As causas da pobreza no Brasil |
por Paulo Roberto de Almeida
As causas da pobreza no
Brasil
Resenha de:
Simon
Schwartzman
As Causas da Pobreza
Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2004, 208 p.
O Brasil é um país único no mundo
por ser, ao mesmo tempo, uma grande economia industrializada, dotada de
razoável capacitação técnica e ampla base competitiva, e uma das sociedades
mais desiguais do planeta, exibindo um número anormalmente elevado de pobres e
um grau de concentração de riqueza (o famoso índice de Gini) que é,
provavelmente, o dobro da média mundial e bem superior ao de muitos outros
países mais pobres. Essa contradição é verdadeiramente excepcional e ela
deveria envergonhar todas e cada uma das lideranças políticas brasileiras toda
vez que um indicador social é publicado pelos institutos oficiais de
estatísticas como o IBGE.
Simon Schwartzman foi, justamente,
presidente do IBGE entre 1994 e 1998, além de ter exercido vários outros cargos
governamentais e acadêmicos, o que o habilitou a discorrer como poucos sobre
esse aspecto mais visível da “questão nacional” brasileira. Autor de muitas
outras obras, como o clássico de 1982 sobre as bases do autoritarismo
brasileiro (que pode ser consultado em sua página http://www.schwartzman.org.br/simon/,
onde também figura este livro), ele nos brinda agora com uma reflexão
metodologicamente embasada e empiricamente sustentada sobre as razões deste
nosso “excesso” de pobres (comparativamente a outros países em situações
comparáveis). Vários dos estudos aqui incluídos já tinham sido anteriormente
publicados, mas sua consolidação num único volume permite seguir o pensamento
de Simon Schwartzman (e de alguns de seus colaboradores, como Elisa Reis) numa
gama de tópicos que, se não “esgota” o tema das causas da pobreza no Brasil, pelo
menos contribui para uma análise objetiva, cientificamente embasada, desprovida
das paixões que habitualmente obscurecem o diagnóstico e as “terapias”
corretoras sobre o grande problema que nos envergonha aos olhos do resto do
mundo.
O primeiro capítulo é basicamente
histórico, remontando as origens de nossa alta concentração de pobres por metro
quadrado, o que redunda em falar da escravidão, descartando as visões
classistas tradicionais para aprofundar a discussão em torno do nosso
“capitalismo defeituoso”, bem como das limitações do nosso “Estado de bem-estar
social” e suas patentes iniqüidades sociais. No segundo capítulo, Schwartzman e
Elisa Reis examinam diferentes aspectos sociais e políticos da pobreza e da
exclusão social no Brasil, mapeando os temas relevantes para esse estudo (que
são os canais “clássicos” para o exercício da cidadania, como educação, saúde,
justiça, seguridade social, regulação trabalhista, além de outros novos, como a
representação político-partidária, os sindicatos e igrejas e as associações
voluntárias). Como eles escrevem, “existem amplas evidências empíricas de que a
educação é o principal correlato da desigualdade de renda no Brasil, muito mais
importante do que outros condicionantes, como a raça, o gênero ou a região de residência
das pessoas” (p. 42).
O terceiro capítulo aproveita,
justamente, a experiência do autor como presidente do IBGE, focando em especial
a produção de estatísticas em geral (inflação, população, cor e raça, emprego e
desemprego) e em especial sobre a pobreza. Como medir a pobreza é um problema
sério no Brasil, uma vez que, dependendo do método usado, os números podem
variar de 8 a 64 milhões de pessoas (para uma população, à época, de 170
milhões). Pobreza absoluta e pobreza relativa são aparentemente simples de se
definir, mas a situação se complica quando se trata de medir a renda ou de
definir o que é “necessidade básica”. O Banco Mundial utiliza o critério de um
dólar por dia, como linha de pobreza, mas isso não é consensual, como parece
óbvio. A conclusão do autor é que estudos globais sobre situações de pobreza, a
partir de estatísticas sólidas e representativas, “precisam estar acompanhados
de estudos em profundidade sobre grupos e situações específicas, sem os quais
se torna muito difícil implementar e avaliar políticas adequadas de redução de
pobreza” (p. 97-98).
O quarto capítulo trata de raça e
etnia, temas notoriamente controversos em função da fluidez das fronteiras ou
da inexistência de barreiras efetivas entre as diferentes etnias e subculturas
que coexistem no Brasil. É evidente que os negros ganham menos dos que os
brancos no Brasil, mas o autor reafirma a evidência empírica de que é “a
educação, e não a cor, a raça ou a origem, o grande fator de desigualdade na
sociedade brasileira” (p. 113). O quinto capítulo aborda o trabalho infantil,
utilizando dados da PNAD entre 1992 e 2001. Não se trata, em muitos casos, de
necessidade de complementação da renda familiar, mas de uma cultura vinculada
ao trabalho agrícola doméstico, além, obviamente, de ser uma decorrência da má
qualidade do sistema educacional, que não consegue “segurar” os jovens depois
da adolescência.
O sexto capítulo aborda o tema da
educação básica, cuja característica básica, mencionada acima, é o principal
fator de desigualdade e da pobreza, não apenas no Brasil, mas em toda a região
latino-americana. O autor não confia muito na capacidade do Estado em resolver
esse grave problema, depositando suas esperanças na própria sociedade, que
conquistaria por si só aquilo que o Estado não consegue proporcionar. É um dos
capítulos mais extensos, e que mais mereceria abordagem em detalhe, bastando
entretanto com assinalar que esse problema mereceria muito mais atenção do que
o normalmente concedido por governos comprometidos com as elites
universitárias.
O autor conclui, de forma talvez
pessimista, dizendo que não há solução de curto prazo para o problema da
pobreza no Brasil, sendo necessários vontade política, compromisso com os
valores da igualdade social e dos direitos humanos, uma política econômica
adequada, que gere recursos, um setor público eficiente e políticas específicas
nas áreas da educação, saúde, trabalho, proteção à infância e do combate à
discriminação social, entre outras. Como ele mesmo confessa: “Tudo é fácil de dizer,
e dificílimo de fazer. A construção de uma sociedade competente, responsável,
comprometida com os valores da eqüidade e justiça social, e que não caia na
tentação fácil do populismo e do messianismo político, é uma tarefa de longo
prazo e que pode não chegar a bom termo” (p. 189). Oxalá possamos desmentir
esta última parte desse diagnóstico tão preciso quanto realista da nossa
realidade presente. As causas da nossa pobreza já conhecemos, graças inclusive
ao trabalho competente do autor. Falta, talvez, coragem para enfrentar o
problema de frente.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 agosto 2004
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