A diplomacia vista da academia |
por Paulo Roberto de Almeida
Política Externa Brasileira
Henrique Altemani de Oliveira Editora Saraiva, 2005, 292 p., R$ 46,00 O autor exibe pleno domínio dos temas e problemas da diplomacia brasileira em cada época, mas o excesso de transcrições de outros estudiosos pode deixar a impressão de alguma hesitação em expor os próprios argumentos ou em fazer julgamentos sobre os aspectos positivos ou negativos das grandes escolhas estratégicas feitas em momentos cruciais das nossas relações exteriores. A discussão sobre os elementos de mudança ou as características de permanência da política externa brasileira, por exemplo, ocorre duas vezes no decorrer do livro, no contexto da redemocratização dos anos 80 - que não alterou substancialmente os fundamentos da política externa - e na recente fase de liberalização econômica da era Collor-Fernando Henrique Cardoso, quando ocorre certo afastamento do perfil terceiro-mundista da nossa diplomacia e aumenta a ênfase na integração sub-regional. Ainda assim, Altemani considera que os traços principais da política externa brasileira foram mantidos, mesmo se com matizes diferenciados em relação aos primeiros exercícios de "política externa independente" (dos governos Quadros-Goulart). Embora alguns autores citados por Altemani indiquem a subserviência do governo Collor aos ditames dos Estados Unidos, ele apresenta o consenso em vários outros estudiosos de que "o país necessitava efetivar determinados ajustes no seu processo de inserção, tendo em vista tanto as mudanças estruturais (em termos de alterações no sistema internacional) quanto as conjunturais". Na fase mais recente, alguns acadêmicos citados pelo autor preferem condenar a política externa dos anos FHC como "alinhada" ou constituída mais de retórica do que de substância, num suposto contraste com a ofensiva regional e terceiro-mundista do governo que lhe sucedeu, que seria "desenvolvimentista" em lugar de "subserviente". Altemani confirma, contudo, que as grandes linhas da diplomacia brasileira têm sido preservadas em sua substância, com inevitáveis adaptações de estilo, e representam "expectativas e estratégias em desenvolvimento nos governos anteriores". Agora minha versão original, como sempre maior do que as versões esquartejadas pelos editores:
A diplomacia brasileira vista da academia
Henrique Altermani de Oliveira:
Política
Externa Brasileira
(São Paulo: Editora Saraiva, 2005, 292 p.;
ISBN: 85-02-05192-X)
Os cursos de relações internacionais têm apresentado, no
Brasil, um crescimento exponencial, empurrados pela globalização, o que lhes dá
certo charme intelectual, mas embalados, também, pelo movimento
antiglobalizador, o que garante espaço na mídia. Muitos perecerão, por excesso
de oferta e inadequação de seu conteúdo às necessidades reais do mercado nessa
área. Mas a febre provocou o surgimento de bons livros, entre os quais se
destaca o de Demétrio Magnoli (Relações
internacionais: teoria e história; Saraiva, 2004) e, da mesma editora, este
do coordenador de pós-graduação em relações internacionais da PUC-SP, Henrique
Altemani. Trata-se de um pequeno grande livro, pois que, em menos de 300
páginas, consegue a proeza de resumir mais de um século de política externa
republicana e vários outros argumentos sobre a natureza do processo diplomático
no Brasil, com domínio quase completo das fontes de referência documental e um
conhecimento preciso sobre as motivações políticas internas do Itamaraty, de
certa forma surpreendente em um observador externo.
Trata-se de obra essencialmente didática, com inúmeras
transcrições de autores consagrados na literatura, muitas referências de rodapé
e uma organização tão sintética quanto precisa. Depois de um capítulo
introdutório sobre o conceito de política externa – no qual são examinados o
processo decisório nessa área e o funcionamento do Itamaraty –, o sete
capítulos sucessivos abordam as diversas etapas históricas de desenvolvimento
da política externa brasileira, a saber: 2: De Rio Branco à Segunda Guerra
Mundial (com resumo da política externa no Império e uma análise da
“americanização” da diplomacia pelo Barão); 3: Do Contexto Sub-regional à
Constituição do Sistema Interamericano (basicamente a diplomacia dos governos
Dutra e Vargas); 4: A Operação Panamericana e a Política Externa Independente
(primeira iniciativa multilateral, de âmbito regional, que antecede ao atual
esforço de liderança na América do Sul, e tentativa de escapar das malhas do
Império); 5: A Política Externa dos Governos Militares (incluindo o projeto do
Brasil “grande potência”); 6: A Universalização da Política Externa Brasileira
(com a “diversificação de dependências” e a retomada do relacionamento com a
América Latina, ainda no regime militar); 7: A Política Externa na Nova
República (discussão da mudança ou continuidade da diplomacia nos governos da
redemocratização e abordagem do importante processo de integração bilateral com
a Argentina) e, finalmente, 8: A Política Externa no Pós-Guerra Fria (de
Fernando Collor a Lula, passando por Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso,
que gostava de ser o seu próprio chanceler).
O autor exibe pleno domínio dos temas e problemas da
diplomacia brasileira em cada época, mas o excesso de transcrições de outros
estudiosos pode deixar a impressão de alguma hesitação em expor seus próprios
argumentos ou em fazer julgamentos sobre os aspectos positivos ou negativos das
grandes escolhas estratégicas feitas em momentos cruciais das nossas relações
exteriores. A discussão sobre os elementos de mudança ou as características de
permanência da política externa brasileira, por exemplo, ocorre duas vezes no
decorrer do livro, no contexto da redemocratização dos anos 1980 – que não
alterou substancialmente os fundamentos da política externa – e na recente fase
de liberalização econômica da era Collor-FH, quando ocorre um certo afastamento
do perfil terceiro-mundista da nossa diplomacia e aumenta a ênfase na
integração sub-regional. Ainda assim, Altemani considera que os traços
principais da política externa brasileira foram mantidos, mesmo se com matizes
diferenciados em relação aos primeiros exercícios de “política externa
independente” (dos governos Quadros-Goulart).
Embora alguns autores citados por Altemani indiquem a
subserviência do governo Collor aos ditames dos EUA, ele indica o consenso em
vários outros estudiosos de que “o País necessitava efetivar determinados
ajustes no seu processo de inserção, tendo em vista tanto as mudanças
estruturais (em termos de alterações no
sistema internacional) quanto às conjunturais” (p. 242). Na fase mais recente,
alguns acadêmicos citados pelo autor preferem condenar a política externa dos
anos FHC como “alinhada” ou constituída mais de retórica do que de substância,
num suposto contraste com a ofensiva regional e terceiro-mundista do governo
que lhe sucedeu, que seria “desenvolvimentista” em lugar de “subserviente”.
Altemani confirma, contudo, que as grandes linhas da diplomacia brasileira têm
sido preservadas em sua substância, com inevitáveis adaptações de estilo, e
representam “expectativas e estratégias em desenvolvimento nos governos
anteriores” (p. 264).
Paulo
Roberto de Almeida (www.pralmeida.org) [1451: Bordeaux-Bilbao, 21.07.05]
Publicada,
com cortes, na revista
Desafios do Desenvolvimento
(Ano
2, nº 14, setembro 2005, p. 71; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1786:catid=28&Itemid=23).
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