Patrimonialismo
tradicional brasileiro e corrupção petista: uma lição de Paulo Kramer
Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: considerações sobre
patrimonialismo e corrupção; finalidade:
introduzir um texto de Paulo Kramer sobre os dois fenômenos no Brasil]
Introdução
Concordo inteiramente com
a lição de Paulo Kramer abaixo transcrita: existe uma diferença fundamental,
essencial, entre, por um lado, a corrupção "normal" do sistema
político, pervasiva, resiliente, tradicional entre os todos os partidos
políticos, entre todos os caciques do velho sistema, e a corrupção sistêmica,
"científica", organizada no modo bolchevique, do PT e sua liderança
mafiosa (um pouco como era o partido nazista na Alemanha hitlerista).
A diferença, para mim
(PRA), é esta: enquanto a corrupção tradicional se faz, na terminologia
marxista, pelo velho "modo artesanal de produção da corrupção", ou
seja, em caráter individual, oportunista, usando os recursos habituais da
classe política para assaltar o Estado – emendas parlamentares,
superfaturamento em despesas governamentais locais, achaque a empresas que
serão protegidas depois, caixa 2 como sempre se fez, já a corrupção no universo
petista, ou petralha, se faz pelo "modo industrial de produção da
corrupção", sistêmica, organizada, cientificamente organizada pelo partido
neobolchevique, destinada não apenas ao enriquecimento individual dos líderes
mafiosos, mas correspondendo igualmente, e talvez principalmente, a um projeto
coletivo, partidário, de monopólio do poder, o que se dá não apenas pelo
assalto a TODOS os recursos do Estado, onde estiverem, mas pelo achaque e a
extorsão direta, organizada das empresas, TODAS as empresas, públicas e
privadas. Onde houver um emprendimento qualquer, os petralhas irão lá arrancar
dinheiro para si e para a causa.
Qual é a causa?
Ora, a manutenção do
poder, a todo custo.
Os petistas, os petralhas,
os mafiosos do partido neobolchevique não estão minimamente interessados em
"construir o socialismo", de qualquer século, do XIX ao XXI, como
tentaram fazer os idiotas do socialismo bolivariano chavista, com isso
mergulhando a pobre Venezuela na maior crise de sua história. Não, eles têm
todo o interesse em preservar o capitalismo, pois sabem que o socialismo é
sinônimo de miséria, de pobreza. Eles só querem extorquir os capitalistas –
industriais e banqueiros – e viver às custas deles, ou seja, preservando o
capitalismo, mas cobrando um alto preço deles e de toda a sociedade,
extorquindo TODOS os produtores de riqueza na sua sanha predatória.
Mas vamos ler a lição de
Paulo Kramer.
Paulo Roberto de
Almeida
Brasília, 20 de janeiro de
2018
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Patrimonialismo
Paulo Kramer
Um amigo me perguntou: "Mas, afinal, qual a diferença entre o PT e
os outros partidos?" Respondi assim:
Oi, meu caro! Grato pela oportunidade, e vamos lá:
1) Ao contrário da maioria dos meus amigos e conhecidos que ficaram
decepcionados e indignados quando começaram a vir à tona os primeiros podres do
governo lulopetista, não fiquei nem uma coisa, nem outra, porque já estava
cansado de saber, por estudo e observação própria, que a esquerda não
democrática É, SEMPRE FOI, NUNCA DEIXARÁ DE SER P-A-T-R-I-M-O-N-I-A-L-I-S-T-A: aqui,
em Cuba, na antiga União Soviética e nos seus satélites do Leste europeu, na
China, na Venezuela, enfim, em qualquer lugar do mundo seja qual for a época.
E, se alguém ainda nutria dúvidas sobre isso, foi porque nunca se deu o
trabalho de perceber quais os países que a petralhada sempre teve como modelos.
2) O lulopetismo inventou o patrimonialismo? Claro que não, assim como
Ayrton Senna não foi o inventor do automobilismo... Aliás, patrimonialista (i.
e., predadora dos recursos públicos para engordar o patrimônio pessoal ou
familiar) é toda a nossa cultura política. Patrimonialismo significa sempre e
necessariamente atraso e miséria? Não, o patrimonialismo apresenta versões
modernizadoras (Marquês de Pombal, em Portugal; Getúlio Vargas e regime militar
no Brasil; Pedro, o Grande na Rússia etc., etc., etc.). Agora, corrupto,
sempre; base de um regime político e econômico em que o Estado é mais forte que
a sociedade, fazendo da segunda refém do primeiro, sempre também.
3) TODOS OS PARTIDOS POLÍTICOS BRASILEIROS SÃO PATRIMONIALISTAS, porque
patrimonialista é essa matriz socioeconômica e política comum a cada um deles.
Mas, então, em que o lulopetismo se distingue deles? Tentarei esclarecer: os
outros partidos que formam a 'base parlamentar aliada' de qualquer governo agem
como quadrilhas relativamente independentes (é o grupo do deputado X na
previdência, é a panelinha do senador Y no setor elétrico, é o 'esquema' do
ministro ou governador Z nesta ou naquela estatal... Enfim, cada quadrilha
roubando para enriquecer os clãs familiares e políticos encastelados nas
cúpulas dos diferentes partidos, mas que, em razão desse mesmo caráter
descentralizado da roubalheira, jamais teve força suficiente, muito menos
projeto consistente, para substituir o regime democrático (com todos os
defeitos e limitações deste) por um sistema mais monopolizador do poder, de
tipo ostensivo (regimes de partido único, a exemplo de Cuba, URSS etc) ou
disfarçado (como os governos do PRI mexicano durante sete décadas a fio -- uma
única legenda com efetivo controle das alavancas do poder [na mão direita, o
Diário Oficial; na esquerda, os sindicatos e movimentos sociais corrompidos e
domesticados ], em torno da qual gravitam partidecos sustentamos pelas migalhas
caídas da mesa do banquete da sigla hegemônica).
4) O lulopetismo foi o único a atrever-se a um projeto centralizado,
tentacular, onipresente de corrupção a serviço da eternização no poder. Nas
condições atuais do mundo e do Brasil, o modelo mais viável não seria o
despotismo de partido único, mas sim o hegemonismo à la PRI mexicano.
Entendem a diferença? Para os outros clãs partidários e eleitorais, a
corrupção era/é um fim em si; para o PT, um meio de eternizar-se no poder.
5) Liberais no Ministério da Fazenda, conforme o script esboçado na Carta
ao Povo Brasileira (que prefiro chamar de documento sossega-banqueiro) que Lula
divulgou em plena campanha de 2002, com texto de Antonio Palocci. Lembrar que,
naquele momento, a tensão pré-eleitoral estava nas alturas, com o dólar
encostando em 4 reais, justamente pelo temor do mercado de que Lula e PT,
se/quando chegassem ao poder cumpririam tudo aquilo que prometiam desde a
fundação do partido, isto é, a implantação de um regime socialista à la Cuba,
ou Angola, ou qualquer outro modelo acalentado por amantes do totalitarismo
como Zé Dirceu. Por isso, depois de ganhar aquela primeira eleição, a política
econômica do primeiro mandato de Lula seria impecavelmente ortodoxa, fincada no
tripé câmbio flutuante, metas inflacionárias e responsabilidade fiscal. Atribuo
a manutenção do Meirelles durante oito anos à frente do Banco Central como
fruto da superior compreensão do ex-pobre Lula de que as maiores vítimas da
inflação são os pobres, que, ao contrário das classes média e alta, não
podem se refugiar em aplicações financeiras indexadas; para o assalariado ou
biscateiro pobre, num contexto de inflação alta, o dinheiro vira pó assim que é
recebido...
6) No fundo, os lulopetistas jamais se converteram à economia de mercado,
permanecendo fiéis ao besteirol intervencionista e estatizante que nem ao menos
chega ser original, já que herdado das ditaduras estado-novista e militar. O
disfarce liberal ortodoxo da política econômica do primeiro mandato não
tardaria a ser abandonado, sob o estímulo de três fatores conjunturais: a maré
de prosperidade ensejada pelo boom internacional dos preços das commodities
agropecuárias e minerais; o advento da Grande Recessão mundial em 2008/2009, que
reanimou as velhas e nunca preenchidas expectativas da esquerda de um colapso
planetário e final do capitalismo; e a descoberta do pré-sal, que, na
cabecinha dessa gente, soou como senha para mandar às favas a responsabilidade
fiscal e todo aquele receituário econômico 'de direita'. E vamos enfiar cada
vez mais grana no rabo de Joesleys e Eikes, que aventureiros como eles eram os
grandes financiadores das campanhas do PT, além de fontes aparentemente
inesgotáveis de propina. A esse trinômio, eu acrescentaria uma quarta
eventualidade decisiva para compreender a regressão da política econômica na
passagem do 1º para o 2º mandato de Lula: a derrocada do Palocci com o
escândalo caseiro-gate. Ele era um dos únicos da cúpula lulopetista a
compreender a superioridade infinita da economia de mercado sobre todos os
modelos alternativos e, se tivesse a coragem e a lucidez de livrar-se do
abraço sedutor, paralisante e delinquente do patrimonialismo, estaria em
condições de liderar a transição do PT do socialismo populista, atrasado,
para-bolivariano etc., rumo à socialdemocracia moderna, respeitadora das
cláusulas pétreas da economia de mercado e do regime representativo.
Quem quiser saber mais, deve ler, do meu mestre e amigo ANTONIO PAIM, um
dos maiores pensadores brasileiros vivos: Momentos
Decisivos da História do Brasil; Marxismo
e Descendência; O Liberalismo
Contemporâneo (3ª edição); A Querela
do Estatismo (2ª edição) e O Relativo
Atraso Brasileiro e sua Difícil Superação; do saudoso diplomata, humanista
e psicólogo junguiano José Osvaldo de Meira Penna: Em Berço Esplêndido e O
Dinossauro; e, do historiador das ideias Ricardo Vélez Rodríguez (o mais
brilhante discípulo de Antônio Paim): A
Grande Mentira.
Um última observação sobre POPULISMO e PATRIMONIALISMO: nem todo
patrimonialismo é populista, mas todo populismo é patrimonialista. Demagogos
inescrupulosos como Lula exploram as fragilidades intelectuais e a imaturidade
cívica de culturas políticas como a nossa, nas quais o entroncamento da herança
contra-reformista ibérica com o positivismo de cunho religioso (ração
ideológica da qual se fartaram o pensamento militar republicano e o caudilhismo
gaúcho de Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Getúlio Vargas e Leonel
Brizola) e o marxismo mais rastaquera formaram o caldo de cultura do coitadismo
mais nocivo. Esses falsos messias sabem que, no Brasil e em Nuestra América de maneira geral, basta
afetar e exibir esse falso sentimento de compaixão pelos pobres para receber de
amplas parcelas da opinião pública, a começar pelos estamentos intelectuais e
artísticos um amplo salvo conduto para saquear o erário é enriquecer à custa do
suor do contribuinte.
Paulo Kramer
Brasília, 19 de janeiro
de 2018.