O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador visão histórica. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador visão histórica. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

CHINA – ASCENSÃO PACÍFICA E HARMONIOSA (II). Visão histórica - Paulo Pinto (Linkedin)

CHINA – ASCENSÃO PACÍFICA E HARMONIOSA (II). Visão histórica

Paulo Pinto

Embaixador do Brasil aposentado. Percursos diplomáticos diferenciados.

Linkedin, January 16, 2025

https://www.linkedin.com/pulse/china-ascens%C3%A3o-pac%C3%ADfica-e-harmoniosa-ii-vis%C3%A3o-hist%C3%B3rica-paulo-pinto-aicnf/ 

 

Conforme citado na primeira parte do artigo, publicado em 20 de dezembro passado, os dirigentes chineses pretendem resgatar a histórica viagem do Alm. Zheng He, em 1405, ao Sudeste Asiático ou “Nanyang”. Procura-se, então, identificar nas “intenções pacíficas” daquele périplo, exemplo da permanente busca de “harmonia” – em oposição a “hegemonia” – nas relações da China com os vizinhos ao Sul de suas fronteiras.

O Partido Comunista Chinês, portanto, se esforça, tanto no plano interno, quanto no das relações com o exterior, no sentido do convencimento de que, em todos os momentos de emergência do país – há 600 anos, como agora - a China pode ser forte, enquanto não representa ameaça regional ou mundial.

Nessa hipótese, um mega agrupamento a ser formado na Ásia Oriental, dependeria do somatório de interesses compartilhados por diferentes "redes de civilizações asiáticas", formadas por chineses, coreanos, malásios, japoneses e outros, que, gradativamente, negociariam uma agenda comum intrarregional.

Na sequência do exercício de reflexão já proposto, afirma-se que a “ascensão pacífica chinesa” dependeria, também, da capacidade de a ASEAN continuar a ser um foro de agregação, permitindo a aproximação de interesses convergentes de seu quase meio bilhão de habitantes daqueles de mais de 1,2 bilhões da China. Esse processo incluiria uma multiplicidade de interações de caráter político, militar, social e cultural.

Nessa perspectiva, no início da década de 1960, a República Popular da China iniciava processo de radicalização interna, com expressivos reflexos em suas relações com o exterior.

Em contrapartida, a região do Sudeste Asiático começava a apresentar perfil próprio. Era a fase da conquista da independência de nações daquela área, sob o formato de Estados modernos. A Nanyang deixara de ser uma vasta mancha cinzenta, da época áurea do hegemonismo do Império chinês. 

Evoluía, naquele momento, da situação em que se marcava no mapa político regional, com vermelho as colônias britânicas, com verde as francesas e amarelo a holandesa.  Começava a entrar na Era da "Guerra Fria" em que os países seriam definidos, no vermelho ou no azul, em função de seu alinhamento com os objetivos estratégicos globais fosse de Moscou ou de Washington, respectivamente.

Nesse contexto, fundada em 8 de agosto de 1967, com a declaração de Bangkok, a Associação das Nações do Sudeste Asiático – ASEAN - foi o terceiro agrupamento a ser formado no Sudeste Asiático, após a Segunda Guerra, sem ter caráter de aliança militar. Teve como predecessora a Associação do Sudeste Asiático, constituída em 31 de julho de 1961 por Tailândia, Malaya e Filipinas, que não sobreviveu mais de três anos, por causa de questão que colocava em disputa, entre Kuala Lumpur e Manila a soberania sobre a província de Sabah.

Paralelamente, Malaya, Filipinas e Indonésia reuniram-se, sob a denominação de MAPHELINDO, a partir de suas bases étnicas. Devido ao componente racial, que preocupava as demais nações da região, pouco igualmente durou.[1]

Em 1966, os ânimos regionais haviam-se acalmado. A Tailândia desempenhara papel de relevo como mediadora para o término das hostilidades. Cingapura havia-se separado da Federação da Malásia, devido ao que julgava ser excessiva concentração de poder em Kuala Lumpur.

Os dirigentes dos cinco países – Tailândia, Malásia, Singapura, Indonésia e Filipinas – passaram então a sentir necessidade de criar novos vínculos entre si, no âmbito de associação que viesse a contornar problemas gerados tanto pela dinâmica regional, quanto pelo envolvimento das superpotências no Sudeste Asiático, onde agravava-se a Guerra no Vietnã.

Reações Externas ao Surgimento da Associação

No plano externo, quando de sua fundação, a ASEAN foi entendida como a expressão de países que pretendiam apresentar-se ao Ocidente industrializado como área dedicada aos propósitos de uma economia de mercado. Além de não se situarem em região diretamente inserida na fronteira ideológica dos Estados Unidos da América - como acontecia com a Coréia do Sul, Taiwan e o então Vietnam do Sul - Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura e Tailândia não desejavam, tampouco, aparecer como promotoras de bloco militar semelhante à SEATO[2].

Tudo o que pretendiam, em nível de sua inserção nas relações internacionais, era salientar, perante o conturbado panorama político regional da época, sua vocação capitalista e reivindicar, portanto, o apoio da superpotência de igual sistema.

Logo após sua fundação, desenvolvimentos políticos dramáticos passaram a ameaçar o equilíbrio de poder no Sudeste Asiático. Em janeiro de 1968, foi anunciado que as forças britânicas seriam retiradas da região a Leste de Suez, até o final de 1971. Paralelamente, a ofensiva Tet, desencadeada pelos nortes- vietnamitas e "vietcongs" contra as tropas americanas, em fevereiro de 1968, levou a mudança da perspectiva de Washington quanto a seu envolvimento em conflitos asiáticos, com o consequente anúncio da "Doutrina Guam", por Nixon, em julho de 1969, segundo a qual era declarada a intenção dos EUA de, a partir de então, colocar maior ênfase "no emprego de forças locais para o combate em lutas locais".

Em outros desenvolvimentos, o Nono Congresso do Partido Comunista Chinês, em abril de 1969, estabelecia nova fase na política externa da RPC, encerrando o período de xenofobia e de exportação de ideologia que caracterizou a Revolução Cultural. Teve início a "Diplomacia de Ping Pong" que conduziu ao anúncio, em julho de 1971, da visita de Nixon a Pequim, bem como à admissão da República Popular da China nas Nações Unidas, em outubro do mesmo ano[3].

Enquanto tudo isso acontecia, alterava-se, igualmente, o perfil da presença da União Soviética no Sudeste Asiático e Moscou estabelecia relações diplomáticas com Kuala Lumpur, em março de 1967, e com Cingapura, em julho de 1968.

O primeiro deslocamento estratégico da Marinha Soviética na região do Oceano Índico ocorreu em março de 1968.  Em junho de 1969, logo após os choques armados na fronteira com a China, no Rio Ussuri, Brezhnev propôs a criação de um sistema de segurança coletiva na Ásia.

Finalmente, o Japão iniciava, na mesma época, sua expansão econômica no Sudeste Asiático.

A reação inicial chinesa, com respeito à formação da ASEAN, foi de condenação, como aliança de "lacaios dos norte-americanos, formada a pretexto de cooperar economicamente, mas, na verdade, tratando-se de agrupamento militar dirigido especificamente contra a China"[4].

A explicação para tal atitude de Pequim é encontrada no fato de que, então no auge da guerra do Vietnam, os EUA utilizavam-se de bases aéreas na Tailândia e Filipinas, para atacar objetivos no território vietnamita.

O enfoque chinês começou a mudar, contudo, a partir do estabelecimento de nova linha política da ASEAN, decidida durante sua Reunião Extraordinária de Ministros dos Negócios Estrangeiros, na capital da Malásia, em novembro de 1971. A chamada "Declaração de Kuala Lumpur", visava à criação de uma Zona de Paz, Liberdade e Neutralidade no Sudeste Asiático (em sua sigla inglesa ZOPFAN)[5].

"Paz e Neutralidade" vinham ao encontro do interesse chinês, no sentido de constituir oposição ao aumento da presença, tanto dos EUA, quanto da URSS naquela parte do mundo. Assim, a RPC chegou a enviar mensagem congratulatória pela formação da ZOPFAN, com ênfase em sua determinação quanto ao estabelecimento de área de "neutralidade".

Com o término da Guerra do Vietnam, em 1975, melhorou o diálogo entre a China e a Associação.  Assim, dois anos após, Pequim chegou mesmo a expressar seu apoio à iniciativa que estabeleceu vínculos especiais entre a ASEAN e os EUA, Japão, CEE, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Coréia do Sul.

O Processo de Abertura da RPC e sua Influência no Sudeste Asiático

 Existe o consenso de que o processo de abertura da China para o exterior teve início em 1978, quando os dirigentes em Pequim reconheceram a falência do modelo econômico centralmente planificado que o país vinha adotando.

Com o término da Guerra Fria, na década de 1990, criaram-se condições para o ressurgimento de uma antiga moldura político-cultural, que historicamente regularam a convivência entre as nações do Sudeste Asiático com a China.

Observadores da América do Norte, contudo, apontavam, a partir de então, a China como um fator futuro de instabilidade regional, disposta a preencher um vácuo político, resultante do término da confrontação bipolar vigente no período da Guerra Fria.

O grande objetivo chinês no plano internacional, nessa perspectiva, teria de ser o de compactuar com a disciplina que os países ocidentais vinham procurando impor ao mundo, desde a metade do século XIX. Tratar-se-ia “apenas de manter e adquirir territórios, definir e assegurar o círculo da própria soberania e a ordem pública no interior desse círculo, se necessário pela força das armas”.

No mesmo período, no entanto, ideias geradas em centros acadêmicos chineses formulavam novo discurso alternativo às teorias de "power politics", com suas fórmulas de dominação dos fracos pelos fortes, bem como defendiam a tese de que, com sua ascensão econômica e política, a Ásia pudesse resgatar alguns dos enunciados de seus "cinco princípios de coexistência pacífica" ou dos "dez princípios de Bandung", apresentados na década de 1950, segundo os quais é concedida ênfase à criação de "um mundo pluralístico onde todos os países seriam colocados em nível de igualdade".

Novo Paradigma: ASEAN+1

O novo milênio iniciou-se, na Ásia Oriental, com transformações paradigmáticas nas relações entre a China e o Sudeste Asiático. Nesse sentido, as dimensões de segurança, econômica e política foram profundamente afetadas por uma herança cultural comum, de origem chinesa.

Em parte, devido à determinação dos Estados Unidos de agir unilateralmente e pelo emprego da força militar, após os atentados de 11.09.2001, a Ásia Oriental passou a valorizar agenda de segurança própria, com ênfase em acordos intrarregionais, principalmente decorrente de entendimentos entre a China e a ASEAN. Assim, em 19 de agosto de 2003, em Wuyishan, província chinesa de Fujian, a RPC agregou sua assinatura ao Tratado de Amizade e Cooperação, que já incluía os já agora dez países do Sudeste Asiático, integrantes daquela Associação[6].

Ademais, a China lançou as fundações para um novo relacionamento com as nações do Sudeste Asiático[7]. Foi fortalecida, assim, a vertente da cooperação no âmbito da Ásia Oriental, na medida em que se concedia menor ênfase aos vínculos entre as margens asiática e norte-americana do oceano Pacífico. (Este assunto será tratado em maiores detalhes em artigos seguintes).

A China tomou a iniciativa, por exemplo, da proposta de uma Área de Livre Comércio com a ASEAN, com clara motivação política, causando preocupação, junto ao Japão e Estados Unidos, que, desde a fundação da Organização Mundial do Comércio, vinham buscando expandir suas relações comerciais com o resto do mundo através, justamente, de instituições globais, como a OMC.

Pequim, no entanto, preferiu propor a referida área de livre comércio com a ASEAN, em 2001, logo após o ingresso da China na OMC. O “Acordo sobre o Comércio de Bens”, assinado, em novembro de 2004, ao final da X Reunião de Cúpula da ASEAN, representou proposta de um “Framework Agreement on Comprehensive Economic Cooperation” entre a ASEAN e a China tendo sido apenas parte de um maior engajamento da RPC na região.

 Em seguida, foi assinada uma “Parceria Estratégica” com aquela sub-região, que incluiu ampla cooperação, nos setores de segurança e político. A China também firmou um “Tratado de Amizade e Cooperação, a Declaração sobre a Conduta das Partes do Mar do Sul da China”, em 2002, comprometendo-se a agir com cautela quanto às ilhas em disputa.

A RPC anunciou, também, sua disposição de assinar o Protocolo ao “Treaty of the Southeast Asia Nuclear Weapons-Free Zone (SEANFZ)” que as nações do Sudeste Asiático reivindicavam havia tempo. Tal decisão colocaria a China favoravelmente na região, em comparação com a determinação dos EUA de não aceitarem igual compromisso de manter o Sudeste Asiático livre do trânsito de armas nucleares.

Um dos principais traços da política externa da China, naquele momento, foi sua maior aceitação do multilateralismo como instrumento para assegurar crescimento e segurança, aderindo, nessa perspectiva a instituições internacionais e regionais. A RPC passou a participar ativamente de mecanismos institucionais inovadores na Ásia oriental, bem como patrocinou novas alianças na Ásia Central. O “ASEAN Regional Forum”, o “Shanghai Cooperation Organization” [8] e o “Boao Forum” [9] têm atuado como fóruns para ressaltar as preocupações chinesas com seu “Novo Conceito de Segurança”.

Nestas ocasiões, a China tem adotado a prática consagrada pela ASEAN de não identificar “uma terceira parte” como o inimigo. Pelo contrário, procura-se valorizar a ideia de que não se tem em vista um adversário definido. Busca-se, então, resolver problemas comuns de acordo com um “Asian way”, que implica em tomar decisões por consenso, com informalidade e voluntarismo – sempre com um “jeito ASEANista”.

Da mesma forma, Pequim tem também advogado crescente cooperação política, econômica e tecnológica, para fortalecer as relações entre a China e os países ao Sul de suas fronteiras.

Mas, da mesma forma que aconteceu com a ascensão de outras potências, na História recente, iria a emergência da RPC ameaçar sua vizinhança ou causar instabilidade mundial?

 Pequim tem reiterado o discurso de que toda está evolução aconteceria pacificamente e em sintonia com a maior inserção do país na Ásia Oriental, que se beneficiaria, como um todo, a exemplo do acontecido, no século XIV, quando o já citado Alm. Zheng He (vide artigo anterior) difundia a cultura chinesa junto às nações da “Nanyang”.

Seria, assim, inevitável que a “equação 10+3” evoluiria, da soma dos mercados do Sudeste e do Nordeste da Ásia, para mecanismo institucional que permitiria, inicialmente os membros da ASEAN mais a China e, em seguida o Japão e a Coréia do Sul, venham a desenvolver uma “Comunidade da Ásia Oriental”.

Existe, contudo, ampla bibliografia atual a contestar a tese de que estaria em curso um “peaceful rise of China”. Para estes setores de opinião, a emergência econômica e política chinesa teriam, como resultado, por exemplo, intensa disputa por recursos energéticos com os Estados Unidos e Japão. Haveria, também, a concorrência acirrada da RPC, com outros países em desenvolvimento, por investimentos externos. Tendo em conta, ainda, o crescente poderio militar chinês, resultante de seu programa de modernização das forças armadas, seriam inevitáveis conflitos intra e extrarregionais.

Nestas duas partes de reflexão sobre “ascensão pacífica e harmoniosa da China”, procurou-se, então, demonstrar que, no século XV, a China desempenhava papel dominante no Sudeste Asiático e servia como fonte de inspiração para a organização política de nações naquela região. Tal esquema foi desestruturado a partir da chegada dos europeus ao continente asiático, no século XIX, e rompido após a Revolução de 1949 e o início da Guerra Fria.

Com o começo do processo de modernização da RPC, na década de 1970, e o término do período de bipolaridade mundial, na de 1990, criaram-se condições para o ressurgimento, no âmbito das relações entre a China e o Sudeste Asiático, de processo de cooperação, que tivesse como base de sustentação um conjunto de valores culturais chineses compartilhados. Novas modalidades regionais de integração foram criadas, em oposição às estruturas de confrontação herdadas da Guerra Fria.

Recentemente, tem-se verificado que experiência histórica regional, em termos de estender ao máximo o fator estabilizador provocado pelos interesses comerciais entre os países do Sudeste Asiático mais os do Nordeste daquele continente, contribuiu para consolidar vínculos entre os mercados dos dez países membros da ASEAN e os da China, Japão e Coréia do Sul, no processo que vem sendo conhecido de 10+3.

Ademais, este longo período de convivência e laços culturais milenares contribuíram para evitar que a confrontação ideológica da Guerra Fria chegasse a ponto de não reversão, favorecendo também a tendência atual no sentido de criação de uma comunidade da Ásia Oriental. Assim, a moldura de laços políticos ora existentes facilita a identificação de interesses compartilhados por Pequim e capitais do Sudeste Asiático, a serem consolidados em pauta de temas internacionais.

Artigos seguintes farão considerações adicionais sobre o impacto da ascensão chinesa, em outras regiões asiáticas.

 

 

Notas: 

[1] “National University of Singapore”, 1988, pag. 1 e seguintes.

[2] A “Southeast Asia Treaty Organization”(SEATO)  foi fundada, em 1954, logo após a retirada da França do Sudeste Asiático. Com o objetivo de conter “a expansão comunista naquela região e foi integrada pelos Estados Unidos, Austrália, França, Grã-Bretanha, Nova Zelândia, Paquistão, Filipinas e Tailândia”. Com sede em Bangkok, a Organização teve como principal objetivo legitimar a presença militar dos EUA no Vietnam, apesar da oposição francesa e paquistanesa. Foi extinta em 1977.

[3]  A respeito do processo de reaproximação entre a RPC e os EUA, vide “China’s Foreign Relations since 1949”, por Alan Lawrence, Routledge & Kegan Paul. London and Boston 1975. Parte VI. Pag 207 e seguintes.

[4] Sobre a reação chinesa quanto à criação da ASEAN, o ISIS da Malásia publicou diversos estudos, entre eles, na “ASEAN Series”, o intitulado “Southeast Asia as a Nuclear-Weapons-Free-Zone”, por J. Soedjati Djiwandono, em 1986. Pag. 5 a 7.

[5] O texto da Declaração de Kuala Lumpur, em 1971, pode ser encontrado, entre outras publicações, no Anexo “E” de “Understanding ASEAN”, editado por Alison Broinnowski, publicado por “The Macmillan Press Ltd. 1983”.

[6] Além dos cinco países fundadores, já citados, ingressaram na ASEAN: Brunei, em 1984; Vietnã, em 1995; Laos, em 1997; Myammar, em 1997; e Camboja, em 1999.

[7] Vide artigo de Kuik Cheng-Ghwee “Multilaralism in China’s ASEAN Policy: Its Evolution, Characteristics, and Aspirations” em “Contemporary Southeast Asia, 27, nr 1, 2005, pag. 102-22.

[8] A respeito da Organização para a Cooperação de Xangai, vide www.sectsco.org.

[9] A respeito do “Boao Forum for Asia”, vide www.boao.ce.cn/english

 

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Sucessos e fracassos da diplomacia brasileira: uma visão histórica (2009) - Paulo Roberto de Almeida

 Um texto de 2009 que talvez ainda tenha alguma validade 15 anos depois de escrito:

Sucessos e fracassos da diplomacia brasileira: uma visão histórica 
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 17 maio 2009, 4 p. 
 
Meridiano 47, Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais (Brasília: IBRI; ISSN: 1518-1219; n. 113, Dezembro/2009, p. 3-5). 

Numa apresentação feita na quarta conferência de instituições para o estudo científico das relações internacionais, realizada em Copenhagen, em junho de 1931, o já renomado historiador britânico Arnold Toynbee relacionava o que lhe pareciam ser sucessos e fracassos da diplomacia multilateral e das relações mantidas no plano internacional pelas grandes potências, desde que a paz tinha sido restabelecida, doze anos antes, na sequência da mais devastadora das guerras que a humanidade tinha conhecido até então. Entre os primeiros ele relacionava a própria criação da Liga das Nações, o tratado de Paris de renúncia da guerra como instrumento de política nacional (também conhecido como pacto Briand-Kellog), a Corte Internacional de Justiça e a Conferência Mundial do Desarmamento, que deveria começar o seu trabalho alguns meses mais à frente. 
Dentre os fracassos, ele relacionava: a recusa do Senado americano de ratificar o ato de criação da Liga, a rejeição desta última pelo governo soviético, as dificuldades para a plena incorporação da Alemanha ao cenário estratégico do pósguerra e o duplo insucesso do Protocolo de Genebra para a solução pacífica das controvérsias internacionais e da conferência tripartite (EUA-Reino Unido-Japão) para a redução dos armamentos navais (Arnold J. Toynbee, “World Sovereignty and World Culture: the trend of international affairs since the War”, Pacif Affairs, vol. IV, n. 9, setembro 1931, p. 753-778).  
Toynbee registrava os grandes progressos feitos no plano econômico, mas lamentava os atrasos no âmbito da política, cuja característica mais importante era para ele o ‘estado de anarquia’, não muito diferente da situação em que se encontrava o Ocidente, no final da Idade Média. Um julgamento contemporâneo talvez não chegasse a conclusões muito distintas das de Toynbee, quase oitenta anos depois daquele seu diagnóstico otimista quanto à globalização – que ele chamava de “unificação econômica do mundo” – e das perspectivas relativamente pessimistas que ele denotava no plano da política internacional. Pode-se, em todo caso, retomar sua metodologia para analisar os sucessos e os fracassos da diplomacia brasileira nos planos regional, hemisférico e multilateral, com base numa visão de longo prazo.  Quais seriam, numa visão sintética, os grandes sucessos e os possíveis fracassos da diplomacia brasileira ao longo de seus quase dois séculos de existência continuada? Pode-se dizer, inclusive, que ela tem início, no plano exclusivamente locacional, em 1808, posto que seus primeiros passos serão dados no bojo da secular diplomacia lusitana, que então passa a formular sua agenda e a defender os interesses da Coroa portuguesa a partir do território brasileiro. A primeira diplomacia brasileira herda várias boas qualidades da diplomacia portuguesa, a começar pela memória de seus excelentes arquivos, a habilidade em defender os interesses nacionais num quadro internacional dominado por grandes potências e o cuidado em selecionar as melhores capacidades para a representar no exterior. Justamente, no momento da consolidação da independência, pode-se dizer que a diplomacia brasileira alcança seus primeiros sucessos ao obter o reconhecimento de várias nações importantes à época, a começar pelos Estados Unidos, ainda que parte do resultado tenha sido devido a compromissos e assunção de obrigações (pagamento a D. João VI, incorporação do empréstimo português feito pela Grã-Bretanha e a herança dos tratados desiguais concluídos entre esta e Portugal, que amarraram o Brasil até 1844, pelo menos). Mais para o final do século 19 e o início do seguinte, o Barão do Rio Branco concluiria o trabalho de consolidação do território brasileiro, iniciado ainda na era colonial, com a participação de brilhantes diplomatas brasileiros como Alexandre de Gusmão, ao negociar diretamente ou ao conduzir a defesa dos interesses nacionais em processos de arbitragem, os limites fronteiriços ainda pendentes com os vizinhos imediatos. Precavido, ele chegou inclusive a traçar os princípios pelos quais se estabeleceriam as fronteiras com o Equador, se este país não tivesse tido suas pretensões amazônicas diminuídas pela Colômbia e pelo Peru.  Ainda no século 19, um dos nossos maiores contenciosos diplomáticos foi a questão do tráfico escravo, a partir das pressões inglesas para o seu término e a recusa obstinada dos escravistas brasileiros em atender essas demandas (já garantidas num acordo bilateral de Portugal com a Grã-Bretanha, no quadro do Congresso de Viena, e novamente aceitas pelo Brasil no momento da independência, prometido o seu final para 1831, ‘para inglês ver’). José Bonifácio tinha sido derrotado em suas propostas constituintes (1823) para substituir o tráfico pela imigração de agricultores europeus, num prelúdio para a abolição da escravidão; mas desde o início dos anos 1840 a diplomacia brasileira teve de enfrentar, sem sucesso, a arrogância inglesa, que desrespeitava nossa soberania sobre o mar territorial e impunha humilhações ao Brasil que os ingleses não tinham coragem de repetir nas relações com os Estados Unidos. Pode-se registrar que nossa imagem de ‘país escravocrata’, constatada in loco por Darwin, alimenta desde um século e meio os boletins da mais antiga ONG do mundo, a Anti-Slavery Society, com quem interagiu Joaquim Nabuco, outro derrotado na mesma questão, posto que pretendia não a simples abolição, mas também a reforma agrária e a educação dos negros libertos. Nossa diplomacia conheceu momentos não exatamente gloriosos, ao ter de defender, durante anos a fio, o tráfico e a escravidão nos foros internacionais.  As relações regionais passaram por momentos difíceis, desde o início do século 19 e no decorrer de todo o século 20: pode-se dizer que nossa diplomacia foi bem sucedida ao evitar o isolamento de uma monarquia de estilo e raízes europeias num continente republicano e quase todo hispânico. Mas em algumas ocasiões – lutas contra os caudilhos Rosas, da Argentina, e Solano Lopez, do Paraguai – a diplomacia bastante competente do Império precisou recorrer à força militar para apoiar as teses brasileiras sobre o equilíbrio de poderes nos dois lados do Prata. Na Amazônia, a situação era inversa, posto que o rio corria dentro do território nacional. Ainda assim, foi possível desarmar pretensões estrangeiras quanto à internacionalização de sua navegabilidade, tese que a diplomacia defendia no Prata. De modo geral, a diplomacia foi bem sucedida no relacionamento com os vizinhos e no trato bilateral com o gigante hemisférico. Mas o desejo sempre implícito de uma ‘relação especial’ com o império do Norte, com vistas a reproduzir no continente meridional a sua preeminência setentrional – aliás, em todo o Caribe e até o Panamá – nunca foi aceita em tese e sequer implementada na prática. Essa sensação de copo meio cheio ou meio vazio continua a prevalecer em relação aos projetos de integração regional: as concepções mais flexíveis da diplomacia brasileira enfrentam resistências de alguns vizinhos – que temem o poderio da indústria brasileira – ou então são confrontadas a propostas utópicas de outros líderes, de cunho essencialmente político, cujo único resultado é a substituição do pragmatismo comercialista do Brasil por modelos irrealizáveis no plano da prática. No eixo vertical, a relutância em aceitar um acordo de comércio de âmbito hemisférico, supostamente porque as empresas do império seriam mais competitivas, ou porque este não retrocede substancialmente em seu protecionismo e subvencionismo agrícolas, termina por impor um fracasso diplomático, seja porque os demais vizinhos aceitam acordos de livre comércio com o mesmo império, seja porque a manutenção do status quo nem contribui para ganhos de competitividade das empresas brasileiras, nem salvaguarda os interesses destas últimas nos mercados dos vizinhos sul-americanos.  Por fim, o velho sonho das elites brasileiras – especialmente diplomáticas e militares – de ver o Brasil aceder ao ‘círculo íntimo’ do poder mundial, seja pela incorporação negociada ao clube dos ‘mais iguais’, seja pela detenção do poder nuclear, nunca pode ser concretizada, por razões basicamente internas, não por deficiências de ordem propriamente diplomática. A postura do Brasil sempre foi cooperativa, seja ao honrar seus compromissos financeiros internacionais, seja ao favorecer soluções negociadas para os conflitos entre Estados. Mas esse reconhecimento nunca bastou para converter o Brasil num sócio confiável aos olhos das grandes potências da Liga das Nações e, atualmente, do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ou seja, não basta a promoção do multilateralismo, o respeito ao direito internacional, o pacifismo inerente à nossa diplomacia para elevar o status do Brasil no plano mundial, e isso não tem a ver apenas com nossa postura ambígua no que concerne o protocolo adicional ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear: o que as grandes potências realmente exibem, afinal de contas, é a disposição de coadjuvar sua ação diplomática com a capacidade efetiva de projetar poder real. Para isso são requeridos outros atributos, mas sua aquisição não se dá exclusivamente pela via diplomática.

  Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira, doutor em ciências sociais e autor do livro O Estudo das Relações Internacionais do Brasil (Brasília: LGE, 2006). Brasília, 17 maio 2009, 4 p.  Digressões históricas sobre conquistas e frustrações da diplomacia brasileira ao longo de dois séculos. Relação de Publicados n. 944.