuela to Russia and Nigeria. Credit default swaps show a 97 percent probability that Venezuela will default on its bonds within five years, according to data compiled by Bloomberg. The Russian economy, which is under sanctions by the U.S. and the European Union over the Ukraine conflict, will contract as much as 4.7 percent next year if oil remains at $60, the central bank said. 
*Currencies Sink 
A Bloomberg index tracking 20 of the most traded emerging-market currencies fell to the lowest since 2003 on Dec. 15. The ruble tumbled past 64 per dollar for the first time, Turkey’s lira fell to an all-time low while Indonesia’s rupiah retreated to levels last seen in 1998. 
During the Asian financial crisis in 1997 and 1998, countries from Thailand to Malaysia capitulated on defending their currency pegs, leading the Thai baht to lose half its value in six months. South Koreans lined up in the streets to donate gold jewelry to help the government refill their depleting foreign reserves amid the currency slump. 
*Fed Policy
The U.S. Federal Reserve is laying the ground for its first interest rate increase since 2006, threatening to drain capital from developing nations. The World Bank estimated last year that private capital inflows to developing nations could drop 50 percent should long-term U.S. bond yields rise one percentage point. 
Countries with large current account deficits, including Turkey, South Africa and Brazil, are vulnerable, according to Credit Agricole CIB. So are nations such as Malaysia, where foreign investors account for 30 percent of local government debt. A series of Fed rate increases in the mid-1990s helped trigger the run on Asian currencies that would in turn lead to Russia’s default. 
Differences
*Flexible Exchange Rates 
Developing countries have allowed their exchange rates to fluctuate, moving away from the fixed exchange-rate regimes prevailing during the crisis in the late 1990s. While weaker currencies fuel inflation, they can also stimulate economic growth by making exports cheaper. 
*Foreign Reserves 
Developing countries’ foreign reserves dwarf the amount they had in the late 1990s, which will help them weather the volatility in financial markets. As a group, emerging markets hold $8.1 trillion, compared with $659 billion in 1999, according to data compiled by the International Monetary Fund. 
*Debt
Instead of borrowing in dollars, the governments now mostly raise financing in local currencies, allowing them to pay back the debt without having to draw down foreign reserves. External debt amounted to 26 percent of developing nations’ gross domestic product last year, down from 40 percent in 1999, the IMF data show. 
One caveat is that companies have replaced governments as a source of concern on debt issuance. Corporations in developing countries sold about $375 billion of international debt between 2009 and 2012, more than double the amount in the four years before the 2008 financial crisis, the Bank for International Settlements said in September. 
*Interest Rates 
While rates are rising in some developing nations, they remain a fraction of the levels seen in 1998. Russia raised its benchmark rate 6.5 percentage points to 17 percent effective Dec. 16 at a late-night meeting. Some short-term rates soared over 100 percent back in 1998. In Brazil, policy makers have raised benchmark rates to 11.75 percent. That’s still less than half the rate levels from 1998. 
To contact the reporter on this story: Ye Xie in New York at yxie6@bloomberg.net
To contact the editors responsible for this story: Nikolaj Gammeltoft at ngammeltoft@bloomberg.net David Papadopoulos

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O Brasil NAO QUEBROU três vezes; MENTIRA da candidata - Paulo Roberto de Almeida

A despeito de já ter sido desmentida várias vezes, por vários economistas que inclusive publicaram artigos esclarecedores na imprensa sobre essa mentira deliberada (vejam, por exemplo, este aqui, Patranhas Petistas, da economista Monica De Bolle), a candidata oficiosa continua a repetir o que ela sabe ser mentira: que o Brasil quebrou três vezes sob o governo FHC.
Não apenas isso, um filhote do partido totalitário, que também deve ter recebido ordens do seu Goebbels para escrever algo contra Armínio Fraga na crise (provocada pelo PT) da campanha presidencial de 2002, acaba de publicar um artigo fraudulento e mentiroso sobre a deterioração do quadro econômico no decorrer daquele ano, atribuindo os problemas, não ao seu partido mentiroso, mas ao homem que estava procurando resolver os problemas criados pelas esquizofrenias tantas vezes repetidas pelos "economistas de botequim" companheiros.
Como eu sempre dou a palavra aos que escrevem sobre assuntos relevantes, mesmo contando mentiras, coloquei esse artigo vergonha neste blog, mas fazendo-o preceder da necessária retificação. Os interessados em ler, podem consultar este link.
Em vista, portanto, de tantas mentiras repetidas, permito-me colocar novamente neste blog, o trabalho que escrevi às pressas sobre a questão das relações do Brasil com o FMI naqueles anos cruciais.
Os que desejarem maiores detalhes sobre todos esses episódios, podem se referir ao capítulo sobre o Brasil e o FMI, neste meu livro: Relações Internacionais e Política Externa do Brasil.
Paulo Roberto de Almeida

O Brasil quebrou três vezes sob FHC?
Mentira da candidata!

Paulo Roberto de Almeida

É normal, no curso de uma campanha tão acirrada quanto a atual, que os candidatos exagerem um pouco em suas afirmações, com o objetivo de enfatizar os erros, equívocos, ou até traições dos seus competidores, e para realçar suas próprias virtudes e qualidades.
Não é normal, contudo, nem aceitável, sob qualquer critério, que eles deformem as posições dos competidores, que eles veem como adversários ou até como inimigos, ou que eles recorram a MENTIRAS DELIBERADAS para tentar acusar os adversários de algum pecado grave, antinacional.
É isso, no entanto, que vem fazendo os companheiros desde muito tempo, praticamente desde os próprios eventos, agindo de forma que eles sabem ser totalmente desonesta, mas ainda assim insistindo na mentira.
A candidata governista abusou de sua capacidade de mentir ao recorrer novamente a essa mistificação, ainda tão recentemente quanto esta semana.
Como eu acompanhei, muito de perto, a história financeira do Brasil desde o final dos anos 1970, e como estive envolvido em assuntos do FMI durante as próprias negociações -- mas mesmo que não estivesse, como qualquer outro eu leio jornais e sei distinguir a mistificação da realidade, permito-me contar a história verdadeira aqui abaixo, ainda que de forma resumida, para não cansar os leitores.

O que dizem, em síntese esses mentirosos reincidentes, esses fraudadores da história? Eles tendem a repetir a mesma conversa, sempre em tom simplista, e derrogatório, como se todos no Brasil fossem idiotas e não soubessem distinguir a mentira da realidade.

No governo neoliberal de FHC, o Brasil quebrou 3 vezes e nessas 3 vezes FHC teve que se humilhar perante o FMI e aumentar a dívida externa do Brasil.

MENTIRA
Simplesmente não é verdade que o Brasil quebrou três vezes sob FHC.
Esta é uma afirmação de cunho político, totalmente equivocada e que merece uma correção historicamente verificável, além e acima das querelas políticas. Vou relatar exatamente como o processo se passou, desde o início.

No final de 1994, ocorreu uma primeira crise financeira no México,  – que se deveu a uma taxa de câmbio desajustada, que o governo vinha procurando manter estável, um pouco como o nosso atualmente – e que obrigou o governo de FHC a efetuar um ajuste na política cambial, introduzindo um sistema de banda (variação dentro de certos limites). 
Ocorreu também que, por opção do presidente Itamar Franco, a estabilização do Plano Real não pode ser feita com base num forte ajuste fiscal – pois ele dizia que não queria ter recessão, e de fato não houve recessão no Real, como se pode comprovar por dados objetivos – e teve de ser apoiada numa âncora cambial e em juros reais mais elevados (do contrário como dispor de financiamento a um governo que não queria fazer ajuste fiscal?). 
Quando sobreveio a segunda onda de crises financeiras, desta vez nos mercados asiáticos, em meados de 1997 –  também por motivos de câmbio – ocorreu um tremendo refluxo nos movimentos de capitais, o que afetou também o Brasil. Houve novos ajustes, que nos levaram a meados de 1998, quando a Rússia decretou moratória sobre sua dívida externa, dando um calote unilateral em muitos bancos europeu e até alguns americanos, atingindo grandes fundos de investimentos. 
Foi somente aí que a situação do Brasil se agravou, e o governo fez o que tinha de fazer, como fazem todos os países em situação temporária de desequilíbrio no balanço de pagamentos: negociou um acordo PREVENTIVO com o FMI e países credores, que permitiu justamente ao Brasil NÃO QUEBRAR, pois ele teve divisas para continuar cobrindo suas obrigações financeiras externas, sem precisar negociar uma moratória técnica como fez o México. 
Apenas para se ter uma ideia da magnitude dos pacotes de socorro a governos temporariamente inadimplentes (o que NÃO foi o caso do Brasil), o pacote do México envolveu um valor total de 48 bilhões de dólares (grande parte dinheiro americano do Exchange Stabilization Fund, o resto do FMI, BIRD, BID e outros governos). No caso do Brasil, o pacote de ajuda PREVENTIVA foi de 41 bilhões, mas do qual só foi usada uma metade, ainda assim como simples garantia (incorporação nas reservas cambiais, não para dispêndio efetivo). Esse pacote foi feito em outubro-novembro de 1998.
Em janeiro de 1999, o então governador Itamar, ao assumir o governo de Minas Gerais, declarou que não honraria, e não pagaria, as dívidas estaduais negociadas em 1996 e 1997, com o governo federal, que trocou velhas e impagáveis dívidas estaduais (e municipais), por novos bônus a 30 anos, eliminando um dos maiores “esqueletos” da situação anterior de todas as unidades sub-federadas. Ao fazer isso, a dívida pública do governo central naturalmente subiu de 32% do PIB para mais de 60% do PIB, o que constitui outra das acusações desonestas feitas pela oposição ao governo FHC: a dívida aumentou porque o governo federal assumiu imensos montantes de dívidas estaduais e municipais, a juros mais moderados. 
Pois bem, quando Itamar desafiou o governo federal, os mercados (ou seja, investidores em bolsa ou em títulos do governo) operaram um imenso movimento de retirada do Brasil – pois aquilo poderia significar o desmantelamento do Plano Real de estabilização – e que redundou na mudança da política cambial, do regime de banda para um de flutuação suja da moeda. Depois da desvalorização, os mercados se ajustaram rapidamente, tanto é assim que o novo presidente do Banco Central, Armínio Fraga, pagou o que devia aos governos credores em abril de 2000, e ficou apenas com um crédito stand-by do FMI (ou seja, garantia, apenas, para usar se fosse preciso, de pouco mais de US$ 10 bilhões).
Pouco depois, porém, a Argentina entrou em crise terminal e os chamados mercados, não distinguindo muito bem entre nós e eles, nos puniram novamente, mas a situação foi relativamente tranquila: foi negociado um novo acordo stand-by, também PREVENTIVO, que nos repassou mais US$ 15 bilhões, enquanto durou a crise ao lado (e que se estendeu durante dois anos praticamente, desde a moratória de 2001, até o calote imposto por Kirchner em 2003). Ou seja, o Brasil NÃO quebrou pela segunda vez, apenas fez um novo acordo preventivo de empréstimo negociado.
Chegamos, então, à terceira “crise” e esta foi devida inteiramente à campanha presidencial de 2002.  Não se poderá negar que os “mercados” reagiram fortemente à possibilidade da chegada de Lula  ao poder, e isso não dependia absolutamente do governo FHC: o dólar saiu de 1,70 para quase 4 por dólar até setembro, e os títulos da dívida brasileira (renegociação de 1992-93) se vendiam a 48 centavos por cada dólar na bolsa de NY, tudo isso por causa das ameaças anteriores do PT de dar calote nas dívidas doméstica e externa, além de outras mudanças radicais na política econômica.
Pois bem, também se há de lembrar que o presidente FHC chamou ao Palácio do Planalto cada um dos candidatos presidenciais (e isso depois de Lula já ter apresentado sua “Carta ao Povo Brasileiro, em junho) para apresentar-lhes o pacote em negociação com o FMI, e TODOS deram o seu aval. O Brasil então fez o último dos três acordos, este igualmente PREVENTIVO, em agosto de 2002, pelo qual obteve um novo crédito stand-by por US$ 30 bi (o maior da história do FMI até então). Logo depois, já no governo Lula, o ministro Palocci determinou a elevação, decisão dele, do superávit primário, de 2,75% do PIB para 3,25%, e de fato fez muito mais do que isso durante seus três anos à frente da Fazenda).

Esta é a história REAL dos três pacotes de ajuda PREVENTIVA, totalmente em desacordo com a demagogia política em torno das três quebras, o que NUNCA ocorreu. Quem fez demagogia, aliás até contra o conselho do Ministro Palocci, foi o presidente Lula, que em 2005, por motivos puramente políticos e eleitoreiros, resolveu pagar antecipadamente o que devíamos ao FMI (pouco mais de 10 bi), quando Palocci havia negociado duas extensões e podíamos dispor desse dinheiro por mais 3 anos. 
Ora, Lula mandou devolver um dinheiro pelo qual o Brasil pagava no máximo 4,5% de juros ao ano, para depois ter de recorrer aos mercados comerciais de emissão de títulos governamentais, pelos quais passamos a pagar mais de 8% ao ano. Onde está a demagogia e a política aqui?

Nem FHC, nem Lula aumentaram a dívida externa do Brasil, que era basicamente de natureza comercial e privada, pois as dívidas governamentais foram sendo reduzidas ao longo de todo esse período. Apenas o primeiro pacote de ajuda PREVENTIVA foi feito durante a administração Clinton; os dois seguintes foram feitos sob o governo Bush, com que Lula aparentemente se relacionava muito bem, pelo menos ele assim o disse em diversas ocasiões.

Esta é a história real.
Os companheiros que continuarem fazendo falsas acusações deveriam ser processados por mentira e difamação. Mas o fato é que eles não se corrigem. Não conseguem viver sem trapaças e mentiras. Faz parte de sua natureza mafiosa viver nesse tipo de lodo moral.


Paulo Roberto de Almeida 

Hartford, 5/10/2014

Postagens mais populares: Não, o Brasil NAO quebrou tres vezes, MENTIRA da candidata

Novamente cai por acaso nas estatísticas do meu blog, e fiquei satisfeito ao constatar que a postagem desmentindo a candidata -- uma tarefa sempre recomeçada, já que ela não se corrige, e continua a mentir desbragadamente -- sobre os programas do Brasil com o FMI, entre 1998 e 2005 (e que beneficiaram enormemente o governo Lula, foi a mais acessada do período recente.

Vejam vocês mesmos:
EntryPageviews
388
151
124
113
105

Em homenagem à presidente-candidata, ou candidata-presidente (whatever), que continua mentindo como nunca, e que vai continuar mentindo, porque mais desesperada (também, já pensaram, o medo de ir para a cadeia deixa esse pessoal apavorado), vou postar novamente o meu texto, por que é necessário que as pessoas saibam que ela está mentindo e conheçam a história real.
No post imediatamente subsequente a este.
Paulo Roberto de Almeida