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domingo, 29 de janeiro de 2012

As causas da pobreza no Brasil (Simon Schwartzman) - resenha Paulo R Almeida

Mais uma resenha publicada na revisa do Ipea, provavelmente em formato reduzido. Reproduzo ambos.



4. “As causas da pobreza no Brasil”, Brasília, 26 agosto 2004, 2 p. Resenha de Simon Schwartzman, As Causas da Pobreza (Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, 208 p.). Publicada na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 1, nº 2, setembro 2004, p. 77; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1750:catid=28&Itemid=23). Relação de Trabalhos nº 1320. Relação de Publicados nº 474.
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por Paulo Roberto de Almeida
livro-pobreza
O Brasil é ao mesmo tempo uma grande economia industrializada e uma das sociedades mais desiguais do planeta, exibindo um número anormalmente elevado de pobres e um grau de concentração de riqueza superior ao de muitos países mais pobres. Simon Schwartzman foi presidente do IBGE entre 1994 e 1998, além de ter exercido cargos governamentais e acadêmicos, o que o habilita a discorrer como poucos sobre esse aspecto mais visível da "questão nacional". Autor de outras obras, como o clássico de 1988 sobre as bases do autoritarismo (que pode ser consultado em sua página www.schwartzman.org.br/simon/, onde também figura este livro), ele nos brinda agora com uma reflexão metodologicamente embasada e empiricamente sustentada. Conclui que não há solução de curto prazo para o problema da pobreza no Brasil. "Tudo é fácil de dizer e dificílimo de fazer. A construção de uma sociedade competente, responsável, comprometida com os valores da eqüidade e justiça social, e que não caia na tentação fácil do populismo e do messianismo político, é uma tarefa de longo prazo e que pode não chegar a bom termo". Oxalá possamos desmentir esse diagnóstico. As causas da nossa pobreza já conhecemos. Falta, talvez, coragem para enfrentar o problema.

As causas da pobreza no Brasil

Resenha de:
Simon Schwartzman
As Causas da Pobreza
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, 208 p.

            O Brasil é um país único no mundo por ser, ao mesmo tempo, uma grande economia industrializada, dotada de razoável capacitação técnica e ampla base competitiva, e uma das sociedades mais desiguais do planeta, exibindo um número anormalmente elevado de pobres e um grau de concentração de riqueza (o famoso índice de Gini) que é, provavelmente, o dobro da média mundial e bem superior ao de muitos outros países mais pobres. Essa contradição é verdadeiramente excepcional e ela deveria envergonhar todas e cada uma das lideranças políticas brasileiras toda vez que um indicador social é publicado pelos institutos oficiais de estatísticas como o IBGE.
            Simon Schwartzman foi, justamente, presidente do IBGE entre 1994 e 1998, além de ter exercido vários outros cargos governamentais e acadêmicos, o que o habilitou a discorrer como poucos sobre esse aspecto mais visível da “questão nacional” brasileira. Autor de muitas outras obras, como o clássico de 1982 sobre as bases do autoritarismo brasileiro (que pode ser consultado em sua página http://www.schwartzman.org.br/simon/, onde também figura este livro), ele nos brinda agora com uma reflexão metodologicamente embasada e empiricamente sustentada sobre as razões deste nosso “excesso” de pobres (comparativamente a outros países em situações comparáveis). Vários dos estudos aqui incluídos já tinham sido anteriormente publicados, mas sua consolidação num único volume permite seguir o pensamento de Simon Schwartzman (e de alguns de seus colaboradores, como Elisa Reis) numa gama de tópicos que, se não “esgota” o tema das causas da pobreza no Brasil, pelo menos contribui para uma análise objetiva, cientificamente embasada, desprovida das paixões que habitualmente obscurecem o diagnóstico e as “terapias” corretoras sobre o grande problema que nos envergonha aos olhos do resto do mundo.
            O primeiro capítulo é basicamente histórico, remontando as origens de nossa alta concentração de pobres por metro quadrado, o que redunda em falar da escravidão, descartando as visões classistas tradicionais para aprofundar a discussão em torno do nosso “capitalismo defeituoso”, bem como das limitações do nosso “Estado de bem-estar social” e suas patentes iniqüidades sociais. No segundo capítulo, Schwartzman e Elisa Reis examinam diferentes aspectos sociais e políticos da pobreza e da exclusão social no Brasil, mapeando os temas relevantes para esse estudo (que são os canais “clássicos” para o exercício da cidadania, como educação, saúde, justiça, seguridade social, regulação trabalhista, além de outros novos, como a representação político-partidária, os sindicatos e igrejas e as associações voluntárias). Como eles escrevem, “existem amplas evidências empíricas de que a educação é o principal correlato da desigualdade de renda no Brasil, muito mais importante do que outros condicionantes, como a raça, o gênero ou a região de residência das pessoas” (p. 42).
            O terceiro capítulo aproveita, justamente, a experiência do autor como presidente do IBGE, focando em especial a produção de estatísticas em geral (inflação, população, cor e raça, emprego e desemprego) e em especial sobre a pobreza. Como medir a pobreza é um problema sério no Brasil, uma vez que, dependendo do método usado, os números podem variar de 8 a 64 milhões de pessoas (para uma população, à época, de 170 milhões). Pobreza absoluta e pobreza relativa são aparentemente simples de se definir, mas a situação se complica quando se trata de medir a renda ou de definir o que é “necessidade básica”. O Banco Mundial utiliza o critério de um dólar por dia, como linha de pobreza, mas isso não é consensual, como parece óbvio. A conclusão do autor é que estudos globais sobre situações de pobreza, a partir de estatísticas sólidas e representativas, “precisam estar acompanhados de estudos em profundidade sobre grupos e situações específicas, sem os quais se torna muito difícil implementar e avaliar políticas adequadas de redução de pobreza” (p. 97-98).
            O quarto capítulo trata de raça e etnia, temas notoriamente controversos em função da fluidez das fronteiras ou da inexistência de barreiras efetivas entre as diferentes etnias e subculturas que coexistem no Brasil. É evidente que os negros ganham menos dos que os brancos no Brasil, mas o autor reafirma a evidência empírica de que é “a educação, e não a cor, a raça ou a origem, o grande fator de desigualdade na sociedade brasileira” (p. 113). O quinto capítulo aborda o trabalho infantil, utilizando dados da PNAD entre 1992 e 2001. Não se trata, em muitos casos, de necessidade de complementação da renda familiar, mas de uma cultura vinculada ao trabalho agrícola doméstico, além, obviamente, de ser uma decorrência da má qualidade do sistema educacional, que não consegue “segurar” os jovens depois da adolescência.
            O sexto capítulo aborda o tema da educação básica, cuja característica básica, mencionada acima, é o principal fator de desigualdade e da pobreza, não apenas no Brasil, mas em toda a região latino-americana. O autor não confia muito na capacidade do Estado em resolver esse grave problema, depositando suas esperanças na própria sociedade, que conquistaria por si só aquilo que o Estado não consegue proporcionar. É um dos capítulos mais extensos, e que mais mereceria abordagem em detalhe, bastando entretanto com assinalar que esse problema mereceria muito mais atenção do que o normalmente concedido por governos comprometidos com as elites universitárias.
            O autor conclui, de forma talvez pessimista, dizendo que não há solução de curto prazo para o problema da pobreza no Brasil, sendo necessários vontade política, compromisso com os valores da igualdade social e dos direitos humanos, uma política econômica adequada, que gere recursos, um setor público eficiente e políticas específicas nas áreas da educação, saúde, trabalho, proteção à infância e do combate à discriminação social, entre outras. Como ele mesmo confessa: “Tudo é fácil de dizer, e dificílimo de fazer. A construção de uma sociedade competente, responsável, comprometida com os valores da eqüidade e justiça social, e que não caia na tentação fácil do populismo e do messianismo político, é uma tarefa de longo prazo e que pode não chegar a bom termo” (p. 189). Oxalá possamos desmentir esta última parte desse diagnóstico tão preciso quanto realista da nossa realidade presente. As causas da nossa pobreza já conhecemos, graças inclusive ao trabalho competente do autor. Falta, talvez, coragem para enfrentar o problema de frente.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 agosto 2004




Em Defesa da Globalização (Jagdish Bhagwati) - resenha Paulo R. de Almeida

Agora a segunda resenha desaparecida no site do Ipea. Cabe esclarecer que minhas resenhas, originais, são sempre maiores, ou seja, mais extensas, do que as versões publicadas, que passam pelos cortes dilacerantes dos editores, sempre roubando caracteres aos autores e adequando seus textos aos espaços disponíveis.

2. “Globalização para todos os gostos”, Brasília, 12 junho 2004, 2 p. Resenha do livro de Jagdish Bhagwati: Em Defesa da Globalização: como a globalização está ajudando ricos e pobres (Rio de Janeiro: Elsevier-Campus, 2004, 348 pp.; ISBN: 85-352-1440-2). Publicada na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 1, nº 1, agosto 2004, p. 76). Relação de Trabalhos nº 1281. Relação de Publicados nº 507.




Globalização para todos os gostos

Resenha do livro de:
Jagdish Bhagwati

Em Defesa da Globalização: como a globalização está ajudando ricos e pobres

(Rio de Janeiro: Elsevier-Campus, 2004, 348 pp.; ISBN: 85-352-1440-2)

            O economista indiano da Columbia University se pergunta, no frontispício dessa obra, se o mundo precisa de mais um livro sobre a globalização. A pergunta é pertinente pois que, desde a popularização desse conceito no início dos anos 90, rios, talvez oceanos de tinta já foram vertidos em escritos pró- ou anti-globalização. O movimento anti-globalizador – que se vê como altermundialista, sem jamais ter explicado de que seria feito esse “outro mundo” – deve seu sucesso ao fenômeno que vitupera em encontros movidos mais a transpiração do que inspiração.
            O propósito de Bhagwati é outro: nem atacar, nem elogiar, mas explicar como funciona esse processo (nos seus mecanismos comerciais, financeiros, tecnológicos e culturais) e ver o que fazer para aperfeiçoá-lo. Os maiores beneficiários são, obviamente, as multinacionais, mas os pobres dos países emergentes também vêem sua prosperidade aumentar, como o provam milhões de chineses e indianos retirados da miséria absoluta. Os anti-globalizadores agitam temores, mas não dão provas concretas de que ele produza, como proclamam, miséria, concentração de renda ou destruição das culturas nacionais.
A primeira parte do livro é justamente dedicada à compreensão do movimento contrário à globalização, constatando no entanto Bhagwati que ela é benéfica não só economicamente, mas também socialmente. Na segunda parte, ele considera suas implicações sociais, examinando a distribuição da riqueza via comércio, via trabalho (com redução da exploração de crianças), a promoção das mulheres, da cultura e da democracia. Os benefícios dos investimentos diretos são muito superiores aos problemas, o que o leva a concluir que são infundados os temores dos anti-globalizadores.
A terceira parte aborda os aspectos “incômodos” da globalização: movimentos de capitais de curto prazo e fluxos de pessoas. Bhagwati não apóia a liberalização financeira e critica o “complexo Wall Street-Tesouro” (que engloba outras instituições, como o FMI e o Banco Mundial); ele comprova, com satisfação, que a ultra-liberal The Economist acabou rendendo-se às suas teses. A quarta parte, finalmente, quer fazer a globalização funcionar melhor e aqui também Bhagwati se distancia dos anti-globalizadores, pois ele preconiza o seu gerenciamento adequado pelos mesmos organismos multilaterais que eles querem enterrar. Ele discorda, portanto, de que a globalização necessite de uma face humana: isso ela já tem, mas pode-se sempre melhorá-la. Em conclusão, ele recomenda um pouco menos de paixão e um pouco mais de razão aos críticos da globalização.

Paulo Roberto de Almeida


Origens e itinerário do desenvolvimento brasileiro (Albert Fishlow) - resenha por PRA


Começo transcrevendo a primeira resenha que produzi para a revista do Ipea, que simplesmente desapareceu do site da revista. Ela tinha sido preparada para o número zero da revista, depois foi "esquartejada", reduzida a pedacinhos e publicada no número 1.

1. “Origens e itinerário do desenvolvimento brasileiro”, Brasília, 2 junho 2004, 2 p. Resenha do livro de Albert Fishlow, Desenvolvimento no Brasil e na América Latina: uma perspectiva histórica (São Paulo: Paz e Terra, 2004, 340 p). Publicada na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 1, nº 1, agosto 2004, p. 77). Relação de Trabalhos nº 1275. Relação de Publicados nº 503.

Origens e itinerário do desenvolviment[ism]o brasileiro

Paulo Roberto de Almeida

Resenha do livro de Albert Fishlow:
Desenvolvimento no Brasil e na América Latina: uma perspectiva histórica
(São Paulo: Paz e Terra, 2004, 340 p; ISBN: 85-219-0749-4; R$ 40,00).

Publicada,
sob o título de “Origens e itinerário do desenvolvimento brasileiro”,
na revista Desafios do Desenvolvimento
(Brasília: IPEA-PNUD, ano 1, nº 0, julho 2004, p. 79).
Trechos sumprimidos na publicação da revista: [ ]

A caracterização de brasilianista tem sido comumente aplicada, no Brasil, aos estudiosos americanos das áreas de ciências sociais, do contrário um economista como Albert Fishlow já teria há muito merecido o título de brasilianista emérito, junto com Werner Baer [(que aliás já o recebeu, em 2002, da Embaixada do Brasil em Washington)]. Poucos economistas teóricos e aplicados – [o que inclui não apenas a atividade de pesquisa, mas sobretudo a de formulador de políticas e, sobretudo, a nobre missão de professor –] detêm um currículo tão vasto e tão diversificado em coisas do Brasil e da América Latina quanto este antigo aluno do famoso historiador econômico Alexander Gerschenkron, com quem ele certamente aprendou algumas lições a respeito das “vantagens do atraso” [(expressão não por acaso útil para descrever a situação brasileira)].
Autor ou co-autor de mais de 14 livros [(embora nenhum deles exclusivamente sobre o Brasil)] e de centenas de artigos e ensaios – dezenas deles sobre o Brasil – Fishlow é extremamente conhecido nos circulos de estudiosos da economia brasileira, mas não tinha ainda sido contemplado com uma compilação de seus [muitos] trabalhos sobre nosso país e a região. A lacuna acaba de ser fechada graças à feliz iniciativa de Edmar Bacha, que selecionou seus melhores escritos das últimas três décadas, com o que podemos comprovar que Fishlow pode ser tranqüilamente equiparado aos grandes [da sua área,] como Raul Prebisch, Celso Furtado ou Albert Hirshmann.
Diretor de tese de muitas das melhores cabeças da economia aplicada brasileira [– entre eles alguns ministros –] e formador das primeiras equipes que se dedicaram ao planejamento econômico, Fishlow não pode ser considerado nem um “estruturalista” nem um “neoliberal”. Ele é um profissional completo e pragmático. Reconhece o papel do Estado no desenvolvimento brasileiro, mas aponta as insuficiências sociais do processo. Sustenta teoricamente seus argumentos, mas também os dota de provas empíricas e sabe colocar nosso itinerário em perspectiva histórica [(o endividamento externo no século XIX ou nos anos 1930, por exemplo)] e também em visão comparada com os países asiáticos. Impossível não experimentar um crescimento do PIB intelectual com a leitura deste livro [dotado de tantas vantagens comparativas (relativas e absolutas) e] de tão grandes externalidades positivas.

(capturar capa do livro no site da Livraria Cultura ou da Paz e Terra)

[Brasília, 1274: 1 junho 2004, 2 p.]



Desafios do Desenvolvimento (lpea) - Resenhas Paulo R. de Almeida

O Ipea, na versão online de sua revista Desafios do Desenvolvimento, meteu os pés pelas mãos (não surpreende), na seção "Estante" (neste link), que traz minhas colaborações ao longo dos anos em que aquele instituto funcionou normalmente.
Começou atribuindo-me uma resenha de um livro que jamais li, e cuja resenha deve ter sido feita por um de seus funcionários.
Depois suprimiu as duas primeiras resenhas que fiz, estas aqui, que vou repostar sequencialmente, em novos posts.

2. “Globalização para todos os gostos”, Brasília, 12 junho 2004, 2 p. Resenha do livro de Jagdish Bhagwati: Em Defesa da Globalização: como a globalização está ajudando ricos e pobres (Rio de Janeiro: Elsevier-Campus, 2004, 348 pp.; ISBN: 85-352-1440-2). Publicada na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 1, nº 1, agosto 2004, p. 76). Relação de Trabalhos nº 1281. Relação de Publicados nº 507.

1. “Origens e itinerário do desenvolvimento brasileiro”, Brasília, 2 junho 2004, 2 p. Resenha do livro de Albert Fishlow, Desenvolvimento no Brasil e na América Latina: uma perspectiva histórica (São Paulo: Paz e Terra, 2004, 340 p). Publicada na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 1, nº 1, agosto 2004, p. 77). Relação de Trabalhos nº 1275. Relação de Publicados nº 503.

Para o acesso à seção "Estante"da revista, com a qual colaborei de seu início até 2007 -- tendo então desistido de colaborar voluntariamente devido à censura política exercida contra uma resenha minha -- ver este link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=12&Itemid=30

Paulo Roberto de Almeida

Niilismo Academico - resenha Paulo R. de Almeida

Já que o Ipea reformulou completamente seus links (e tornando meus antigos links inoperantes), nada melhor do que recuperar aqui as próprias resenhas que andei publicando numa revista que já foi boa, muitos anos atrás, mas que atualmente só serve para transmitir a pobreza do pensamento único que reina naquela instituição que no passado já serviu para coisas úteis...
Paulo Roberto de Almeida

Resenha 3:
3. “Niilismo filosófico-político?”, Brasília, 22 agosto 2004, 3 p. Resenha de Paulo Eduardo Arantes, Zero à Esquerda (São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004, 306 p.), publicada na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 1, nº 2, setembro 2004, p. 76, link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1749:catid=28&Itemid=23). Relação de Trabalhos nº 1318. Relação de Publicados nº 514. 

Niilismo filosófico-político?ImprimirE-mail
Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)

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O livro de Paulo Arantes, professor universitário dotado de sólida cultura filosófica, apresenta as conhecidas virtudes e defeitos da produção acadêmica na área de ciências humanas: um aparato conceitual rico e diversificado, um instrumental analítico sofisticado, uma preocupação legítima, socialmente engajada, com velhas questões que preocupam toda e qualquer sociedade - emprego, distribuição, igualdade, inclusão cultural e outras -, ou seja, uma boa qualidade no diagnóstico, tudo isso acompanhado, entretanto, por um deslocamento do eixo "terapêutico" em direção a um hipercriticismo teórico que não leva em conta as limitações do real na implementação de políticas públicas, nacionais ou setoriais.

Com efeito, os dezessete ensaios reunidos neste volume tocam nos mais diversos problemas culturais, políticos e filosóficos que "agitam" (este é o termo) qualquer departamento de filosofia que se pretenda "socialmente responsável". Mas eles também revelam algumas das "obsessões" do seu autor com dois problemas que parecem ter ficado parados na garganta da esquerda universitária: o partido da reforma, atualmente no poder (e decepcionando seus velhos aliados acadêmicos), e o processo de globalização (invariavelmente classificado de capitalista, injusto, assimétrico ou destruidor). Assim, a despeito da salada filosófica muito variada servida em fartas doses em quase todos os seus capítulos, o que o livro comporta, de verdade, é uma crítica implacável ao processo de globalização, o que me parece não apenas inócuo mas desfocado, e uma condenação sem apelo da política econômica do atual governo (que não atende aos padrões de "ruptura" pregados quixotescamente pela comunidade acadêmica).

Em relação ao governo liderado pelo PT, por exemplo, o autor considera, num epílogo datado de abril de 2003 e intitulado "Beijando a Cruz", que o partido "já vinha entregando os pontos há um bom tempo". Para ele, o partido já está inapelavelmente "a serviço do Capital" e teria ocorrido uma "conversão suicida do Governo Lula à ortodoxia econômica" (p. 303 e 306). Nisso o livro não difere da meia dúzia de "manifestos econômicos de oposição" que circularam na academia e nas redações de jornais no último ano e meio. Ele é igualmente cáustico em relação à globalização. Vê seu sangue ferver com a "desfaçatez" do "show diário de cinismo das elites econômicas globalizadas que afinal chegaram ao cúmulo de impingir a falência social do seu sistema como uma lei natural a ser aceita por todos". Acredita, sinceramente, que "o capitalismo não tem alternativa para a humanidade" (p. 127).

Este é o universo mental no qual se move a maior parte das crônicas, entrevistas e reflexões "filosóficas" desse autor, um mundo no qual existe um "Partido Intelectual", um "Partido da Ordem", outro do "Progresso", a "saudosa Dialética" e outras variações impressionistas sobre a ditadura do Capital, a "riqueza financeirizada", a "estetização do poder" ou o "pensamento único", conceito este tomado de empréstimo a um dos papas da antiglobalização (da tribo dos irredutíveis gauleses, mas que preferem se ver como "altermundialistas", sem jamais ter explicado do que, exatamente, seria feito esse "outro mundo possível"). O autor exibe sua certeza de que vivemos uma nova "lógica dual", na qual o 'ajuste' latino-americano ao padrão geomonetário deflagrado pelo diktat político do novo dinheiro mundial (o parâmetro imperial do dólar-flexível), em que a integração global subalterna (se faz) acompanhar de uma igual desintegração nacional" (p. 42); ou a certeza de que a "barbárie hoje nada mais é do que o capitalismo triunfante levado ao seu paroxismo" (p. 234).

A crer em autores como Paulo Arantes (e outros catastrofistas de plantão), o Brasil caminha rápido para um processo de "africanização", cuja culpa, é óbvio, cabe inteiramente às nossas elites estrangeirizadas, hoje incorporando também o partido no poder. O que resta, finalmente, é uma confusa sensação de déjà vu, all over again. Em lugar de "espalhar a arte da subversão para as novas gerações", como pretende o livro, ele corre seriamente o risco de espalhar tédio e apatia no que resta de pensamento crítico no interior da torre de marfim. É realmente surpreendente que acadêmicos pagos com o dinheiro da sociedade para atuar como consciência crítica dessa mesma sociedade consigam viver em circuito fechado, fazendo e desfazendo continuamente o fio da meada de sua própria irrelevância prática.