O que Cuba espera do Brasil?
Numa palavra, tudo.
A ilha
apresenta-se hoje – com a possível e óbvia exceção da Coréia do Norte – como a
mais rotunda experiência de fracasso material e político das formas
coletivistas de economia planejada de toda a história do socialismo real
conhecido no século XX.
A rigor, e na verdade, pensando na produção açucareira
apenas, a ilha regrediu para o século XIX. O desempenho relativamente
satisfatório nos indicadores educacionais e de saúde não pode esconder o
avançado grau de sofrimento psicológico (e portanto humano) de seu povo,
obrigado a suportar uma economia
esquizofrênica, caracterizada pela dualidade monetária, na qual quem não
tem um parente em Miami não consegue ter acesso aos bens mais elementares da
vida terrena.
Para todos os efeitos práticos, Cuba constitui hoje uma economia totalmente dolarizada, pois que
o próprio Estado obriga os cidadãos a procurar a moeda sem a qual eles não
poderiam sobreviver decentemente. A ilha antecipou-se em muitos anos ao Equador
e El Salvador, onde na população ainda pode-se encontrar aqueles que têm
“saudades” das -- e fazem cálculos nas -- antigas moedas nacionais, o que dava a
impressão de certa autonomia nacional.
Na ilha caribenha, desde muito, mesmo os
trabalhadores menos qualificados aprenderam a contar em dólares e nele dispõem
de seu principal elemento de troca monetária, de uma indispensável reserva
fungível e da mais importante referência de valor, que são, afinal de contas,
as clássicas qualidades de uma moeda nacional, como se aprende em qualquer
manual de economia política. Onde está a autonomia?
Em resumo, a ilha perdeu por completo sua independência econômica e
hoje se revela totalmente dependente de aportes estrangeiros, assim como os
dirigentes políticos estão, para todos os efeitos práticos, inteiramente
dependentes do vilipendiado embargo americano, que lhes dá a justificativa
moral para a continuidade de uma situação que só se pode classificar de surrealista, como naqueles romances
clássicos do realismo mágico latino-americano (à la Miguel Angel Astúrias, Gabriel Garcia Márquez ou Augusto Roa
Bastos).
Depois que o socialismo soviético fez chabu, deu dois suspiros e morreu, depois que a própria União Soviética desapareceu nas dobras da história, a ilha passou por maus bocados, o chamado "período especial", durante o qual os cubanos, já acostumados com a libreta de racionamento, viram alongar-se os dias em que a libreta não cobre mais sequer as necessidades básicas. Cálculos de alguns economistas bem informados dizem que a libreta não alcança nem duas semanas do mês, terminando aí pelo dia 13 (se não for antes, agora); o que significa que a partir do 14. dia os cubanos devem exercitar sua imaginação para chegar ao começo do próximo mês de libreta. Se não fosse a generosidade chavista, especialmente sua prodigalidade em petróleo, os cubanos sequer poderiam andar de ônibus, e teriam de se deslocar a pé. E aqueles que acusam os americanos como responsáveis pelos problemas de sua economia, ao sustentarem um embargo ridículo, provavelmente não sabem que os EUA são hoje os principais -- repito, os MAIS IMPORTANTES -- provedores de Cuba em alimentos, remédios e defensivos agrícolas, produtos não cobertos pelo embargo. Os cubanos residentes em Miami são também os principais provedores de recursos em divisas para os que ficaram (infelizes), mas o governo se apropria da maior parte desses dólares.
Seria cômico se não fosse trágico, para a maior parte da população,
levada a se lançar em frágeis embarcações na mais longa das aventuras de boat people conhecidas na história
moderna. Onde está a honestidade, como diria um antigo sambista?
Por isso mesmo, Cuba necessita absolutamente que o Brasil concorde
em prover a ilha dos mais elementares bens, coisas que o mesmo Brasil já foi (e de certo modo ainda vai) buscar junto ao
império: mercados, capitais, know-how, financiamentos, objetos de lazer (não
sei se nossas novelas ainda passam na ilha, ou se já foram descartadas por
inadequação “moral”) e outros bens tangíveis e intangíveis.
Dentre estes
últimos, encontram-se dois que seria impossível de encontrar nas relações do
Brasil com o império: legitimidade política e reconhecimento internacional.
Os irmãos Castro necessitam ainda mais desesperadamente desse tipo de caução política e
moral do que seus habitantes necessitam dos produtos e novelas brasileiras.
Trata-se de uma questão de vida ou morte, agora que poucos dirigentes políticos
nacionais – mesmo aqueles da esquerda européia, sempre complacentes com os
habituais “anti-imperialistas latino-americanos” – deixaram de se comover com o
cerco imposto à ilha pelo dragão imperial da maldade capitalista.
Ou seja, Cuba vai agarrar-se como pode a esta oportunidade única
(ou rara, hoje em dia) de continuar arengando um aliado de ocasião (ou de
situação), para lançar mais algumas diatribes contra a “fonte” de todo o mal de
que padece a sua fazenda particular. Uma visita de um dirigente brasileiro não se desperdiça por
nada neste mundo: o mais importante país da América do Sul, a mais vibrante
democracia do mundo ocidental, o mais africano (e o mais cubano) de todos os
povos da região, o líder mais em moda da política mundial, uma das economias mais
prometedoras dentre os emergentes, enfim, o país mais independente e arredio a
qualquer dominação imperial de todo o continente, o Brasil é o grande irmão de que Cuba necessita.
Maravilha das maravilhas,
isso tudo junto e ainda por cima uma predisposição a ouvir e “compreender” as
razões do irmão do último patriarca saído diretamente das páginas de um romance gótico
(ou barroco).
Seria patético se não fosse perigoso, como se pode imaginar...
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