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domingo, 31 de março de 2019

Daniel Aarão Reis: 1964, Historia e Memoria (FSP)

Daniel Aarão Reis: Historiador rebate mitos sobre o golpe de 1964


Ilustríssima / Folha de S. Paulo, 31/03/2019

À esquerda e à direita, Daniel Aarão Reis revê fantasmas que cercam a ditadura

A orientação do presidente Jair Bolsonaro para que unidades militares comemorem neste domingo o golpe de 31 de março de 1964, que iniciou a ditadura no país, suscitou polêmicas que merecem análise mais equilibrada, evitando-se “histórias oficiais” à direita e à esquerda.

Vamos por partes. Em fins de março de 1964 instaurou-se no país uma ditadura através de um golpe de Estado. Trata-se de um fato objetivo. Um presidente legítimo, João Goulart, foi deposto pelas armas, ao que se seguiu um regime de exceção, em que o direito da força prima sobre a força do direito. Em outras palavras: em que a vontade do poder se sobrepõe, ou nega, à existência das leis, (re)criando legislações a seu bel-prazer.

Entretanto, a ditadura não se tornou vitoriosa apenas pela ação militar. Foi um golpe civil-militar. Houve apoio social, que se exprimiu nas Marchas da Família com Deus e pela Liberdade no país, na força das tradições conservadoras e autoritárias.

Naquele momento encontramos as raízes que explicam, ao menos em parte, a ascensão atual da extrema direita no país. Além disso, dirigentes civis, políticos, empresários e religiosos participaram do golpe, além instituições, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e as principais mídias.

A simpatia suscitada pelo golpe era consequência do medo de uma ditadura comunista. A chamada Guerra Fria, entre os EUA e a União Soviética, estava no auge. Na América Latina, a Revolução Cubanaacontecera. No Brasil, um amplo movimento reformista propunha mudanças estruturais, visando a “democratização da democracia”.

Aparentemente, havia ali um equilíbrio de forças, contribuindo para o acirramento das contradições.

Assim, a vitória fulminante do golpe de 1964 foi uma surpresa, mesmo para os golpistas mais otimistas.

Como compreender a derrota das esquerdas? Seria resultado de vacilações de suas lideranças mais importantes, que temeriam enfrentamentos imprevisíveis? De organizações populares muito dependentes do Estado e de suas iniciativas? De dúvidas de militantes acerca de engajar-se ou não numa luta decisiva para defender aquela República? Um pouco de tudo isto? O fato é que, até hoje, a derrota das esquerdas carece de melhor compreensão.

Muitos que apoiaram a instauração da ditadura a desejavam de curta duração. Ela eliminaria as forças de esquerda e as eleições do ano seguinte se realizariam. Aí houve uma surpresa. Os chefes militares apropriaram-se do poder por longo tempo, afirmando a preeminência indisputada das corporações (Exército, Marinha e Aeronáutica). Daí ser exato conceituar o regime como uma ditadura militar.

O primeiro governo ditatorial, chefiado pelo general Castelo Branco, apostou numa orientação liberal. A ideia era enterrar as heranças varguistas e a cultura política nacional-estatista. A aposta foi perdida. A propósito deste governo, brotou a formulação de que teria sido uma ditadura branda, uma “ditabranda”.

Como então classificar, entre outras arbitrariedades, as prisões e cassações de direitos políticos e civis, as torturas acobertadas, a dissolução dos partidos políticos, o fechamento do Congresso e a alteração arbitrária da legislação eleitoral? Recusar evidências não é rever a história, mas negá-la. É negacionismo, a eliminação da história.

Os governos ditatoriais seguintes, principalmente no período Médici-Geisel (1969-1979), retomaram o parâmetro nacional-estatista, mas excluindo o povo. Isso não os impediu de conservar e ampliar apoios civis.

Daí ter surgido a ideia de uma ditadura civil-militar, para aprofundar a reflexão sobre as complexas relações entre a ditadura e a sociedade, e evidenciar as cumplicidades de segmentos civis, inclusive de camadas populares. Muito já se fez para desvendar essas cumplicidades, muito ainda há que se fazer para compreender como se comportaram os cidadãos comuns sob a ditadura. Mais pistas poderão daí advir para entender o “mito Bolsonaro”.

A ditadura, porém, sempre suscitou oposições, moderadas e radicais. No grupo dos moderados estavam muitos apoiadores iniciais do golpe, depois decepcionados com os militares, e os que nunca aceitaram a ditadura, mas também não acreditavam em enfrentamentos violentos. Entre os radicais encontravam-se as correntes revolucionárias, armadas, que tentaram derrotar os militares, destruir o capitalismo e construir uma sociedade alternativa. Almejavam uma ditadura revolucionária que asseguraria a transição nos moldes do socialismo autoritário plasmado pela Revolução Russa e confirmado pelo exemplo cubano.

A ditadura massacrou os radicais —com o uso e o abuso da tortura como política de Estado— e neutralizou os moderados, alguns dos quais também presos e torturados. Mais tarde, muitos destes últimos contribuiriam no processo de transição rumo à restauração democrática.

Entre os críticos da ditadura houve um triplo equívoco. Imaginaram-na destinada à estagnação econômica, à subserviência aos EUA e à pura e simples repressão violenta, exercida por boçais. Não foi o que aconteceu. O capitalismo mudou de patamar, embora à custa de desigualdades sociais e regionais. Recuperou-se o nacional-estatismo como programa. E a própria repressão, sempre impiedosa, combinou-se com políticas de conciliação e de acomodação. Anos de chumbo, certamente. Mas também de ouro, e para não poucos.

A transição começou no início do governo Geisel, em 1974, e foi até a aprovação da Constituição de 1988. Foi transicional, estendendo-se no tempo, e transacional, baseada na negociação. A primeira fase terminou com a extinção dos atos institucionais, em 1979. Estendeu-se, a partir daí, outra etapa, em que já não havia ditadura, mas ainda não surgira um Estado democrático de Direito. A tese, ainda dominante, de que a ditadura terminou com a posse de José Sarney, em 1985, tende a privilegiar a preeminência militar e ocultar a participação civil no processo ditatorial.

É certo que o último general presidente, João Figueiredo, tomou posse ainda nos marcos da ditadura, mas governou sem o apoio dos atos institucionais. Sua gestão se conciliava com os aparelhos repressivos e com atentados terroristas de extrema direita, mas os tribunais agiam com autonomia. Não havia presos políticos. A imprensa não era mais censurada. Os partidos políticos e os sindicatos funcionavam em liberdade.

Nas eleições de 1982, elegeram-se candidatos das oposições, e os resultados não foram questionados. Houve ainda greves parciais e gerais, além do gigantesco movimento pelas eleições diretas para a Presidência da República em 1983 e 1984. Tudo isso aconteceu às claras, nas ruas, sem repressão sangrenta. Como falar, então, em ditadura? Trata-se de uma impropriedade.

Em outubro de 1988, a nova Constituição encerrou a transição, mas não agradou a todos. Conservando a cultura nacional-estatista, irritou os liberais. Desagradou também as esquerdas, ao não priorizar a reforma agrária e reivindicações históricas, como a estabilidade no emprego e a semana de trabalho de 40 horas.

Por outro lado, junto a inovações concernentes aos direitos civis, políticos e sociais, nela permaneceram as marcas da transição longa e negociada, os legados da ditadura. Entre outros, a hegemonia do Poder Executivo e da União, o modelo econômico, o monopólio dos meios de comunicação e da terra, a hegemonia do capital financeiro e a tutela —mal disfarçada— das Forças Armadas. Uma Constituição híbrida. Chamá-la de “cidadã”, como quis Ulysses Guimarães, foi uma licença poética.

De 1988 a 2018, 30 anos se passaram. O que se fez em relação à memória da ditadura? Infelizmente, muito pouco. Como em relação à ditadura do Estado Novo (1937-1945), prevaleceu a ideia de que “olhar pelo retrovisor” revolveria “feridas abertas”. É verdade que pesquisas foram empreendidas nas universidades e que a mídia divulgou controvérsias.

Nada capaz, todavia, de fazer a sociedade ver que a ditadura não era um passado que passara, mas algo que permanecia, através de seus legados. Não se convocaram as Forças Armadas para um debate sobre suas funções numa sociedade democrática. Ao contrário, só foram chamadas para assegurar a ordem pública, cumprindo papel de polícia, o que só fez aumentar seu prestígio. É certo que uma Comissão Nacional da Verdade funcionou, mas suas resoluções cedo caíram no esquecimento.

Enquanto isso políticos e partidos, de esquerda e de direita, compraziam-se em dizer, por motivos variados, que a democracia no país estava consolidada. Seus erros geraram consequências, com o ressurgimento, à luz do dia, das tradições conservadoras e autoritárias que permaneciam subterrâneas, mas vivas.

Compreendê-las e superá-las, através do debate e das lutas políticas, é um desafio e tanto. Esconder evidências históricas ou distorcê-las não será um bom caminho para a sempre necessária “democratização da democracia” brasileira.

Gostaria agora de explicitar de que ponto de vista falo, pois ninguém pensa sem premissas ou princípios. Depois de uma longa trajetória, identifiquei-me com o socialismo democrático, ainda por nascer, a ser alcançado pela persuasão, pela participação e pelo voto, distante do capitalismo, sempre desigual e injusto, e também do socialismo autoritário. Essas referências não devem incidir sobre o que é essencial no ofício do historiador —a busca da evidência e da verdade.

Atento a isto, Nikita Kruschev, secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética entre 1953 e 1964, advertiu que a “história era muito séria para ser deixada nas mãos de historiadores”. Exprimiu a ambição do Estado de controlar a historiografia e fazê-la serva das “histórias oficiais”.

Aos historiadores cabe resistir, afirmando, para além de interpretações que podem e devem variar, os compromissos éticos com as evidências e as verdades —por mais fugazes e provisórias que essas sejam, apenas entrevistas como ruínas sob os relâmpagos das tempestades, na bela metáfora de Walter Benjamin.

*Daniel Aarão Reis, professor de história contemporânea da Universidade Federal Fluminense, é autor de “A Revolução que Mudou o Mundo” e “Ditadura e Democracia no Brasil”.

sábado, 30 de março de 2019

Problemas de um privatizador obstado pelas mentalidades estatizantes - Salim Mattar

Ricardo Bergamini sempre cáustico transcreve matéria da Veja sobre as tribulações de um privatizador sem apoio na burocracia pública.
Mas o privatizador, Salim Mattar, também exagera ao dizer que o "governo vai bem"...
Paulo Roberto de Almeida

Pelo histórico do presidente Bolsonaro, confesso que sempre tive muitas dúvidas de sua mudança radical de postura em relação ao pensamento Liberal, já que a sua prática legislativa de 28 anos foi na defesa do estado forte e controlador. 
Se for apenas uma armação para ser eleito, em breve a debandada do Ministério da Economia e do Banco Central será pública e notória.
Ricardo Bergamini

SALIM  M ATTAR:   “ESTOU FRUSTRADO”
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29/03/2019
O empresário Salim Mattar se orgulha de ter transformado uma empresa com seis Fuscas na maior locadora de automóveis da América Latina. Com um patrimônio superior a 1 bilhão de reais, ele foi escalado pelo presidente Jair Bolsonaro para conduzir o segundo pilar da política econômica do governo: o programa de desestatização. Em três meses de Brasília, o secretário conta que, na largada, já percebeu o tamanho da dificuldade que terá de enfrentar. Além dos poderosos interesses corporativos, Mattar enfrenta obstáculos no próprio governo. Para evitar intrigas, não apon­ta os setores dos quais vem a resistência à implementação do programa. Cita apenas um: o Ministério da Ciência e Tecnologia, comandado por Marcos Pontes, cujo secretário executivo já disse, segundo Mattar, que sua pasta não vai privatizar nenhuma de suas estatais. O secretário acredita que as rusgas internas são fruto da falta de informação, apenas isso. A orientação que continua valendo é a que recebeu do presidente: passar para a iniciativa privada o controle de mais de 100 estatais. “Ando com os discursos e com os tuítes do presidente dentro da minha pasta”, diz. A seguir, sua entrevista.
Por que o governo Bolsonaro anunciou um amplo processo de privatização mas não aconteceu nada até agora? 
Estou aqui há cerca de três meses. Ainda me encontro na fase de aquecimento, de entender o governo. Temos 134 empresas estatais, dos mais diversos setores. Existem casos como o de uma estatal que deveria produzir um chip para monitorar os rebanhos. O tal chip, que é instalado na orelha do boi, nem é produzido no Brasil. Hoje, há dezoito estatais que dão 15 bilhões de reais de prejuízo anual. Imagina esse dinheiro abrindo creche, ampliando salas do SUS, dando computador às crianças da periferia? Estamos aquecendo os motores.
O ministro Paulo Guedes já disse que, se dependesse dele, todas elas seriam privatizadas. Comecei a estudar todas as empresas do governo. Algumas podem ser fechadas, outras vendidas ou fundidas. Mas há uma dúzia de empresas que vão continuar existindo, além das três estatais mais valiosas que temos — Petrobras, Banco do Brasil e Caixa. Elas serão adaptadas aos novos tempos. Vão ser um pouco mais enxutas, mais profissionais e mais produtivas. Passarão por um processo de melhoria. As outras, sim, deveremos vender.
Então a privatização será menos ampla do que o anunciado?
Se a decisão fosse minha, eu privatizaria tudo. Não faz sentido o governo ter bancos. Mas a orientação que recebi é manter a Caixa, o Banco do Brasil e a Petrobras. Talvez eu esteja um pouquinho mais à direita do ministro Paulo Guedes, porque sou quase um libertário. Mesmo sem essas joias da coroa, será possível arrecadar quase 1 trilhão de reais com as privatizações.
Como se chega a esse montante?
Vamos vender a participação do BNDES em empresas privadas. Não há razão para existir o BNDESPar (refere-se à empresa de investimentos do BNDES). Vamos vender também a participação da Caixa, do Banco do Brasil e da Petrobras em empresas privadas. Vamos reduzir a dívida. Reduzindo a dívida, caem os juros e sobra mais dinheiro para investir em educação, saúde, segurança e infraestrutura.
Quais serão as primeiras empresas na lista da privatização?
O Serpro, a Dataprev e a Casa da Moeda (a primeira é uma empresa de processamento de dados; a segunda é a empresa de tecnologia da Previdência Social). Vender as duas primeiras imediatamente, no entanto, não é uma boa decisão. Estamos enxugando essas empresas, melhorando a administração. Vamos dar um choque de organização. Elas vão valer mais daqui a um tempo. Eu diria que vamos privatizar mais no terceiro ano que no segundo e mais no segundo que no primeiro ano de governo.
O governo desistiu definitivamente de privatizar a Eletrobras?
O governo se rendeu por não ter dinheiro. O governo está quebrado. Tem mais despesa do que receita. A melhor opção estratégica para o país, neste momento, é capitalizar a Eletrobras, com a iniciativa privada aportando dinheiro, vendendo parte do controle. Aí o governo, que hoje tem o controle da empresa, passará a ter 40%. Podemos vendê-la em outra etapa.
O programa de privatização é um ponto pacífico no governo?
Existem resistências à privatização dentro do governo. No Ministério da Ciência, Tecnologia, o ministro… Qual o nome do ministro-astronauta?
Marcos Pontes…
Sim, Marcos Pontes. Ele tem cinco estatais (Correios, Correiospar, Telebras, Finep e Ceitec) e não quer privatizar nenhuma delas. Pode anotar aí: Júlio Semeghini, secretário executivo do ministro, disse que não vai privatizar nenhuma das estatais do Ministério da Ciência e Tecnologia.
As resistências se limitam ao Ministério da Ciência e Tecnologia?
Nem todo ministro é privatista. Então, alguns acham que é importante, que é de interesse público que a empresa continue estatal. Eu diria que ainda não tentei convencê-los. Há uma coisa que temos de levar em consideração: o presidente Jair Bolsonaro disse que vai privatizar tudo o que for possível. Existe uma orientação clara do presidente nesse sentido.
Mas até o presidente Bolsonaro, ao que parece, já recuou em pelo menos dois casos Às vezes, prometemos algumas coisas que depois no mundo real se tornam um pouco difíceis. Existem dois discursos do presidente dizendo que fecharia a empresa do trem-bala, a EPL. O presidente também falou que iria fechar a EBC. O que é a EBC? Era um antro de petistas, com mais de 2 000 funcionários, que foi usado para tentar segurar a Dilma no processo de impeachment. Agora, o presidente disse que não vamos mais fechar a EBC. Para mim, como secretário de Desestatização e Desinvestimento, é uma decepção. Não faz sentido o Estado ter uma rede de TV.
Existem outros casos semelhantes?
Além da EBC e da EPL, tem os Correios. Setenta por cento da receita dos Correios vem da entrega de pacotes. O Estado é dono de uma transportadora. Isso é absurdo. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) tem 1 bilhão de reais em caixa e 826 funcionários. Só para efeito de comparação, a Finep de Israel, que faz um trabalho parecido, possui sessenta empregados. Há ainda a Conab e a Valec (estatais das áreas de abastecimento e ferrovias). Estamos estudando um pacote para fechá-las. O governo também tem uma empresa que se chama Telebras, que existe para competir com a Tim, a Oi e a Embratel. Aí vem alguém e argumenta que metade do satélite da Telebras é de uso militar — então não pode privatizar. O.k., continua-se utilizando metade do satélite e a outra metade passa para a iniciativa privada.
Deve-se entender então que a ampla privatização era apenas uma promessa de campanha?
Não me dou por rendido. Ainda tenho três anos e nove meses para convencer o presidente a vender essas empresas. Não perdi a guerra. Estou frustrado porque o presidente afirmou que acabaria com aquelas duas empresas, EPL e EBC, mas isso não aconteceu. Mas também é meu papel convencer os ministros. Pode ter certeza: a privatização vai começar lenta e gradual e depois vai pegar velocidade.
O senhor já se queixou ao presidente Jair Bolsonaro sobre essa situação?
Não.
Por quê?
Tem uma reforma da Previdência para acontecer. Vamos evitar contrariar qualquer grupo de interesse até que a reforma da Previdência possa estar concluída. A reforma é a prioridade número 1.
O senhor falou com o ministro da Economia, Paulo Guedes?
Já comentei com o ministro essas dificuldades em vender as estatais, mas, repito, vamos tratar do assunto com maior intensidade depois da reforma da Previdência. Já viu um avião decolando? Ele gasta entre vinte e 25 minutos para chegar a 900 quilômetros por hora. Ainda estamos taxiando.
É mais fácil gerir uma empresa privada ou administrar uma repartição pública?
Administrar uma empresa privada é muito mais fácil. No governo, a tomada de decisão é lenta, enquanto na iniciativa privada ela é mais rápida. Mesmo as estatais, que têm um bom quadro de pessoas, não conseguem ser muito ágeis.
Por quê?
Burocracia. Você tem de seguir uma série de regulações e legislações, todo um arcabouço jurídico. Uma empresa privada segue a lei das sociedades anônimas e a lei do mercado. São mais simples. Aqui no governo, além dessas leis em geral, seguimos uma lei específica que regula como devem funcionar as diretorias e os conselhos de empresas estatais. É tudo mais demorado e difícil.
Os militares ajudam ou atrapalham as privatizações?
Ainda não estive com os militares para formar uma opinião. Mas vai chegar a hora em que terei de procurá-los e dizer: “Por gentileza, eu já privatizei as minhas empresas. Agora venham cá privatizar as suas”.
Os militares alegam questões de segurança nacional para manter algumas empresas na esfera estatal. Ando com os discursos e os tuítes do presidente na minha pasta. Estão grifados em amarelo. Vou mostrá-­los aos que se pronunciam contra as privatizações neste primeiro momento. Acho que eles poderão mudar de ideia. Volto a dizer: existe uma orientação clara do presidente.
Há interferência política na escolha dos diretores e conselheiros das estatais?
Zero de interferência política. Nomeamos as diretorias do BNDES, do Banco do Brasil e da Caixa. Aqui na minha secretaria não houve nenhum pedido. A indicação política não é ruim, não. A deputada Bia Kicis indicou o Rogério Marinho (refere-se ao atual secretário de Previdência e Trabalho) para o ministro Paulo Guedes. Olhe que indicação espetacular! É uma pessoa técnica, profissional, conduzindo a reforma mais importante do governo. A indicação foi política, mas a escolha foi técnica. É assim que tem de ser.
Como o senhor avalia o governo Bolsonaro nestes três primeiros meses de gestão?
É um momento de aprendizado, de construir relacionamentos políticos. Esse stress que estamos vendo em relação ao Congresso é passageiro. O ex-governador Magalhães Pinto (mineiro, 1909-1996) dizia que a política é igual a nuvem: cada hora que você olha está de um jeito diferente. Hoje está de um jeito, amanhã de outro. O governo está indo bem.
Fonte: “Revista VEJA”

Putin seria tão poderoso quanto aparenta? - Andrew Higgins (NYT)

Putin seria tão poderoso quanto aparenta?

Há dúvidas se o presidente russo é um 'líder onipotente atacado por críticos' ou se está sentado sobre um governo em vias de desmoronar

Andrew Higgins, The New York Times, 28/03/2019

ORYOL, RÚSSIA - Depois de aguardar 19 meses em uma cadeia russa o processo por “extremismo”, Dennis O. Christensen, uma testemunha de Jeová da Dinamarca, detido por causa de sua religião, no fim do ano passado, recebeu um estímulo inesperado do presidente Vladimir V. Putin. 
Falando no Kremlin em dezembro, o presidente declarou que processar pessoas por sua religião era “um absurdo total” e que isto tinha de parar. Mas em vez de reprimir a campanha que ocorria em toda a Rússia contra as Testemunhas de Jeová, sua observação foi seguida por mais prisões; uma condenação e uma sentença a seis anos de prisão para Christensen; e por informações de tortura de crentes detidos na Sibéria. 
O fosso existente entre o que Putin fala e o que acontece na Rússia suscita uma indagação fundamental sobre a natureza de seu governo, depois de mais de 18 anos: será ele realmente o líder onipotente atacado pelos críticos e enaltecido por seus propagandistas? Ou ele estaria sentado sobre um Estado em vias de desmoronar, um sistema movido mais pelos cálculos caprichosos e frequentemente venais de burocratas e grupos de interesse que competem entre si do que pelas ordens do Kremlin? 
Ekaterina Schulmann, cientista política em Moscou e membro do Conselho para a Sociedade Civil e os Direitos Humanos de Putin, disse que o poder do presidente tem sido enormemente exagerado. “Este não é um império dirigido por uma pessoa, mas uma enorme máquina burocrática difícil de gerir, com suas próprias normas e princípios internos”, disse. “De tempos em tempos, acontece que o presidente diz alguma coisa, e então nada acontece ou mesmo o seu oposto”. 
Forças políticas e burocráticas reforçam e ao mesmo tempo minam o seu poder: os serviços de segurança, a Igreja ortodoxa russa, os oligarcas bilionários, as autoridades locais. “O sistema é disfuncional”, disse Andrew Wood, um ex-embaixador britânico em Moscou. “Homem nenhum poderia controlar tudo’. 
Para os ocidentais, acostumados a ver Putin pavonear-se diante da câmera e projetando uma aura de comando, estas afirmações podem parecer difíceis de acreditar. Depois que Putin chegou ao poder no fim de 1999, ele conteve a enorme desordem e as ruidosas lutas internas que, sob o seu antecessor, frequentemente embriagado, Boris Yeltsin, deixaram a Rússia com um Estado que mal funcionava. 
Mas muitos projetos que ele apoiou, como uma ponte crucial sobre o Rio Amur entre a Rússia e a China, e um empreendimento para a construção de uma rodovia entre Moscou e São Petersburgo, pararam
A construção de um centro de lançamento de foguetes no Extremo Oriente da Rússia, defendida por Putin como “um dos maiores e mais ambiciosos projetos da Rússia moderna” está levando anos além do planejado, emperrada pela corrupção, pelas greves de trabalhadores que não recebem salários e por outros problemas. 
O gabinete do Promotor Geral em Moscou afirma que US$ 150 milhões foram roubados do projeto, que segundo se afirma foi embargado por  17 mil infrações legais  de mais de mil pessoas. 
O desencontro entre as palavras de Putin e as ações do sistema voltou a ficar claro em fevereiro quando a polícia de Moscou prendeu Michael Calvey, fundador americano de um dos mais antigos e maiores fundos de investimentos para atender a Rússia, por acusações de fraude. Sua prisão contrariou as reiteradas afirmações de Putin de que a Rússia deve atrair investidores estrangeiros e impedir que as agências de segurança se misturem em disputas de negócios. 
Hoje, a Rússia não se parece com o país rigidamente regrado governado por Stalin, mas com a dilapidada autocracia da Rússia do início do século 19, segundo Ekaterina Schulmann. O governante da época, o czar Nicolau I, presidia burocratas corruptos que expandiram o território russo, levaram o país a uma guerra desastrosa na Crimeia e mergulharam a economia à estagnação em um beco sem saída. 
Nicolau tinha consciência dos limites do seu poder: “Não sou eu que governo a Rússia”, queixava-se. “São os 30 mil funcionários”. A diferença agora, disse Schulmann, é que há mais de 1,5 milhão de funcionários, ou burocratas. 
“O culto de Putin no topo de um ‘poder vertical’ todo-poderoso é um mito. Não existe”, afirmou Mark Galeotti, especialista britânico em questões russas. Ao contrário, acrescentou, Putin é “um borrão cinzento  que permite que nós todos criemos o nosso Putin”, todo-poderoso e maquiavélico ou lutando para manter unido um sistema decrépito. 
No seu discurso sobre o estado da nação, em fevereiro, Putin voltou a enfatizar a necessidade de deixar que os empresários trabalhem livremente. Observando que ele fez a mesma exigência em um discurso anterior, admitiu que “infelizmente, a situação não melhorou muito”. “Uma ditadura adequadamente conduzida parece muito diferente disto", afirmou Galeotti. Um autocrata controlado por 1.500 burocratas.

Visita a Israel: em lugar da embaixada, um escritorio comercial


A não transferência da embaixada do Brasil de Tel-Aviv para Jerusalém – uma ideia estúpida, de fundamentalistas evangélicos, não só contrária aos interesses nacionais do Brasil, mas também a resoluções do CSNU – foi obtida graças à pressão dos produtores e exportadores de carne halal, bem como de todos os membros ativos, e racionais, do agronegócio, bem como com ao veto da parte racional desse governo, os militares.
Mas cabe registrar, por importante, que esse expediente de "compensação", de abrir um escritório de "representação comercial" em Jerusalém, é em si mesmo uma decisão estúpida e irracional, pois vai gastar INUTILMENTE recursos da União – ou seja, de todos nós – para algo totalmente INADEQUADO, uma vez que Jerusalém é uma capital política, e todos os negócios importantes de Israel estão localizados proximamente ao Mediterrâneo, perto de Tel Aviv, Haifa e outras localidades.
Mais uma decisão estúpida, feita ideologicamente e não pela via racional da análise técnica de custo-benefício e sobretudo de custo-oportunidade. Desaprovo inteiramente, e se foi apoiado pelo MRE, já digo que o foi de forma estúpida e contraproducente, ao torrar inutilmente recursos extraídos do povo brasileiro. 

Quando é que o governo vai começar a atuar de forma racional?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30/03/2019

Brasil pode abandonar ideia de embaixada e montar escritório em Jerusalém
Até agora, apenas os Estados Unidos e a Guatemala mudaram o local de suas embaixadas de Tel Aviv para a cidade que é disputada por israelenses e palestinos
Jornal Zero Hora (RS), 29/03/2019

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) viajará no fim de semana a Israel com um problema: como cumprir a promessa feita ao premiê Benjamin Netanyahu de mudar a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém.
A solução que está sendo analisada, dadas as resistências cristalizadas à mudança, é o anúncio da abertura de um escritório de representação comercial em Jerusalém. O próprio Bolsonaro citou a possibilidade na quinta (28).
— Nós talvez abramos agora um escritório de negócios em Jerusalém. Por sinal, a questão de Israel, quem define as questões de Estado é o Estado de Israel e ponto final. Trump levou nove meses para decidir — afirmou.
Com isso, o discurso de que a transferência está em estudo ganha amparo em uma medida concreta. Tanto diplomatas brasileiros quanto o Ministério das Relações Exteriores de Israel já vinham trabalhando com a hipótese.
Dos dois lados, contudo, a reportagem ouviu que a conhecida imprevisibilidade de Bolsonaro impede uma certeza do que vai acontecer.
O tema gera confusão desde que, durante a campanha, Bolsonaro assumiu o compromisso de estabelecer uma embaixada em Jerusalém, o que contraria a tradição diplomática brasileira de seguir a orientação da ONU e esperar uma resolução do conflito entre israelenses e palestinos para definir o status da cidade que ambos os povos clamam como sua capital.
Mover a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém é reconhecer esse status, e foi uma das primeiras medidas do ídolo externo de Bolsonaro, o presidente americano Donald Trump. Até aqui, apenas a Guatemala fez o mesmo.
Netanyahu está sob pressão e pode perder o cargo nas eleições do dia 9 de abril. Na virada do ano, ele emprestou prestígio político a Bolsonaro comparecendo à posse do presidente, de quem ouviu que a mudança da embaixada seria uma questão de tempo.
A motivação inicial de Bolsonaro foi agradar aos evangélicos de raiz pentecostal, grupo que o apoiou na eleição. Eles acreditam que o Estado judeu merece estar nas terras bíblicas, e há uma leitura mais fundamentalista que crê na necessidade de Israel existir para que Jesus Cristo volte à Terra e cumpra as profecias do Apocalipse.
Bolsonaro, que é católico mas batizou-se evangélico para seguir a mulher em 2016, aparentemente não professa a segunda visão, milenarista. Mas citou mais de uma vez a "verdade bíblica" acerca de Israel e a necessidade de reconhecer o Estado integralmente. 
Assim que a ideia foi ventilada, produtores de carne brasileiros foram ao então governo Michel Temer levar a preocupação da categoria. O Brasil é um dos maiores exportadores de proteína animal halal, feita sob princípios de produção e abate islâmicos, e poderia perder mercados com uma atitude pró-Israel.
Após a eleição, a Liga Árabe externou publicamente a questão. Cerca de 40% da carne de frango e 45% da bovina exportados pelo Brasil são halal. A Arábia Saudita determinou embargo à compra de frango brasileiro, embora usando argumentos técnicos.
Com tudo isso, a ala militar do governo resolveu assumir a questão. Já em janeiro, quando estava interinamente na Presidência, o vice Hamilton Mourão baixou o tom da questão, dizendo ser apenas um estudo. Recebeu representantes árabes, deixando irritados diplomatas israelenses. Na sequência, o chanceler Ernesto Araújo adotou o mesmo discurso.
A aproximação entre os dois países, contudo, deverá prosseguir. É uma agenda prioritária de realinhamento brasileiro ao eixo político norte-americano, expresso por Bolsonaro e pelo chanceler.
Politicamente, o Brasil sempre foi defensor da solução de dois Estados na região, e nos últimos anos vinha tomando posições contrárias a Israel em fóruns da ONU, especialmente em relação aos direitos humanos.
Isso mudou na primeira votação envolvendo o país, na semana passada, naquilo que Araújo disse ser uma correção de rota permanente. Na quinta, Bolsonaro reforçou a posição. 
— Nós já começamos a votar de acordo com a verdade na ONU. Israel, EUA, Brasil e mais alguns outros países já começaram a votar diferentemente da forma tradicional, que era o lado da Palestina, por exemplo, e defendendo coisas voltadas a Cuba. Nós voltamos a uma realidade. Nós temos direitos humanos de verdade — afirmou.