"Internacionalização da 'lava jato' abre o mercado da construção para multinacionais"
A abertura das fronteiras nacionais ao comércio, a partir da queda do Muro de Berlim, em 1989, trouxe como consequência a globalização das leis. Tal processo uniformiza as legislações econômicas e criminais, especialmente com relação aos delitos financeiros. E isso explica a internacionalização da operação “lava jato”, que já se espalhou por pelo menos 34 países. Essa é a análise do especialista em Direito Internacional Jorge Nemr, sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados.
Segundo Nemr, um país que quer atrair investimentos estrangeiros deve ter regras semelhantes às das nações de primeiro mundo. Caso contrário, os estrangeiros se sentirão prejudicados na concorrência com os locais, uma vez que também se submetem a leis como a norte-americana Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), que pune condutas praticadas em outros territórios.
A razão desse endurecimento de normas não é moral, e sim econômica, aponta o advogado. Dessa forma, o objetivo de os EUA investigarem empreiteiras envolvidas na “lava jato” seria proteger empresas norte-americanas de concorrência desleal e abrir para elas o mercado da construção brasileiro, historicamente dominado por meia dúzia de companhias familiares.
As apurações internacionais da “lava jato” são facilitadas pelos acordos de cooperação que o Brasil tem com diversos países, avalia o especialista em Direito Penal Maurício Silva Leite, também sócio do Leite, Tosto e Barros. Isso permite que os membros do Ministério Público no Brasil e na Suíça ajam em conjunto para apurar lavagem de dinheiro em contas deste país europeu, algo que está sendo feito, por exemplo, com o presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Leite ressalta que ninguém pode ser condenado pelo mesmo crime em dois países diferentes. Entretanto, um mesmo ato pode gerar punições diferentes em mais de uma nação, explica o advogado, citando que uma conduta pode ser considerada corrupção em uma nação e lavagem de dinheiro em outra.
Em entrevista à ConJur, Nemr e Leite compararam a investigação da “lava jato” nos EUA com a da Fifa, discutiram os impactos da internacionalização da operação para a economia brasileira e explicaram o funcionamento e o alcance do FCPA.
Leia a entrevista:
ConJur – Como os senhores avaliam a internacionalização da operação “lava jato”?
Mauricio Silva Leite – É uma situação inevitável. A gente já tem conhecimento de iniciativas concretas das autoridades estrangeiras de alguns países que têm realizado investigações para apurar alguns fatos que também estão sendo apurados aqui no Brasil.
Jorge Nemr – Na verdade, não existe uma internacionalização da “lava jato”, pois não existe a internacionalização do Direito. A partir do momento que os mercados são abertos com a globalização, eles começam a querer atrair e disputar investimentos, o que acaba levando à globalização das leis. Para poder atrair investidores e investimentos para o Brasil ou seja lá para onde for, você tem que dar a segurança para que esses investidores tenham aqui o mesmo tratamento jurídico e comercial que os locais têm. Não adianta o americano, por exemplo, vir investir no Brasil se lá ele tem o FCPA, se lá ele vai ser preso se sonegar ou não pagar imposto, enquanto no Brasil — estou dando o Brasil como exemplo mas pode ser em qualquer lugar — tem uma legislação em que as empresas teoricamente não sofrem, ou não sofriam no passado, nenhum tipo de consequência legal pelas práticas de corrupção e sonegação. Na verdade o que está ocorrendo hoje é a globalização das leis. Para uma empresa poder, atuar ela tem que pensar global. E isso não se restringe à “lava jato” — a operação zelotes [que investiga corrupção no Carf] está em andamento, tem agora a questão dos Panama Papers, e isso tudo no final vai ser uma questão global.
ConJur – O Ministério Público Federal vem promovendo investigações na Suíça. Vários integrantes do órgão já viajaram para lá, incluindo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para obter documentos e informações. A que crimes os envolvidos na “lava jato” podem responder na Suíça?
Mauricio Silva Leite – Os brasileiros podem responder a processos na Suíça, ou em qualquer outro país, se o ato que praticaram for crime naquele território. Nesses casos envolvendo contas no exterior, quando há suspeita de que o dinheiro provém de corrupção, geralmente há um processo aberto lá fora por lavagem de dinheiro, porque o crime antecedente que deu a origem ilícita aos recursos foi praticado no Brasil e foi realizada uma manobra financeira para ocultar essa origem ilícita dos valores.
Jorge Nemr – Vamos dizer que uma empresa ou uma pessoa física tenha conta na Suíça em dólares. A grande pergunta é: “Como esse dinheiro chegou à Suíça?” “Como foi feito esse depósito?”. Normalmente, toda compensação em dólares é feita pelos EUA, é feita em Nova York pelos bancos locais, e como esse dinheiro passou pelos EUA, eles também podem, em paralelo com a Suíça, abrir uma investigação pelo mesmo motivo da lavagem de dinheiro. Então, nesse caso concreto, há o risco de alguém ser processado em três locais: Brasil, Suíça e EUA por lavagem de dinheiro e corrupção.
ConJur – Uma pessoa pode ser condenada pelo mesmo crime em dois países ou mais?
Mauricio Silva Leite – É possível ser condenado pelo mesmo ato em dois países diferentes, mas não pelo mesmo crime. Temos exemplos de casos em que a pessoa está sendo processada aqui no Brasil por corrupção e em outros países por lavagem de dinheiro. Na verdade, nós não estamos tratando do mesmo fato, porque esses dois crimes ocorrem em momentos distintos. O crime antecedente seria o crime de corrupção, e a lavagem de dinheiro seria o momento posterior em que se faz uma manobra financeira com o intuito de ocultar aquela origem ilícita dos valores. Nós estamos tratando de momentos distintos e de condutas distintas, mas é possível, sim, que a pessoa seja condenada em mais de um país, desde que o fato seja considerado crime nos dois lugares.
ConJur – Por enquanto, não foi revelado na “lava jato” nenhum crime ocorrido nos EUA. Até onde a justiça dos EUA pode alcançar?
Mauricio Silva Leite – São duas hipóteses que podem justificar a jurisdição norte-americana. Uma delas: que a empresa tenha ações negociadas na bolsa de Nova York. O FCPA autoriza os EUA a processar qualquer companhia ou executivo que tenha praticado um ato em benefício de uma empresa que tenha ações negociadas nos EUA, mesmo que tal ato tenha sido praticado no Brasil ou em outro país. A outra hipótese envolve lavagem de dinheiro. Qualquer operação que tenha passado pelo sistema financeiro norte-americano pode justificar a abertura de uma investigação lá e o processamento de um estrangeiro no país.
Jorge Nemr – Tem mais alguns casos em que eles costumam justificar sua competência, eles chamam isso de the long arm of Justice. Por exemplo, às vezes a competência é atraída pelo fato de a empresa ter uma filial nos EUA, uma subsidiária, um escritório de representação. Muitas vezes, o mero fato de haver um servidor baseado nos EUA ou de uma reunião ter sido feita lá já serve de justificativa. Na cabeça dos norte-americanos, eles são quase que como a polícia do mundo, essa é a grande verdade. Então, qualquer coisa relacionada a eles justifica sua jurisdição, e para eles é o suficiente para abrir algum tipo de investigação.
ConJur – Empresas envolvidas na “lava jato” que têm ações na Bolsa de Nova York, como a Petrobras, a Eletrobras e a Braskem, podem responder na Justiça norte-americana mesmo que os fatos pelos quais elas estão sendo investigadas tenham ocorrido apenas no Brasil?
Jorge Nemr – Sim. Além do FCPA, há a proteção aos investidores norte-americanos. Há uma crítica de que muitos desses processos acabam em acordo, e nem chegam a ir a julgamento, o que dá a impressão de que o crime compensa. Mas isso não é verdade. O que acontece é que você pega o Department of Justice, que investiga crimes financeiros, white collar crimes, mas também vai atrás de terroristas, traficantes, pedófilos, vai atrás de outros crimes que são muito mais perigosos e muito mais danosos aos EUA e ao mundo do que os financeiros. Acontece que os orçamentos são restritos. Muitas vezes, não interessa a eles colocar tanto esforço ou ir até o julgamento em um crime de colarinho branco onde é possível fazer algum acordo, receber um valor, que pode ser usado pelo Department of Justicepara ir atrás dos terroristas, por exemplo. Aí você tem a questão de disputa de mercado, própria do capitalismo, de cada um querer proteger as suas empresas. Isso acaba sendo usado em benefício da economia do país, e, para eles, tudo justifica essa proteção. O FCPA é uma lei da década de 1970, mas só começou a ser realmente usado pelos EUA após a crise econômica de 2008. Foi uma forma de ajudar as empresas locais. A diferença do Brasil e dos EUA é que no Brasil o privado trabalha para o público, e nos EUA o público trabalha para o privado.
ConJur – O “braço longo da justiça norte-americana” do FCPA não viola o princípio da territorialidade do Direito Penal e a soberania dos países?
Mauricio Silva Leite – Existem algumas discussões sobre esse aspecto, mas isso não elimina a possibilidade de ter uma investigação e de ser processado.
Jorge Nemr – Pense o seguinte: às vezes é mais barato fazer um acordo, mesmo com o governo norte-americano estando errado, do que ficar brigando, pagando um advogado nos EUA, indo constantemente para lá. E fora os danos de imagem que você sofre com o processo por causa da repercussão na imprensa.
ConJur – Já houve algum movimento de outros países para questionar o FCPA?
Jorge Nemr – Não, porque questionar essa norma é um completamente imoral. Alguém vai questionar que você não pode corromper funcionário público? Abertamente, esse questionamento nunca foi feito. Quando os EUA editaram o FCPA, na década de 70, havia muitas concorrências públicas de grandes projetos de infraestrutura, grandes vendas de equipamentos de defesa, em países da África e do Oriente Médio governados por ditadores. Aí os EUA editaram o FCPA proibindo que as empresas norte-americanas corrompessem funcionários públicos no mundo inteiro. Mas havia vários outros governos participando dessas mesmas concorrências, e eles podiam colocar o suborno no balanço das empresas. Então, os EUA deram um tiro no pé com o FCPA, porque começaram a perder muito mercado por causa dessa lei. O que eles iam fazer? Não dava para revogar uma lei dessas. Foi aí onde eles começaram uma cruzada na OCDE e na ONU para que os outros países adotassem a mesma lei. É aquilo que eu falei no começo: é preciso dar um campo de competição igual para todo mundo. Se os EUA não podem corromper, os outros países também não podem. E isso é o certo, senão vira festa.
ConJur – Como os senhores avaliam a influência do FCPA nas outras leis anticorrupção de outros países?
Mauricio Silva Leite – A influência é muito positiva. Padronizar as legislações anticorrupção no mundo é algo extremamente saudável. Só tenho ressalvas a um ponto dessa padronização, que é pegar uma legislação dos EUA e simplesmente colocar aqui. Estamos falando de sistemas jurídicos distintos. Certas coisas podem ser feitas à luz da lei americana e não da lei brasileira. Por exemplo, nos EUA é possível fazer acordo em matéria penal. No Brasil não se pode fazer acordo em matéria penal do tipo “não vou te processar e você me paga uma multa”. Existem alguns institutos desse tipo, como a delação premiada. O Ministério Público brasileiro não pode cobrar uma quantia a título de multa e deixar de processar alguém, algo que é permitido nos EUA.
ConJur – Como funcionam os processos de validação de provas obtidas no exterior? É preciso que o Brasil tenha acordo com o país onde foram produzidas as provas para que elas possam ser usadas por aqui?
Mauricio Silva Leite – Com os EUA existe acordo, o qual segue um trajeto de troca de informações muito rápido, que é o Mutual Legal Assistance Treaty. Nele está previsto que, mediante a simples solicitação da autoridade central, que varia de país para país, o outro país, cumpridos os requisitos do acordo, deve entregar a informação, e ela pode ser utilizada no país que a requisitou. Isso vai ser uma tendência em quase todos os países, e não só em matéria penal. Recentemente, o Brasil assinou com os EUA um acordo para troca de informações em matéria fiscal. Com a Suíça existe acordo semelhante.
Jorge Nemr – E esses acordos, essa troca de informações, cada vez mais são feitos de forma mais rápida, com menos formalidades. Óbvio, muitas vezes você acaba atropelando um ou outro requisito, mas na grande maioria dos casos ela é feita com muita velocidade e eficiência. A tendência é simplificar essas investigações. A globalização das leis vai acabar globalizando a jurisdição, a atuação dos ministérios públicos, dos juízes.
ConJur – Quais são os paralelos entre essa investigação internacional da “lava jato” e a investigação sobre a Fifa nos EUA?
Jorge Nemr – Um primeiro paralelo é que você vê a questão do combate à corrupção tanto no caso da Fifa quanto na “lava jato”, no Brasil. Tudo bem que o caso da Fifa envolve corrupção privada, não pública, mas lá nos EUA a corrupção privada é crime. Aqui ainda não é, mas isso precisa ser revisto e regulamentado, e logo o Brasil vai caminhar nesse sentido. Mas quando falamos de corrupção, falamos de um campo de competição com oportunidades iguais para todo mundo, para todos os players. Tanto no caso da Fifa quanto na “lava jato” há um grupo pequeno de empresas beneficiadas e a grande maioria fica excluída. A “lava jato” começou com a acusação de que havia na Petrobras meia dúzia de empresas que controlavam tudo, e a grande maioria das empresas ficava de fora. Por quê? Por causa da corrupção. A Fifa é a mesma coisa. Havia meia dúzia de pessoas controlando um mercado gigantesco, maior do que a soma dos mercados de baseball, basquete e futebol americano, um esporte que hoje é o que mais cresce nos EUA. E aí também, segundo as acusações tinha meia dúzia de cartolas que controlam tudo, e o resto do mundo, principalmente os EUA, não podiam participar. Teve também aquela alegação de que houve corrupção na escolha da Rússia para sediar a Copa do Mundo de 2018. Por causa de um ato ilícito, os EUA deixaram de sediar a Copa do Mundo, e perderam a oportunidade de gerar milhares de empregos e de oportunidades de negócios para as empresas norte-americanas. No final, a questão em ambos os casos é da corrupção impedindo a livre concorrência.
ConJur – Nesse sentido, o senhor acredita que as investigações da “lava jato” nos EUA podem ter por objetivo abrir para as empreiteiras norte-americanas o mercado da construção no Brasil, que é tradicionalmente dominado por poucas empresas familiares?
Jorge Nemr – Esse mercado vai ser aberto de uma forma ou de outra. Não dá para negar que a “lava jato” está abrindo novas oportunidades para quem estava fora do mercado, como as norte-americanas. A própria Petrobras, por causa da investigação da “lava jato” e por sua situação econômica, provavelmente perderá nichos que eram fechados para ela. Então, a “lava jato” realmente está abrindo oportunidades para todo mundo, não só para as norte-americanas. E, de novo, por que esse mercado estava fechado? Por causa da corrupção.
ConJur – Quais serão os efeitos da “lava jato” para a atuação internacional das empresas brasileiras?
Jorge Nemr – As empresas brasileiras que sobreviverem – tanto as que estão firmando acordos de leniência quanto as que não foram envolvidas na “lava jato” – sairão mais fortes. O mercado também vai ficar mais transparente. Tudo isso está fazendo com que as empresas adotem programas de compliance. Isso vai tornar essas empresas mais atraentes a novos investimentos, inclusive a investidores estrangeiros com grande capital. Com isso, as empresas brasileiras estarão mais preparadas para buscar novos mercados, como o africano e o asiático. No final, tudo isso que está acontecendo é extremamente saudável para essas empresas e para a economia.
ConJur – Mas essas acusações de corrupção não podem fechar alguns mercados para essas empresas?
Jorge Nemr – Podem e devem fechar. Mas essas empresas que se envolveram em esquemas de corrupção não vão chegar nem perto de entrar em práticas desse tipo novamente. Isso seria suicídio. Quer dizer, a empresa passa por tudo isso e vai continuar corrompendo? O mundo, a economia global e o mercado financeiro não têm mais espaço para a corrupção. Se a empresa quer ser multinacional, quer ter obra no Brasil, na Argentina, no Oriente Médio, ela não pode mais ser conivente com a corrupção. Não existe mais isso. Passou, é página virada. Se fazia isso antigamente, não pode fazer mais, o mercado não aceita mais.
ConJur – Que efeitos a internacionalização da “lava jato” traz para a macroeconomia do Brasil? Ela pode gerar uma diminuição da nota de crédito do Brasil perante as agências de rating? Pode forçar um aumento na taxa de juros? Pode desvalorizar o real?
Jorge Nemr – Economia e política são coisas distintas, mas que andam em paralelo. Por exemplo, qualquer decisão tomada na OCDE obriga seus membros a implementarem-na em seus países. Isso é o que está acontecendo agora na questão do combate à corrupção. Agora, se o Brasil não implementa essas normas de combate à corrupção, ele não tem mais acesso a financiamento, não tem mais acesso ao FMI, ao Banco Mundial, ao Bird, não tem acesso a investimentos. E tudo prejudica o rating do Brasil. Muitos fundos de investimentos estabelecem que eles só podem aplicar recursos em países ou empresas localizadas em países que têm investment grade AAA, que têm programa de combate à corrupção num determinado nível, que defendam o meio ambiente. Então, quanto mais o Brasil estiver alinhado com essas boas práticas de mercado, mais vai atrair investimentos.
ConJur – A internacionalização da “lava jato” gera efeitos para as relações diplomáticas no Brasil? Se sim, quais?
Jorge Nemr – As relações diplomáticas nada mais são do que cada um querendo defender a sua economia ou as suas empresas. Por que os países se relacionam? Por causa da economia, por causa do comércio. Esse é o grande mote. Por que os EUA resolveram depois de tanto tempo restabelecer relações com Cuba? Por causa da pressão das empresas americanas. As violações de direitos humanos permanecem ocorrendo lá, e todo mundo sabe disso, mas hoje há uma grande pressão das empresas americanas para que os EUA restabeleçam relações com Cuba, é um novo mercado que surgiu. Então de novo, a questão da “lava jato” anda em paralelo com a questão da diplomacia, porque no final a diplomacia tem a ver com comércio e com o capitalismo, tem a ver com relações entre as empresas. O Estado correto é aquele que trabalha em benefício das suas empresas, e uma forma de trabalhar em benefício das suas empresas é através da diplomacia.
ConJur – Houve um desdobramento da “lava jato” em Portugal, quando um operador financeiro que atuava junto à Petrobras foi preso. Como são as normas europeias sobre corrupção? Há uma lei no estilo do FCPA na União Europeia?
Jorge Nemr – Sim. Na Inglaterra, por exemplo, há o UK Bribery Act, que é como se fosse o FCPA. A União Europeia e os EUA estão muito alinhados nessa questão de combate à corrupção por causa da OCDE e da ONU. Eles estão muito mais avançados que o Brasil nesse aspecto. Mas essa prisão do operador em Portugal é mais relacionada aos tratados que o país tem com o Brasil.
ConJur – Em que outros países pode haver desdobramentos da “lava jato”?
Jorge Nemr – Teoricamente, em Portugal e outros países da União Europeia onde haja atuação de empresas envolvidas na “lava jato”, e não só brasileiras, porque há empresas multinacionais, como as empresas de óleo e gás da Noruega, da Suécia e da Holanda que foram investigadas aqui e que acabaram tendo um desdobramento nesses países. Se você entrar no site da SBM, ela fechou um acordo com as autoridades norueguesas onde admite ou diz que existem fortes suspeitas de que tenha praticado crime de corrupção no Brasil. Qualquer país que tenha uma lei anticorrupção de funcionário público estrangeiro nos moldes do FCPA, nos moldes da que o Brasil tem, nos moldes da que Inglaterra tem, pode ter desdobramentos da “lava jato”. É óbvio que vai depender muito do interesse desse país, de qual o tamanho dessa atividade, de qual o tamanho do caso que foi feito, qual o tamanho do suposto crime. E isso vale para os EUA. Os EUA já estão investigando empresas relacionadas com a “lava jato”, mas isso não quer dizer que todas as empresas envolvidas na operação que tenham algum eventual relacionamento com os EUA vão ser processadas no país. Primeiro pelo respeito ao trabalho que está sendo feito no Brasil. A competência originária é a de onde o crime foi praticado, ou seja, do Brasil. Se o Brasil está investigando, eles não vão pegar todas as empresas que foram condenadas para condenar lá também. Eles vão fazer, sim, nas maiores empresas, nas que tenham um relacionamento direto e um poder de abrangência econômica bem maior, como, por exemplo, uma Petrobras. Hoje em dia, todas as ações de uma empresa devem ser pensadas de forma global. Tem que pensar o seguinte “o que pode acontecer comigo aqui e o que pode acontecer comigo lá fora?”. Essa é a grande questão que as empresas precisam responder antes de agir.