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quinta-feira, 1 de junho de 2017

SAE critica a política externa: documento fustiga posturas da diplomacia brasileira

Posso dizer que sou familiar e convergente com algumas dessas críticas, pois eu já as fiz em diversos trabalhos e livros publicados. Eu até iria mais longe na avaliação negativa, não exatamente em relação ao Itamaraty e sim com respeito ao lulopetismo diplomático, a versão externa de um governo aloprado em todos os aspectos.
Paulo Roberto de Almeida

Documento do Planalto aponta fracasso da política externa brasileira
IGOR GIELOW, DE SÃO PAULO
FSP, 01/06/2017 02h00

O Brasil carece de uma "grande estratégia", a política externa fracassou nos governos FHC, Lula, Dilma e é apenas "agenda pontual" no de Michel Temer.
Isso ocorre porque há uma "falha sistêmica" de formuladores, e a queixa dos diplomatas de que a área não é prioritária ou não tem recursos serve para "resguardar seu papel" —eles afinal "trabalham para que a política externa permaneça fora dos debates políticos mais amplos".
As duras críticas acima fazem parte do texto "Brasil, um país em busca de uma grande estratégia", da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, e será lançado nesta quinta (1).
Em 20 páginas, fora introdução, às quais a Folha teve acesso, são alinhavados pontos de discussão, números e exemplos factuais.
Os autores, o secretário Hussein Kalout e seu adjunto, Marcos Degaut, são apontados como responsáveis pela avaliação na introdução feita pelo secretário-geral da Presidência, Moreira Franco.
Isso ajuda a circunscrever o efeito da previsível reação ao relatório, mas trata-se de documento público e chancelado pela Presidência. A variável sobre seu impacto reside no fato de que ele emerge em meio à crise política que engolfa o governo Temer.
Os autores não poupam seu chefe. "O governo Temer decidiu concentrar esforços numa espécie de diplomacia presidencial voltada para consolidar a legitimidade da nova administração e tranquilizar investidores."
Enquanto isso é válido, argumentam, "também será inegável que se trata de agenda pontual e conjuntural, que ainda não integra um projeto coerente". Temer já teve dois chanceleres desde 2016.
"O Brasil não foi bem-sucedido em nenhum dos quatro eixos principais de sua política exterior —a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a integração sul-americana, a política comercial extrarregional e a atuação no âmbito dos Brics."
Na questão da reforma do Conselho de Segurança, o relatório relata os sucessivos fracassos, desde os anos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002), em atingir o objetivo. A expansão de representações, pedra de toque de Luiz Inácio Lula da Silva (PT, 2003-2010), é vista como infrutífera. A integração regional, ineficiente.
A falha dos governos petistas em criticar violações dos direitos humanos, seja na Venezuela chavista ou no conflito entre Rússia e Ucrânia, passando por outras omissões notáveis (ação saudita no Iêmen, guerra civil síria), é apontada com destaque.
O governo Dilma Rousseff (PT, 2011-2016) é particularmente admoestado pela falta de interesse da mandatária na área externa, mas os autores rejeitam colocar toda culpa nela pela decadência da imagem externa.
Mais que isso ou falta de dinheiro, a ausência de planejamento e "o baixo perfil da atuação diplomática" traduzem "uma falha sistêmica, na medida em quem todas as instituições governamentais, o setor privado e a sociedade civil revelaram-se incapazes de formular e executar uma grande estratégia".
Sem citar a palavra Itamaraty, o relatório afirma que os atores principais da política externa "terminam adotando posições defensivas com o propósito de resguardar seu papel proeminente".
Emulando o que dizem muitos diplomatas reservadamente, o texto diz que a classe busca ficar fora do radar do debate político e do interesse do público.
Questões comerciais são esmiuçadas, e a obrigatoriedade de negociar acordos comerciais em bloco com o Mercosul é vista como "amarra". O desempenho do Mercosul no setor, com três acordos irrisórios (Egito, Palestina e Israel), é comparado ao do Chile (20 acertos, inclusive com China, Europa e EUA).
Sobre Brics, bloco "que não disse a que veio", ao fim o Brasil hoje é "dependente da China" com uma pauta comercial pouco diversificada.
Por ser "histórico defensor do multilateralismo", diz o texto, o país "parece ignorar transformações em curso no comércio" e tem perdido oportunidade de negócios —alusão à Ásia e ao Pacífico.
Como todo relatório de conjuntura, não há receituário de soluções. O texto é o primeiro de 12 do tipo, caso a série tenha continuidade.

Comentários:
Cloves Oliveira (07h22) há 8 minutos
Um dos problemas está na escolha dos embaixadores. Nada contra o Inst. Rio Branco, mas manter o monopólio dele na escolha de embaixadores é um equívoco. Se o chanceler não precisa ser diplomatas de carreira, por que os embaixadores?Temos que começar a enviar pessoas proeminentes das mais diversas áreas da atividade humana, inclusive esportes. Por que o Pelé ou o Guga não poderiam servir nas embaixadas? Seria uma tremenda promoção para o país. A política externa começa com boa governança interna.

sábado, 22 de setembro de 2012

Estrategias de política externa: a grande estrategia do Barao e as pequenas - P. R. Almeida


O Barão do Rio Branco e as estratégias do Brasil: a grande e as pequenas

Paulo Roberto de Almeida
revista Sapientia (ano 1, n. 2, setembro 2012, p. 23-25; link: http://www.cursosapientia.com.br/revista/ed2/).
Relação de Originais n. 2407; Relação de Publicados n. 1073.

Se, por um desses acasos históricos, o Barão do Rio Branco, falecido exatamente cem anos atrás, retornasse eventualmente entre nós, quais seriam suas grandes preocupações diplomáticas? Esgotada a tarefa de remodelar a geografia dos limites territoriais, por meio de negociações de fronteiras com todos os nossos vizinhos, o Barão talvez se preocupasse com temas mais permanentes, ou mais estruturais, sobretudo numa fase – como foi a sua – de transição nas relações internacionais. De fato, cem anos atrás, o mundo assistia aos primeiros passos da transposição hegemônica das velhas potências europeias para o novo poder emergente, os Estados Unidos da América, país com o qual o Barão do Rio Branco tentou estabelecer uma estratégia de coexistência de zonas de influência: os EUA ao norte, o Brasil ao sul. Obviamente, o Barão tinha consciência dos meios limitados do Brasil do início do século XX, mas ele se perguntaria, de igual modo, o que o Brasil precisaria fazer, atualmente, para ocupar seu espaço no chamado concerto das nações.
Talvez ele começasse pela pergunta clássica dos estadistas: o Brasil possui uma estratégia, grande ou pequena? Talvez, embora nem sempre se perceba. Os militares talvez tenham pensado em alguma, e ela sempre envolve grandes meios, para defender as grandes causas: a soberania, a integridade territorial, a preservação da paz e da segurança no território nacional e no seu entorno imediato. Enfim, todas aquelas coisas que motivam os militares. Os diplomatas, também, talvez tenham escrito algo em torno disso, e ela sempre envolve o desenvolvimento nacional num ambiente de paz e cooperação com os vizinhos e parceiros da sociedade internacional, no pleno respeito dos compromissos internacionais e da defesa dos princípios e valores constitucionais, que por acaso se coadunam com a Carta da ONU. Mas eles também acham que está na hora de “democratizar” o sistema internacional, que ainda preserva traços do imediato pós-Segunda Guerra, ampliando o Conselho de Segurança da ONU, reformando as principais organizações econômicas multilaterais e ampliando as possibilidades de participação dos países em desenvolvimento nas instâncias decisórias mundiais; enfim, todo aquele discurso que vocês conhecem bem.
Tudo isso é sabido, e repassado a cada vez, nas conferências nacionais de estudos estratégicos, em grandes encontros diplomáticos, nos discursos protocolares dos líderes nacionais. Até parece que possuímos de fato uma grande estratégia, embora nem sempre isso seja percebido por todos os atores que dela participam, consciente ou inconscientemente. Aparentemente, ela seria feita dos seguintes elementos: manutenção de um ambiente de paz e cooperação no continente sul-americano e seu ambiente adjacente, num quadro de desenvolvimento econômico e social com oportunidades equivalentes para todos os vizinhos, visando a construção de um grande espaço econômico integrado, de coordenação e cooperação política, num ambiente democrático, engajado coletivamente na defesa dos direitos humanos e na promoção da prosperidade conjunta dos povos que ocupam esse espaço.

O que seria uma grande estratégia para o Brasil?
Muito bem, mas esses são objetivos genéricos, até meritórios e desejáveis, que precisam ser implementados de alguma forma, ou seja, promovidos por meio de iniciativas e medidas ativas, o que envolve inclusive a remoção dos obstáculos que se opõem à consecução desses grandes objetivos. É aqui que entra, de verdade, a grande estratégia, quando se tem de adequar os meios aos objetivos, não simplesmente na definição de metas genéricas. A estratégia é que permite se dizer como, e sob quais condições, o povo do país e suas lideranças vão mobilizar os recursos disponíveis, as ferramentas adequadas e os fatores contingentes – dos quais, os mais importantes são os agentes humanos – por meio dos quais será possível alcançar os grandes objetivos e afastar as ameaças que se lhes antepõem. Uma verdadeira estratégia diz o que deve ser feito, na parte ativa, e também, de maneira não simplesmente reativa, como devemos agir para que forças contrárias não dificultem o atingimento das metas nacionais.
Nesse sentido, se o grande objetivo brasileiro – que integra nesta concepção sua “grande estratégia” – é a consolidação de um espaço econômico democrático e de cooperação econômica no continente, devemos reconhecer que avançamos muito pouco nos últimos anos. A despeito da retórica governamental, não se pode dizer, atualmente, que a integração e a democracia progrediram tremendamente na última década. Ao contrário, olhando objetivamente, esses dois componentes até recuaram em várias partes, e não se sabe bem o que o Brasil fez para promovê-los ativamente. O presidente anterior foi visto abraçado com vários ditadores ou candidatos a tal, esqueceu-se de defender a liberdade de expressão, os valores democráticos e os direitos humanos onde eles foram, e continuam sendo, mais ameaçados, quando não vêm sendo extirpados ou já desapareceram por completo. A integração que realmente conta, a econômica e comercial, cedeu espaço a uma ilusória integração política e social que até pode ter rendido muitas viagens de burocratas e políticos, mas não parece ter ampliado mercados e consolidado a abertura econômica recíproca.

À falta de uma grande estratégia, o Brasil possui pequenas estratégias?
Desse ponto de vista, o Brasil parece ter falhado em sua grande estratégia, se é verdade que ele realmente possui uma. Se não possui, está na hora de pensar em elaborar a sua. Passada a retórica grandiloquente – contra-produtiva, aliás – da liderança e da união exclusiva e excludente, contra supostas ameaças imperiais, pode-se passar a trabalhar realisticamente na implementação da grande estratégia delineada sumariamente linhas acima. A julgar pela experiência recente, não parece que sequer começamos a retificar os equívocos mais eloquentes do passado imediato, quando apoiamos ditadores e adotamos uma concepção muito peculiar dos direitos humanos e dos valores democráticos. O que diria o Barão, a esse respeito?
Talvez ele devesse começar examinando as pequenas estratégias desenvolvidas nos últimos anos. Na verdade, o Barão seria naturalmente levado a elaborar uma grande estratégia, obviamente diversa daquela de sua época, e adaptada aos requisitos do presente. Negligenciando o fato de que ele, quando vivo, já era quase um santo protetor da diplomacia brasileira, uma personalidade incontrastável, incontestável, o “dono” da política internacional do Brasil, além e acima de qualquer presidente, pode-se imaginar que ele atuaria segundo as instruções do presidente de turno, mas com certa latitude de ação, em vista de sua reconhecida competência para certos temas.
Vamos imaginar, contudo, que ele apenas atuaria como um chanceler qualquer, em face dos mesmos desafios ou agendas, que se colocariam a um chanceler de nossos dias, nas circunstâncias atuais do Brasil, país que deixou de ser simplesmente em desenvolvimento, e um instável crônico na América Latina, para se tornar um “emergente”, um país dotado de pretensões a ter uma influência regional e global. É com base, exatamente, nessas premissas, que podemos, em primeiro lugar, criticar as diversas estratégias que o Brasil seguiu nos últimos tempos, e às quais poderíamos chamar de pequenas.

A primeira estratégia pequena do Brasil, na verdade mesquinha, seria a de ter exibido, durante os oito anos da doutrina do “nunca antes neste país”, uma orientação de política externa não exatamente nacional, mas mais propriamente partidária, para não dizer sectária. Quando o Barão foi convidado para ser chanceler, cargo que ele ensaiou recusar, seja por motivos de saúde, de dinheiro ou qualquer outro, a primeira coisa que ele adiantou era a de que não vinha servir a qualquer partido, a qualquer causa política, mas ao Brasil, em benefício da nação e de seu prestígio na região e no mundo.
Cem anos depois, parece que tivemos não apenas uma diplomacia estreitamente partidária, mas até um chanceler que, talvez insatisfeito por ser “apenas” diplomata, resolveu se inscrever num partido, ou melhor, no partido do poder, o que aparentemente nunca lhe foi exigido como chanceler ou como funcionário de Estado. Mas, como defensor de um governo partidário, ele resolveu se filiar a esse partido. Como todo militante desse partido, como naquelas agrupações religiosas que exigem o dízimo, tem de contribuir com sua cota de boa vontade financeira, o mesmo chanceler escolheu ser conselheiro de algumas coisas, para arredondar o salário, já que o Brasil é hoje um país caro (talvez em função de algumas políticas de pequena estratégia que o mesmo partido aplica). O Barão, provavelmente, desprezaria gestos como esse.
A segunda estratégia pequena que o Barão lamentaria, se hoje contemplasse a diplomacia dos oito anos do “nunca antes”, seria justamente essa tal de “diplomacia Sul-Sul”. O Barão nunca compreenderia, e nunca admitiria, como se consegue ser tão reducionista, tão simplista, tão estreito geograficamente nas escolhas de relacionamento internacional, ele que sempre se bateu para equilibrar as relações do Brasil entre a velha Europa, os EUA emergentes, e a América do Sul, todos tão presentes em nossas relações imediatas. A despeito dessa “aliança não escrita” com os EUA, de que falam alguns acadêmicos, o Barão, na verdade, nunca se deixou prender, ou enredar, numa relação exclusiva, ou privilegiada, com qualquer sócio maior, mas procurava sempre manter equidistância dos grandes centros de poder, das velhas potências coloniais – mas ainda agressivamente imperialistas – e da nova potência que despontava no hemisfério – e já agressivamente imperialista, precisamente. Menos ainda ele compreenderia que o Brasil só tivesse olhos para o seu entorno imediato – claro, porque a África não “existia”, dominada que era pela Europa, e que a Ásia também se debatia na colonização direta e indireta das mesmas potências – e descurasse por completo das relações com aqueles que eram nossos principais mercados e fornecedores de capitais. Ele sorriria com certa complacência antes essas propostas de “nova geografia comercial internacional”, sabedor que, em matéria de comércio, toda e qualquer geografia é boa, desde que se consiga realizar todos os intercâmbios, nos dois sentidos, que interessariam ao Brasil.
Justamente, mesmo se ele tivesse de administrar uma “estratégia Sul-Sul” para o Brasil – fatalidade lamentável que ele certamente se escusaria por completo de iniciar – ele jamais se permitiria ser complacente, leniente, inconsequente ou descuidado em relação aos direitos do Brasil. Ele jamais permitiria, por exemplo, que tripudiassem injustamente sobre nossas exportações – como infelizmente ocorre muito frequentemente com certo vizinho arrogante – ou que, ao arrepio de tratados bilaterais e de contratos internacionais, outros vizinhos inconsequentes invadissem nossas propriedades legítimas para esbulhar-nos de nossos direitos, rasgando unilateralmente compromissos que tinham sido solenemente contraídos anteriormente. Por muito menos ele fez deslocar tropas para proteger nacionais ameaçados de maus tratos; ainda que não fosse o caso de fazê-lo em todas as circunstâncias, o Barão certamente teria sido bem mais vigoroso na reação a certos atos de expropriação ilegal.
Por exemplo: ainda que confrontado a uma declaração inevitável de expropriação de bens nacionais, ele JAMAIS assinaria uma nota na qual se reconhecia o direito soberano de outro país de, sem a cortesia de sequer um alerta preliminar, expropriar sem negociações ou consulta prévia propriedades nacionais, em total desrespeito às normas do direito internacional e à letra de tratados que constituíam obrigações para as duas partes. Ele certamente consideraria certas atitudes registradas nesses tempos caóticos de diplomacia confusa não só como marcas de uma pequena estratégia, mas como uma demonstração cabal de uma estratégia vergonhosa.
A mais forte razão, o Barão se guardaria escrupulosamente, e faria com que o seu presidente também observasse esse tipo de recato, de jamais interferir nos assuntos políticos internos de outros países, seja demonstrando apoios eleitorais indevidos, seja adiantando preferências ideológicas ou ainda rompendo normas e costumes de direito internacional e de relações diplomáticas. A melhor forma de manter boas relações com quaisquer vizinhos – mesmo os mais turbulentos – e com todo e qualquer país da comunidade internacional é manter reserva total quanto aos assuntos internos desses outros países, mesmo quando se possa, em privado, manter preferência por um outro personagem da vida política que possa ter influência nas relações com o Brasil. Expressar publicamente interesse nesse tipo de assunto é a mais pequena estratégia que o Barão poderia conceber, e isso ele deixou registrado em vários escritos públicos.
Finalmente, o Barão tampouco consentiria em dividir o processo de tomada de decisão em múltiplas cabeças, em fracionar o comando da diplomacia em diversos centros independentes de formulação e de execução de uma política nacional, como deve ser a política internacional de um país. Consciente, provavelmente, de que a política externa é uma espécie de política interna por outros meios, e sabedor de que a diplomacia, como a arte da guerra, exige unidade de formulação, de decisão e de implementação das ações requeridas, ele obstaria por completo a qualquer fragmentação da atuação diplomática do Brasil em unidades separadas de atuação. Já ao assumir a chefia do Ministério, e confrontando-se com a provecta figura de Cabo Frio, ele apressou-se em inaugurar um busto em homenagem a essa magnífica figura do Império, como forma de afastá-lo dos assuntos correntes, encaminhando-o a uma merecida aposentadoria que ainda tardou a acontecer. Independentemente desses dissabores, ele jamais consentiria, por exemplo, que dirigentes partidários, representantes de interesses especiais, neófitos palacianos ou quaisquer outros aprendizes de diplomatas lhe viessem sugerir esta ou aquela política em matérias que fossem de sua competência exclusiva. Como “general” da diplomacia, ele sabia que comando não se divide: ou se assume, ou se assiste a confusão predominar em temas que têm a ver com a segurança nacional.

Enfim, falamos das “pequenas estratégias” que o Barão não teria, e não poderia ter, para as relações internacionais do Brasil, cem anos depois de sua morte, se por acaso voltasse ao nosso convívio. Mas faltou falar, positivamente, de uma grande estratégia que o Barão do Rio Branco poderia exibir na atualidade.
E por que uma estratégia teria de ser “grande”? Não existe nenhum motivo especial para isso: trata-se apenas de um adjetivo, talvez exagerado, que visa, de certo modo, enfatizar o aspecto crucial para o país na determinação de suas políticas mais essenciais; neste caso, grande pode ser considerado como algo diferente de setorial (como poderia ser apenas defesa ou desenvolvimento). Grandes países, com grande interface ou exposição internacional, ou, ainda, países capazes de grande projeção internacional, costumam ter grandes estratégias. Talvez seja o caso do Brasil.
O Brasil é um ator relevante malgré lui, ou seja, possui massa e presença de dimensões relevantes, embora não consiga determinar o curso dos eventos e dos processos no subcontinente, mesmo mobilizando as armas de sua política – a diplomacia – ou “ameaçando” (o que, aliás, seria difícil de concretizar) recorrer à política das armas – para a qual lhe faltariam os requisitos de base, justamente. Mesmo no terreno das proposições de política, não se pode dizer que o Brasil tenha constituído um manancial de iniciativas significativas, capazes de alterar, de maneira sensível, o peso e o papel da região no contexto mundial.
Quais são, numa análise realista, os componentes dessa grande estratégia? A resposta a esta questão implica necessariamente identificar os principais desafios colocados ao Brasil na realização dos supremos interesses nacionais. Quais são estes últimos, portanto? Em plena transparência de propósitos, não parece restar dúvidas de que o objetivo supremo da nação – ademais daquelas questões básicas de soberania, que já consideramos não prioritárias – é o atingimento de uma etapa superior no seu processo de desenvolvimento, de maneira a garantir bem estar e vida digna a todos os brasileiros, como condição da plena integração do país ao sistema internacional num status de potência capaz e plenamente dotada dos meios de ação para atuar positivamente nesses sistema, em conformidade com os propósitos da Carta das Nações Unidas e dos demais instrumentos da cooperação internacional.
Mas isso discutiremos numa próxima ocasião.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 de Julho de 2012; revisão: 14/09/2012

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A Grande Estrategia do Brasil: uai!, existe uma? Não sabia...

Este texto meu, escrito sem grandes pretensões e sobretudo sem qualquer preparação, parece que despertou o interesse de muitos, pelo que vi no registro dos posts mais acessados.
Vai ver são os arapongas da CIA e daquela coisa que sucedeu o KGB (sem na verdade substituí-lo) que são dirigidos ao meu blog por poderosíssimos instrumentos de busca, que mapeiam e detectam tudo o que existe de relevante, perigoso, hum... estratégico, no mundo, e que acabam caindo num blog modesto, e num post mais modesto ainda, que visava apenas o meu divertimento pessoal, sem qualquer grande pretensão acadêmica, científica, estratégica, justamente.

Calma, calma, pessoal, eu não queria assustar ninguém, nem atrair indevidamente a atenção de tão formidáveis instrumentos e agências de inteligência (supondo-se que exista alguma atrás dos Googles desses arapongas das grandes potências), eu só estava tentando colocar em ordem meu cérebro confuso, e não queria atrair a atenção de vocês indevidamente. Por favor, não vasculhem minhas contas bancárias na Suíça, minha correspondência doméstica, meus recados de compras, e meus deveres não terminados. Prometo não postar mais nada com títulos tão grandiloquentes assim e doravante só vou dar receita de bolo, sem essas de ficar invocando a geopolítica, a mudança do poder mundial, a alteração do eixo das relações de força no mundo, o combate ao imperialismo e essas coisas que só os companheiros são capazes de fazer...
Eu sou só um brincalhão...
Em todo caso, posto novamente aqui o post indigitado para não dar mais trabalho de busca aos interessados.
Prometo que ainda escrevo algo sério em torno disso...
O que vai abaixo é de quase um ano atrás, jour par jour...
Paulo Roberto de Almeida

Reflexões ao Léu, 6: A Grande Estratégia do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Reflexões ao Léu, 6: A Grande Estratégia do Brasil
Paulo Roberto de Almeida

O Brasil possui uma estratégia, grande ou pequena? Talvez, embora nem sempre se perceba. Os militares talvez tenham pensado em alguma, e ela sempre envolve grandes meios, para defender as grandes causas: a soberania, a integridade territorial, a preservação da paz e da segurança no território nacional e no seu entorno imediato. Enfim, todas aquelas coisas que motivam os militares. Os diplomatas, também, talvez tenham escrito algo em torno disso, e ela sempre envolve o desenvolvimento nacional num ambiente de paz e cooperação com os vizinhos e parceiros da sociedade internacional, no pleno respeito dos compromissos internacionais e da defesa dos princípios e valores constitucionais, que por acaso se coadunam com a Carta da ONU. Mas eles também acham que está na hora de “democratizar” o sistema internacional, que ainda preserva traços do imediato pós-Segunda Guerra, ampliando o Conselho de Segurança da ONU, reformando as principais organizações econômicas multilaterais e ampliando as possibilidades de participação dos países em desenvolvimento nas instâncias decisórias mundiais; enfim, todo aquele discurso que vocês conhecem bem.
Tudo isso é sabido, e repassado a cada vez, nas conferências nacionais de estudos estratégicos, em grandes encontros diplomáticos, nos discursos protocolares dos líderes nacionais. Até parece que possuímos de fato uma grande estratégia, embora nem sempre isso seja percebido por todos os atores que dela participam, consciente ou inconscientemente. Aparentemente, ela seria feita dos seguintes elementos: manutenção de um ambiente de paz e cooperação no continente sul-americano e seu ambiente adjacente, num quadro de desenvolvimento econômico e social com oportunidades equivalentes para todos os vizinhos, visando a construção de um grande espaço econômico integrado, de coordenação e cooperação política, num ambiente democrático, engajado coletivamente na defesa dos direitos humanos e na promoção da prosperidade conjunta dos povos que ocupam esse espaço.
Muito bem, mas esses são objetivos genéricos, até meritórios e desejáveis, que precisam ser implementados de alguma forma, ou seja, promovidos por meio de iniciativas e medidas ativas, o que envolve inclusive a remoção dos obstáculos que se opõem à consecução desses grandes objetivos. É aqui que entra, de verdade, a grande estratégia, quando se tem de adequar os meios aos objetivos, não simplesmente na definição de metas genéricas. A estratégia é que permite se dizer como, e sob quais condições, o povo do país e suas lideranças vão mobilizar os recursos disponíveis, as ferramentas adequadas e os fatores contingentes – dos quais, os mais importantes são os agentes humanos – por meio dos quais será possível alcançar os grandes objetivos e afastar as ameaças que se lhes antepõem. Uma verdadeira estratégia diz o que deve ser feito, na parte ativa, e também, de maneira não simplesmente reativa, como devemos agir para que forças contrárias dificultem o atingimento das metas nacionais.

Nesse sentido, se o grande objetivo brasileiro – que integra nesta concepção sua “grande estratégia” – é a consolidação de um espaço econômico democrático e de cooperação econômica no continente, devemos reconhecer que avançamos muito pouco nos últimos anos. A despeito da retórica governamental, não se pode dizer, atualmente, que a integração e a democracia progrediram tremendamente na última década. Ao contrário, olhando objetivamente, esses dois componentes até recuaram em várias partes, e não se sabe bem o que o Brasil fez para promovê-los ativamente. O presidente anterior foi visto abraçado com vários ditadores ou candidatos a tal, esqueceu-se de defender a liberdade de expressão, os valores democráticos e os direitos humanos onde eles foram, e continuam sendo, mais ameaçados, quando não vêm sendo extirpados ou já desapareceram por completo. A integração que realmente conta, a econômica e comercial, cedeu espaço a uma ilusória integração política e social que até pode ter rendido muitas viagens de burocratas e políticos, mas não parece ter ampliado mercados e consolidado a abertura econômica recíproca.

Desse ponto de vista, o Brasil parece ter falhado em sua grande estratégia, se é verdade que ele realmente possui uma. Se não possui, está na hora de pensar em elaborar a sua. Passada a retórica grandiloquente – contra-produtiva, aliás – da liderança e da união exclusiva e excludente, contra supostas ameaças imperiais, pode-se passar a trabalhar realisticamente na implementação da grande estratégia delineada sumariamente linhas acima. A julgar pelos primeiros passos, parece que começamos a retificar equívocos do passado recente e a enveredar por um caminho mais adequado e mais conforme as nossas velhas tradições diplomáticas.

Brasília, 9 de fevereiro de 2011

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A grande estrategia do Brasil: Coreia do Norte

O Brasil é generoso: alimenta os pobres dos coreanos do norte, que estão morrendo de fome por causa do cerco imperialista e do embargo americano. Ops, acho que isso é com Cuba. Não importa: o Brasil ajuda mesmo assim, ajuda todos os pobres socialistas, que ficaram pobres por causa do capitalismo. Ops, acho que foi por causa do socialismo mesmo. Não importa: temos nossa estratégia para influenciar o mundo inteiro, através dos nossos alimentos fartos, abundantes e sobretudo baratos. 
Socialistas do mundo: venham que tem comida para todos...
Paulo Roberto de Almeida 


Brasil aposta na Coréia do Norte para influir na Ásia
InfoRel, 25/11/2011 - 19h20




Brasília - O Brasil está decidido a influenciar politicamente na Ásia e aposta no estreitamento das relações com a Coréia do Norte para ocupar um papel de destaque na região. Para o Itamaraty, o país é vítima do desconhecimento sobre as suas intenções e capacidades, inclusive militares.
A Coréia do Norte é rica em recursos naturais - o país possui grandes reservas de magnesita, carvão, tungstênio, grafite, molibdênio, barita, minério de ferro e fluorita - e o Brasil pretende investir em obras de infraestrutura e alavancar o comércio bilateral.
Em outubro de 2010, o país enviou uma missão de cooperação técnica a Pyongyang com representantes do Itamaraty e da Embrapa que vai trabalhar o melhoramento da soja norte-coreana para o consumo interno e a exportação.
Também no ano passado, o Brasil doou US$ 400 mil em ajuda humanitária à Coréia do Norte por meio do Programa Mundial de Alimentos.
Na visão do ministério das Relações Exteriores, a Coréia do Norte paga um preço alto por seu isolamento político. Pyongyang tem uma ideologia própria não-alinhada com Moscou ou Pequim, avalia o Itamaraty.
Rússia, China, Estados Unidos e Japão, são os principais atores na Península Coreana e a forte presença militar norte-americana na vizinha Coréia do Sul, impede que Pyongyang aceite qualquer tipo de desarmamento.
A região tem a maior concentração de poderio militar do mundo e Seul não acredita na reunificação nos próximos 20 anos.
Na prática, esperava-se que a Coréia do Norte e Cuba desaparecessem após o fim da União Soviética.
Cenário
Para a diplomacia brasileira, a Coréia do Norte tenta reduzir sua dependência da China e mira na Rússia, mas também tem interesse no Brasil por conta da sua política externa independente.
Pyongyang apóia o ingresso do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e votou a favor da candidatura do Rio de Janeiro para sede dos Jogos Olímpicos de 2016 e em José Graziano para o cargo de diretor-geral da FAO.
Informe do Itamaraty diz que o Brasil "tem ajustado sua interlocução com a Coréia do Norte de acordo com o comportamento do país asiático no campo internacional, mantendo diálogo fluido nos momentos de normalidade e adotando posição cautelosa quando se acirram as relações do país com a comunidade internacional".
O Brasil acredita na potencialidade das relações bilaterais num quadro de estabilização peninsular. Caso isso ocorra, a Coréia do Norte poderá integrar-se de maneira muito mais intensa à cadeia econômica asiática e servir de ligação viária com a Rússia e a China.
Além disso, o Itamaraty acredita que em 15 de abril de 2012, o líder norte-coreano Kim Jong-il poderá transferir o poder ao filho mais jovem, Kim Jong-un, promovido em 2010 a general de quatro estrelas.

domingo, 6 de novembro de 2011

A grande estrategia do Brasil: existe alguma? - Paulo Roberto de Almeida


Republico abaixo um texto que escrevi em Fevereiro de 2011, e que ficou sem maior divulgação. Creio que ainda é válido.

Reflexões ao Léu, 6: A Grande Estratégia do Brasil
Paulo Roberto de Almeida
O Brasil possui uma estratégia, grande ou pequena? Talvez, embora nem sempre se perceba. Os militares talvez tenham pensado em alguma, e ela sempre envolve grandes meios, para defender as grandes causas: a soberania, a integridade territorial, a preservação da paz e da segurança no território nacional e no seu entorno imediato. Enfim, todas aquelas coisas que motivam os militares. Os diplomatas, também, talvez tenham escrito algo em torno disso, e ela sempre envolve o desenvolvimento nacional num ambiente de paz e cooperação com os vizinhos e parceiros da sociedade internacional, no pleno respeito dos compromissos internacionais e da defesa dos princípios e valores constitucionais, que por acaso se coadunam com a Carta da ONU. Mas eles também acham que está na hora de “democratizar” o sistema internacional, que ainda preserva traços do imediato pós-Segunda Guerra, ampliando o Conselho de Segurança da ONU, reformando as principais organizações econômicas multilaterais e ampliando as possibilidades de participação dos países em desenvolvimento nas instâncias decisórias mundiais; enfim, todo aquele discurso que vocês conhecem bem.
Tudo isso é sabido, e repassado a cada vez, nas conferências nacionais de estudos estratégicos, em grandes encontros diplomáticos, nos discursos protocolares dos líderes nacionais. Até parece que possuímos de fato uma grande estratégia, embora nem sempre isso seja percebido por todos os atores que dela participam, consciente ou inconscientemente. Aparentemente, ela seria feita dos seguintes elementos: manutenção de um ambiente de paz e cooperação no continente sul-americano e seu ambiente adjacente, num quadro de desenvolvimento econômico e social com oportunidades equivalentes para todos os vizinhos, visando a construção de um grande espaço econômico integrado, de coordenação e cooperação política, num ambiente democrático, engajado coletivamente na defesa dos direitos humanos e na promoção da prosperidade conjunta dos povos que ocupam esse espaço.
Muito bem, mas esses são objetivos genéricos, até meritórios e desejáveis, que precisam ser implementados de alguma forma, ou seja, promovidos por meio de iniciativas e medidas ativas, o que envolve inclusive a remoção dos obstáculos que se opõem à consecução desses grandes objetivos. É aqui que entra, de verdade, a grande estratégia, quando se tem de adequar os meios aos objetivos, não simplesmente na definição de metas genéricas. A estratégia é que permite se dizer como, e sob quais condições, o povo do país e suas lideranças vão mobilizar os recursos disponíveis, as ferramentas adequadas e os fatores contingentes – dos quais, os mais importantes são os agentes humanos – por meio dos quais será possível alcançar os grandes objetivos e afastar as ameaças que se lhes antepõem. Uma verdadeira estratégia diz o que deve ser feito, na parte ativa, e também, de maneira não simplesmente reativa, como devemos agir para que forças contrárias dificultem o atingimento das metas nacionais. 
Nesse sentido, se o grande objetivo brasileiro – que integra nesta concepção sua “grande estratégia” – é a consolidação de um espaço econômico democrático e de cooperação econômica no continente, devemos reconhecer que avançamos muito pouco nos últimos anos. A despeito da retórica governamental, não se pode dizer, atualmente, que a integração e a democracia progrediram tremendamente na última década. Ao contrário, olhando objetivamente, esses dois componentes até recuaram em várias partes, e não se sabe bem o que o Brasil fez para promovê-los ativamente. O presidente anterior foi visto abraçado com vários ditadores ou candidatos a tal, esqueceu-se de defender a liberdade de expressão, os valores democráticos e os direitos humanos onde eles foram, e continuam sendo, mais ameaçados, quando não vêm sendo extirpados ou já desapareceram por completo. A integração que realmente conta, a econômica e comercial, cedeu espaço a uma ilusória integração política e social que até pode ter rendido muitas viagens de burocratas e políticos, mas não parece ter ampliado mercados e consolidado a abertura econômica recíproca.
Desse ponto de vista, o Brasil parece ter falhado em sua grande estratégia, se é verdade que ele realmente possui uma. Se não possui, está na hora de pensar em elaborar a sua. Passada a retórica grandiloquente – contra-produtiva, aliás – da liderança e da união exclusiva e excludente, contra supostas ameaças imperiais, pode-se passar a trabalhar realisticamente na implementação da grande estratégia delineada sumariamente linhas acima. A julgar pelos primeiros passos, parece que começamos a retificar equívocos do passado recente e a enveredar por um caminho mais adequado e mais conforme a nossas velhas tradições diplomáticas.

Brasília, 9 de fevereiro de 2011

quarta-feira, 9 de março de 2011

Reflexões ao Léu, 6: A Grande Estratégia do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Reflexões ao Léu, 6: A Grande Estratégia do Brasil
Paulo Roberto de Almeida


O Brasil possui uma estratégia, grande ou pequena? Talvez, embora nem sempre se perceba. Os militares talvez tenham pensado em alguma, e ela sempre envolve grandes meios, para defender as grandes causas: a soberania, a integridade territorial, a preservação da paz e da segurança no território nacional e no seu entorno imediato. Enfim, todas aquelas coisas que motivam os militares. Os diplomatas, também, talvez tenham escrito algo em torno disso, e ela sempre envolve o desenvolvimento nacional num ambiente de paz e cooperação com os vizinhos e parceiros da sociedade internacional, no pleno respeito dos compromissos internacionais e da defesa dos princípios e valores constitucionais, que por acaso se coadunam com a Carta da ONU. Mas eles também acham que está na hora de “democratizar” o sistema internacional, que ainda preserva traços do imediato pós-Segunda Guerra, ampliando o Conselho de Segurança da ONU, reformando as principais organizações econômicas multilaterais e ampliando as possibilidades de participação dos países em desenvolvimento nas instâncias decisórias mundiais; enfim, todo aquele discurso que vocês conhecem bem.
Tudo isso é sabido, e repassado a cada vez, nas conferências nacionais de estudos estratégicos, em grandes encontros diplomáticos, nos discursos protocolares dos líderes nacionais. Até parece que possuímos de fato uma grande estratégia, embora nem sempre isso seja percebido por todos os atores que dela participam, consciente ou inconscientemente. Aparentemente, ela seria feita dos seguintes elementos: manutenção de um ambiente de paz e cooperação no continente sul-americano e seu ambiente adjacente, num quadro de desenvolvimento econômico e social com oportunidades equivalentes para todos os vizinhos, visando a construção de um grande espaço econômico integrado, de coordenação e cooperação política, num ambiente democrático, engajado coletivamente na defesa dos direitos humanos e na promoção da prosperidade conjunta dos povos que ocupam esse espaço.
Muito bem, mas esses são objetivos genéricos, até meritórios e desejáveis, que precisam ser implementados de alguma forma, ou seja, promovidos por meio de iniciativas e medidas ativas, o que envolve inclusive a remoção dos obstáculos que se opõem à consecução desses grandes objetivos. É aqui que entra, de verdade, a grande estratégia, quando se tem de adequar os meios aos objetivos, não simplesmente na definição de metas genéricas. A estratégia é que permite se dizer como, e sob quais condições, o povo do país e suas lideranças vão mobilizar os recursos disponíveis, as ferramentas adequadas e os fatores contingentes – dos quais, os mais importantes são os agentes humanos – por meio dos quais será possível alcançar os grandes objetivos e afastar as ameaças que se lhes antepõem. Uma verdadeira estratégia diz o que deve ser feito, na parte ativa, e também, de maneira não simplesmente reativa, como devemos agir para que forças contrárias dificultem o atingimento das metas nacionais.


Nesse sentido, se o grande objetivo brasileiro – que integra nesta concepção sua “grande estratégia” – é a consolidação de um espaço econômico democrático e de cooperação econômica no continente, devemos reconhecer que avançamos muito pouco nos últimos anos. A despeito da retórica governamental, não se pode dizer, atualmente, que a integração e a democracia progrediram tremendamente na última década. Ao contrário, olhando objetivamente, esses dois componentes até recuaram em várias partes, e não se sabe bem o que o Brasil fez para promovê-los ativamente. O presidente anterior foi visto abraçado com vários ditadores ou candidatos a tal, esqueceu-se de defender a liberdade de expressão, os valores democráticos e os direitos humanos onde eles foram, e continuam sendo, mais ameaçados, quando não vêm sendo extirpados ou já desapareceram por completo. A integração que realmente conta, a econômica e comercial, cedeu espaço a uma ilusória integração política e social que até pode ter rendido muitas viagens de burocratas e políticos, mas não parece ter ampliado mercados e consolidado a abertura econômica recíproca.


Desse ponto de vista, o Brasil parece ter falhado em sua grande estratégia, se é verdade que ele realmente possui uma. Se não possui, está na hora de pensar em elaborar a sua. Passada a retórica grandiloquente – contra-produtiva, aliás – da liderança e da união exclusiva e excludente, contra supostas ameaças imperiais, pode-se passar a trabalhar realisticamente na implementação da grande estratégia delineada sumariamente linhas acima. A julgar pelos primeiros passos, parece que começamos a retificar equívocos do passado recente e a enveredar por um caminho mais adequado e mais conforme a nossas velhas tradições diplomáticas.


Brasília, 9 de Março de 2011