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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Relacoes internacionais do Brasil: 5 pontos essenciais para as eleicoes presidenciais de 2018 - Paulo Roberto de Almeida

Estas são as notas que havia elaborado previamente à entrevista concedida a jornalista do Instituto Millenium sobre possíveis temas eleitorais, mas que não utilizei na gravação, a não ser por defender ideias, digamos assim, "similares" às que vão aqui expostas. A leitura deste texto não dispensa, portanto, uma audição da gravação feita, que está disponível nas coordenadas abaixo: 

Relações internacionais do Brasil: 5 pontos essenciais para as eleições presidenciais de 2018

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: Entrevista em formato de podcast para o Instituto Millenium; finalidade: abordar questões de política externa relevantes nas eleições de 2018]


Introdução: a baixa incidência relativa das relações externas nas eleições de 2018
As relações internacionais do Brasil, à diferença talvez de ocasiões anteriores, não deverão assumir papel relevante na campanha presidencial e nos debates eleitorais em 2018, uma vez que não existem grandes crises que afetem o Brasil ou que tenham uma interface externa, como podem ter sido, por exemplo, o problema da dívida externa e dos acordos com o Fundo Monetário Internacional em ocasiões passadas. Ainda em 2002, para relembrar uma dessas ocasiões, o Partido dos Trabalhadores, junto com os chamados movimentos sociais, organizava manifestações, petições, plebiscitos contra o pagamento da dívida externa, contra o projeto americano de um acordo comercial hemisférico, a Alca, Área de Livre Comércio das Américas, assim como se manifestava de maneira geral contra supostas ameaças vindas dos investimentos diretos estrangeiros em setores considerados estratégicos pela esquerda brasileira.
Tudo isso ficou para trás agora, como a própria ameaça de uma suposta “crise internacional”, já amplamente superada em 2014, para justificar a deterioração da situação econômica brasileira, amplamente provocada pela gestão inepta e corrupta do mesmo Partido dos Trabalhadores nas eleições presidências daquele ano. A tremenda crise que o Brasil viveu entre 2015 e 2017, e que ainda exerce seus efeitos devastadores em termos do número de desempregados – mais de 13 milhões, sem falar do tradicional subemprego e dos já excluídos do mercado de trabalho –, essa crise que eu chamo de A Grande Destruição lulopetista da economia – depois da Grande Depressão dos anos 1930 e da Grande Recessão de 2008 – foi inteiramente fabricada no Brasil, mas os companheiros ainda tentavam atribuir seus efeitos a uma não existente crise internacional, totalmente inventada por uma propaganda distorcida.
Atualmente, a despeito do baixo crescimento europeu, a maior parte das economias nacionais vem crescendo a taxas satisfatórias, com destaque para países da Ásia Pacífico e mesmo para alguns vizinhos latino-americanos, que resolveram se integrar à economia mundial, como são, por exemplo, os membros da Aliança do Pacífico. O Brasil, infelizmente, vai demorar algum tempo para retomar taxas adequadas de crescimento econômico, em função dos problemas acumulados pela gestão incompetente do PT nos dez anos que vão de 2006 a 2016.
Não há, portanto, grandes culpas a atribuir à situação econômica internacional pelas nossas dificuldades presentes, o que deve deslocar o debate eleitoral para os problemas já detectados nos últimos dois anos, e que ainda demandam equacionamento adequado: a grave crise fiscal, as reformas estruturais não feitas, entre elas, em primeiro lugar, a da Previdência, uma rebaixa dos níveis extorsivos de tributação, a continuidade dos programas de redução das despesas públicas, excessivas e justamente responsáveis pelos desajustes atuais, na União e nos estados, assim como a melhoria dos péssimos indicadores de desempenho educacional, o principal fator que incide sobre os níveis de produtividade, notoriamente baixos no caso do Brasil.
Ainda assim, existem diversos pontos das relações internacionais do Brasil que podem ser suscitados na campanha eleitoral e que vale a pena abordar ainda que de maneira sintética, pois deles dependem um melhor desempenho econômico do país, capazes de contribuir para o emprego, para o crescimento, para o aumento da renda e para uma maior inserção internacional do Brasil. Vamos a eles.

1. Abertura econômica internacional e liberalização comercial
A primeira tarefa de uma política externa renovada, e consequentemente também a de sua diplomacia profissional, é a de contribuir para um processo de crescimento sustentado da produtividade na economia, pela redução do custo do capital e pelo aperfeiçoamento do capital humano, os dois elementos mais importantes da produtividade total de fatores, junto com as demais externalidades positivas que cabe ao Estado prover de forma eficiente.
A melhor maneira que eu vejo de atingir esses objetivos passa por uma abertura econômica ampla e pela liberalização comercial, ou seja, um acolhimento mais dinâmico de investimentos diretos estrangeiros e a redução de nossa ainda alta proteção tarifária. Ambas medidas constituem, essencialmente, decisões de política doméstica, bem mais do que de política externa, que pode porém auxiliar na implementação desses dois objetivos maiores. Mas a maneira de fazê-lo é necessariamente uma tarefa de política interna, tanto por razões estruturais quanto conjunturais, e é fácil identificar as razões.
O Brasil é hoje um país introvertido, o mais fechado do G-20, o grupo de nações economicamente mais importantes do mundo, que todas possuem coeficientes de abertura externa bem superiores ao exibido pelo Brasil. Ou seja, somos nós que estamos errados, não os outros, ao manter restrições ao capital estrangeiro e barreiras muito elevadas contra as importações. Grande parte de pequenos e grandes contrabandos, em nível individual ou já como obra de grupos criminosos, se deve, na verdade, ao enorme protecionismo comercial praticado pelo Brasil. Somos nós que somos fechamos ao mundo, somos nós que condenamos o povo a consumir produtos caros e de baixa qualidade, somos nós que obrigamos nossos empresários a se abastecer internamente a custos bem mais altos, o que os torna pouco competitivos externamente e que justamente redundou nessa desindustrialização precoce a que assistimos sob o desastroso regime econômico do lulopetismo, e que nos levou à maior recessão de toda a nossa história. Em resumo, somos estruturalmente, sistemicamente protecionistas e o mundo não tem absolutamente nada a ver com isso.
Temos, portanto, de corrigir isso, o que implica, obviamente tratar da questão da nossa incorporação às chamadas cadeias globais de valor, o fenômeno característico do atual estágio das relações econômicas internacionais. Todos os economistas sabem, mas os empresários também, que a maior parte do comércio internacional não se dá em nível de produtos acabados, mas sim com base em partes e peças, acessórios, bens e insumos intermediários, muitas vezes transacionados entre filiais das mesmas empresas, ou entre companhias associadas, componentes diversos fabricados nos mais diferentes países que depois são assemblados naquele que apresenta as melhores condições para sua fase final, com base na mão-de-obra ou na automação (mas as duas estão intimamente ligadas atualmente), que é a confecção última antes de se lançar o produto no mercado.
O Brasil está singularmente ausente dessas cadeias de valor, como existem hoje disseminadas em quase todos os continentes, com destaque para o Atlântico Norte e, crescentemente para a bacia do Pacífico, ou seja a Ásia oriental e a costa pacífica do hemisfério americano. A esse respeito, as políticas setoriais da gestão lulopetista entre 2003 e 2016 foram singularmente desastrosas, típicas reproduções do que já era inadequado em décadas passadas, que foram as políticas substitutivas de importações, tal como preconizadas pelo pessoal da velha Cepal e ainda hoje, pasmem, por certos economistas da UniCamp. Essas políticas, industriais e comerciais, se baseavam na proteção comercial das indústrias nacionais, no pesado apoio dado pelo Estado às empresas já instaladas no país – ainda que fossem estrangeiras, como as montadoras de automóveis – e em diversos outros mecanismos fiscais e financeiros de apoio e de generosos subsídios. Foi o caso, por exemplo, do Inovar-Auto, da dupla Guido Mantega-Fernando Pimentel, um típico exemplo daquilo que eu chamo de stalinismo industrial, ou seja, a tentativa ilusória de tentar fazer uma indústria de automóveis num circuito fechado ao próprio Brasil e os sócios do Mercosul.
Além de totalmente equivocada em suas concepções e efeitos práticos, essa medida ainda infringiu compromissos internacionais do Brasil no âmbito da OMC, em função dos quais o Brasil foi condenado no sistema de solução de controvérsias dessa organização, tendo de modificar vários pontos de sua legislação discriminatória. O governo ainda não anunciou como será o sistema substitutivo ao censurado pela OMC, mas minha postura é a de que políticas setoriais devem, não apenas serem o máximo possível homogêneas e universais – ou seja, sem beneficiar exclusivamente um ramo ou outro – mas também conformes a nossas obrigações internacionais.
Quanto ao método de se efetuar essa abertura econômica e essa liberalização comercial, muitos recomendam negociações externas com parceiros comerciais do Brasil, novos ou velhos, no plano multilateral ou regional, eventualmente bilateral. Eu diria que não vejo muito espaço, atualmente, para grandes negociações externas, uma vez que existe um retraimento no plano multilateral, depois do fracasso quase completo da Rodada Doha da OMC, compensado por um avanço nos arranjos minilateralistas, nos planos plurilateral e bilateral. Mas este é um caminho praticamente barrado para os membros do Mercosul, que se encontram ainda na etapa já superada do simples acesso a mercados, quando a maior parte dos países e dos blocos já se encontram envolvidos em acordos de segunda ou de terceira geração. Cabe ainda reconhecer a baixa disposição dos países do Mercosul e dos membros da União Europeia em oferecer reais concessões, mesmo em acesso a mercados, quando se constata o insucesso repetido das diversas fases do longuíssimo processo de negociações birregionais UE-Mercosul.
Esse cenário pouco propenso a barganhas negociadoras recomendaria, portanto, uma medida bem mais simples: a abertura unilateral, ou seja, a redução não negociada das nossas próprias tarifas aduaneiras, que muitos acusariam ser uma concessão sem barganha, o que me parece rematada bobagem. Cabe relembrar, se as pessoas ainda não sabem, que as tarifas são punições contra o nosso próprio bolso, pois somos nós que pagamos, não os exportadores, assim como é um completo absurdo a aplicação de PIS-Cofins sobre as importações, quando produtos importados não têm absolutamente nada a ver o financiamento da seguridade social nacional.
Tudo isso, ou seja, a imposição de tarifas aduaneiras proibitivas – ou seja, a continuação da substituição de importação do passado – e a extensão do PIS-Cofins a produtos importados – que os industriais brasileiros consideram ser apenas uma equalização das condições de concorrência, quando essa medida deveria ser considerada inconstitucional – ocorre porque os empresários nacionais afirmam não poder concorrer com a produção importada pois a carga tributária no Brasil é excessiva. Isso é mais um absurdo: se os industriais nacionais consideram que não podem concorrer com produtos estrangeiros isentos de tributação deveria lutar pela extinção da tributação extorsiva, não impor as mesmas condições aos bens importados, tornando-os mais caros aos consumidores nacionais.
Em outros termos, nessa e em outras áreas da economia nacional, o ambiente de negócios no Brasil se encontra completamente deformado, e é preciso mudar isso de forma urgente, pois os industriais brasileiros vêm perdendo mercados estrangeiros e nichos de mercado no próprio Brasil.

2. O problema do Mercosul e da integração regional na América do Sul
O Mercosul, de 2003 a 2016, deixou de ser uma ferramenta para a inserção internacional do Brasil, tal como tinha sido concebido no início dos anos 1990, e tornou-se um problema triplo: diplomático, econômico e de política comercial. Os desvios quanto aos objetivos do TA, detectados ainda na fase 1995-1999, foram ampliados depois da crise argentina, e tremendamente potencializados pelo curso errático das políticas adotadas pelas administrações Kirchner e Lula a partir de 2003. O tripé essencial para a continuidade do bloco – liberalização comercial para dentro, política comercial unificada para fora e coordenação de políticas macro e setoriais – foi totalmente desvirtuado a partir daquela época, em favor de uma politização indevida das instituições próprias ao bloco, seguindo-se uma verdadeira anarquia institucional.
No campo das negociações externas, ocorreu um desastre incomensurável, ao se adotar uma postura defensiva baseada no mínimo denominador comum, que passou a ser o protecionismo ordinário argentino. A implosão ideológica da Alca e a crença ingênua num acordo com a UE foram dois passos irrefletidos no caminho da insensatez. Nada avançou a partir de então, a não ser acordos ridículos na dimensão Sul-Sul, e um com Israel, apenas para compensação visual. Não estranha, assim, que vizinhos mais sensatos tenham procurado suas próprias soluções para comércio e investimentos, ao negociar acordos com os EUA, com a UE e outros parceiros, e ao adotar seus próprios esquemas de liberalização real dos fluxos comerciais (Aliança do Pacífico), já pensando na grande integração produtiva que terá seu centro na bacia do Pacífico e até no Índico, reunindo todos os grandes atores do comércio internacional (dos EUA à Austrália e NZ, e toda a Ásia Pacífico integrada na globalização). Brasil e Mercosul estão totalmente ausentes desse novo universo absolutamente central da atual e futura economia mundial.
Pior ainda foi a expansão indevida, totalmente política, do Mercosul em direção de vizinhos pouco propensos a adotar os mecanismos básicos da união aduaneira tal como definida em 1991 e supostamente implementada (com defeitos) em 1995. O ingresso desastroso da Venezuela, a suspensão ilegal do Paraguai, a abertura apressada e injustificada a parceiros incapazes de cumprir os requisitos básicos do TA e do POP (como Bolívia, Equador, talvez Suriname) não apenas não retificam o que foi feito de errado no Mercosul, como acrescentam novos problemas ao edifício instável do bloco.
Existem diferentes problemas no e do Mercosul, nenhum deles derivado de mecanismos e instituições do próprio bloco, todos eles derivados de políticas, atitudes e comportamentos das administrações nacionais. Os problemas se situam na zona de livre comércio, mas também na união aduaneira. Nem consideramos aqui o problema da Venezuela, que derivou de seu próprio caos econômico: ela sequer deveria ter sido admitida, alias de forma irregular, e também demorou para que ela fosse colocada em quarentena e mantida isolada das negociações externas.
No plano do livre comércio, caberia fazer um mapeamento dos impedimentos práticos à sua total consecução, e isolar esses setores numa espécie de “caixa amarela”, para então começar a discussão sobre seu enquadramento ou dispensa semipermanente. No campo da união aduaneira, caberia, igualmente, contabilizar e identificar os fluxos que são levados ao abrigo e fora da TEC, para um diagnóstico mais detalhado da situação. O mais importante, porém, seria um exercício de exame das políticas comerciais dos quatro membros – uma espécie de TPRM-OMC, adaptado às configurações do bloco – com vistas a ter um panorama real, e realista, sobre todas as políticas nacionais compatíveis e incompatíveis com os objetivos do bloco. Apenas a partir desse diagnóstico mais preciso se poderá partir para o terreno das prescrições de políticas, algumas simplesmente diplomáticas, mas a maior parte dependente de definições nas próprias políticas comerciais e industriais do Brasil (e dos sócios).
Impossível fazer qualquer proposta realista sobre o maior problema diplomático do Brasil sem partir de uma visão muito clara quanto às demais definições de políticas nacionais, no campo econômico, certamente, mas também no das relações com a Argentina e com os demais parceiros prioritários do Brasil (que não são os do Ibas, do Brics, ou fantasias sulistas do gênero, mas), basicamente, EUA, UE, China, Argentina, demais sul-americanos, e todos os demais, nessa ordem. Em síntese, o Mercosul precisaria voltar a ser um componente na estratégia brasileira de inserção internacional na economia mundial, não o problema que ele é hoje. 

3. O problema do Brics: o que fazer com um grupo heterogêneo?
Trata-se, provavelmente, do primeiro agrupamento que surgiu nos anais da diplomacia mundial não por indução interna, mas por sugestão externa. A sugestão não tinha qualquer caráter diplomático, mas se tratava de uma assemblagem de oportunidades visando unicamente altos ganhos para investidores privados, conjunção efetuada sob o signo de uma sigla atraente, que possuía apelo suficiente, do ponto de vista jornalístico, para seduzir até mesmo experientes diplomatas e um ou outro homem de Estado. 
O problema do Brics, para o Brasil, é que ele não deveria existir, pelas “leis naturais” da diplomacia, ou em função dos interesses nacionais do Brasil. O Brasil seria um país suficientemente maduro, pelo menos no que toca sua diplomacia, para atuar em completa independência, sem muletas de qualquer grupo, formal ou de ocasião, no plano multilateral, bilateral, regional. Mas este já é um outro problema, de mentalidade, ou comportamental, que caberia examinar em outro contexto. Vamos ficar no problema do Brics para o Brasil.
A constituição do grupo engaja a responsabilidade internacional do Brasil, enquanto nação respeitada na comunidade de nações. A complicação é dupla: o Brics amarra o Brasil a propostas e iniciativas que não teriam e não têm nada a ver com os seus interesses nacionais, bilaterais, regionais ou multilaterais, com países que diferem amplamente, por suas características, do tipo de ação diplomática que conviria conduzir nesses âmbitos, e em função de agendas que seriam melhor conduzidas em total autonomia de ação, em quaisquer frentes que se possa pensar: na governança mundial, nas questões da paz e da segurança internacional, nos valores humanitários e dos direitos humanos, na gestão dos recursos naturais, nas negociações multilaterais, enfim, num sem número de terrenos.
O Brics não é um problema para o Brasil, que pode manter suas relações com cada um deles mediante canais já testados por sua diplomacia. Mas o Brics representa uma camisa de força que pode comprometer sua margem de ação internacional. Os ganhos aparentes de presença e de visibilidade internacional são claramente ofuscados pela amarras contraditórias que se tem de fazer no contexto do grupo. Um balanço de ganhos e perdas pode comprovar esse diagnóstico.

4. Relações com os países desenvolvidos
Existem muitos desafios nas relações com os países desenvolvidos, quaisquer que sejam eles; mas as oportunidades são ainda maiores. Na última década e meia, sob o lulopetismo, o Brasil se orgulhou de conduzir uma política externa voltada para o Sul. Não consigo imaginar como alguém pode se demonstrar satisfeito com andar com uma perna só, ou usar uma única mão nas tarefas diárias, ou tapar voluntariamente um olho, para conduzir o seu carro assim, de forma caolha. Sempre achei isso uma atitude de restrição unilateral incompreensível,na medida em que, sendo o mundo amplo, diverso e diversificado, não haveria nenhum motivo para se amputar a si próprio, preferindo uma situação de menores escolhas, do que uma outra, totalmente aberta ao leque de oportunidades oferecidas por todos os países do globo, aliás, mais do que um leque, um círculo inteiro de possibilidades de cooperação e de intercâmbio, em total liberdade mental. Os que escolhem usar tal tipo de viseira só podem fazê-lo por preconceito ideológico ou por discriminação política.
Todo determinismo geográfico é, por natureza, contraproducente. Não se poderia esperar, por exemplo, obter o estado da arte em ciência e tecnologia quando se restringem as escolhas a determinados parceiros do globo, ainda que eles sejam chamados de “parceiros estratégicos”.
A primeira inconsequência é justamente a de dividir o mundo entre desenvolvidos e em desenvolvimento, como se duas únicas categorias mentais, dois universos puramente conceituais, fossem capazes de resumir e abranger toda a complexidade e multiplicidade das situações humanas e sociais, num planeta variado que exibe todos os tipos de avanços civilizatórios, um continuum histórico que vai de tribos primitivas a sociedades do conhecimento, baseadas em inteligência artificial. O capital humano nunca teve pátria, apenas os governos é que limitam a liberdade do capital humano. As grandes descobertas, as maiores invenções acabam beneficiando o conjunto da humanidade.
Mas, alguns espíritos tacanhos consideraram que, em virtude do fato bem estabelecido de que a maior parte das invenções, descobertas e inovações ocorrem bem mais nos países já avançados, isso consagraria algum monopólio natural, uma tendência à concentração do conhecimento, e do seu desfrute, e que os países menos avançados só poderiam ser “explorados” pelos primeiros. Assim, passam a recomendar esquemas de cooperação no âmbito Sul-Sul, como se duas ignorâncias pudessem ser substitutos a uma grande sabedoria. A Constituição brasileira já caiu nessa erro monumental, ao consagrar no seu texto de 1988 a proibição de que universidades brasileiras tivessem em seu corpo docente professores estrangeiros, equívoco felizmente eliminado alguns anos depois.
Não se pode dispor de nenhuma fórmula mágica para impulsionar o processo de desenvolvimento brasileiro contando apenas com a cooperação internacional, seja ela com países avançados ou com “parceiros estratégicos” do Sul maravilha. Os desafios principais estão mesmo no próprio país, pois as evidências relativas aos ganhos de escala permitidos por uma educação de qualidade são tão notórios que não seria preciso insistir neste ponto. O Brasil precisa empreender uma revolução educacional, em todos os níveis. De onde sairão os ensinamentos adequados para esse empreendimento monumental? Ora, as respostas são tão evidentes que sequer me concedo o direito de expressar qualquer preferência geográfica. Se alguém aí pensou em Xangai, não na China, mas Xangai, como exemplo e modelo de uma educação de qualidade, tal como refletido nos exames do PISA, estou inteiramente de acordo: façam como Xangai, que já é, para todos os efeitos práticos, mais avançada do que qualquer país desenvolvido em matéria de educação de qualidade. 

5. A necessidade de reformas estruturais e o pedido de ingresso na OCDE
O Brasil necessita de reformas estruturais importantes, a serem implementadas nos planos interno e externo, e é nesse contexto que se situa a importante decisão tomada pelo atual governo no sentido de solicitar adesão plena do Brasil à OCDE. Ela constitui, não um “clube de países ricos”, mas um “clube das boas práticas”, e pode contribuir para esse processo de reformas profundas que o Brasil deve perseguir no seu próprio interesse nacional. A OCDE possui notória expertise e vasta experiência nos terrenos das reformas fiscais, setoriais e sociais, com destaque para as áreas de políticas comercial, industrial, tecnológica e educacional, ou seja, tudo o que o Brasil necessita para deslanchar um novo salto no plano do crescimento sustentado. Os requerimentos de entrada podem, aliás, apoiar as reformas.
As reformas mais difíceis são, sem dúvida alguma, a fiscal e a tributária, uma conectada à outra, mas aqui também o know-how acumulado pela OCDE nessa área pode se revelar valioso, em várias dimensões. Na política comercial, os estudos da OCDE já provaram fartamente que restrições a um comércio mais livre redundam sempre num declínio da produtividade do trabalho, e portanto dos padrões de vida. O protecionismo comercial brasileiro dificulta, e de fato impede, uma maior integração de nossas empresas às cadeias globais de valor, que constituem o lado mais conspícuo da globalização microeconômica, que é onde se processa, junto com as ferramentas de comunicação social, o lado mais relevante desse fenômeno abrangente e inescapável.
A política externa brasileira sempre teve como princípio organizador uma mal definida “diplomacia do desenvolvimento”. Tratava-se, na verdade, mais de um slogan e, mesmo, uma ideologia, do que propriamente uma doutrina adequadamente elaborada, resultando de uma combinação improvisada de prescrições vagamente influenciadas pelo desenvolvimentismo latino-americano da CEPAL e de demandas de tratamento preferencial e mais favorável para países em desenvolvimento emanadas da UNCTAD. Ao abrigo dessas correntes de pensamento, ocorriam vibrantes discursos defendendo “espaços de políticas econômicas” em prol de “projetos nacionais de desenvolvimento”, o que servia de razão, de justificativa e de defesa para o protecionismo tarifário, para as restrições aos investimentos estrangeiros em determinados setores, para os monopólios estatais em indústrias ditas “estratégicas”, para restrições aos fluxos de bens, de serviços e de capitais em nome do equilíbrio do balanço de pagamentos, da preservação da autonomia tecnológica, ademais de diversos outros expedientes, mal coordenados entre si, mas que de fato atuaram contrariamente ao grande objetivo pretendido, que era o de romper a barreira do subdesenvolvimento para alcançar o patamar das nações ricas.
O Brasil não esteve sozinho nesses experimentos desenvolvimentistas, já que acompanhamos os mesmos tipos de políticas da maioria dos países latino-americanos, que, se bem sucedidas em sua implementação reiterada e teimosa ao longo de décadas, deveriam levar o continente àquele grande objetivo. Ora, o que se assistiu, ao longo do período, foi a superação gradual dos países latino-americanos pelos da Ásia Pacífico, praticamente uma troca de lugares na economia mundial, tanto em termos de pautas exportadoras, de diversificação industrial, de ofertas competitivas em bens e serviços, quanto da atração de investimentos diretos estrangeiros. A América Latina, e com ela o Brasil, reduziu seus índices de participação nos intercâmbios mundiais, ao passo que os países da Ásia Pacífico começaram a ocupar frações crescentes desses fluxos globais.
Está, portanto, mais do que na hora de substituir essa mal definida “diplomacia do desenvolvimento com preservação da autonomia nacional” por uma vigorosa política de “integração à economia mundial”, com a adoção consequente de medidas econômicas e de políticas setoriais visando à inserção das empresas brasileiras nos padrões competitivos da globalização. A OCDE poderá subsidiar a redefinição dessas políticas no novo sentido pretendido, mesmo quando a adesão formal não se realize, pois nada deveria impedir o Brasil de reformar soberanamente o conjunto de políticas nas áreas industrial, comercial e tecnológica na direção da integração mundial, abandonando o prejudicial nacionalismo pretensamente autonomista, mas que é de fato redutor de nossas possibilidades de progresso econômico.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 18 de janeiro de 2018


Conferencia Internacional de Historia Economica - Ribeirao Preto, SP, 10-11/07/2018

A 7ª Conferência Internacional de História Econômica & IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica objetiva dar continuidade aos Encontros de Pós-Graduação promovidos pela Associação Brasileira de História Econômica – ABPHE desde 2002.  
 
Os eventos serão realizados na Universidade de São Paulo, campus Ribeirão Preto, entre os dias 10 e 11 de Julho de 2018, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEARP/USP). 
 
Este evento faz parte dos encontros destinados para a apresentação das pesquisas dos alunos de Graduação e Pós-Graduação, contando também com conferência internacional e mesa redonda de professores e pesquisadores reconhecidos na área. 
 
Os trabalhos serão divididos nas seguintes em área: 
Brasil e América Coloniais 
Brasil e América no século XIX 
Brasil e América nos séculos XX e XXI 
História Econômica Geral 
História do Pensamento Econômico 
História de Empresas.
 
As propostas de comunicação (textos completos) nas sessões temáticas deverão ser enviadas até o dia 20 de março de 2018 para o endereço eletrônico abphe2018@gmail.com. Favor indicar no título do e-mail a área temática para a qual o trabalho se direciona.
Informações complementares ver ANEXO 
Comissão Organizadora

Relacoes Internacionais: 5 pontos para vc ficar atento - Podcast Paulo Roberto de Almeida

Relações Internacionais: 5 pontos para você ficar atento

Temas como comércio exterior e Mercosul não podem ficar fora do debate em 2018

Por Instituto Millenium
access_time 23 fev 2018, 09h48 
Com as eleições se aproximando, temas importantes precisam ocupar o debate público, e a política externa brasileira não pode ficar de fora do contexto. Questões ligadas às negociações da União Europeia com o Mercosul e a gestão do BRICS, por exemplo, precisam fazer parte da abordagem político-eleitoral em 2018, bem como a necessidade de debatermos, como sociedade, mais abertura e menos protecionismo no comércio exterior.
A fim de esclarecer o assunto, o Instituto Millenium convidou o especialista, diplomata e mestre em planejamento econômico, Paulo Roberto de Almeida, para listar cinco pontos essenciais das relações internacionais brasileiras que precisam estar no centro do debate nessas eleições. Ouça o podcast completo abaixo!
1 – Protecionismo: um obstáculo para a abertura econômica brasileira
Entre todos os integrantes do Grupo dos 20 (G-20), o Brasil é o país menos aberto ao comércio internacional. Enquanto a média mundial equivale a mais de 40% do PIB em transações externas, o Brasil alcança apenas 20%. A carga fiscal brasileira atinge a média de 35% de tributos, o equivalente a um país desenvolvido, enquanto a renda per capita é seis vezes menor que algumas destas nações. Para Almeida, um dos maiores objetivos para o governo brasileiro é justamente a abertura econômica e a liberalização comercial.
“Precisamos corrigir esses problemas que impedem o Brasil de participar do fenômeno mais conspícuo que existe na atualidade, as chamadas cadeias globais de valor. O Brasil não participa dessas cadeias devido ao protecionismo e isso é muito negativo”, avalia o entrevistado. As cadeias globais auxiliam nas atividades produtivas de cada país e otimizam os investimentos de acordo com o podem oferecer: mão-de-obra, engenharia ou energia mais baratas, por exemplo.
2 – A volta do Mercosul como um tratado de integração comercial
Há alguns anos, o Mercosul perdeu seu intuito principal de criar um mercado de livre comércio entre países membros e se tornou uma organização fechada. Almeida diz que os Estados associados passaram a fazer suas compras e negociações com seus “vizinhos de comércio”, ou seja, deixaram de comprar de países terceiros devido às altas taxas e passaram a obter de seus vizinhos, reduzindo o custo tarifário. “A tarifa não é uma agressão contra o produto estrangeiro, é uma agressão contra o consumidor nacional. O diferencial no preço das tarifas é que faz com que sejamos pouco competitivos internacionalmente. Isso chama-se desvio de comércio e não criação de comércio”, explica. Caso o Mercosul não retorne à sua proposta original, talvez o Brasil deva retomar sua liberdade comercial, conclui o especialista.
3 – Atuação do BRICS como propulsor de investimentos financeiros
O BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) surgiu com a intenção de proporcionar oportunidades de investimentos econômicos em países emergentes. Não existe, no entanto, acordo de liberalização comercial entre os membros. O grupo criou ainda o New Development Bank (NDB), um banco de desenvolvimento a fim de concorrer entre os demais, como o Banco Mundial. Para o especialista, contanto que o BRICS trabalhe em caráter técnico, estará no caminho certo para o avanço do grupo como um todo, contudo, caso atenda critérios políticos das grandes empresas em detrimento dos fundamentos específicos de financiamento, será ruim para o futuro do grupo.
4 – Relações bilaterais e cooperação internacional
Apesar de ser um assunto relevante e corrente nas orientações de políticas externas, o especialista acredita que talvez não seja abordado nas eleições de 2018. Ele explica que no governo do ex-presidente Lula, os parceiros estratégicos foram escolhidos de acordo com a preferência do sistema político, situados no “sul global”, e essa foi uma medida tola; a política externa de um país deve envolver as relações bilaterais, isto é, buscar em comunidades internacionais oportunidades econômicas e estruturais para ambos, ultrapassando as barreiras geográficas, explica Almeida.
5- Adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
Em junho de 2017, o Brasil solicitou adesão à OCDE após um longo período afastado. Para o diplomata, esta foi uma decisão inteligente uma vez que o país vem enfrentando diversas crises. A OCDE é uma espécie de “clube de boas práticas”, como atribui o especialista, onde são discutidas políticas econômicas e selecionadas as mais eficientes para os países associados, a fim de aperfeiçoá-los. Ele assegura ainda que, assim como o Brics, esta organização não deve ser vista como um objetivo exclusivo e sim, uma oportunidade de mercado, abrindo a economia brasileira para o campo internacional. “Independentemente da crise fiscal que temos hoje, a palavra de ordem para o Brasil nesse momento é: integração à economia mundial”, destaca.

https://exame.abril.com.br/blog/instituto-millenium/relacoes-internacionais-5-pontos-para-voce-ficar-atento/ 

Ascensao e queda da complexidade produtiva brasileira - Paulo Gala


Ascensão e queda da complexidade produtiva da economia brasileira:1964-2014

O gráfico acima mostra a notável evolução da complexidade brasileira no período que vai do incio dos anos 60 ate o inicio dos 90 e o também incrível retrocesso observado depois dos anos 2000. Ainda na esteira dos grandes movimentos criados na era Vargas e depois na era JK, o milagre e o II PND, apesar de todos seus problemas, coroaram o salto tecnológico e de complexidade da economia brasileira do período desenvolvimentista. A Petrobras, CSN, BNDES e tantos outros marcos do Brasil foram criados nessa fase. O plano de metas de JK lançou as bases de infra-estrutura rodoviária, ferroviária e energética que usamos até hoje.
A construção de Brasília iniciou a integração da região central do país com a arco litorâneo das cidades da época colonial. A exploração do planalto central e hoje nossa agricultura de ponta no centro-oeste se devem a esses passos ousados dados nessa época. É claro que foi um período de excessos, com endividamento público, emissão monetária inflacionária e desequilíbrios internos e externos. Nos anos 60 as importantes reformas institucionais (modernização da lei trabalhista, reforma do sistema financeiro, criação da correção monetária, do SFH, etc…) lançaram as bases para o crescimento do país na próxima década.
As exportações cresceram a um ritmo explosivo, o crédito se ampliou fortemente, as manufaturas brasileiras começam a conquistar mercados no mundo e finalmente o Brasil melhorou seu perfil exportador com excessiva dependência em café e bens agrícolas como podemos ver nos mapas abaixo. Lembremo-nos da importância dada as exportações de manufaturas nos 70 e da politica de mini-desvalorizacaoes cambiais do ministro Delfim Netto. Após o primeiro choque do petróleo os militares lançam o segundo PND, que logrou ainda produzir crescimento num período de instabilidade. Itaipu, rodovia dos Bandeirantes, pólos petroquímicos, obras todas dessa época. Os desequilíbrios causados pelo II PND foram ainda maiores do que na era pós-JK. Grande parte dos investimentos foi apoiada em estatais com dívida externa. Pagamos a conta nos anos 80.
bra2bra3O segundo choque do petróleo e o aumento de juros da era Volcker deixaram o Brasil em situação muito problemática. Passamos toda a década de 80 pagando os custos desse ajustamento. O processo de transição política foi complicado e acompanhado de um longuíssimo período de instabilidade econômica. Inflação alta, pacotes, congelamentos, divida interna e externa fora do controle, o Brasil dos anos 80. Na década de 90 iniciamos uma nova transição econômica. A abertura da economia, o controle da inflação, a privatização, uma melhora fiscal e novos marcos regulatórios preparam o país para um novo ciclo de crescimento.
O período que vai de 1990 até 1999 ficará na história como uma grande fase de ajustamento com crescimento baixo, mas importantes reformas institucionais da economia brasileira. O paralelo aqui com os anos 60 é evidente. E finalmente voltamos a crescer no inicio dos anos 2000, so que dessa vez o ciclo foi puxado por consumo, construção civil e boom de commodities. Nos últimos 10 anos os empresários brasileiros se especializaram em produzir commodities, bens agrícolas, serviços não sofisticados e prédios. Quais foram os negócios que mais prosperam no país da última década? Shopping centers, construção de prédios comerciais e residenciais, lojas de varejo de todo tipo (cabelereiros, restaurantes, vestuário, concessionárias de automóveis, etc).
Grandes obras de infra-estrutura, petróleo, etanol, café e minério de ferro. Esses negócios prosperaram graças ao boom de credito, redução do desemprego, transferências de renda pelo estado e elevados preços de commodities em dólar no mercado mundial por conta da descomunal expansão da economia chinesa. O preço dos serviços domésticos também aumentou fortemente, contribuindo para a apreciação do cambio real. Essa combinação de alta de preços de serviços, alta de preço de commodities em dólares e apreciação cambial aumentou muito a rentabilidade das atividades de importação em geral, serviços, varejo, construção civil e produção de commodities. A produção domestica de manufaturas e bens industriais perdeu muita rentabilidade e regrediu em relação aos patamares observados nos anos 90.
Ate 2007 a indústria brasileira conseguiu ainda acompanhar o boom de demanda aumentando a produção, ainda na esteira da desvalorização cambial de 2002. A partir da crise de 2008 a indústria brasileira sucumbiu à concorrência internacional, aos aumentos de custo de produção em reais (principalmente salários) e a forte apreciação do cambio nominal e real. A expansão de PIB observada no pós 2008 foi toda baseada em serviços não sofisticados e construção civil (quadro típico de doença holandesa). A demanda por bens industriais foi totalmente suprida por importações. Sem estímulos para produzir domesticamente o empresário industrial brasileiro passou a ser importador, montador ou simplesmente encerrou seu negocio. Houve enorme perda de complexidade produtiva da economia brasileira. A produtividade total da economia caiu e vai continuar caindo ate que as manufaturas domesticas se recuperem. O quadro para o futuro e’ alarmante pois graças ao que se conhece como histerese (em física e economia) a reconstrução do tecido produtivo brasileiro será lenta e dolorosa. A grande desvalorização cambial observada em 2015 não produzira imediatamente a reconstrução do setor de bens transacionáveis não commodity brasileiro.
A grande maioria dos empregos gerados no Brasil dos últimos anos foi em setores com baixa produtividade intrínseca: construção civil, serviços não sofisticados em geral (lojas, restaurantes, cabelereiros, serviços médicos, call centers, telecom, etc…), serviços de transporte (motoristas de ônibus, caminhões, pilotos de avião), entre outros. Conforme vimos acima, as comparações internacionais mostram que o grande diferencial de produtividade entre países está justamente no setor de bens transacionáveis, especialmente nos empregos industriais, longe dos chamados serviços não sofisticados. Até mesmo na construção civil, mesmo com auxílio de máquinas mais sofisticadas, a produtividade entre trabalhadores dos diversos países não é muito distinta. A altíssima produtividade dos países ricos ocorre então em outros setores que não esses, com destaque para os serviços sofisticados e indústria como vimos discutindo ate aqui nesse livro. O boom de crédito, commodities e consumo observado no Brasil nos últimos anos estimulou justamente os setores com baixos ganhos potencias de produtividade e desestimulou os setores potencialmente ricos em economias de escala e retornos crescentes: as manufaturas complexas. Houve desindustrialização e reprimarização da pauta exportadora, com avanço das commodities. Em 2014, por exemplo, 5 produtos responderam por quase 50% das exportações brasileiras: ferro, soja, açúcar, petróleo e carnes.
bra4Até mesmo os serviços sofisticados estão regredindo, pois são altamente dependentes das manufaturas ou da agroindústria. O agronegócio per se também precisa se sofisticar para gerar produtividade. O processamento de commodities, o maquinário e mecanização da produção agrícola contribuem obviamente para o aumento de produtividade dos trabalhadores. Mas a geração de empregos aqui tem sido e continuará sendo muito baixa. Ou seja, de maneira resumida, o Brasil trilhou nos últimos anos um caminho de regressão tecnológica e diminuição da sofisticação de seu tecido produtivo, que acabou por resultar em importante estagnação da produtividade geral da economia; um caminho contrario a aquele seguido nos anos 70. O setor de serviços como um todo passou de 60% do PIB para 70% do PIB nos últimos 10 anos. Como mostra o importante estudo da UnB, “Produtividade no Setor de Serviços” no Brasil, o setor concentra hoje 74% da força de trabalho no país e foi responsável por 83 em cada 100 novos postos formais de trabalho gerados nos últimos anos. Ou seja, junto com a destruição dos empregos industriais no país, surgiu uma ampla oferta de vagas nos setores de serviços, especialmente de baixa sofisticação, graças ao boom imobiliário e de consumo. O resultado geral desse movimento somado ao pleno emprego no mercado de trabalho causou enorme aumento de salários, sem contrapartida de melhora na produtividade. O custo unitário de produção aumentou muito no país, pressionando a lucratividade da indústria, desestimulando produção e novos investimentos.
Como resolver esse problema nos próximos anos? Dado que os salários nominais não vão cair, só existem dois caminhos: desvalorização cambial e aumento de produtividade. A desvalorização já está ocorrendo pela via de mercado. O aumento de produtividade poderá vir pelo aumento do investimento em infraestrutura e pela sofisticação tecnológica do tecido produtivo brasileiro (aumento da complexidade econômica): novos mercados e novos produtos, especialmente de natureza industrial. Num mundo ultra competitivo como o atual não será tarefa fácil. Talvez com uma onda de pesados investimentos em infraestrutura e câmbio bem mais desvalorizado seja possível. Sem esse caminho o crescimento deve ficar estagnado por aqui. Esses resultados mostram, conforme já discutido, algo já amplamente debatido no Brasil com diversos outros nomes: desindustrialização, doença holandesa e reprimarização da pauta exportadora. A enorme perda de espaço da indústria brasileira no PIB nos últimos 20 anos significa algo muito simples da perspectiva desse livro: regressão de nossa complexidade econômica. As reformas inciadas nos anos 90 com abertura comercial, privatizações e establizacao da inflação não produziram os resultados esperados; não houve aumento sustentado de nossa renda per capita; não houve aumento da complexidade da economia brasileira em contraposição ao que se viu no sudeste asiático e leste europeu.