15. “História quase virtual do
Brasil”, Brasília, 20 março 2005, 2 p. Resenha de Evaldo Cabral de Mello: A outra Independência: o federalismo
pernambucano de 1817 a 1824 (São Paulo: Editora 34, 2004, p. 260; ISBN:
85-7326-314-8). Revista Desafios do
Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 2, nº 9, abril 2005, p. 71; link:
http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1770:catid=28&Itemid=23). Relação de Trabalhos nº 1411. Relação de
Publicados nº 553.
História quase virtual do Brasil | | |
por Paulo Roberto de Almeida
O novo livro do diplomata-historiador (ou vice-versa) Evaldo Cabral de Mello explora a possibilidade de uma independência alternativa, não como hipótese virtual, mas como realização efetiva, tal como tentada nas cidades e nos campos da Bahia e de Pernambuco, entre a insurreição precoce de 1817 e a Confederação do Equador, em 1824. Esses movimentos, com outros do Sul, ficaram agrupados sob o amálgama de "separatismo", ao passo que os construtores do Império, a partir do Rio de Janeiro, passaram para a história com o beau rôle de unitários e de nacionalistas. Essa é, porém, uma perspectiva equivocada, uma vez que, no momento da Independência, o Brasil era um ajuntamento de províncias que se relacionavam mais com a metrópole (ou com a África) do que entre si. Luiz Felipe Alencastro já tinha alertado para esse arquipélago de sistemas desvinculados, sem unidade econômica real.
Esse livro conta a história desse "destino não manifesto", traduzido no desejo de algumas elites regionais, no caso as do Nordeste, de recuperar o poder local perdido quando da vinda da família real e a centralização operada em favor do Rio de Janeiro. O federalismo, segundo Cabral de Mello, era uma possibilidade real, se alguns destes processos não tivessem ocorrido: a manutenção da dinastia bragantina no Rio, um tratamento mais conforme às aspirações das elites regionais pelas cortes de Lisboa e a determinação da "administração" da corte no Rio em preservar sua posição hegemônica. Mas foi uma luta bárbara, na qual a força foi mais importante que a persuasão. A historiografia ulterior alimentou o "rio-centrismo", descurando ou desvalorizando os "separatismos" regionais, uniformemente agrupados na rubrica contrária à unidade nacional, quando o que eles pretendiam, na verdade, era uma forma diferente de organização do Estado (e do equilíbrio entre as províncias), provavelmente mais conforme ao modelo proposto nos Estados Unidos poucas décadas antes.
A Bahia, como se sabe, ficou sob ocupação portuguesa no episódio da separação, razão pela qual coube a Pernambuco a liderança federalista. Longe de obedecerem a impulsos regionais anárquicos, como a propaganda fluminense quis fazer acreditar (dando os exemplos caóticos dos Estados hispano-americanos), os patriotas do Nordeste queriam a verdadeira liberdade e a igualdade, num regime de poderes compartilhados.
José Bonifácio foi, nesse caso, menos sábio do que o habitualmente afirmado, pois que, partindo da idéia de uma "peça majestosa e inteiriça desde o Prata até o Amazonas", denegriu o projeto federalista, assimilando-o ao republicanismo e acusando seus líderes de pretenderem um "governo monstruoso", para serem nas províncias "chefes absolutos, corcundas despóticos". Os "bispos sem papa", no dizer de Bonifácio, foram esmagados, e assim o Brasil continua a ser até hoje, a despeito da ironia de carregar no nome o adjetivo federalista, a mais unitária das repúblicas americanas. |
Não sei se está completo, assim, coloco meu texto original aqui:
História quase virtual do
Brasil
Evaldo
Cabral de Mello:
A outra Independência: o federalismo
pernambucano de 1817 a 1824
(São Paulo: Editora 34, 2004, 260 p.; ISBN: 85-7326-314-8).
Estamos tão habituados à
versão tradicional da independência do Brasil, de cunho unitário e quase que
“naturalmente monarquista”, que negligenciamos outros modos possíveis de desenvolvimento
da nação ou de formação do Estado. Já não falo de uma história declaradamente
virtual, que poria em confronto “o que efetivamente se passou”, segundo a visão
rankeana, com possibilidades inesperadas ou puramente hipotéticas, como uma
separação holandesa do Nordeste, em caráter permanente, ou um movimento
inconfidente bem sucedido nas Gerais, de caráter republicano, ou ainda uma
divisão de fato entre as várias províncias do norte e do sul no processo de
independência, o que teria conformado um arquipélago de nações luso-parlantes
na América do Sul (a exemplo da fragmentação hispano-americana na vertente
andina).
Este novo livro do diplomata-historiador
(ou vice-versa) Evaldo Cabral de Mello explora justamente essa última
possibilidade, a de uma outra independência possível, não como hipótese
virtual, mas como realização efetiva, tal como tentada nas cidades e nos campos
da Bahia e de Pernambuco, entre a insurreição precoce de 1817 e a Confederação
do Equador em 1824. Esses movimentos, junto com outros do Sul, ficaram
agrupados sob o amálgama enganador de “separatismo”, ao passo que os
construtores do Império, a partir do Rio de Janeiro, passaram para a história
com o beau rôle de unitários e de
nacionalistas. Essa é, porém, uma perspectiva equivocada, uma vez que, no
momento da independência, o Brasil era tudo menos Brasil, e sim um ajuntamento
de províncias que se relacionavam mais com a metrópole (ou com a África, por
exemplo) do que entre si. Luiz Felipe Alencastro já tinha alertado para esse
arquipélago de sistemas desvinculados entre si, sem unidade econômica real.
Este livro conta a
história desse “destino não manifesto”, traduzido no desejo de algumas elites
regionais, no caso as do Nordeste, de recuperar o poder local perdido quando da
vinda da família real e a centralização operada em favor do Rio de Janeiro. O
federalismo, segundo Evaldo, era uma possibilidade real, se alguns destes
processos não tivessem ocorrido: a manutenção da dinastia bragantina no Rio, um
tratamento mais conforme às aspirações das elites regionais pelas Cortes de
Lisboa e a determinação da “administração” da Corte no Rio em preservar sua
posição hegemônica. Mas foi uma luta bárbara, na qual a força foi mais
importante do que a persuasão. A historiografia ulterior alimentou o
“rio-centrismo”, descurando ou desvalorizando os “separatismos” regionais,
uniformemente agrupados na rubrica contrária à unidade nacional, quando o que
eles pretendiam, na verdade, era uma forma diferente de organização do Estado
(e do equilíbrio entre as províncias), provavelmente mais conforme ao modelo
proposto nos Estados Unidos poucas décadas antes.
A Bahia, como se sabe,
ficou sob ocupação portuguesa no episódio da separação, razão pela qual coube
eminentemente a Pernambuco a liderança federalista, quando na verdade ambas as
províncias tinham condições econômicas de sustentar um modelo diferente,
singularmente autonomista, de construir um Estado não centralizado, ainda que
passavelmente unitário, sob a égide da monarquia (mesmo se muitos liberais
fossem declaradamente republicanos). Longe de obedecerem a impulsos regionais
anárquicos e anti-patrióticos, como a
propaganda fluminense quis fazer acreditar (dando os exemplos caóticos dos
estados hispano-americanos), os patriotas do Nordeste
queriam a verdadeira liberdade e a igualdade, num regime de poderes
compartilhados.
José
Bonifácio foi, neste caso, menos sábio do que o habitualmente afirmado, pois
que, partindo da idéia de uma “peça majestosa e inteiriça desde o Prata até o
Amazonas”, denegriu o projeto federalista, assimilando-o ao republicanismo e
acusando seus líderes de pretenderem um “governo monstruoso”, para serem nas
províncias “chefes absolutos, corcundas despóticos”. Os “bispos sem papa”, no
dizer de Bonifácio, foram esmagados e assim o Brasil continua a ser até hoje, a
despeito da ironia de carregar no nome o adjetivo federalista, a mais unitária
das repúblicas americanas.
Paulo
Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)
Brasília,
1411: 20 março 2005
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