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segunda-feira, 6 de junho de 2022

Dívida pública: deterioração de sua administração - Maria Lucia Fattorelli e Rodrigo Ávila

 

GASTO COM DÍVIDA PÚBLICA SEM CONTRAPARTIDA QUASE DOBROU DE 2019 A 2021

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GASTO COM DÍVIDA PÚBLICA SEM CONTRAPARTIDA QUASE DOBROU DE 2019 A 2021

Maria Lucia Fattorelli

Rodrigo Ávila

Em 2021, o governo federal gastou R$ 1,96 trilhão com juros e amortizações da dívida pública, o que representa um aumento de 42% em relação ao valor gasto em 2020, que por sua vez já tinha sido 33% superior a 2019. Portanto, nos últimos dois anos, os gastos financeiros com a dívida federal quase dobraram. Apesar desses vultosos pagamentos, em 2021 a Dívida Pública Federal aumentou R$ 708 bilhões, tendo crescido de R$ 6,935 trilhões para R$ 7,643 trilhões1.

Assistimos a um verdadeiro saque das riquezas nacionais para alimentar o Sistema da Dívida, enquanto todos os outros investimentos necessários ao nosso desenvolvimento socioeconômico são deixados de lado, sob o falacioso argumento de que não haveria recursos. Recursos não faltam em nosso país! Além de cerca de R$ 5 trilhões em caixa2houve “Superávit Primário” em 2021, no valor de R$ 64 bilhões3Mas todo esse dinheiro está reservado para o rentismo!

O gráfico do Orçamento Federal Executado (pago) em 2021 evidencia o privilégio do Sistema da Dívida:

  • POR QUÊ OS GASTOS COM A DÍVIDA CRESCERAM TANTO EM 2021?

A explosão do crescimento da Dívida Pública Federal em 2021 é explicada pelas seguintes razões:

1º) JUROS ELEVADOS:

Enquanto o mundo todo está praticando taxas de juros próximas de zero ou até negativas há anos, o custo médio da dívida divulgado pelo Tesouro Nacional em 2021 foi de 8,91% ao ano, custo bem mais elevado que a média da taxa básica de juros Selic, uma vez que a maior parte da dívida está indexada a outras taxas de juros bem superiores.

Os juros consumiram bem mais que o valor de R$ 256 bilhões4 informado pelo governo no SIAFI a título de juros da dívida! Este valor está extremamente subestimado, o que se evidencia pela simples estimativa calculada pela multiplicação do estoque da dívida federal no final de 2020 (de R$ 6,935 trilhões) pela taxa média divulgada pelo Tesouro Nacional5 (8,91% a.a.), que resulta no valor estimado de no mínimo R$ 618 bilhões.

Essa estimativa conservadora, que sequer considerou os juros decorrentes de novas dívidas surgidas em 2021, escancara a falta de transparência do governo em relação ao efetivo gasto com juros, o que reforça a urgente necessidade de realização da auditoria da dívida.

O gasto com juros tem sido, historicamente, o principal fator de crescimento da dívida pública, e em 2021 a situação se tornou ainda mais grave diante da disparada da Selic pelo Banco Central6, sob a falsa justificativa de “controlar inflação”.

2º) EMISSÃO EXCESSIVA DE TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA FEDERAL 

O volume total de operações de crédito realizadas pelo governo federal em 2021 (em sua imensa maioria resultantes da emissão de títulos públicos) alcançou o patamar exagerado de R$ 2,031 trilhões7!

Caso esse montante tivesse sido empregado em investimentos para o desenvolvimento socioeconômico do país, estaríamos vivenciando outra realidade!

Essa montanha de dinheiro foi consumida da seguinte forma:

– R$ 1,670 trilhõese destinaram aos gastos com juros e mecanismos financeiros da própria dívida;

– R$ 307 bilhões ficaram parados no caixa do governo federal, aumentando o chamado “colchão de liquidez” que serve para dar garantias aos rentistas e deixar os bancos tranquilos de que o dinheiro para o pagamento dos próximos juros já se encontra armazenado em caixa. Para se ter uma ideia do absurdo que vivemos neste país, enquanto faltam recursos para garantir as necessidades básicas de grande parte da população que está nas ruas, vivendo de ossos e restos, e o governo alega diariamente que não há dinheiro para um auxílio emergencial para todos, corta investimentos em saúde, educação pesquisa etc., o saldo de dinheiro disponível na Conta Única do Tesouro Nacional ao final de 2021 atingiu R$ 1,736 TRILHÃO!8

– Apenas R$ 54 bilhões decorrentes da emissão de títulos da dívida foram destinados para áreas sociais, o que demonstra a falácia do argumento neoliberal, copiado por alguns outros economistas, no sentido de que a dívida pública estaria financiando áreas sociais como a Previdência Social por exemplo. Na verdade, no Brasil a dívida tem servido para SUBTRAIR recursos das áreas sociais: além de consumir praticamente todos os recursos advindos da emissão de novos títulos, ainda absorve recursos provenientes de outras fontes, que poderiam ser destinados a investimentos em áreas sociais. Conforme dados do próprio governo, R$ 291 bilhões dos gastos com a dívida em 2021 foram financiados com outras fontes de receita, tais como lucros do Banco Central (R$ 121 bilhões) e Royalties do Petróleo (R$ 41 bilhões). Esse elevado volume de Royalties do Petróleo destinado ao pagamento da dívida também revela o impacto direto do Sistema da Dívida na vida do povo, que sofre com o altíssimo preço do gás de cozinha e demais combustíveis, como diesel e gasolina, enquanto o lucro da Petrobras enriquece acionistas e a parcela destinada ao governo é consumida no gasto com a dívida.

3º) ATUAÇÃO DE MECANISMOS DO SISTEMA DA DÍVIDA 

Enquanto países desenvolvidos continuamente tomam empréstimos para investir na economia, gerando resultado em termos de desenvolvimento socioeconômico, geração de emprego e renda – no Brasil novos títulos têm sido sucessivamente emitidos para pagar juros e amortizações de dívidas anteriores, além de alimentar outros mecanismos do Sistema da Dívida. Além de não servir para financiar o nosso desenvolvimento socioeconômico, como já declarado inclusive pelo TCU9, o Sistema da Dívida transfere sistematicamente renda e riqueza dos mais pobres para os muito ricos, acirrando a injustiça social e o atraso tecnológico.

Dentre os mecanismos que alimentam o Sistema da Dívida no Brasil, sobressaem os operados pelo Banco Central e sua política monetária suicida, que consome centenas de bilhões de reais anualmente, responsável pela geração e crescimento exponencial de dívida ilegítima10, devido às taxas de juros historicamente elevadas, à remuneração diária da sobra de caixa dos bancos11, escandalosos contratos de swap12, entre outros.

Todos esses mecanismos “geram” dívida pública, ou seja, o seu estoque aumenta, mas o dinheiro não é empregado em investimentos de interesse da sociedade que vai pagar a conta da dívida, mas retroalimenta o próprio Sistema da Dívida.

4º) A FALÁCIA DA “ROLAGEM”

Um dos expressivos fatores que provocam o crescimento exponencial da dívida pública é representado pelo mecanismo da contabilização de grande parte dos juros como se fosse amortização, conforme já denunciado pela Auditoria Cidadã da Dívida13 desde a CPI da Dívida Pública na Câmara dos Deputados (2009/2010).

Alguns liberais desconhecem esse mecanismo inconstitucional (fere o Art. 167, III, da CF/88) e criticam o gráfico do orçamento executado divulgado pela Auditoria Cidadã da Dívida, que corretamente soma os gastos com juros e amortizações, tendo em vista que grande parte dos juros é contabilizada pelo governo como se fosse amortizações (ou “refinanciamento”), vulgarmente chamada de “rolagem”.

Em 2021, como já mencionado, o custo estimado dos juros da dívida pública federal foi de R$ 618 bilhões, mas o governo somente contabilizou R$ 256 bilhões na rubrica dos juros14, ou seja, cerca de pelo menos R$ 362 bilhões referentes a juros estão sendo indevidamente embutidos na rubrica das amortizações, e são propagandeados como se fossem “rolagem”.

O falacioso discurso de que estaríamos apenas “rolando” a dívida dá a impressão de que a situação não estaria se agravando e que essa “rolagem” não teria efeito orçamentário ou econômico, pois rolagem significa a mera troca de título que está vencendo por outro. Na realidade os dados comprovam o contrário: nova dívida está sendo contraída, o estoque está aumentando, e os novos títulos públicos emitidos são consumidos pelo Sistema da Dívida, inclusive para pagar gastos com juros (despesa corrente), e isso não pode ser chamado de “rolagem”.

Em 2021, por exemplo, verificamos que quase R$ 1 TRILHÃO de gastos com a chamada dívida nada tem a ver com a chamada “rolagem”, tendo em vista que no mínimo R$ 618 bilhões foram gastos com o pagamento de juros e R$ 291 bilhões de amortizações foram financiados com outras fontes de receita que nada têm a ver com emissão de novos títulos públicos.

Além disso, o montante passível de ser considerado como “rolagem” ou “refinanciamento” deve ser considerado no custo do serviço da dívida pública, por isso está somado no gráfico. Quando o governo toma um empréstimo, ele está fazendo uma opção política sobre o que fazer com o dinheiro: investir na sociedade, ou pagar uma dívida repleta de ilegitimidades, que jamais foi auditada com a participação da sociedade civil. Conforme colocado acima, em países desenvolvidos, novos empréstimos são continuamente utilizados para investimentos sociais (inclusive com juros negativos), enquanto no Brasil são utilizados para continuar enriquecendo os muito ricos, o que tem nos condenando à calamidade social, à injustiça e ao atraso tecnológico. Portanto, os que dizem que a “rolagem” ou “refinanciamento” não teria nenhum significado econômico estão tentando evitar o debate sobre como o endividamento público tem prejudicado o país.

  • NECESSIDADE DE AUDITORIA COM PARTICIPAÇÃO SOCIAL

O gráfico divulgado anualmente pela ACD incomoda analistas ligados aos beneficiários da dívida pública (representantes de bancos, consultorias e comentaristas de grandes empresas de telecomunicações financiadas por instituições financeiras) que, evidentemente, se recusam a enfrentar o injustificado e sigiloso gasto financeiro com o Sistema da Dívida, e ficam alegando que o problema das contas públicas estaria em gastos com Previdência e servidores públicos.

A centralidade da dívida pública é inegável, pois essa dívida está por trás de todas as contrarreformas, teto e corte de gastos, insanas privatizações, funcionando como um dos principais pilares do modelo econômico produtor de escassez em nosso rico Brasil.

O conformismo diante do imenso gasto com a chamada dívida pública sem contrapartida em investimentos de interesse do povo e a falácia de que todo o gasto com o Sistema da Dívida seria mera “rolagem” impede o enfrentamento do problema e a mudança de rumo, condenando o país ao atraso e o nosso povo à miséria.

Tenta-se silenciar o necessário debate sobre o Sistema da Dívida no Brasil, sob argumentos equivocados (de “rolagem”, ou que bastaria emitir moeda15) que se prestam a manter os privilégios dos bancos e grandes rentistas, cujos nomes são inclusive mantidos em sigilo!

Por tudo isso, é urgente a realização da auditoria integral dessa chamada dívida, com participação da sociedade, pois a auditoria é a ferramenta que possibilita documentar a ilegitimidade do Sistema da Dívida, que não tem servido ao povo, e virar esse jogo!

AUDITORIA JÁ! COM PARTICIPAÇÃO SOCIAL!

É HORA DE VIRAR O JOGO!

2 Em 31/12/2021, haviam em caixa R$ 4,7 trilhões, sendo R$ 1,736 trilhão na Conta Única do Tesouro (Fonte: https://www.bcb.gov.br/content/estatisticas/hist_estatisticasfiscais/202201_Tabelas_de_estatisticas_fiscais.xlsx, Tabela 4, Linha 44 ); R$ 988 bilhões em Operações Compromissadas e Depósitos Voluntários Remunerados (sobra de caixa dos bancos mantida e remunerada pelo Banco Central, que deveria estar circulando na economia na forma de empréstimos a juros baixos a pessoas e empresas; Fonte: mesma Tabela 4 acima, linhas 50 e 52); e R$ 2,02 trilhões em reservas internacionais (US$ 362,2 bilhões multiplicados pelo câmbio de R$ 5,5799; Fonte: Série Temporal nº 13621 do Banco Central) 

3 Resultado referente à União, estados e municípios. É importante considerar todos os entes federados, pois grande parte do superávit de estados e municípios é destinado ao governo federal, na forma de pagamento das dívidas destes entes com a União.

5 Custo médio informado no quadro 4.2 da planilha disponível em https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO_ANEXO:15422

10 Ver artigo “O déficit está no Banco Central e não nos gastos sociais”, disponível em https://bit.ly/2YJf6P7

15 Alguns economistas alegam que a dívida pública não seria um problema para o país pois ela seria paga preponderantemente em moeda nacional (que pode ser emitida pelo Estado), e por isso não haveria nenhuma restrição orçamentária para o governo. Ou seja, o pagamento de trilhões de reais da dívida pública para a classe capitalista rentista não significaria a redução de investimentos sociais para os trabalhadores. Na prática, ao dizer que haveria riqueza ilimitada ao mesmo tempo para trabalhadores e capitalistas, tais economistas estão simplesmente negando a existência da luta de classes, ignorando que todas as riquezas são produzidas pelos trabalhadores. Inclusive, de acordo com estes mesmos economistas, existe um limite para a emissão de moeda, que é a capacidade instalada de produção da economia. Portanto, emitir moeda e entregar aos muito ricos significa sim a apropriação da riqueza nacional – que é produzida somente pelos trabalhadores – pelos rentistas da dívida pública.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Brasil: a pior imagem internacional desde a redemocratização - Jamil Chade

Série de denúncias na ONU dá ao Brasil pior imagem desde redemocratização

Jamil Chade
UOL, 11/12/2019
27.fev.2019 - Cadeira do Brasil na sala de conferências da ONU, em Genebra, fica vazia durante boicote ao discurso do chanceler da Venezuela, Jorge Arreaza, que discursava na reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas - Jamil Chade/UOL
27.fev.2019 - Cadeira do Brasil na sala de conferências da ONU, em Genebra, fica vazia durante boicote ao discurso do chanceler da Venezuela, Jorge Arreaza, que discursava na reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas Imagem: Jamil Chade/UOL
O governo de Jair Bolsonaro foi alvo de pelo menos 37 denúncias na ONU por parte de entidades estrangeiras e brasileiras, além de ações lideradas por deputados e mesmo pela OAB. Em meio às comemorações do Dia Mundial dos Direitos Humanos, nesta terça-feira, a constatação de organizações e diplomatas é de que o Brasil vive seu pior momento internacional em termos de direitos humanos desde o restabelecimento da democracia, em 1985.
Há poucos meses, numa reunião entre governos e ONGs, a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, qualificou o Brasil de "exemplo e inspiração" no que se refere aos direitos humanos. Mas, nas correspondências sigilosas e nos bastidores das entidades internacionais, essa não é a realidade que se constata.
Entre os relatores da ONU, um total de doze cartas sigilosas foram enviadas ao governo brasileiro ao longo do ano para se queixar de violações cometidas pelo Estado e cobrando respostas, inclusive sobre ameaças sofridas por líderes indígenas, ameaças contra a liberdade de imprensa e a apuração do assassinato de Marielle Franco.
Em praticamente todos os textos, pode-se ler termos como "profunda preocupação" ou "alarmados" em relação às medidas adotadas pelo governo, além de pedidos para que algumas das iniciativas sejam suspensas.

Ecos da ditadura militar

Para além das cartas enviadas pelos relatores das Nações Unidas, a entidade já vive uma rotina diferente em relação ao Brasil. Escritórios da ONU em Genebra passaram a ver uma frequente chegada de documentos e denúncias formalizadas contra o Estado brasileiro.
A onda foi interpretada como um sinal de um profundo mal-estar no país e da suspeita de que as instituições nacionais não estão sendo capazes de lidar com o desmonte do sistema de direitos humanos.
Diplomatas mais experientes relatam que tal cenário de ataques internacionais ao Brasil só se assemelha aos anos do regime militar (1964-1985), quando a situação do país também entrou na agenda da ONU de maneira constante.
Durante os governos FHC, Lula, Dilma e Temer, as denúncias também existiram e as mesmas ONGs que hoje atacam o governo Bolsonaro também recorreram aos organismos internacionais contra aquelas gestões.
Mas, nos últimos meses, a dimensão dos ataques e a frequência dos casos se multiplicou de forma inédita.
A situação das prisões, a violência policial, o fechamento de conselhos, o desmonte de mecanismos de combate à tortura, meio ambiente, as situações das barragens, o comportamento de Bolsonaro sobre o golpe de 1964, e a condição dos indígenas foram apenas alguns dos temas denunciados diante das entidades internacionais desde janeiro de 2019.
FHC diz que Bolsonaro nega golpe de 1964 porque "não estava lá"
UOL Notícias

Deterioração de imagem e credibilidade

Ainda que a ONU não conte com uma polícia internacional e nem mecanismos para forçar o estado brasileiro a modificar seu comportamento, a enxurrada inédita de denúncias criou um constrangimento para o governo. Em dezenas de reuniões ao longo do ano, o Brasil passou a ter de se defender, criando um esquema entre diplomatas para que se revezem nos encontros para ler declarações elaboradas em Brasília sobre os diferentes temas sob ataque.
Além disso, recomendações dos peritos colocam pressão sobre o governo e ainda aprofundam o processo de deterioração de sua imagem na comunidade internacional. Ao não cumprir uma recomendação da ONU, o Brasil ainda enfraquece sua posição e afeta sua credibilidade no que se refere a assuntos relacionados a direitos humanos.
Apenas a entidade Conectas fez um total de 14 denúncias em eventos relacionados ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. A mesma entidade também apresentou seis apelos urgentes, em cartas para diferentes organismos internacionais. A entidade ainda planeja outras três denúncias ainda no mês de dezembro.
Já a entidade Justiça Global liderou mais doze apelos urgentes para a ONU, ao lado de organismos nacionais e internacionais. Entre as denúncias está o desmantelamento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, o caso da intervenção e censura no Conselho Nacional de Direitos Humanos, as retaliações contra a Subprocuradora-Geral da República Deborah Duprat e casos de violência policial.
Um caso ainda mais problemático para o país é o que foi apresentado por parte de advogados e da Comissão Arns perante o Tribunal Penal Internacional, acusando o governo de "incitar o genocídio e promover ataques sistemáticos contra os povos indígenas do Brasil".
10.set.2019 - Índio guajajara, "guardião da floresta", segura uma arma enquanto se prepara para buscas por madeireiros ilegais - Ueslei Marcelino/Reuters
10.set.2019 - Índio guajajara, "guardião da floresta", segura uma arma enquanto se prepara para buscas por madeireiros ilegais
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Indígenas foram até a ONU

Ao longo do ano, diversos grupos indígenas ainda viajaram até a ONU para apresentar suas queixas. Um deles foi o povo Xavante, que entregou um dossiê ao Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial. O grupo denunciou o "desmonte" da Funai e pediu que obras de estradas planejadas para suas terras sejam suspensas até que consultas possam ser realizadas.
Em novembro, uma delegação composta por vários povos indígenas brasileiros ainda entregou dados de uma nova denúncia às Nações Unidas. Já nesta semana, a ONU e a OEA se uniram em lançar um apelo ao governo para que as mortes das lideranças indígenas Firmino Praxede Guajajara, Raimundo Guajajara e Paulino Guajajara sejam alvo de investigações imparciais.
No início de dezembro, a Human Rights Watch ainda entregou ao relator especial da ONU sobre resíduos tóxicos uma denúncia sobre novas regras de classificação de agrotóxicos no Brasil e a aprovação de novos produtos.
Organizações internacionais da França e Suíça ainda denunciaram a Ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, por demitir a coordenadora geral do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Caroline Dias dos Reis.
Para o Observatório para a Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos, o ato "constitui mais um passo no retrocesso dos direitos humanos no país".
Entre as atividades realizadas pelo Conselho estão o monitoramento das políticas públicas de direitos humanos, a elaboração de propostas legislativas, a articulação com entidades públicas e privadas, como com os sistemas internacionais e regionais de direitos humanos.
Parte das queixas recebidas pela ONU também vieram de parlamentares. Liderados pelo PSOL, um grupo de deputados apresentou uma denúncia sobre situação de torturas em presídios do Pará.
23.ago.2019 - Presidente Jair Bolsonaro (SPL) participa de cerimônia do Dia do Soldado - Marcos Corrêa/Presidência da República
23.ago.2019 - Presidente Jair Bolsonaro (SPL) participa de cerimônia do Dia do Soldado
Imagem: Marcos Corrêa/Presidência da República

Negação do golpe militar de 1964

Já a OAB e Instituto Vladimir Herzog se uniram para denunciar o comportamento do governo brasileiro em relação à insistência do presidente Jair Bolsonaro de negar a existência de um golpe de Estado em 1964.
As duas entidades apresentaram aos relatores internacionais dados ligando apoio do atual chefe de Estado à ditadura e seu trabalho de desmonte de estruturas de memória, verdade e justiça
Ao longo do ano, diversos ativistas também viajaram até a ONU para apresentar suas denúncias. Uma delas foi Mônica Benício, companheira de Marielle Franco.
Para especialistas, a ação internacional contra o Brasil é considerada como fundamental diante da situação interna do país. "Bolsonaro e seu governo têm recuado de propostas nefastas quando há reação", disse Maria Hermínia Tavares de Almeida, pesquisadora do Cebrap e membro da Comissão Arns.
"Portanto, fazer pressão para que recue de iniciativas danosas para o país e para a maioria da população é sempre bom. Esse é um presidente de inclinação claramente autoritária que governa uma democracia. Pressões internas e externas são necessárias para mante-lo na linha", disse.
Segundo ela, porém, "pressões internacionais são especialmente importantes quando o que está em questão são políticas para as quais há pouco apoio interno efetivo — por exemplo a proteção ambiental — ou os direitos de grupos mais vulneráveis como jovens negros pobre ou comunidades indígenas".
Macron, fotografado ao lado de Bolsonaro na reunião do G20, no Japão - JACQUES WITT/AFP
Macron, fotografado ao lado de Bolsonaro na reunião do G20, no Japão
Imagem: JACQUES WITT/AFP

Conselho de Direitos Humanos

Apesar dos ataques, o Brasil conseguiu votos suficientes para renovar seu mandato no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Para isso, porém, o Itamaraty barganhou uma troca de apoios, em gestos políticos que pouca relação tinham com a situação dos direitos humanos.
Mesmo governos que registraram tensões com o Brasil acabaram votando pelo país, depois que Brasília negociou apoios recíprocos em outras entidades.
Com a França, por exemplo, o governo Bolsonaro prometeu apoiar um candidato de Paris para um comitê das Nações Unidas em troca do voto para o Conselho de Direitos Humanos.
Em seu comunicado de imprensa, no momento da eleição, o Itamaraty insistiu que a votação era um sinal do "sólido reconhecimento internacional das credenciais do Brasil em matéria de promoção e proteção dos direitos humanos".

Não era. O voto refletiu apenas a barganha política que se fez nos bastidores e que também garantiu a eleição de violadores de direitos humanos como Venezuela, Líbia, Sudão ou Mauritânia.

sexta-feira, 1 de março de 2019

Mini-reflexão sobre os tempos que correm no Brasil

Deterioração muito rápida da qualidade das políticas públicas é algo extremamente preocupante, pois sinaliza que os dirigentes não têm consciência dos problemas nacionais e não têm a menor ideia de como resolvê-los. A inconsciência, as hesitações, a submissão aos twitaços de pequenas minorias militantes (e delirantes) são sinais extremamente preocupantes de desgoverno. Lideranças racionais deveriam começar a se consultar entre si. O que se viu em menos de dois meses pode se converter em um gigantesco refluxo da maré, que também pode conduzir para uma direção completamente errada e indesejável. 
O Brasil não sabe o que quer?
É muito provável!
Mas a culpa não é do povo.
Elites muito medíocres resultam nesse quadro desolador.
Vou acionar o modo resistência.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1/03/2019

Addendum 1: A intolerância com opiniões alheias é o traço mais evidente de personalidades autoritárias.
Addendum 2: A censura para trás merece algum prêmio George UnOrwell, ainda a ser inventado.

terça-feira, 22 de maio de 2018

A ordem economica internacional em fragmentacao - Michael Spence

Quando idiotas assumem o comando de grandes países, sua capacidade de desmantelar instituições e o ambiente de negócios é inacreditável. Enfrentamos atualmente esse risco.
Paulo Roberto de Almeida

ESTADAO
20maio18 

‘Não se sabe qual será a nova ordem econômica'

Para economista, novo modelo econômico global não está claro, o que contribui para elevar as turbulências

Entrevista com
Michael Spence, vencedor do Nobel de Economia de 2001
Cláudia Trevisan, O Estado de S.Paulo

WASHINGTON - A ordem econômica global criada depois da Segunda Guerra Mundial está se desmanchando e não está claro qual arranjo a substituirá, afirma Michael Spence, vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2001, ao lado de Joseph Stiglitz e George Akerlof. Em sua opinião, a nova estrutura tenderá a ser “balcanizada” e a ter menos liberdade para fluxos de bens, serviços, capital, pessoas, informação e tecnologia.
Spence acredita que parte da turbulência vivida recentemente pelos mercados internacionais se deve à incerteza sobre o que substituirá a estrutura do pós-guerra. O ataque a ela vem dos países desenvolvidos, que passaram a sofrer consequências negativas na distribuição de renda em consequência da criação de cadeias de produção global. “É muito difícil prever onde isso terminará.” A seguir, trechos da entrevista:  
No início do ano parecia haver otimismo em relação à economia mundial, mas recentemente esse sentimento deu lugar a turbulências, especialmente nos países emergentes. O que aconteceu?
Na segunda metade do ano passado, houve o que o FMI chamou de aceleração sincronizada no crescimento. As pessoas pensaram que era uma mudança real, mas foi apenas uma retomada cíclica. Agora, temos a combinação da alta da taxa de juros nos Estados Unidos e o nervosismo de investidores internacionais. Fluxos de capital internacionais se tornaram bastante voláteis, o que provocou dificuldades para várias economias emergentes. O exemplo mais recente é a Argentina. Também há incerteza em relação à tensão comercial entre a China e os Estados Unidos e como isso afetará outros países, incluindo os emergentes. Há volatilidade nos mercados, volatilidade nos fluxos de capital e crescente incerteza. E parece não haver um fim disso no horizonte. Ao mesmo tempo, o preço das commodities está subindo, em particular o do petróleo, o que é bom para países exportadores. É um cenário misto.  
Quais são os principais riscos para a economia mundial?
O que me surpreende é que o crescente sentimento anti-establishment e a intensificação da polarização política de maneira geral não contaminaram os mercados ou as economias. Mas eu acredito que essas tendências são riscos. Um conflito aberto entre a China e os EUA nas áreas de comércio, investimentos e tecnologia é outro risco. Por trás de tudo isso, há uma espécie de ruptura da ordem mundial criada depois da Segunda Guerra Mundial, com suas convenções relativas a comércio e investimentos.  
Quais as características da nova ordem que poderá substituí-la?
Ninguém sabe, e isso é parte do problema. Há duas possibilidades. Uma é a balcanização (fragmentação) da economia global. A internet, por exemplo, será regulada de maneira distinta em diferentes partes do mundo. A regulamentação da América e da Europa será diferente da chinesa e isso criará problemas para companhias que operem além das fronteiras nacionais. Isso é apenas um exemplo. Eu também acredito que o fluxo relativamente livre de bens, serviços, capital, pessoas, informação e tecnologia – que define como a economia global funciona – será menos livre. A ordem mundial criada depois da Segunda Guerra Mundial tinha o objetivo de facilitar a recuperação no pós-guerra. Mas seu principal efeito foi acelerar o crescimento em todos os lugares, especialmente nos países em desenvolvimento. No passado, a economia aberta e a transferência de parte das atividades econômicas para países em desenvolvimento não tiveram grande impacto sobre a distribuição de renda nas economias desenvolvidas. Na medida em que o sistema evoluiu, os emergentes passaram a responder por fatia cada vez maior do PIB e a eficiência das cadeias de produção começou a diminuir. Há falhas sísmicas cada vez maiores nessa ordem. 
Quais são elas?
As principais se desenvolveram ao longo dos 20 anos. Tendências negativas na distribuição de renda produziram ceticismo crescente em relação à globalização. Isso foi exacerbado pelo fato de que estruturas governamentais não fizeram nada sobre isso. A polarização econômica, social e política que estamos vendo tem uma fonte econômica. Nós vemos isso no Brexit, na eleição de (Donald) Trump e nas correntes anti-establishment na Europa. O que estamos vendo agora são os países desenvolvidos dizendo “não estamos mais dispostos a arcar com as consequências dessas assimetrias”. E os grandes países em desenvolvimento respondendo “bem, nós podemos sobreviver sem vocês”. É muito difícil prever onde isso terminará.  
Há o risco de uma crise nos emergentes semelhante às que vimos no passado?

Não vejo o surgimento de uma crise sistêmica. Se há um problema com potencial de se tornar sistêmico, ele é a grande quantidade de dívida que a economia global contraiu no período posterior à crise (de 2008). Esse passivo vem na forma de dívida soberana, corporativa e das famílias. Na última vez em que olhei, a economia global havia acrescentado três quartos do PIB global em dívida bruta.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Contas nacionais e contas estaduais: deterioracao calamitosa - Ricardo Bergamini, OESP

Prezados Senhores
Cabe lembrar que o mais grave crime de responsabilidade fiscal cometido por Temer foi o de ter concedido aumentos salariais aos servidores públicos federais programados até 2019 (o seu efeito cascata se propagou para os estados e municípios) inviabilizando qualquer programa de ajuste fiscal no Brasil, já que o gasto com pessoal é a fonte primária da tragédia fiscal brasileira, conforme abaixo:
Em 2002 os gastos com pessoal consolidado (união, estados e municípios) foi de 13,35% do PIB. Em 2016 foi de 15,27% do PIB. Crescimento real em relação ao PIB de 14,38% representando 47,16% da carga tributária de 2016 que foi de 32,38%. Para que se avalie a variação criminosa dos gastos reais com pessoal, cabe lembrar que nesse mesmo período houve um crescimento real do PIB Corrente de 34,70%, gerando um ganho real acima da inflação de 54,07% nesse período. Nenhuma nação do planeta conseguiria bancar tamanha orgia pública.
S&P rebaixa nota de crédito do Brasil

Graças a Deus que existe vida inteligente fora do Brasil para nos livrar desses malditos vigaristas, pilantras e vagabundos “papagaios de piratas” que destorcem, omitem e mentem sobre a verdade absoluta dos números divulgados pelos órgãos técnicos do estado brasileiro
Ricardo Bergamini

Conta dos Estados sai do azul para rombo de R$ 60 bi
16.01.18 - 07h00

Em um período de três anos, os Estados saíram de um resultado positivo de R$ 16 bilhões em suas contas para um déficit de R$ 60 bilhões no fim de 2017. Isso significa que os governadores assumiram seus postos, em 2015, com o caixa no azul e, se não tomarem medidas drásticas até o fim deste ano, vão entregar um rombo bilionário para seus sucessores. 
O levantamento feito a pedido do Estado pelo especialista em contas públicas Raul Velloso mostra o resultado de uma equação que os governos não conseguiram resolver: uma folha de pagamento crescente associada a uma queda na arrecadação de impostos por causa da crise econômica. “É o mandato maldito”, diz Velloso. “Diante da pior recessão do País, os Estados saíram de um resultado positivo para um déficit histórico.”
O Rio Grande do Norte foi o Estado cuja deterioração fiscal se deu mais rapidamente nesse período. Depois de ter acumulado um superávit de R$ 4 bilhões entre 2011 e 2014, entrou numa trajetória negativa até acumular um déficit de R$ 2,8 bilhões de 2015 a outubro de 2017.
Esse descompasso fiscal pode ser visto nas ruas. Com salários atrasados, a polícia civil entrou em greve e uma onda de violência tomou o Estado no fim do ano. Os policiais encerraram a paralisação, mas servidores da saúde continuam em greve.
Além do Rio Grande do Norte, os casos de desajuste fiscal que ficaram mais conhecidos foram os do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Mas outros Estados seguem o mesmo caminho, como Goiás, Pernambuco e Sergipe. Eles estão entre os mais mal avaliados pelo Tesouro Nacional sob o ponto de vista de capacidade de pagamentos. “Há uma fila de Estados prontos para passarem por uma crise aguda (como a do Rio Grande do Norte)”, diz o economista Leonardo Rolim, consultor de orçamentos da Câmara.
Para o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, o grande vilão do déficit estadual é o aumento da folha de pagamento dos Estados, que precisa, a cada ano, arcar com um número maior de aposentados. “O envelhecimento da população é muito rápido e, por isso, o aumento dos gastos também.” De acordo com o levantamento de Velloso, as despesas e receitas anuais dos Estados empataram em 2014, atingindo R$ 929 bilhões cada uma. Desde então, as receitas recuaram de forma mais abrupta: atingiram R$ 690 bilhões nos dez primeiros meses de 2017, enquanto as despesas somaram R$ 715 bilhões.
Do lado das receitas, além da crise reduzir a arrecadação com impostos, o corte de repasses do governo federal acentuou a dificuldade dos Estados. “Até 2014, o governo dava empréstimos que mascaravam a situação”, afirma a economista Ana Carla Abrão Costa, que foi secretária da Fazenda de Goiás até 2016.
Se, nos últimos anos, o desajuste fiscal já obrigou a maioria dos Estados a reduzir investimentos, neste ano, o corte deve ser ainda maior. Isso porque, como é último ano de mandato, os governadores não podem deixar restos a pagar para os que assumirem em 2019. Tarefa que, para Velloso, é impossível. “Não tem a menor condição de eles zerarem esses déficits.”
Já Rolim diz que os governadores poderão recorrer a manobras, como o cancelamento de restos a pagar. “É uma espécie de calote. Despesas com obras não concluídas, por exemplo, não tem problema, mas fornecedores poderão ficar sem receber.”
Para Ana Carla, as contas vão acabar fechando porque o ano é de eleição. “Como não podem deixar restos a pagar, os Estados vão buscar recursos extraordinários como nunca”, afirma. O superintendente do Tesouro de Goiás, Oldair da Fonseca, afirmou que o governo trabalha com austeridade para não deixar restos a pagar para 2019. Ele destacou que o déficit de 2017 ficará em R$ 900 bilhões – em 2015, havia sido o dobro.
O secretário das Finanças do Rio Grande do Norte, Gustavo Nogueira, afirmou que a raiz do problema é o déficit previdenciário. O governo de Pernambuco disse que não considera como despesa total as despesa empenhadas (autorizadas), como foi feito no levantamento, e que fechou o ano com receita para cobrir seus gastos. O de Sergipe não retornou.
O governo do Rio afirmou que sua situação foi muito prejudicada pela crise, já que sua economia é dependente da indústria do petróleo. O de Minas Gerais informou que já recebeu o Estado em situação delicada e que a folha de pagamento tem deteriorado as contas ainda mais. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.