Mais um trabalho da série "resenhas desaparecidas" (e reaparecidas):
10. “Poder imperial, análise conceitual”, Brasília,
24 janeiro 2005, 3 p. Resenha do livro organizado por José Luis Fiori, O Poder Americano (Petrópolis: Editora
Vozes, 2004, 456 p.; ISBN: 85-326-3097-9). Publicado, sob o título “O Império
Americano”, na revista Desafios do
Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 1, nº 7, fevereiro 2005, p. 77;
link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1764:catid=28&Itemid=23). Relação de Trabalhos nº
1379. Relação de
Publicados nº 540.
O império americano | | |
por Paulo Roberto de Almeida
Em geral, deve-se desconfiar das obras puramente acadêmicas - isto é, de autores universitários em tempo integral - que trazem como objeto o tema central que dá título a este livro, o "poder americano", ainda mais quando ele pertence, como é o caso, a uma coleção que se identifica como "Zero à Esquerda". Poder-se-ia esperar um conjunto de diatribes contra o império e a dominação global dos EUA, em nada condizente com uma análise séria que a atual situação de hegemonia da "hiperpotência" requer em benefício de todos os interessados nas origens e na dinâmica desta situação absolutamente única na história da humanidade. Esta coletânea constitui, porém, uma agradável surpresa. Os trabalhos passam longe da crítica apaixonada ou do simplismo econômico. Aqui e ali permeia algum ressentimento contra a situação periférica ou dominada da América Latina, resultado de velhas teorias conspiratórias sobre a "concentração do poder econômico e militar", mas o conjunto de ensaios revela que os autores não se contentaram com a visão acadêmica tradicional.
Se fôssemos parafrasear Lênin, poderíamos dizer que a atual Pax Americana é a Pax Britannica mais as tecnologias de informação, mas é evidente que o poder global não se explica apenas pelo domínio tecnológico ou militar. Um dos autores acredita que o poder tecnológico americano pode ser visto como um empreendimento militar: ele retoma a noção de "complexo militar-industrial-acadêmico" para explicar as razões do sucesso americano desde meados do século XX.
Os acadêmicos de esquerda têm certa dificuldade em aceitar que o atual poderio americano não deriva de uma simples concentração de poder econômico, financeiro ou tecnológico no último meio século, aquilo que os antigos marxistas chamavam de "capital monopolista internacional". Ele é o resultado da professorinha de aldeia, do self-rule, da Justiça rápida e transparente, dos mercados livres e do Estado mantido semimanietado pela liberdade de iniciativa. Em poucas palavras, educação universal, instituições sólidas e liberdade econômica constituem o segredo do poder americano, mas isso não é novidade, já tem mais de dois séculos.
Os dois textos iniciais do organizador trazem uma visão histórica sobre a formação e a expansão do poder global e do poder especificamente americano. Os demais ensaios cobrem a fase contemporânea, grosso modo, as duas últimas décadas, que coincidiram com a "indústria do declinismo" e com a brilhante retomada do crescimento da "nova Roma" e suas projeções planetárias. Um trabalho de Franklin Serrano sobre a política macroeconômica no pós-guerra compõe uma revisão útil sobre as várias etapas daquela política, desde sua fase tipicamente keynesiana até as orientações recentes de corte mais liberal-hayekiano. José Carlos Souza Braga e Marco Antonio Macedo Cintra tratam da atual "folia financeira". Começam reconhecendo que a "financeirização" tem sólidas bases técnico-econômicas, mas terminam por ratificar a visão dicotômica sobre a tensão entre produtivismo e financeirização, entre o enriquecimento e a exclusão social, entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento. Dois outros ensaios abordam o petróleo e as telecomunicações como sustentáculos do poder global dos EUA, com a reafirmada tendência à centralização estrutural e à junção do poder político e do capital.
Um último ensaio, de Gabriel Palma, da Universidade de Cambridge, traz uma interessante análise sobre o papel do Japão e dos EUA nos processos de inserção comercial internacional dos emergentes asiáticos e dos países da América Latina. Teríamos aí casos de "gansos voadores" e de "patos mancos", com desempenhos diversos nos mercados, o que explica as trajetórias diferentes de desenvolvimento econômico e social. A posição relativa da América Latina ficou para trás em função de um desempenho notoriamente inferior, resultante sobretudo à baixa inserção no comércio internacional.
Trata-se, certamente, do melhor estudo deste livro, empiricamente embasado e solidamente apoiado nas mais recentes elaborações conceituais da ciência econômica. No conjunto, o livro vale o investimento, pois o retorno em capital intelectual é superior às poucas digressões academicistas esparsas em alguns capítulos. |
Texto original da resenha (que confesso não sei dizer se foi publicada corretamente, não:
Poder imperial, análise conceitual
O
Poder Americano
José Luis Fiori (org.)
(Petrópolis: Editora Vozes, 2004, 456 p.; ISBN:
85-326-3097-9)
Em
geral, deve-se desconfiar dos livros puramente acadêmicos – isto é, de autores
universitários em tempo integral ‑ que trazem como objeto o tema central que dá
título a este livro, o “poder americano”, ainda mais quando ele pertence, como
é o caso, a uma coleção que se identifica como “Zero à Esquerda”. Poder-se-ia
esperar uma coleção de diatribes contra o império e a dominação global dos EUA,
em nada condizente com uma análise séria que a atual situação de hegemonia da
“hiperpotência” requer em benefício de todos os interessados nas origens e na
dinâmica desta situação absolutamente única na história da humanidade. Esta
coletânea constitui, porém, uma agradável surpresa, no sentido em que os
trabalhos passam longe da crítica apaixonada ou do simplismo econômico. Aqui e
ali permeia algum ressentimento contra a situação periférica ou dominada da
América Latina, resultado de velhas teorias conspiratórias sobre a
“concentração do poder econômico e militar”, mas o conjunto de ensaios revela
que os autores não se contentaram com essa visão acadêmica tradicional.
Se
fôssemos parafrasear Lênin, se poderia dizer que a atual Pax Americana é a Pax
Britannica mais as tecnologias de informação, mas é evidente que o poder
global não se explica apenas pelo domínio tecnológico ou militar. Um dos
autores acredita que o poder tecnológico americano pode ser visto como um
empreendimento militar: ele retoma a noção de “complexo
militar-industrial-acadêmico” para explicar as razões do sucesso americano
desde meados do século XX. Uma análise de extração marxista, porém, poderia
argumentar que os EUA criaram um “modo inventivo de produção” absolutamente
inédito em termos históricos e eficiente em seus vários aspectos: econômicos,
militares, culturais, sociais, institucionais e em muitas outras vertentes
“civilizacionais”. Isto não data do pós-Segunda Guerra, mas vem desde antes de
Benjamin Franklin.
Os
acadêmicos de esquerda têm certa dificuldade em aceitar que o atual poderio
americano, absoluto em várias de suas facetas, não deriva de uma simples
concentração de poder econômico, financeiro ou tecnológico no último meio
século, aquilo que os antigos marxistas chamavam de “capital monopolista
internacional”. Ele é o resultado da professorinha de aldeia, do self-rule, da justiça rápida e
transparente, dos mercados livres e do Estado mantido semi-manietado pela
liberdade de iniciativa. Em poucas palavras, educação universal, instituições
sólidas e liberdade econômica constituem o segredo do atual poder americano,
mas isso já tem mais de dois séculos.
Os
dois textos iniciais do próprio organizador trazem uma visão histórica, de
longo prazo, sobre a formação e a expansão do poder global e do poder
especificamente americano. Os demais ensaios cobrem a fase contemporânea,
grosso modo, as duas últimas duas décadas que coincidiram com a “indústria do
declinismo” – cujo principal expoente foi o historiador Paul Kennedy – e com a
brilhante retomada do crescimento da “nova Roma” e suas projeções planetárias.
Maria Conceição Tavares e Luiz Gonzaga Belluzzo assinam um texto de corte
tradicional sobre a “mundialização do capital” que poderia facilmente ter sido elaborado
por um marxista repetitivo como Hobsbawm.
Um
trabalho de Franklin Serrano sobre a política macroeconômica dos EUA no
pós-guerra também contém algumas dessas percepções tipicamente acadêmicas sobre
o referido “complexo” e a retomada do poder das “classes proprietárias”, mas
compõe, ainda assim, um recapitulativo útil sobre as várias etapas daquela
política, desde sua fase tipicamente keynesiana do imediato pós-guerra até as
orientações recentes de corte mais liberal-hayekiano. José Carlos Souza Braga e
Marco Antonio Macedo Cintra tratam em artigo conjunto da atual “folia
financeira”, no qual começam reconhecendo que essa “financeirização” tem
sólidas bases técnico-econômicas, mas terminam por ratificar a visão dicotômica
sobre a tensão entre produtivismo e financeirização, entre o enriquecimento e a exclusão
social, entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento. Dois outros ensaios
abordam o petróleo e as telecomunicações como sustentáculos do poder global dos
EUA, com a reafirmada tendência à centralização estrutural e à junção do poder
político e do capital.
Um
último ensaio, de Gabriel Palma, da Universidade de Cambridge, traz uma
interessante análise sobre o papel do Japão e dos EUA nos processos de inserção
comercial internacional dos emergentes asiáticos e dos países da América
Latina, respectivamente. Teríamos aí casos de “gansos voadores” e de “patos
mancos”, com desempenhos diversos nos mercados de produtos dinâmicos, o que
explica as trajetórias diferentes de desenvolvimento econômico e social. A
posição relativa da América Latina ficou para trás, em função de um desempenho
notoriamente inferior, o que também é explicado pela baixa inserção no comércio
internacional. Trata-se, certamente, do melhor estudo deste livro, pois que
empiricamente embasado e solidamente apoiado nas mais recentes elaborações
conceituais da ciência econômica. No conjunto, o livro vale o investimento na
sua compra, pois o retorno em capital intelectual é superior às poucas
digressões academicistas esparsas em alguns capítulos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário