Unifiquei as duas resenhas em uma só, e publiquei em algum revista, talvez a Plenarium, mas não tenho certeza.
Paulo Roberto de Almeida
Dificuldades
do desenvolvimento brasileiro
Ana Célia Castro, Antonio Licha, Helder
Queiroz Pinto Jr. e João Saboia (orgs.):
Brasil
em Desenvolvimento; Vol. 1: Economia, Tecnologia e Competitividade, 546 p.; vol. 2: Instituições, políticas e sociedade, 392
p. (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005)
Os dois volumes resultam de seminários organizados por
professores da UFRJ no final de 2003, cobrindo grandes temas da economia e da
ciência e tecnologia, com a participação de policy-makers
e de acadêmicos brasileiros e estrangeiros. O debate partiu da idéia que o
desenvolvimento é um processo sustentado de crescimento, transformação
produtiva e distribuição de riquezas, ou seja, uma definição fortemente
embasada em Celso Furtado, que aliás abre a obra com um texto curto, “Para Recuperar o Dinamismo”. Os quinze trabalhos
constantes do primeiro volume cobrem problemas
cruciais de gestão macroeconômica, de infra-estrutura, de competitividade, do
papel da ciência e tecnologia e das tecnologias da informação. Surpreendentemente,
os organizadores abrem a discussão dizendo que, “à diferença da década de 50, não
existe neste começo de século XXI uma definição clara dos caminhos para o
desenvolvimento brasileiro” (p. 13).
Os autores, com base num exame das
restrições de curto prazo e das dificuldades estruturais existentes, procuraram
elucidar as razões das limitações e obstáculos que se interpõem à definição de
um projeto de médio e longo prazo para o desenvolvimento brasileiro. As tarefas
e recomendações formuladas ao longo do livro parecem óbvias a qualquer policy-maker, mas nem sempre fáceis de
serem concretizadas: promover a modernização tecnológica a partir de metas e
objetivos estratégicos; integrar políticas macroeconômicas, tecnológicas,
industriais, de regulação de mercados e de comércio exterior; promover
políticas de inclusão social com base na educação e no emprego; superar os
problemas de financiamento de longo prazo; articular os papéis do Estado e do
mercado na infra-estrutura; articular as ações das instituições e do setor
privado para a ciência e tecnologia; estruturar blocos comerciais e negociar
acordos internacionais.
Os organizadores acreditam que o
momento é propício para a definição dessas estratégias de desenvolvimento e,
como acadêmicos, acham que não se pode desvincular as políticas da teoria. Eles
também consideram que as condições necessárias e suficientes para se gerar um
ciclo virtuoso de desenvolvimento não surgem automaticamente, mas dependem de
“intervenções públicas específicas e coordenadas”, o que talvez já seja mais
difícil de assegurar. Em todo caso, tanto no seio da academia, quanto no âmbito
do governo e entre os grandes grupos econômicos nacionais parece estar
emergindo um consenso sobre o conjunto de tarefas indispensáveis para sustentar
um novo ciclo de desenvolvimento. Celso Furtado, por exemplo, acredita que isso
requer uma alteração nos mecanismos estruturais de concentração da renda.
Outros autores preferem enfatizar os requerimentos tecnológicos e de
infra-estrutura, inclusive nas áreas do conhecimento e da inclusão digital.
Curioso que, a despeito da ênfase
reconhecida na necessidade de desenvolver programas voltados para a
universalização da educação com qualidade, nenhum dos textos aborda essa
questão em profundidade, para ressaltar, por exemplo, as enormes carências do
Brasil nesse aspecto, que estão na raiz das desigualdades distributivas
condenadas por Furtado. O economista falecido em 2004 achava que o poder no
Brasil ainda carrega o peso considerável do patrimônio rural e urbano, o que
deixa na sombra o papel considerável do Estado (para o bem e para o mal) nas
últimas décadas de realizações e descaminhos do processo brasileiro de
desenvolvimento.
Todos concordam, assim, em que a
retomada do crescimento depende de um aumento nos investimentos e de que isso terá de ser feito em bases diferentes
daquelas mobilizadas nos anos 1950. A presença ativa do Estado é vista como
“uma regularidade da história”, em quaisquer experiências de países bem
sucedidos. Mas, poucos autores concordariam, por exemplo, em que o Estado
brasileiro pode ter atuado, na fase recente, como um obstáculo importante ao
crescimento, ao drenar recursos do setor privado para seu próprio consumo. Os
acadêmicos ainda tendem a acreditar que o papel do Estado é indispensável e que
os “gênios” dos anos 50 (Prebisch e Furtado) não estavam tão errados assim.
Este debate deveria ser retomado no segundo volume, Instituições Políticas e Sociedade, que
se ocuparia, supostamente, do papel do Estado e das instituições na elaboração
e na implementação de políticas de longo prazo relativas às estratégias de
desenvolvimento. Mas essa tarefa, indispensável numa obra como esta, ficou
inconclusa, dadas as insuficiências analíticas derivadas da estrutura de
seminário, como corresponde ao formato original do livro, o que lhe deu uma
dimensão bem mais acadêmica do que propriamente de políticas públicas.
O segundo volume trata, na verdade, do que na academia
se chamaria de “projeto nacional”. São quinze trabalhos divididos em cinco
partes: o Brasil no mundo, o planejamento, a educação, o trabalho e, como
consolo para o não-desenvolvimento, a solidariedade. Antes, uma introdução de
Alain Touraine não acrescenta nada de novo ao debate sobre as relações entre
atores sociais e instituições. Ele mesmo reconhece que a contribuição da
sociologia para o estudo do desenvolvimento foi modesta, confirmando, portanto,
a ironia de Mário Andrade, para quem a sociologia era a “arte de salvar
rapidamente o Brasil”.
José Luís Fiori trata dos espaços em disputa pelo Brasil
num cenário mundial em mudança. Ele faz boas digressões históricas, mas revela
recaídas acadêmicas ao falar de “utopia globalitária” e ao interpretar o mundo
não a partir dos dados da realidade, mas através de modelos oferecidos por
colegas universitários. Países como o Brasil teriam de aceitar o “imperialismo
voluntário da economia global” ou correr o risco de enfrentar uma “luta
duríssima” contra as instituições do consenso de Washington. Ele acha, por
exemplo, que a era FHC fez o Brasil retroceder à situação do século XIX (até
1930) e que a atual coalizão de esquerda do “projeto popular de democratização
do desenvolvimento” pode ter sucesso se mobilizar o povo e obrigar as elites a
se voltarem para dentro. Mas para isso o Brasil precisaria combater três
“inimigos”: OMC, Alca e FMI.
O diplomata Clodoaldo Hugueney trata
da coerência entre as agendas interna e externa de desenvolvimento, mas os
argumentos não diferem muito do discurso oficial do Itamaraty. A “agenda do desenvolvimento”,
empurrada sobretudo por Brasil e Índia, combina inserção moderada nos circuitos
globais com uma demanda por novas formas de distributivismo Norte-Sul (já que
as velhas são ineficientes). Ele parece favorecer as posições da ONGs do Fórum
Social Mundial, mas concede em que o único princípio válido é o de um enlightened self-interest. É o que vêm
praticando a China e a Índia, muito pragmáticas nesse sentido.
A parte sobre planejamento traz
contribuições de Eli Diniz (sobre sua dimensão político-democrática), de Hélio
Jaguaribe (um determinismo fatalístico sobre as chances do Brasil na nova ordem
imperial), de Cândido Grzybowski (as utopias contraditórias do FSM) e de Ivan
da Costa Marques (sobre a tentativa de clonagem de computadores Apple pela
Unitron, nos anos 1980). Apenas esta última traz algo concreto, ao discutir as
relações entre propriedade intelectual e políticas públicas, mas ainda assim pratica
o velho maniqueísmo dos colonizadores-colonizados ao tratar das possibilidades
de inovação tecnológica nesta nossa “periferia”.
Simon Schwartzman prega um salto
qualitativo na educação, como condição para a superação do atraso. Talvez fosse
o caso de dizer retrocesso, pois o Brasil se situa persistentemente nas mais
baixas posições: em comparações internacionais da OCDE, os resultados são
“extremamente ruins” e isso a despeito de se gastar bastante com educação (com
5,2% do PIB, estamos acima da média da OCDE). A ineficiência institucional é um
fato, como confirma Vanilda Paiva: “errar é um luxo que já não nos podemos
permitir”. A despeito da importância do problema, o Brasil persiste no erro e
isso não tem nada a ver com a chamada “privatização do ensino superior”.
Na parte seguinte, João Saboia traça
um quadro do que seria um mercado de trabalho desejável, feito de oito
condições ideais do lado da oferta e da demanda de mão-de-obra. A evolução foi
positiva em alguns aspectos (escolarização, mas ainda precisa melhorar),
negativa em outros (desemprego, o que requer crescimento). Marcelo Neri se
ocupa da questão da desigualdade no Brasil, uma das maiores do mundo. O quadro
é trágico e basta citar: “a maior parte das políticas adotadas não mira nos
desvalidos; as que miram não acertam o alvo; quando acertam, não proporcionam
efeitos duradouros” (p. 321). Ele acha que os pobres precisam de um “choque de
capitalismo”.
A última parte, sobre a
solidariedade, é algo impressionista, recomendando auto-gestão e cooperativas
para uma economia complexa como a brasileira. É como aplicar band-aid em feridos graves: pode até
confortar a consciência dos aplicantes, mas não ajuda muito os assistidos.
Curioso que num livro que trata de instituições e políticas, resultante de um
seminário conduzido já no nouveau régime,
nenhum trabalho tenha feito uma avaliação do papel do Estado e suas “políticas
desenvolvimentistas”, a despeito de a expressão figurar em nove entre dez
discursos dos dirigentes de plantão. Talvez porque o balanço não seria muito
otimista, evidenciando os passos erráticos do Leviatã econômico, um personagem
que se situa entre o bêbado e o equilibrista.
Paulo Roberto de Almeida
[Brasília, 1442 e 1433: 22 de maio e 19-20 de
junho de 2005]
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