Todo mundo tem dó dos coitadinhos. Só não se perguntam quem é que vai pagar a conta da caridade.
Alguns anos atrás, escrevi um artigo intitulado interrogativamente:
Estaria aumentando o número de idiotas no mundo? (podem procurar em meu site que está em algum lugar...)
Hoje eu já não perguntaria mais, pois tenho certeza que sim...
Paulo Roberto de Almeida
Não existe almoço de graça
LUIZ FELIPE PONDÉ
Folha de S.Paulo, 27/076/2011
"Bleeding hearts" é como são chamados pelos conservadores esses teenagers da política
A EUROPA ESTÁ em chamas pelo medo da dissolução da União Europeia. No Brasil, os defensores dos direitos dos imigrantes ilegais na Europa ainda se aferram à imagem adolescente de que o continente deve receber "todo mundo", numa conta infinita a ser paga pela colonização.
Não existe almoço de graça, mas tem muita gente, que normalmente não paga o almoço, que não sabe disso ou finge que não sabe.
A atitude é adolescente porque essa gente que grita contra a "direita" europeia (que cresce à medida que os países vão falindo) não pagaria um sanduíche para um estranho, mas acha que os europeus devem pagar comida, casa, hospital e escola até para os ilegais. A recusa em entender isso só piora as coisas.
O que me assusta é como gente grande pode ter sido contaminada por tamanha infantilidade em termos de análise política e social. O filósofo da vaidade, Rousseau (século 18), assim chamado por Burke (também do século 18), crítico dele e da revolução francesa, é muito responsável por esse absurdo, além do velho Marx.
"Bleeding hearts" é como são chamados pelos conservadores americanos esses teenagers da política.
O problema de países como Portugal, Espanha e Grécia é que não se pode ganhar como eles e gastar como franceses e alemães. Uma hora a casa cai.
Recentemente, conversando com um médico brasileiro que ficou um mês trabalhando num hospital importante em Bruxelas, especializado em câncer, fiquei sabendo dos absurdos do sistema de saúde da Bélgica.
A Bélgica deverá acabar em breve por conta do impasse de ser um país que reúne flamengos (etnicamente próximos dos holandeses) e belgas franceses e por isso não consegue formar um governo decente.
Lá, estrangeiros ilegais recebem mais direitos a tratamento médico do que cidadãos belgas. Funcionários belgas do hospital em questão falam disso com grande rancor. Quem aguenta isso?
Tudo bem que a Bélgica, dizem, foi o colonizador mais cruel da África (Joseph Conrad imortalizou a violência da colonização belga do Congo em seu monumental "Coração das Trevas"), mas até onde se pode pagar uma "conta" dessas?
Semelhante é o caso brasileiro e o absurdo do país ficar "sustentando" o Paraguai via Itaipu. Quando o governo brasileiro, por afinidade ideológica com o governo paraguaio, decide que deve aumentar a "contribuição" dada ao Paraguai por Itaipu, quem paga a conta é você através de seu trabalho e de suas agonias cotidianas. Legal, não? Você paga imposto para doar dinheiro para o Fernando Lugo, presidente do Paraguai, posar de "defensor de su pueblo".
Quando acordar de manhã, pense: "Opa, hoje tenho que correr de um lado para o outro pra mandar dinheiro para o Paraguai".
Claro que tem gente que diz que devemos muito ao Paraguai pelo que fizemos lá durante a Guerra do Paraguai, mas até onde essa história é verdadeira? Aconselho a leitura do "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil" do Leandro Narloch (Ed. LeYa), para aprender um pouco mais sobre esse mito que destruímos uma nação que marchava para ser um país perfeito sob a batuta de seu ditador Solano Lopez.
Calma, não se trata de ser insensível com o sofrimento dos mais fracos. Sei que o coro dos humilhados e ofendidos gritará, mas não o temo. Trata-se sim de perceber que o mundo não é o que um centro acadêmico pensa que é.
Pensemos numa situação hipotética. Imagine que tivéssemos um número gigantesco de imigrantes de países pobres entre nós. Agora imagine que eles tivessem mais direitos a saúde pública que você, que trabalha como um cão e que paga impostos extorsivos, como é o caso no Brasil e na Europa.
O que você pensaria disso? Você aceitaria sustentar pessoas que se mudam para a sua casa a fim de lá viver às suas custas?
Alguém sempre paga a conta e quando se tenta fechar os olhos à sangria que é bancar o crescimento de imigrantes (ilegais ou não) na Europa, a tendência inevitável é que radicais de direita sejam eleitos.
Quando você se "revoltar" contra isso, doe uma parte da sua grana para a África.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
segunda-feira, 27 de junho de 2011
Com acucar, sem afeto...: o avanco do diabetes pelo mundo afora
Provavelmente os mais açucólatras do mundo são os habitantes da Micronésia, numa das raras demonstrações de suicídio coletivo que possa existir...
Charts, maps and infographics
Daily chart - Diabetes
Sugar rush
The Economist, June 27th 2011
The progress of a disease over thirty years
THE number of adults with diabetes more than doubled between 1980 and 2008, according to a new study led by Professor Majid Ezzati of Imperial College London and Goodarz Danaei at Harvard University and published in the Lancet. This jump is not quite as horrific as the numbers might initially suggest, because ageing helped push up rates. But a good 30% of the increase was caused by higher prevalence of diabetes across age groups. Obesity seems to be a main culprit; the authors found a high correlation between rising rates of diabetes and a rise in body mass index. The global leap masks considerable variation between the sexes and among regions. Across the world the rate of diabetes rose by 18% for men and by 23% for women, to 9.8% and 9.2% respectively. In some countries the gap between the sexes was more dramatic. In Pakistan, for example, rates jumped by 46% for men and by 102% for women. The highest incidence of all is found in the Marshall Islands, where more than a quarter of all adults had diabetes in 2008. America has lived up to its hefty reputation. Women’s rate of diabetes jumped 79%, something that has contributed to a decline in life expectancy among some groups. And once again, French women are the envy of the world. Rates there fell by 11.2%.
Charts, maps and infographics
Daily chart - Diabetes
Sugar rush
The Economist, June 27th 2011
The progress of a disease over thirty years
THE number of adults with diabetes more than doubled between 1980 and 2008, according to a new study led by Professor Majid Ezzati of Imperial College London and Goodarz Danaei at Harvard University and published in the Lancet. This jump is not quite as horrific as the numbers might initially suggest, because ageing helped push up rates. But a good 30% of the increase was caused by higher prevalence of diabetes across age groups. Obesity seems to be a main culprit; the authors found a high correlation between rising rates of diabetes and a rise in body mass index. The global leap masks considerable variation between the sexes and among regions. Across the world the rate of diabetes rose by 18% for men and by 23% for women, to 9.8% and 9.2% respectively. In some countries the gap between the sexes was more dramatic. In Pakistan, for example, rates jumped by 46% for men and by 102% for women. The highest incidence of all is found in the Marshall Islands, where more than a quarter of all adults had diabetes in 2008. America has lived up to its hefty reputation. Women’s rate of diabetes jumped 79%, something that has contributed to a decline in life expectancy among some groups. And once again, French women are the envy of the world. Rates there fell by 11.2%.
Brasil amplia leque de relacoes diplomaticas - Correio Braziliense
Diplomacia brasileira ganha força no país e no exterior
Tatiana Sabadini
Correio Braziliense, 26/06/2011
Aos 51 anos, Brasília hospeda 124 embaixadas e é a 13ª capital mais "frequentada" do mundo. Número de representações do país no estrangeiro também tem grande expansão
Brasília – Faltavam dois meses para inauguração da capital federal, em 1960, quando a primeira embaixada estrangeira foi inaugurada. Cinco décadas depois, a envergadura da política externa e a importância do Brasil como ator global fizeram do país destino cobiçado de missões internacionais. Brasília ocupa hoje a 13ª posição entre as 20 principais sedes de postos diplomáticos, à frente de capitais europeias como Madri e Viena. É a única representante da América do Sul no ranking.
A capital chega ao cinquentenário hospedando representações de 124 países e consolida uma posição de destaque. "É algo muito significativo para o Brasil. É sinal de grande interesse em um relacionamento com o país", afirma Tovar da Silva Nunes, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
Atualmente, mais 13 países demonstram interesse em abrir embaixada no Brasil, segundo apuração da reportagem. Entre eles estão Afeganistão, Butão, Cazaquistão, Ilhas Fiji, Jamaica, Mongólia e Serra Leoa. Em recente visita a Washington, o chanceler Antonio Patriota reuniu-se com uma delegação do Barein, que também manifestou desejo de ampliar sua representação em Brasília, gesto que poderá ter a recíproca por parte do governo brasileiro. Para instalar uma missão em outro país, é necessário seguir um processo administrativo definido na convenção sobre relações diplomáticas. A ação pode durar dias ou meses e depende muito da rapidez do requisitante.
A escolha do embaixador é um ponto importante para o desenvolvimento da relação bilateral. Para começar, ele precisa ser aprovado pelo governo anfitrião e ter conhecimento para representar seu papel. "É ele quem interpreta o que é possível em um relacionamento bilateral e quais são os valores de um país. Ele nos indica o melhor caminho para a interlocução", aponta Tovar Nunes. Segundo o diplomata, a grande tarefa está em "decodificar os modos de comportamento de um país e seus interesses políticos e econômicos".
RECÉM-CHEGADOS
O Brasil recebeu 28 novas embaixadas desde 2003, grande parte de países africanos. O interesse cresceu com a mudança política externa no governo Lula, que multiplicou as representações brasileiras na África. "A evolução favorável dos países emergentes ajudou o governo a desenvolver isso, e a atuação do ex-presidente, pelo carisma e pela perseverança na cooperação com a África e a Ásia, determinou o aumento do interesse pelo Brasil", afirma o porta-voz do MRE.
Entre as missões diplomáticas que desembarcaram em Brasília nos últimos oitos anos está a de Barbados. A pequena ilha caribenha instalou seu representante em fevereiro de 2010, de olhos na cooperação sul-sul. "O Brasil é uma das grandes economias emergentes e tem um papel importante no nível regional e internacional. Na última década, nossa relação cresceu e temos acordos na área de saúde, técnica, educacional e cultural. Esperamos ajudar nossos empresários a desenvolver relações comerciais e esperamos que exista uma missão de comércio no Brasil, em futuro próximo", comenta a embaixadora Yvette A. Goddard.
Muitos países decidem fincar sua bandeira no Brasil, apesar da distância geográfica e cultural, pela importância internacional. "Para a amizade, nenhuma distância é muito grande", afirma Syed Ahmed Maroof, ministro da embaixada do Paquistão. "Nós trabalhamos juntos para expandir as relações bilaterais em todas as áreas, com um foco maior em projetos econômicos. As ligações de negócios entre os dois países estão crescendo fortemente, até mesmo neste aspecto as distâncias geográficas não têm significado", completa.
O Brasil mantém 132 embaixadas e, desde 2002, abriu 218 postos – entre eles também consulados, escritórios e representações. Agora, no governo Dilma Rousseff, o país não deve ampliar os horizontes diplomáticos na mesma intensidade dos últimos oito anos. A única embaixada aberta em 2011 foi em Libreville, no Gabão. "Por enquanto, é difícil expandir, porque já abrimos (representações) em muitos países. Estamos em um momento de estabilidade, empenhados a desenvolver o trabalho nesses postos, e estamos colhendo os frutos de uma crença no diálogo com a África", declara Tovar Nunes.
Tatiana Sabadini
Correio Braziliense, 26/06/2011
Aos 51 anos, Brasília hospeda 124 embaixadas e é a 13ª capital mais "frequentada" do mundo. Número de representações do país no estrangeiro também tem grande expansão
Brasília – Faltavam dois meses para inauguração da capital federal, em 1960, quando a primeira embaixada estrangeira foi inaugurada. Cinco décadas depois, a envergadura da política externa e a importância do Brasil como ator global fizeram do país destino cobiçado de missões internacionais. Brasília ocupa hoje a 13ª posição entre as 20 principais sedes de postos diplomáticos, à frente de capitais europeias como Madri e Viena. É a única representante da América do Sul no ranking.
A capital chega ao cinquentenário hospedando representações de 124 países e consolida uma posição de destaque. "É algo muito significativo para o Brasil. É sinal de grande interesse em um relacionamento com o país", afirma Tovar da Silva Nunes, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
Atualmente, mais 13 países demonstram interesse em abrir embaixada no Brasil, segundo apuração da reportagem. Entre eles estão Afeganistão, Butão, Cazaquistão, Ilhas Fiji, Jamaica, Mongólia e Serra Leoa. Em recente visita a Washington, o chanceler Antonio Patriota reuniu-se com uma delegação do Barein, que também manifestou desejo de ampliar sua representação em Brasília, gesto que poderá ter a recíproca por parte do governo brasileiro. Para instalar uma missão em outro país, é necessário seguir um processo administrativo definido na convenção sobre relações diplomáticas. A ação pode durar dias ou meses e depende muito da rapidez do requisitante.
A escolha do embaixador é um ponto importante para o desenvolvimento da relação bilateral. Para começar, ele precisa ser aprovado pelo governo anfitrião e ter conhecimento para representar seu papel. "É ele quem interpreta o que é possível em um relacionamento bilateral e quais são os valores de um país. Ele nos indica o melhor caminho para a interlocução", aponta Tovar Nunes. Segundo o diplomata, a grande tarefa está em "decodificar os modos de comportamento de um país e seus interesses políticos e econômicos".
RECÉM-CHEGADOS
O Brasil recebeu 28 novas embaixadas desde 2003, grande parte de países africanos. O interesse cresceu com a mudança política externa no governo Lula, que multiplicou as representações brasileiras na África. "A evolução favorável dos países emergentes ajudou o governo a desenvolver isso, e a atuação do ex-presidente, pelo carisma e pela perseverança na cooperação com a África e a Ásia, determinou o aumento do interesse pelo Brasil", afirma o porta-voz do MRE.
Entre as missões diplomáticas que desembarcaram em Brasília nos últimos oitos anos está a de Barbados. A pequena ilha caribenha instalou seu representante em fevereiro de 2010, de olhos na cooperação sul-sul. "O Brasil é uma das grandes economias emergentes e tem um papel importante no nível regional e internacional. Na última década, nossa relação cresceu e temos acordos na área de saúde, técnica, educacional e cultural. Esperamos ajudar nossos empresários a desenvolver relações comerciais e esperamos que exista uma missão de comércio no Brasil, em futuro próximo", comenta a embaixadora Yvette A. Goddard.
Muitos países decidem fincar sua bandeira no Brasil, apesar da distância geográfica e cultural, pela importância internacional. "Para a amizade, nenhuma distância é muito grande", afirma Syed Ahmed Maroof, ministro da embaixada do Paquistão. "Nós trabalhamos juntos para expandir as relações bilaterais em todas as áreas, com um foco maior em projetos econômicos. As ligações de negócios entre os dois países estão crescendo fortemente, até mesmo neste aspecto as distâncias geográficas não têm significado", completa.
O Brasil mantém 132 embaixadas e, desde 2002, abriu 218 postos – entre eles também consulados, escritórios e representações. Agora, no governo Dilma Rousseff, o país não deve ampliar os horizontes diplomáticos na mesma intensidade dos últimos oito anos. A única embaixada aberta em 2011 foi em Libreville, no Gabão. "Por enquanto, é difícil expandir, porque já abrimos (representações) em muitos países. Estamos em um momento de estabilidade, empenhados a desenvolver o trabalho nesses postos, e estamos colhendo os frutos de uma crença no diálogo com a África", declara Tovar Nunes.
A piada da semana: ministro quer hackers no governo...
Poderia ser uma piada por dia, pois existe material para tanto, mas vamos ficar na piada da semana, para não inflacionar demais este blog com coisas de baixa qualidade intelectual, o que desmentiria a sua vocação para debates inteligentes.
Uma distração com besteirol por semana basta.
Portanto, vamos ao que leio na manchete do dia:
Ministro quer chamar hackers para trabalhar no governo
(Agência Estado)
Mercadante minimizou ataques; segundo ele, ativistas ajudariam a modernizar os portais do Planalto
Bem, eu não tenho nenhuma dúvida de que os hackers -- que o ministro chama de ativistas, enquadrando-os, portanto, na mesma categoria do terrorista italiano que é bem-vindo no Brasil e logo ganhará um emprego de escritor oficial de alguma ONG, ou quem sabe até?, no governo -- fariam muito, e facilmente, para melhorar um governo que parece claudicar no caminho da modernidade (onde mesmo fica a direção da modernidade?).
Resta saber apenas se eles serão pagos por tarefa, por dia (ou por hora), ou se serão contratados por um determinado período...
Paulo Roberto de Almeida
========
Addendum em 28/06/2011:
Enviado por meu amigo Mario Machado, que merece esta promoção de comentário:
Seguindo a mesma lógica: Contrabandistas e traficantes ajudam a modernizar a segurança das fronteiras. E os bandidos que fogem da cadeia cumprem dever patriótico de reforçar a segurança dos presídios.
Uma distração com besteirol por semana basta.
Portanto, vamos ao que leio na manchete do dia:
Ministro quer chamar hackers para trabalhar no governo
(Agência Estado)
Mercadante minimizou ataques; segundo ele, ativistas ajudariam a modernizar os portais do Planalto
Bem, eu não tenho nenhuma dúvida de que os hackers -- que o ministro chama de ativistas, enquadrando-os, portanto, na mesma categoria do terrorista italiano que é bem-vindo no Brasil e logo ganhará um emprego de escritor oficial de alguma ONG, ou quem sabe até?, no governo -- fariam muito, e facilmente, para melhorar um governo que parece claudicar no caminho da modernidade (onde mesmo fica a direção da modernidade?).
Resta saber apenas se eles serão pagos por tarefa, por dia (ou por hora), ou se serão contratados por um determinado período...
Paulo Roberto de Almeida
========
Addendum em 28/06/2011:
Enviado por meu amigo Mario Machado, que merece esta promoção de comentário:
Seguindo a mesma lógica: Contrabandistas e traficantes ajudam a modernizar a segurança das fronteiras. E os bandidos que fogem da cadeia cumprem dever patriótico de reforçar a segurança dos presídios.
Governo barata tonta: custos da indefinicao - Marcelo de Paiva Abreu
Gastar menos e gastar melhor
Marcelo de Paiva Abreu*
O Estado de São Paulo, segunda-feira, 23.6.2011
As notícias das últimas semanas sugerem que o governo está ilhado e paralisado. Em política, a natureza também detesta o vácuo. Sucessivas crises políticas que põem em risco a brancaleônica coalizão governamental emergem em meio a marchas e contramarchas envolvendo temas em muitos casos de importância secundária. Enquanto isso, o governo mostra carecer de plano de voo em relação a decisões que são vitais para que o País cresça de forma rápida e sustentada nas próximas décadas.
Em meio às controvérsias sobre o caso Battisti, regras sobre o prazo de sigilo de documentos e o fantástico auxílio-refeição dos juízes, o debate sobre os assuntos econômicos continua atolado na cantilena habitual sobre o quanto a taxa cambial está sobrevalorizada e como o Brasil é recordista mundial no quesito taxas de juros reais positivas. Sempre omitindo o espetacular desempenho brasileiro no ranking mundial de distribuição de crédito público subsidiado.
É cansativo insistir: a alta taxa de juros reais resulta da necessidade de conter (ou tentar conter) a inflação nos limites determinados pelo regime de metas, dada a política fiscal. Alterações significativas da política de juros requereriam ou a "flexibilização" do regime de metas, permitindo inflação maior, ou a mudança de postura quanto à política fiscal, deixando de acomodar aumento de despesas com aumentos da carga tributária. O banzo com relação a políticas de intervenção com foco em juros e câmbio deve ser exorcizado.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo encomendou ao Instituto Ipsus pesquisa sobre "o que faria você perder o sono?". A resposta de 26% dos entrevistados identificou a inflação (e 7%, o aumento de taxas e impostos). Entre os mais velhos, que têm memória inflacionária direta, a proporção sobe a quase 40%. Algo para ser digerido antes de declarações precedendo a próxima reunião do Copom...
Se o regime de metas deve pelo menos manter as metas inflacionárias atuais, o caminho que resta ao governo, ao engajar-se em esforço coerente de redução das taxas de juros reais, tem que ver com as contas públicas, de tal forma que a poupança pública volte a ser significativa e cumpra o seu papel de catalisadora da poupança privada.
É natural que o ritmo de crescimento da economia concentre as preocupações do governo. Aumentar a taxa de crescimento desejada para algo em torno de 5% ao ano requer investimentos como proporção do PIB da ordem de 23%. Prioridade no aumento da poupança pública faz parte essencial de um processo de aumento gradual da poupança doméstica e consequente redução da necessidade de poupança externa.
As preocupações governamentais não se devem centrar exclusivamente nos níveis de investimento, mas também devem levar em conta em que medida aumentos na relação investimento/PIB refletem aumentos efetivos de capacidade produtiva. Se os gastos de investimento estiverem concentrados na aquisição de máquinas e equipamentos ou contratação de serviços de construção a preços elevados, a criação de efetiva capacidade produtiva será consequentemente reduzida. Manter o custo do investimento sob controle deve fazer parte da estratégia do governo quanto à manutenção do crescimento econômico. Isso significa pôr o foco sobre os custos de máquinas e equipamentos (cerca de 50% da formação bruta de capital) e da construção civil (cerca de um terço).
Embora as estatísticas brasileiras sobre investimentos no longo prazo sejam notoriamente deficientes, não há dúvida de que, em diversos momentos, as altas taxas de formação bruta de capital fixo em parte refletiram o aumento de preços relativos de máquinas e equipamentos, bem como de construção, num mercado fechado à concorrência internacional e desprovido de disciplinas efetivas de regulação da concorrência. A inflação alta também teve o seu papel.
Embora seja importante preservar a capacidade doméstica de produzir bens de capital, é preciso ter em mente que a manutenção de tarifa de importação sobre bens de capital relativamente alta (mesmo levando em conta as reduções referentes aos ex-tarifários) tem implicações relevantes sobre o custo do investimento. A política de compras da Petrobrás ilustra o argumento. Ao optar por um produtor nacional até o limite de preços de 35% acima dos preços praticados por produtores internacionais, revela a grande importância que atribui à criação de capacidade produtiva doméstica de equipamentos para a indústria petrolífera, mas onera significativamente seus custos de investimento, sem preocupações de definir a redução das margens de proteção no decorrer do tempo. Da mesma forma, há espaço para a adoção de políticas que estimulem a concorrência na provisão de serviços de construção civil com impacto significativo no custo do investimento.
A estratégia econômica do governo deveria ter como mote: "gastar menos e gastar melhor". Remanejamentos recentes da equipe governamental sugerem grande preocupação com a eficácia gerencial. Mesmo que se aceite que essa eficácia foi comprovada - algo que poderia ser questionado -, o que se pergunta é: de que adianta talento gerencial, se o projeto do governo não tem rumo?
*Doutor em Economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular no Departamento de Economia da PUC-Rio.
Marcelo de Paiva Abreu*
O Estado de São Paulo, segunda-feira, 23.6.2011
As notícias das últimas semanas sugerem que o governo está ilhado e paralisado. Em política, a natureza também detesta o vácuo. Sucessivas crises políticas que põem em risco a brancaleônica coalizão governamental emergem em meio a marchas e contramarchas envolvendo temas em muitos casos de importância secundária. Enquanto isso, o governo mostra carecer de plano de voo em relação a decisões que são vitais para que o País cresça de forma rápida e sustentada nas próximas décadas.
Em meio às controvérsias sobre o caso Battisti, regras sobre o prazo de sigilo de documentos e o fantástico auxílio-refeição dos juízes, o debate sobre os assuntos econômicos continua atolado na cantilena habitual sobre o quanto a taxa cambial está sobrevalorizada e como o Brasil é recordista mundial no quesito taxas de juros reais positivas. Sempre omitindo o espetacular desempenho brasileiro no ranking mundial de distribuição de crédito público subsidiado.
É cansativo insistir: a alta taxa de juros reais resulta da necessidade de conter (ou tentar conter) a inflação nos limites determinados pelo regime de metas, dada a política fiscal. Alterações significativas da política de juros requereriam ou a "flexibilização" do regime de metas, permitindo inflação maior, ou a mudança de postura quanto à política fiscal, deixando de acomodar aumento de despesas com aumentos da carga tributária. O banzo com relação a políticas de intervenção com foco em juros e câmbio deve ser exorcizado.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo encomendou ao Instituto Ipsus pesquisa sobre "o que faria você perder o sono?". A resposta de 26% dos entrevistados identificou a inflação (e 7%, o aumento de taxas e impostos). Entre os mais velhos, que têm memória inflacionária direta, a proporção sobe a quase 40%. Algo para ser digerido antes de declarações precedendo a próxima reunião do Copom...
Se o regime de metas deve pelo menos manter as metas inflacionárias atuais, o caminho que resta ao governo, ao engajar-se em esforço coerente de redução das taxas de juros reais, tem que ver com as contas públicas, de tal forma que a poupança pública volte a ser significativa e cumpra o seu papel de catalisadora da poupança privada.
É natural que o ritmo de crescimento da economia concentre as preocupações do governo. Aumentar a taxa de crescimento desejada para algo em torno de 5% ao ano requer investimentos como proporção do PIB da ordem de 23%. Prioridade no aumento da poupança pública faz parte essencial de um processo de aumento gradual da poupança doméstica e consequente redução da necessidade de poupança externa.
As preocupações governamentais não se devem centrar exclusivamente nos níveis de investimento, mas também devem levar em conta em que medida aumentos na relação investimento/PIB refletem aumentos efetivos de capacidade produtiva. Se os gastos de investimento estiverem concentrados na aquisição de máquinas e equipamentos ou contratação de serviços de construção a preços elevados, a criação de efetiva capacidade produtiva será consequentemente reduzida. Manter o custo do investimento sob controle deve fazer parte da estratégia do governo quanto à manutenção do crescimento econômico. Isso significa pôr o foco sobre os custos de máquinas e equipamentos (cerca de 50% da formação bruta de capital) e da construção civil (cerca de um terço).
Embora as estatísticas brasileiras sobre investimentos no longo prazo sejam notoriamente deficientes, não há dúvida de que, em diversos momentos, as altas taxas de formação bruta de capital fixo em parte refletiram o aumento de preços relativos de máquinas e equipamentos, bem como de construção, num mercado fechado à concorrência internacional e desprovido de disciplinas efetivas de regulação da concorrência. A inflação alta também teve o seu papel.
Embora seja importante preservar a capacidade doméstica de produzir bens de capital, é preciso ter em mente que a manutenção de tarifa de importação sobre bens de capital relativamente alta (mesmo levando em conta as reduções referentes aos ex-tarifários) tem implicações relevantes sobre o custo do investimento. A política de compras da Petrobrás ilustra o argumento. Ao optar por um produtor nacional até o limite de preços de 35% acima dos preços praticados por produtores internacionais, revela a grande importância que atribui à criação de capacidade produtiva doméstica de equipamentos para a indústria petrolífera, mas onera significativamente seus custos de investimento, sem preocupações de definir a redução das margens de proteção no decorrer do tempo. Da mesma forma, há espaço para a adoção de políticas que estimulem a concorrência na provisão de serviços de construção civil com impacto significativo no custo do investimento.
A estratégia econômica do governo deveria ter como mote: "gastar menos e gastar melhor". Remanejamentos recentes da equipe governamental sugerem grande preocupação com a eficácia gerencial. Mesmo que se aceite que essa eficácia foi comprovada - algo que poderia ser questionado -, o que se pergunta é: de que adianta talento gerencial, se o projeto do governo não tem rumo?
*Doutor em Economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular no Departamento de Economia da PUC-Rio.
Toda solidariedade aos anarquistas: uma seita destinada a durar...
Gostaria de expressar minha solidariedade aos anarquistas, uma tribo que resiste bem aos humores do tempo, e às mudanças do capitalismo (e do socialismo também).
Como eles nunca se deixaram seduzir pelo culto irracional dos marxistas ao poder do Estado, e aos equívocos monumentais do planejamento econômico centralizado, eles conservam intacta sua crença (infundada, claro) na possibilidade de abolição do Estado e da auto-organização dos trabalhadores (sempre existe uma esperança).
Eles não se contaminaram, assim, com as imensas bobagens cometidas pelos socialistas marxistas ao longo do século XX, como tampouco com os crimes cometidos em nome da fidelidade à causa do comunismo de tipo soviético, embora possam partilhar de algumas outras ilusões comunistas e ter cometido também sua cota de crimes políticos (na guerra civil espanhola, por exemplo, quando saíram fuzilando padres e freiras a torto e à direita, mas não à esquerda...).
Quanto ao dilema colocado pelo companheiro, ou camarada Danton (belo nome este, que não sei se é verdadeiro, ou apenas emprestado), sobre a encruzilhada do movimento anarquista, sinto decepcioná-lo e confirmar que minha opção vai por este caminho:
o movimento anarquista terá de se conformar, infelizmente "com a posição de crítico eterno situado além do bem e do mal (ou seja, além da prática): umbiguista, isolado, preocupado somente em manter a pureza dos quatro dogmas."
Acho que é isso, pois a outra opção, dar um
"salto qualitativo e decid[ir] converter-se em uma contribuição para os movimentos populares, cumprindo dessa maneira seu objetivo como movimento revolucionário",
não está em seu alcance fazê-lo, pois não existem classes sociais (menos ainda os trabalhadores) ou grupos outros que pretendam empreender uma ascensão e um processo revolucionário no Brasil. As classes populares estão mais interessadas em continuar consumindo o que for possível, comprar seus bens duráveis, e as classes verdadeiramente subalternas só querem ganhar uma prebenda do governo. Banqueiros e industriais, como de resto os capitalistas em geral, estão muito bem e não tem o que reclamar do atual governo da classe operária no Brasil, que quase já chegou ao paraíso (pelo menos a máfia sindical que a comanda).
Quanto aos anarquistas universitários, que são os que agitam essa seita, e publicam esses livros, eles vão continuar lutando pelos seus salários no sistema esclerosado da universidade pública e condenando o Estado burguês e a sociedade capitalista por essas injustiças.
Assim segue o mundo.
Paulo Roberto de Almeida
A Faísca Publicações Libertárias, do Brasil, anuncia a publicação do livro:
Problemas e Possibilidades do Anarquismo
de José Antônio Gutierrez Danton,
uma compilação de artigos realizada pelos organizadores, cujo conteúdo está a seguir:
Apresentação
Felipe Corrêa e Daniel Augusto de Almeida Alves
Algumas Palavras sobre a Razão de Ser deste Livro
A Organização Revolucionária Anarquista
América Latina: Problemas e possibilidades para o anarquismo
Os Problemas Colocados pela Luta de Classes Concreta e pela Organização Popular: Reflexões a partir de uma perspectiva anarco-comunista
Considerações sobre o Programa Anarquista
Sobre a Política de Alianças
Problemas em torno da construção de um pólo libertário de luta
A Importância da Crítica para o Desenvolvimento do Movimento Revolucionário
"Creio que o movimento anarquista está em uma encruzilhada: ou dá o salto qualitativo e decide converter-se em uma contribuição para os movimentos populares, cumprindo dessa maneira seu objetivo como movimento revolucionário, ou, pelo contrário, se conforma com a posição de crítico
eterno situado além do bem e do mal (ou seja, além da prática): umbiguista, isolado, preocupado somente em manter a pureza dos quatro dogmas. [...] Talvez não estejamos de acordo em tudo o que está dito aqui, mas talvez estejamos de acordo no mais importante, que é como fazer do anarquismo revolucionário algo relevante para esses milhões de pessoas que buscam uma sociedade diferente, mais justa e mais humana."
José Antonio Gutiérrez Danton
Ver a capa: http://www.anarkismo.net/article/19934
Em breve será publicada no portal Anarkismo.net uma resenha de um dos
apresentadores e organizador da compilação.
Related Link: http://www.editorafaisca.net.
Como eles nunca se deixaram seduzir pelo culto irracional dos marxistas ao poder do Estado, e aos equívocos monumentais do planejamento econômico centralizado, eles conservam intacta sua crença (infundada, claro) na possibilidade de abolição do Estado e da auto-organização dos trabalhadores (sempre existe uma esperança).
Eles não se contaminaram, assim, com as imensas bobagens cometidas pelos socialistas marxistas ao longo do século XX, como tampouco com os crimes cometidos em nome da fidelidade à causa do comunismo de tipo soviético, embora possam partilhar de algumas outras ilusões comunistas e ter cometido também sua cota de crimes políticos (na guerra civil espanhola, por exemplo, quando saíram fuzilando padres e freiras a torto e à direita, mas não à esquerda...).
Quanto ao dilema colocado pelo companheiro, ou camarada Danton (belo nome este, que não sei se é verdadeiro, ou apenas emprestado), sobre a encruzilhada do movimento anarquista, sinto decepcioná-lo e confirmar que minha opção vai por este caminho:
o movimento anarquista terá de se conformar, infelizmente "com a posição de crítico eterno situado além do bem e do mal (ou seja, além da prática): umbiguista, isolado, preocupado somente em manter a pureza dos quatro dogmas."
Acho que é isso, pois a outra opção, dar um
"salto qualitativo e decid[ir] converter-se em uma contribuição para os movimentos populares, cumprindo dessa maneira seu objetivo como movimento revolucionário",
não está em seu alcance fazê-lo, pois não existem classes sociais (menos ainda os trabalhadores) ou grupos outros que pretendam empreender uma ascensão e um processo revolucionário no Brasil. As classes populares estão mais interessadas em continuar consumindo o que for possível, comprar seus bens duráveis, e as classes verdadeiramente subalternas só querem ganhar uma prebenda do governo. Banqueiros e industriais, como de resto os capitalistas em geral, estão muito bem e não tem o que reclamar do atual governo da classe operária no Brasil, que quase já chegou ao paraíso (pelo menos a máfia sindical que a comanda).
Quanto aos anarquistas universitários, que são os que agitam essa seita, e publicam esses livros, eles vão continuar lutando pelos seus salários no sistema esclerosado da universidade pública e condenando o Estado burguês e a sociedade capitalista por essas injustiças.
Assim segue o mundo.
Paulo Roberto de Almeida
A Faísca Publicações Libertárias, do Brasil, anuncia a publicação do livro:
Problemas e Possibilidades do Anarquismo
de José Antônio Gutierrez Danton,
uma compilação de artigos realizada pelos organizadores, cujo conteúdo está a seguir:
Apresentação
Felipe Corrêa e Daniel Augusto de Almeida Alves
Algumas Palavras sobre a Razão de Ser deste Livro
A Organização Revolucionária Anarquista
América Latina: Problemas e possibilidades para o anarquismo
Os Problemas Colocados pela Luta de Classes Concreta e pela Organização Popular: Reflexões a partir de uma perspectiva anarco-comunista
Considerações sobre o Programa Anarquista
Sobre a Política de Alianças
Problemas em torno da construção de um pólo libertário de luta
A Importância da Crítica para o Desenvolvimento do Movimento Revolucionário
"Creio que o movimento anarquista está em uma encruzilhada: ou dá o salto qualitativo e decide converter-se em uma contribuição para os movimentos populares, cumprindo dessa maneira seu objetivo como movimento revolucionário, ou, pelo contrário, se conforma com a posição de crítico
eterno situado além do bem e do mal (ou seja, além da prática): umbiguista, isolado, preocupado somente em manter a pureza dos quatro dogmas. [...] Talvez não estejamos de acordo em tudo o que está dito aqui, mas talvez estejamos de acordo no mais importante, que é como fazer do anarquismo revolucionário algo relevante para esses milhões de pessoas que buscam uma sociedade diferente, mais justa e mais humana."
José Antonio Gutiérrez Danton
Ver a capa: http://www.anarkismo.net/article/19934
Em breve será publicada no portal Anarkismo.net uma resenha de um dos
apresentadores e organizador da compilação.
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Juros no Brasil - Ilan Goldfajn (um debate relevante)
A longa travessia para a normalidade: juros reais no Brasil
Ilan Goldfajn
Valor Econômico, 27/06/2011, pág. A14
Quanto mais os indivíduos preferem o consumo à poupança no presente, maior é taxa de equilíbrio.
São Paulo - Parece uma eternidade. Mas foi há menos de uma década. O circo estava pegando fogo e eu me sentei para escrever um texto1. Não era algo natural. A crise de 2002 estava instalada e, na diretoria do Banco Central (BC), nos ocupávamos do intenso dia a dia. O Brasil estava no meio do furacão e a comunidade internacional duvidava que a dívida pública brasileira seria paga. O texto argumentava que não havia razões econômicas para essa dúvida e que a trajetória da dívida futura era declinante (tinha projeções até o distante 2011!). Deve ter sido um dos textos mais contestados da minha carreira. O final, como sabemos, foi feliz. O Brasil teve uma década de sucesso e a dívida declinou de 63%, na época, para em torno de 40% do Produto Interno Bruto (PIB), hoje.
Mas nessa viagem ao passado, um fenômeno salta aos olhos. Na época, projetávamos manutenção dos superávits fiscais primários, crescimento razoável, câmbio mais apreciado (no auge da crise chegou a cerca de US$ 4 reais) e juros menores. Tudo mais ou menos em linha com o ocorrido. Mas os juros reais no Brasil permanecem acima do padrão internacional, mesmo de países de similar desenvolvimento.
Não quer dizer que os juros tenham permanecido nos mesmos patamares do passado. De fato, a economia brasileira tem experimentado uma tendência de queda dos juros reais nos últimos anos, principalmente após a adoção do regime de metas de inflação em 1999. As taxas de juros reais básicas no Brasil recuaram de 11,4% ao ano, em média, no período entre janeiro de 2000 e junho de 2004, para 9,7% entre julho de 2004 e dezembro de 2008, e para próximo de 7% mais recentemente. Mas esta ainda é uma taxa muita alta para uma economia estável e próspera como o Brasil nos últimos anos.
Como mostrado por Bacha2, há evidências empíricas de redução do juro real no Brasil em relação ao resto do mundo, e a diferença entre essas duas taxas diminuiu com a adoção do regime de metas de inflação. No entanto, controlando para os ciclos econômicos no Brasil e no resto do mundo, e para a inércia do ajustamento, a diferença entre as duas taxas permanece elevada.
"Redução do diferencial de juros exige ajuste fiscal que controle o crescimento dos gastos do governo"
Não considero que o alto nível da taxa de juros no Brasil seja um fenômeno permanente. Na sua travessia, o Brasil precisa gerar as condições para passar a ter uma taxa de juros baixa. É uma tarefa difícil, mas não intransponível. Há vários casos bem-sucedidos de redução de juros em países emergentes. A Turquia, no começo de 2003, amargava juros reais (acima da inflação) de 25% ao ano, e depois conseguiu que suas taxas convergissem para níveis de um dígito. A Polônia derrubou sua taxa de juros reais de 9% ao ano para 3%, a partir de 2001. Na América Latina, ocorreu o mesmo. No Chile, as taxas caíram de 8% para 3%, assim como houve quedas significativas no Peru.
A pergunta no Brasil é por que a transição para um patamar de juros reais tem sido tão lenta?
Tenho preferência pelas explicações fundamentais. Entendo a taxa de juro real de equilíbrio (ou neutro) como aquela que permite ao Brasil crescer no seu potencial, sem gerar pressões inflacionárias. Essa taxa depende das condições econômicas como a estabilidade, o risco percebido, a produtividade, a política fiscal (crescimento de gastos), assim como das distorções ainda existentes da economia brasileira. Depende também de quanto os brasileiros estão dispostos a poupar, em vez de consumir hoje. Quanto mais os indivíduos preferem o consumo no presente, maior é taxa de juro real de equilíbrio.
A alternativa de os juros altos serem resultado de equívocos de política monetária (mais altos que o necessário) não é compatível com os dados, pois teriam de ter durado por décadas e levariam a forças deflacionárias, com inflação sistematicamente abaixo das metas, o que não tem sido o caso.
O entendimento de por que os juros ainda são tão altos passa pela compreensão cuidadosa de seus determinantes. Na busca pelos determinantes é interessante distingui-los pela sua relevância temporal na taxa de juros de equilíbrio. Alguns podem impactar a taxa de equilíbrio apenas no curto prazo, enquanto outros mudam sua trajetória de longo prazo.
O juro real neutro de longo prazo depende dos fundamentos da economia, de fatores estruturais, alguns mencionados acima, como a produtividade, preferências intertemporais, prêmio de risco soberano, dívida pública, prêmio de risco de inflação, questões institucionais, etc. São fatores diretamente associados ao comportamento da poupança no longo prazo.
"O melhor a fazer é conduzir a política monetária de forma pragmática e avaliar continuamente o seu impacto"
O juro real de equilíbrio de curto prazo depende do juro real de longo prazo e de elementos conjunturais. Mudanças temporárias no ritmo de crescimento da economia global, assim como acelerações cíclicas no gasto do governo ou alterações na taxa de câmbio real afetam o juro real de equilíbrio no curto prazo.
Introduzo aqui já a minha preferência pela explicação da insuficiência de poupança doméstica, como já introduzido por André Lara Resende3 neste espaço, como explicação para a manutenção dos juros altos nessa transição para a normalidade. Os juros servem para inibir o consumo privado e estimular a poupança, na ausência de poupança pública suficiente para financiar os necessários investimentos.
Estimativas de um estudo recente com Aurelio Bicalho4 identificam que a redução do diferencial de juros em relação a outras economias exige um ajuste fiscal que controle o crescimento dos gastos do governo.
Os resultados também revelam que o prêmio de risco-país, a dívida pública em proporção do PIB e o crédito em proporção do PIB, todos com defasagens, afetam o nível da taxa de juro real e explicam a trajetória de queda observada nos últimos anos. Mostram também que a taxa de juros real de equilíbrio de longo prazo tem se reduzido nos últimos anos, mas o nível estimado continua bastante elevado quando comparado a outras economias emergentes.
O impacto do prêmio de risco e da dívida pública na taxa de juro real é coerente com outros resultados encontrados na literatura. As estimativas mostram também que o aumento do crédito em proporção do PIB contribui, com longas defasagens, para a redução do juro real de equilíbrio de longo prazo. Essa relação pode ser reflexo do impacto de avanços na estrutura institucional do mercado financeiro, que estaria sendo captada pela variável crédito. Uma melhora na estrutura dos mercados poderia, por exemplo, ampliar as opções de ativos em termos de retorno, risco e liquidez disponíveis para os poupadores. Isso funcionaria como um estímulo à poupança, o que diminuiria a taxa de juro real de equilíbrio. O aumento do crédito na economia pode estar relacionado a esse avanço nas estruturas dos mercados, com o desenvolvimento de novos produtos, o que tenderia a reduzir a taxa de juros. Mas para que o crédito contribua para a redução da taxa de juro real de equilíbrio de longo prazo, é necessário que sua expansão seja determinada por fatores estruturais, como a redução da assimetria de informação, avanço institucional que acelere a recuperação do colateral e desenvolvimento de novas estruturas financeiras (caso contrário, o efeito no curto prazo pode ser o inverso).
Mas há outras explicações na literatura para a taxa de juros elevada. Uma delas é a existência de incerteza jurisdicional e ausência de conversibilidade da moeda desenvolvida por Persio Arida, Edmar Bacha e Andre Lara Resende5. A incerteza jurisdicional afeta a poupança e evita o desenvolvimento de um mercado de crédito de longo prazo. A ausência da conversibilidade da moeda pressiona as taxas de juros de curto prazo, pois os poupadores exigem uma taxa maior para alocar seus recursos no mercado de dívida local. Esses fatores institucionais afetam a curva de poupança doméstica e o fluxo de capitais, influenciando a taxa de juro real de equilíbrio.
Considerando dados de diversos países, os estudos mostram que o efeito da dolarização (ou a falta de conversibilidade da moeda) é significativo6, embora pequeno, em explicar o nível mais alto da taxa de juro real no Brasil. Os resultados também evidenciam a importância do risco de crédito soberano em explicar o nível da taxa de juro real. Países de classificação de risco grau de investimento possuem taxas de juros reais de cerca de 2 pontos percentuais mais baixas do que países com classificação de risco pior. No longo prazo, essa diferença pode chegar a 4 pontos percentuais.
A trajetória recente dos juros parece confirmar os resultados do estudo com Aurelio Bicalho. Esse identifica que a recente crise internacional reduziu temporariamente a taxa de juro de equilíbrio de curto prazo, mas o mesmo não parece ter ocorrido com a taxa de equilíbrio de longo prazo. A queda da atividade econômica global reduziu o crescimento do país, permitindo que a taxa de juro real ficasse abaixo da taxa neutra de longo prazo para equilibrar a economia através dos estímulos ao consumo e ao investimento. Notamos, também, que a incerteza sobre o nível do juro real de equilíbrio de curto prazo aumentou substancialmente durante a crise internacional. Essa incerteza refletiu, em grande medida, a intensidade do impacto do crescimento mundial na economia doméstica, além da intensidade dos impactos das medidas anticíclicas adotadas durante a crise.
O impacto da crise no juro de equilíbrio de curto prazo teve consequências na condução da política econômica naquele momento. No auge da crise, o Banco Central reduziu a taxa de juros para estimular o crescimento. Ao mesmo tempo, o governo adotou uma política fiscal expansionista via aumento de gastos e redução de impostos. Além disso, utilizou o canal de crédito como instrumento para incentivar a atividade econômica. A partir do momento em que essas medidas começaram a atuar na economia e o mundo voltou a crescer, a taxa de juro real de equilíbrio de curto prazo inverteu a sua trajetória de queda e passou a subir em direção à taxa neutra de longo prazo.
No início de 2010, as estimativas mostravam que a taxa de equilíbrio de curto prazo estava próxima da neutra de longo prazo. Logo, os estímulos monetários e fiscais deveriam ser retirados, pois o risco era um aquecimento exagerado da atividade econômica, com elevação das pressões inflacionárias. No final de 2010 e início de 2011, esses estímulos começaram a ser retirados.
A dinâmica da taxa de juros real de equilíbrio é de suma relevância para a condução da política monetária. É através dos desvios entre a taxa de juros efetiva, que é afetada pelas decisões do Banco Central, e a taxa de juro de equilíbrio de longo prazo que a autoridade monetária estimula ou contrai a demanda agregada com o intuito de alcançar seu objetivo final, que é o de manter a inflação na meta.
É importante reconhecer que há um alto grau de incerteza nas estimativas das taxas de juros de equilíbrio. As evidências internacionais mostram que é bastante incerta a estimativa da taxa de juro real de equilíbrio em diferentes países, mesmo para aqueles com taxas muito inferiores e com menor volatilidade do que a taxa do Brasil. De fato, os intervalos das estimativas para a taxa de juro real de equilíbrio em diversos países revelam o grau de incerteza que cerca essas variáveis. É comum um intervalo de 1 ponto nessas estimativas, mesmo para economias com níveis baixos de taxas de juros. No Brasil, onde a taxa de juros tem tido uma tendência de queda, como evidenciam os dados e as nossas estimativas, e o nível da taxa ainda é bastante elevado, quando comparado aos padrões internacionais, é provável que o grau de incerteza seja ainda mais alto.
Dadas as elevadas incertezas associadas às medidas das taxas de equilíbrio, acreditamos que o melhor que a autoridade monetária possa fazer é conduzir a política monetária de forma pragmática, avaliando continuamente o impacto de suas ações sobre a economia. Deste modo, a política monetária deve continuar baseando-se nos sinais advindos da inflação, da atividade e de outras variáveis macroeconômicas, permitindo que mudanças estruturais sejam percebidas sem mais demoras.
As evidências acima sugerem que a opção da sociedade por gastos públicos crescentes (vários destes legítimos) tem contribuído para retardar o processo de convergência da taxa de juro real de equilíbrio para níveis internacionais tanto no curto prazo quanto no longo prazo. A redução do crescimento dos gastos correntes, tudo o mais constante, aumentaria a poupança da economia e reduziria o juro real de equilíbrio. Uma queda consistente dos juros possibilitaria um conjunto de desenvolvimentos que não são viabilizados com juros altos, como o alongamento dos horizontes dos poupadores e dos investidores, fundamental ao financiamento do investimento no Brasil.
A estabilidade macroeconômica e a credibilidade da autoridade monetária têm exercido papel fundamental na redução dos prêmios de risco, permitindo a queda da taxa de juros real de equilíbrio de longo prazo. Aliado a isso, uma política fiscal voltada para a redução dos gastos públicos contribuiria para acelerar esse processo e fazer com que no futuro o Brasil tenha taxas de juros reais mais próximas dos padrões internacionais.
Notas:
1 Goldfajn, I. Há razões para duvidar de que a dívida publica é sustentável? Nota Técnica do Banco Central do Brasil número 25, Julho 2002.
2 Bacha, E. Além da Tríade: Como Reduzir os Juros? Novos Dilemas da Política Econômica - Ensaios em Homenagem a Dionísio Dias Carneiro, Eds: Bacha, E. e De Bolle, M., LTC, 335p, 2011
3 Lara Resende, A. Juros: Equívoco ou jabuticaba, Valor 16/06
4 Goldfajn, I. e Bicalho, A. A Longa Travessia para a Normalidade: Os Juros Reais no Brasil. Novos Dilemas da Política Econômica - Ensaios em Homenagem a Dionísio Dias Carneiro, Eds: Bacha, E. e De Bolle, M., LTC, 335p, 2011
5 Arida, P., Bacha, E., e Lara-Resende, A. Credit, Interest, and Jurisdictional Uncertainty: Conjectures on the Case of Brazil. IEPE/CdG, 1-25, 2004.
6 Bacha, E., Holland, M. e Gonçalves, F. A Panel-Data Analysis of Interest Rates and Dollarization in Brazil. Revista Brasileira de Economia. 63, n.4, 341-360, 2009
Agradeço a Aurelio Bicalho pela contribuição a este artigo.
Ilan Goldfajn é economista-chefe do Itaú Unibanco e sócio do Itaú BBA.
Este é o nono de uma série de artigos sobre a conjuntura econômica atual, com foco maior nos problemas de câmbio, juros e inflação, feitos por renomados economistas a pedido do 'Valor'. Amanhã publicaremos o artigo de Márcio Holland.
Ilan Goldfajn
Valor Econômico, 27/06/2011, pág. A14
Quanto mais os indivíduos preferem o consumo à poupança no presente, maior é taxa de equilíbrio.
São Paulo - Parece uma eternidade. Mas foi há menos de uma década. O circo estava pegando fogo e eu me sentei para escrever um texto1. Não era algo natural. A crise de 2002 estava instalada e, na diretoria do Banco Central (BC), nos ocupávamos do intenso dia a dia. O Brasil estava no meio do furacão e a comunidade internacional duvidava que a dívida pública brasileira seria paga. O texto argumentava que não havia razões econômicas para essa dúvida e que a trajetória da dívida futura era declinante (tinha projeções até o distante 2011!). Deve ter sido um dos textos mais contestados da minha carreira. O final, como sabemos, foi feliz. O Brasil teve uma década de sucesso e a dívida declinou de 63%, na época, para em torno de 40% do Produto Interno Bruto (PIB), hoje.
Mas nessa viagem ao passado, um fenômeno salta aos olhos. Na época, projetávamos manutenção dos superávits fiscais primários, crescimento razoável, câmbio mais apreciado (no auge da crise chegou a cerca de US$ 4 reais) e juros menores. Tudo mais ou menos em linha com o ocorrido. Mas os juros reais no Brasil permanecem acima do padrão internacional, mesmo de países de similar desenvolvimento.
Não quer dizer que os juros tenham permanecido nos mesmos patamares do passado. De fato, a economia brasileira tem experimentado uma tendência de queda dos juros reais nos últimos anos, principalmente após a adoção do regime de metas de inflação em 1999. As taxas de juros reais básicas no Brasil recuaram de 11,4% ao ano, em média, no período entre janeiro de 2000 e junho de 2004, para 9,7% entre julho de 2004 e dezembro de 2008, e para próximo de 7% mais recentemente. Mas esta ainda é uma taxa muita alta para uma economia estável e próspera como o Brasil nos últimos anos.
Como mostrado por Bacha2, há evidências empíricas de redução do juro real no Brasil em relação ao resto do mundo, e a diferença entre essas duas taxas diminuiu com a adoção do regime de metas de inflação. No entanto, controlando para os ciclos econômicos no Brasil e no resto do mundo, e para a inércia do ajustamento, a diferença entre as duas taxas permanece elevada.
"Redução do diferencial de juros exige ajuste fiscal que controle o crescimento dos gastos do governo"
Não considero que o alto nível da taxa de juros no Brasil seja um fenômeno permanente. Na sua travessia, o Brasil precisa gerar as condições para passar a ter uma taxa de juros baixa. É uma tarefa difícil, mas não intransponível. Há vários casos bem-sucedidos de redução de juros em países emergentes. A Turquia, no começo de 2003, amargava juros reais (acima da inflação) de 25% ao ano, e depois conseguiu que suas taxas convergissem para níveis de um dígito. A Polônia derrubou sua taxa de juros reais de 9% ao ano para 3%, a partir de 2001. Na América Latina, ocorreu o mesmo. No Chile, as taxas caíram de 8% para 3%, assim como houve quedas significativas no Peru.
A pergunta no Brasil é por que a transição para um patamar de juros reais tem sido tão lenta?
Tenho preferência pelas explicações fundamentais. Entendo a taxa de juro real de equilíbrio (ou neutro) como aquela que permite ao Brasil crescer no seu potencial, sem gerar pressões inflacionárias. Essa taxa depende das condições econômicas como a estabilidade, o risco percebido, a produtividade, a política fiscal (crescimento de gastos), assim como das distorções ainda existentes da economia brasileira. Depende também de quanto os brasileiros estão dispostos a poupar, em vez de consumir hoje. Quanto mais os indivíduos preferem o consumo no presente, maior é taxa de juro real de equilíbrio.
A alternativa de os juros altos serem resultado de equívocos de política monetária (mais altos que o necessário) não é compatível com os dados, pois teriam de ter durado por décadas e levariam a forças deflacionárias, com inflação sistematicamente abaixo das metas, o que não tem sido o caso.
O entendimento de por que os juros ainda são tão altos passa pela compreensão cuidadosa de seus determinantes. Na busca pelos determinantes é interessante distingui-los pela sua relevância temporal na taxa de juros de equilíbrio. Alguns podem impactar a taxa de equilíbrio apenas no curto prazo, enquanto outros mudam sua trajetória de longo prazo.
O juro real neutro de longo prazo depende dos fundamentos da economia, de fatores estruturais, alguns mencionados acima, como a produtividade, preferências intertemporais, prêmio de risco soberano, dívida pública, prêmio de risco de inflação, questões institucionais, etc. São fatores diretamente associados ao comportamento da poupança no longo prazo.
"O melhor a fazer é conduzir a política monetária de forma pragmática e avaliar continuamente o seu impacto"
O juro real de equilíbrio de curto prazo depende do juro real de longo prazo e de elementos conjunturais. Mudanças temporárias no ritmo de crescimento da economia global, assim como acelerações cíclicas no gasto do governo ou alterações na taxa de câmbio real afetam o juro real de equilíbrio no curto prazo.
Introduzo aqui já a minha preferência pela explicação da insuficiência de poupança doméstica, como já introduzido por André Lara Resende3 neste espaço, como explicação para a manutenção dos juros altos nessa transição para a normalidade. Os juros servem para inibir o consumo privado e estimular a poupança, na ausência de poupança pública suficiente para financiar os necessários investimentos.
Estimativas de um estudo recente com Aurelio Bicalho4 identificam que a redução do diferencial de juros em relação a outras economias exige um ajuste fiscal que controle o crescimento dos gastos do governo.
Os resultados também revelam que o prêmio de risco-país, a dívida pública em proporção do PIB e o crédito em proporção do PIB, todos com defasagens, afetam o nível da taxa de juro real e explicam a trajetória de queda observada nos últimos anos. Mostram também que a taxa de juros real de equilíbrio de longo prazo tem se reduzido nos últimos anos, mas o nível estimado continua bastante elevado quando comparado a outras economias emergentes.
O impacto do prêmio de risco e da dívida pública na taxa de juro real é coerente com outros resultados encontrados na literatura. As estimativas mostram também que o aumento do crédito em proporção do PIB contribui, com longas defasagens, para a redução do juro real de equilíbrio de longo prazo. Essa relação pode ser reflexo do impacto de avanços na estrutura institucional do mercado financeiro, que estaria sendo captada pela variável crédito. Uma melhora na estrutura dos mercados poderia, por exemplo, ampliar as opções de ativos em termos de retorno, risco e liquidez disponíveis para os poupadores. Isso funcionaria como um estímulo à poupança, o que diminuiria a taxa de juro real de equilíbrio. O aumento do crédito na economia pode estar relacionado a esse avanço nas estruturas dos mercados, com o desenvolvimento de novos produtos, o que tenderia a reduzir a taxa de juros. Mas para que o crédito contribua para a redução da taxa de juro real de equilíbrio de longo prazo, é necessário que sua expansão seja determinada por fatores estruturais, como a redução da assimetria de informação, avanço institucional que acelere a recuperação do colateral e desenvolvimento de novas estruturas financeiras (caso contrário, o efeito no curto prazo pode ser o inverso).
Mas há outras explicações na literatura para a taxa de juros elevada. Uma delas é a existência de incerteza jurisdicional e ausência de conversibilidade da moeda desenvolvida por Persio Arida, Edmar Bacha e Andre Lara Resende5. A incerteza jurisdicional afeta a poupança e evita o desenvolvimento de um mercado de crédito de longo prazo. A ausência da conversibilidade da moeda pressiona as taxas de juros de curto prazo, pois os poupadores exigem uma taxa maior para alocar seus recursos no mercado de dívida local. Esses fatores institucionais afetam a curva de poupança doméstica e o fluxo de capitais, influenciando a taxa de juro real de equilíbrio.
Considerando dados de diversos países, os estudos mostram que o efeito da dolarização (ou a falta de conversibilidade da moeda) é significativo6, embora pequeno, em explicar o nível mais alto da taxa de juro real no Brasil. Os resultados também evidenciam a importância do risco de crédito soberano em explicar o nível da taxa de juro real. Países de classificação de risco grau de investimento possuem taxas de juros reais de cerca de 2 pontos percentuais mais baixas do que países com classificação de risco pior. No longo prazo, essa diferença pode chegar a 4 pontos percentuais.
A trajetória recente dos juros parece confirmar os resultados do estudo com Aurelio Bicalho. Esse identifica que a recente crise internacional reduziu temporariamente a taxa de juro de equilíbrio de curto prazo, mas o mesmo não parece ter ocorrido com a taxa de equilíbrio de longo prazo. A queda da atividade econômica global reduziu o crescimento do país, permitindo que a taxa de juro real ficasse abaixo da taxa neutra de longo prazo para equilibrar a economia através dos estímulos ao consumo e ao investimento. Notamos, também, que a incerteza sobre o nível do juro real de equilíbrio de curto prazo aumentou substancialmente durante a crise internacional. Essa incerteza refletiu, em grande medida, a intensidade do impacto do crescimento mundial na economia doméstica, além da intensidade dos impactos das medidas anticíclicas adotadas durante a crise.
O impacto da crise no juro de equilíbrio de curto prazo teve consequências na condução da política econômica naquele momento. No auge da crise, o Banco Central reduziu a taxa de juros para estimular o crescimento. Ao mesmo tempo, o governo adotou uma política fiscal expansionista via aumento de gastos e redução de impostos. Além disso, utilizou o canal de crédito como instrumento para incentivar a atividade econômica. A partir do momento em que essas medidas começaram a atuar na economia e o mundo voltou a crescer, a taxa de juro real de equilíbrio de curto prazo inverteu a sua trajetória de queda e passou a subir em direção à taxa neutra de longo prazo.
No início de 2010, as estimativas mostravam que a taxa de equilíbrio de curto prazo estava próxima da neutra de longo prazo. Logo, os estímulos monetários e fiscais deveriam ser retirados, pois o risco era um aquecimento exagerado da atividade econômica, com elevação das pressões inflacionárias. No final de 2010 e início de 2011, esses estímulos começaram a ser retirados.
A dinâmica da taxa de juros real de equilíbrio é de suma relevância para a condução da política monetária. É através dos desvios entre a taxa de juros efetiva, que é afetada pelas decisões do Banco Central, e a taxa de juro de equilíbrio de longo prazo que a autoridade monetária estimula ou contrai a demanda agregada com o intuito de alcançar seu objetivo final, que é o de manter a inflação na meta.
É importante reconhecer que há um alto grau de incerteza nas estimativas das taxas de juros de equilíbrio. As evidências internacionais mostram que é bastante incerta a estimativa da taxa de juro real de equilíbrio em diferentes países, mesmo para aqueles com taxas muito inferiores e com menor volatilidade do que a taxa do Brasil. De fato, os intervalos das estimativas para a taxa de juro real de equilíbrio em diversos países revelam o grau de incerteza que cerca essas variáveis. É comum um intervalo de 1 ponto nessas estimativas, mesmo para economias com níveis baixos de taxas de juros. No Brasil, onde a taxa de juros tem tido uma tendência de queda, como evidenciam os dados e as nossas estimativas, e o nível da taxa ainda é bastante elevado, quando comparado aos padrões internacionais, é provável que o grau de incerteza seja ainda mais alto.
Dadas as elevadas incertezas associadas às medidas das taxas de equilíbrio, acreditamos que o melhor que a autoridade monetária possa fazer é conduzir a política monetária de forma pragmática, avaliando continuamente o impacto de suas ações sobre a economia. Deste modo, a política monetária deve continuar baseando-se nos sinais advindos da inflação, da atividade e de outras variáveis macroeconômicas, permitindo que mudanças estruturais sejam percebidas sem mais demoras.
As evidências acima sugerem que a opção da sociedade por gastos públicos crescentes (vários destes legítimos) tem contribuído para retardar o processo de convergência da taxa de juro real de equilíbrio para níveis internacionais tanto no curto prazo quanto no longo prazo. A redução do crescimento dos gastos correntes, tudo o mais constante, aumentaria a poupança da economia e reduziria o juro real de equilíbrio. Uma queda consistente dos juros possibilitaria um conjunto de desenvolvimentos que não são viabilizados com juros altos, como o alongamento dos horizontes dos poupadores e dos investidores, fundamental ao financiamento do investimento no Brasil.
A estabilidade macroeconômica e a credibilidade da autoridade monetária têm exercido papel fundamental na redução dos prêmios de risco, permitindo a queda da taxa de juros real de equilíbrio de longo prazo. Aliado a isso, uma política fiscal voltada para a redução dos gastos públicos contribuiria para acelerar esse processo e fazer com que no futuro o Brasil tenha taxas de juros reais mais próximas dos padrões internacionais.
Notas:
1 Goldfajn, I. Há razões para duvidar de que a dívida publica é sustentável? Nota Técnica do Banco Central do Brasil número 25, Julho 2002.
2 Bacha, E. Além da Tríade: Como Reduzir os Juros? Novos Dilemas da Política Econômica - Ensaios em Homenagem a Dionísio Dias Carneiro, Eds: Bacha, E. e De Bolle, M., LTC, 335p, 2011
3 Lara Resende, A. Juros: Equívoco ou jabuticaba, Valor 16/06
4 Goldfajn, I. e Bicalho, A. A Longa Travessia para a Normalidade: Os Juros Reais no Brasil. Novos Dilemas da Política Econômica - Ensaios em Homenagem a Dionísio Dias Carneiro, Eds: Bacha, E. e De Bolle, M., LTC, 335p, 2011
5 Arida, P., Bacha, E., e Lara-Resende, A. Credit, Interest, and Jurisdictional Uncertainty: Conjectures on the Case of Brazil. IEPE/CdG, 1-25, 2004.
6 Bacha, E., Holland, M. e Gonçalves, F. A Panel-Data Analysis of Interest Rates and Dollarization in Brazil. Revista Brasileira de Economia. 63, n.4, 341-360, 2009
Agradeço a Aurelio Bicalho pela contribuição a este artigo.
Ilan Goldfajn é economista-chefe do Itaú Unibanco e sócio do Itaú BBA.
Este é o nono de uma série de artigos sobre a conjuntura econômica atual, com foco maior nos problemas de câmbio, juros e inflação, feitos por renomados economistas a pedido do 'Valor'. Amanhã publicaremos o artigo de Márcio Holland.
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Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...
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FAQ do Candidato a Diplomata por Renato Domith Godinho TEMAS: Concurso do Instituto Rio Branco, Itamaraty, Carreira Diplomática, MRE, Diplom...
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Países de Maior Acesso aos textos PRA em Academia.edu (apenas os superiores a 100 acessos) Compilação Paulo Roberto de Almeida (15/12/2025) ...
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