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quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Imagem do Brasil DESABA no mundo: não participação na COP-26 rebaixou ainda mais o país - Luciana Gurgel (UOL)

 Análise | Mídia internacional tem mirado mais no governo e menos na marca Brasil

 

UOL | Luciana Gurgel | 09.11.2021

 

Londres – Para quem tem apreço pelo Brasil e se informa pela mídia internacional, dói ver o país tão associado a notícias negativas como nas últimas duas semanas.

 

Esta não é a primeira vez que o país enfrenta cobertura negativa capaz de arranhar tão fortemente sua imagem externa.

 

Mas há agora uma diferença sutil. As críticas têm sido dirigidas mais às autoridades de plantão do que à marca Brasil em si, e isso pode ser percebido em alguns momentos da cobertura da mídia sobre os encontros do G20 e COP26.

 

Brasil, China e Rússia sem líderes principais na COP26

A ausência do presidente Jair Bolsonaro em Glasgow para participar dos primeiros dias da conferência global do clima foi tratada como incompreensível, sendo a COP26 um encontro que reuniu 120 líderes globais.

 

Até alguns que ameaçaram não aparecer mudaram de ideia, como o indiano Narendra Modi. Ele apanhou bastante pela proposta de neutralizar as emissões de carbono até 2070, mas pelo menos estava lá.

 

Entre as grandes economias globais, o Brasil equiparou-se à China de Xi Jinping e à Rússia de Vladimir Putin como nações que delegaram a diplomatas e ministros a missão de representar o país em um dos mais importantes eventos diplomáticos dos últimos anos, com implicações diretas sobre a vida das pessoas.

 

A percepção foi negativa em todo o mundo, até em locais que não costumam prestar muita atenção ao Brasil.

 

A correspondente brasileira Cláudia Wallin, que vive na Suécia, registrou que o principal telejornal da rede pública, a SVT, deu destaque à seguinte crítica:

 

“Em vez de ir a Glasgow, Bolsonaro viajou para Anguillara Veneta para se tornar cidadão honorário”.

 

Mas os abalos não vieram só de Glasgow. A agressão a jornalistas na visita do presidente à Itália exibiu ao mundo uma truculência que repercutiu na mídia global.

 

Algo mudou no tratamento da mídia sobre o Brasil?

Alguns sinais ajudam a fazer crer que tanto jornalistas quanto entrevistados parecem fazer questão de “separar” o Brasil como instituição da atuação de seus governantes.

 

Reportagens sobre a violência contra os jornalistas na Itália apresentaram o presidente como figura isolada. O trecho de uma matéria da agência Reuters é um exemplo:

 

“O ex-capitão do Exército viu seu apoio internacional diminuir desde que Donald Trump perdeu sua candidatura à reeleição, enquanto o ceticismo de Bolsonaro em relação à Covid-19, vacinas e questões ambientais lhe rendeu poucos amigos no cenário global”.

 

Outro exemplo dessa distinção pode ser percebido em um artigo do The Guardian da cobertura da COP26 explicando a atuação do Brasil com relação ao desmatamento na Amazônia. O texto foi compartilhado globalmente pelos integrantes da coalizão Covering Climate Now.

 

Cobertura da imprensa global sobre meio ambiente perdeu em 2020 para a da Covid, mas superou a de anos anteriores

 

“Momento infeliz do país”

No dia abertura da conferência, Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda, autora do livro Justiça Climática (publicado em português) falou à Sky News sobre a decepção com a participação do Brasil na COP26.

 

Entretanto, fez a ressalva de que se tratava de um momento infeliz do país e de suas políticas ambientais, citando o nome da ex-ministra Izabella Teixeira como exemplo de autoridade que contribuiu para mitigar os problemas em sua gestão.

 

Só que esses lampejos podem não ser suficientes para compensar a avalanche de cobertura negativa.

 

Por mais que diplomatas e empresários se empenhem para desconstruir a má reputação do país, a questão da Amazônia tem um peso difícil de equilibrar, quando um nome como Al Gore diz à mídia global que não confia no presidente brasileiro e em seus compromissos.

 

Cobertura da Sky News direto da Amazônia

No Reino Unido, o massacre diário tem hora certa para acontecer.

 

Patrocinadora da cúpula do clima, a Sky News criou um “estúdio ao ar livre” em Manaus, de onde o jornalista Mike Stone co-ancora diariamente o principal noticiário da rede.

 

Da beira do rio ou de cenários amazônicos, ele entrevista pessoas comuns, cientistas, líderes indígenas e de ONGs, unânimes em condenar a condução governamental. Tem buscado ouvir vozes sensatas e ressaltado argumentos baseados em evidências científicas.

 

Mas isso não é suficiente para atenuar o impacto negativo, que não é apenas uma questão de imagem.

 

Uma má reputação em questões climáticas hoje em dia vale muito dinheiro e influência global.

 

Consciência ambiental do consumidor

A cobertura da mídia sobre a COP26 é massiva em todo o mundo. Atinge desde os altos escalões da política até as pessoas comuns que vão ao supermercado fazer compras.

 

Em países desenvolvidos, os consumidores estão cada vez mais conscientes sobre os problemas ambientais e sabem quem são as nações que não colaboram. Ou que continuam permitindo práticas inaceitáveis em relação aos ecossistemas e aos animais.

 

Uma das reportagens mais fortes exibidas pela Sky News há poucos dias mostrava uma criação de gado clandestina na Amazônia. Os animais eram empurrados em balsas, em condições absurdas de sofrimento.

 

Ao tentar caminhar pela frágil ponte que levava à embarcação, uma vaca desaba, sem força nas pernas. Mesmo sabendo que estava sendo filmado, um homem coloca os pés sobre a sua cabeça para afogá-la.

 

Cenas de crueldade dessa natureza, embora não sejam a prática da indústria agropecuária brasileira, comprometem o país porque mostram aos consumidores que o problema existe.

 

As grandes redes globais de supermercados evitam ter em suas prateleiras algo que seus clientes não gostam ou não compram. E os países com má reputação saem em desvantagem na hora de vender para essas redes.

 

Valor da marca Brasil

Apesar de várias matérias fazerem essa distinção entre governo e instituição, isso não acontece na totalidade da cobertura negativa, acaba assim acaba respingando na marca Brasil.

 

Em outubro passado, a consultoria britânica Brand Finance revelou em seu estudo Nation Brands que o Brasil perdeu 12% do valor de sua marca nacional em 2021. E a queda se deveu sobretudo à cobertura negativa relativa à resposta falha à Covid-19.

 

A marca do país, que era a 16ª mais valiosa do mundo no ano passado, perdeu cinco posições no ranking global e assim deixou de integrar o clube das 20 mais valiosas do mundo, que continua liderado por Estados Unidos e China.

 

No caminho inverso ao do Brasil, o valor da marca do México aumentou US$ 23 bilhões (3,6%), o que fez o país subir uma posição e passar a integrar o Top 20.

 

Dessa maneira, com a ultrapassagem mexicana, a marca do Brasil passou a ser apenas a quarta mais valiosa das Américas, atrás também de Estados Unidos e Canadá.

 

Diante da onda de cobertura ambiental negativa da imprensa global que se abateu sobre o Brasil nas últimas semanas e que ainda deve durar alguns dias, só resta torcer para que o valor da marca brasileira não despenque ainda mais.

 

E que a distinção entre governo e a reputação institucional do país ajude a suavizar o impacto à marca Brasil depois da COP26.

 

https://mediatalks.uol.com.br/2021/11/09/midia-internacional-tem-mirado-mais-no-governo-e-menos-na-marca-brasil/

terça-feira, 23 de junho de 2020

Análise: A declinante reputação do Brasil - Hussein Kalout (OESP)

Acho que "declinante" é muito otimista: a imagem já caiu um profundo precipício com grande estrondo.
Paulo Roberto de Almeida

Análise: A declinante reputação do Brasil
O que define a reputação de um país no mundo? Quais são as razões para o declínio da imagem do Brasil? Que responsabilidade o governo tem sobre tal degradação?
Hussein Kalout*, O Estado de S.Paulo
22 de junho de 2020 | 12h00

Já não é segredo que a imagem do Brasil na Europa, América LatinaEstados Unidos e África sofre de crescente desprestígio – não carece aqui mencionar China e Ásia. Os governistas e seus apoiadores mais fanáticos consideram injusto atribuir tal retrato à imagem do país. Culpam a mídia e os adversários políticos “desprovidos de patriotismo”. Toda essa balela se pronuncia sem que se ofereça um único argumento verossímil. 
Da destruição do meio ambiente à negligência no apropriado combate aos efeitos da pandemia da covid-19, passando pelos retrocessos no campo dos direitos fundamentais, a culpa parece ser de todos menos de quem possui a primazia de propor as soluções e para tal foi eleito.
Em mundo competitivo e comandado pela tecnologia, onde o acesso à informação é dinâmico e se dá em tempo real, já não é mais possível para tapar o sol com a peneira e adotar narrativas insustentáveis. Governos estrangeiros, fundos de investimentos, empresas privadas de mídia e organizações de direitos civis atualmente aquilatam a reputação de um país com base em quatro fatores fundamentais: 1) estabilidade política; 2) solidez econômica; 3) arcabouço das garantias e dos direitos; e 4) compromisso com a proteção do meio ambiente e da biodiversidade.
Lamentavelmente, o Brasil não vai bem em nenhuma dessas quatro vertentes. A degradação da imagem do país é, em termos simples, resultado da incapacidade do governo de administrar as crises surgidas – afora as que são geradas de forma endógena por
autoridades boquirrotas que têm mais compromisso com sua claque de extremistas do que com a nação.
No primeiro quesito, estabilidade política, bom, os fatos falam por si. À parte o imobilismo na relação com o Congresso Nacional, o governo não consegue se manter afastado de embates polêmicos com a classe política e com o Poder Judiciário. E isso para não trazer à luz a confrontação com a mídia e com a sociedade civil. A arte de bem governar passa longe do Palácio do Planalto. A confiança fica abalada quando o governo procura dotar minoria para bloquear potencial processo de impeachment, entregando os aneis e os dedos, em vez de buscar organizar maioria para fazer avançar seus projetos no parlamento.
No que diz respeito à robustez econômica, o governo vendeu a si expectativa exageradamente superior aos resultados coletados. O PIB de 2019 foi inferior ao de 2018. A reforma da previdência não catapultou as demais reformas. O capital externo e os investimentos esperados seguem à espreita. Investidores, empresas e governos estrangeiros sabem que o Poder Executivo está sem alavancagem no Congresso.
Estão cientes também de que quem mobilizou e salvou a agenda econômica foi Rodrigo Maia. As demais reformas, como a tributária e administrativa, ainda não fizeram a travessia do Ministério da Economia ao Congresso nacional. O que tramita em matéria de reforma nas duas casas legislativas são projetos dos próprios congressistas. Achar que taxa de juros baixa ou discurso de confiança bastam para que a economia deslanche não passa de autoilusão. O cenário econômico, já nebuloso antes da pandemia, agora ficou mais incerto.
No tocante às garantias e aos direitos, não fica bem para país que pretende se desenvolver e que tem o enorme desafio de reduzir as desigualdades lançar-se à inépcia de bradar nostalgicamente pelo AI-5 ou advogar o armamento da população. Quando a imprudência chega a esse nível, é a segurança jurídica que passa a estar ameaçada.
Afasta-se do cenário em que se casam desejo de investir e ambiente político estável – e, com isso, vai minguando a simpatia de países amigos. Ademais, quando também se tenta, por exemplo, manipular a autonomia universitária e minar a política de cotas por meio de gambiarras burocráticas, atinge-se a democracia e o Estado de Direito, que se tornam mais opacos.
No mundo atual, o compromisso de proteção do meio ambiente tornou-se medida inescapável da qualidade da governança de um país, fundamental para que os interesses nacionais se legitimem com o atestado de “boa governança”. Quando o objetivo declarado
passa a ser a mudança das regras do jogo e o afrouxamento da fiscalização (entenda-se: “passar a boiada”), não há narrativa capaz de suavizar seus efeitos deletérios. A política é feita de ações e impressões. Foi o Brasil que desistiu de sediar a Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP25).
O país abriu mão de margem para influenciar as narrativas e o processo decisório na governança de tema ambiental central e, de quebra, delegou sua liderança a terceiros. Foi também o Brasil que ameaçou sair do Acordo de Paris. Quando malogrou a tentativa de macaquear Trump, o governo recuou, ficando com todo o passivo diplomático. Dito isso, ninguém é mais responsável pelo declínio acachapante da imagem do Brasil no mundo do que os atuais donos do poder.
Instituições de mídia como The Economist e Financial Times são insuspeitos da pecha de “comunista”. As publicações nas páginas desses meios são, no fundo, o reflexo daquilo que pensa o leitor empresário, financista e acadêmico. Em verdade, a imagem que se projeta hoje é a de que o Brasil está acéfalo e padece de governança que se possa considerar ao menos regular. Se o governo considera injusta a imagem que atribui ao país no mundo, é preciso então iniciar a mudança de rota. Seria bom começo trabalhar para restaurar a força dos quatro vetores que condicionam a reputação do país.
HUSSEIN KALOUT, 44, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018). Escreve semanalmente, às segundas-feiras.

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Análise: A imagem de um Brasil desgovernado


sábado, 13 de junho de 2020

Hussein Kalout sobre a imagem do Brasil no exterior - Radio Gaucha

"É possível recuperar a imagem do Brasil, mas não será fácil, nem no curto prazo", analisa pesquisador de Harvard
Cientista político avalia os danos à reputação brasileira em razão das crises de saúde, econômica e política
Radio Gaúcha, 12/06/2020 - 09h52min
RODRIGO LOPES



Cientista político e pesquisador na Universidade de Harvard, uma das mais prestigiadas instituições de ensino norte-americanas, o brasileiro Hussein Kalout analisa com preocupação a erosão da imagem do Brasil no Exterior, explícita em manchetes e editoriais de jornais internacionais nos últimos dias.
O professor afirma que é com um misto de espanto e curiosidade que pesquisadores da universidade, com sede em Cambridge, Massachusetts, questionam sobre o que está ocorrendo com o Brasil, que vive uma crise tripla: de saúde, provocada pelo coronavírus, econômica e política. Nesta entrevista à coluna, ele destaca a tradição da diplomacia brasileira, de apresentar o país como pacífico, conciliador e participante de consensos internacionais, algo que, segundo ele, está deixando de existir diante da nova política externa.
Kalout é formado pela Universidade de Brasília (UNB), especialista em política internacional e Oriente Médio, foi consultor da ONU e o primeiro latino-americano a integrar o Advisory Board da Harvard International Review. O pesquisador também foi secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência no governo Michel Temer. Por telefone, Kalout conversou com a coluna sobre como o Brasil é visto no Exterior e como recuperar a imagem desgastada pela gestão da pandemia.
Hussein Kalout, pesquisador de Harvard
Nas últimas semanas, há várias manchetes de jornais internacionais sobre o aumento dos casos de coronavírus no Brasile editoriais apontando para uma crise de saúde, econômica e política no país. Na sua avaliação, como o Brasil está sendo visto pelo mundo?
A imagem de um país é a semelhança e o retrato de seu governo. A imagem do governo é ruim, repleta de arranhaduras e isso acaba sendo plasmado no Exterior. Obviamente, o estilo de governança adotado pelo presidente não é um estilo muito clássico de quem exerce a função de presidente: muito particular, baseado na confrontação constante e na geração de atritos institucionais. Isso acaba tendo ressonância seja no Brasil, seja fora. O Brasil sempre se caracterizou por ser um país obediente às normas internacionais, que era capaz de ser parte da engenharia de grandes consensos, de ser um indutor de processos de paz. O que se percebe aqui fora em relação ao Brasil é que se abriu mão de todo esse capital diplomático. Abre-se mão do capital político acumulado que dava ao Brasil a primazia de atuar em diversas frentes no sistema internacional. A leitura que se faz é de que o Brasil está fora do compasso de sua normalidade histórica.
Existe, na sua opinião, uma "marca Brasil"? Que atributos contribuem para a construção da imagem do Brasil no Exterior?
Os países têm marca. Parte característica da "marca Brasil" é a de um povo solidário, acolhedor, alegre. Há Estados que se notabilizam por sua organização social e eficiência de gestão, países que projetam sua marca a partir de seu desenvolvimento tecnológico, outros a partir de sua capacidade esportiva ou sua infraestrutura militar. O Brasil sempre se caracterizou, modulou sua marca, a partir de uma percepção de um país pacífico, que é capaz de resolver as controvérsias e contenciosos de forma negociada. É um país que evitava atritos e era proponente da conciliação. Essa marca de país pacífico e conciliador não existe mais. O olhar para o Brasil não é mais assim. A primeira pergunta que te fazem, aqui em Harvard, é: "O que está acontecendo com o seu país?" 
O Brasil é assunto nos corredores da Universidade de Harvard?
Claro, aqui na universidade, de forma geral, indaga-se o que está acontecendo com o Brasil. O país parece que perdeu sua bússola. Não é porque você tem um governo à direita. Na verdade, este não é um governo de direita, é de extrema-direita. Não é porque houve uma mudança governamental. A questão é que as posições do Brasil hoje são totalmente heterodoxas, contrassensuais, contra a lógica. Não conheço, dentro do ciclo universitário, de quem conhece ou se interessa pelo Brasil, ninguém que não esteja espantado. Não conheço ninguém que ache que o que está acontecendo no Brasil é algo dentro da normalidade.
Mesmo quem está em Harvard e acompanha os Estados Unidos fica surpreso? Uma vez que o presidente Jair Bolsonarose espelha em Donald Trump?
O povo americano está espantado com Trump. Basta olhar as pesquisas. Em vários Estados, ele está tomando uma lavada em relação a Joe Biden. Na Pensilvânia, Estado em que ele venceu a Hillary Clinton por menos de 10 mil votos na eleição anterior, hoje está 10 pontos atrás de Biden. No Arizona, Estado do Mike Pence (vice de Trump), está tecnicamente empatado ou atrás do Biden, Flórida, que é um Estado caracteristicamente republicano, ele está tecnicamente empatado com Biden. Isso reflete o humor e a insatisfação do público americano. Trump está perdendo tração entre os mais idosos, na faixa dos afro-americanos, dos hispano-americanos, entre jovens, entre mulheres. Não é que se espantam, é que aqui os pesos e contrapesos e as instituições são muito fortes. Você não vê Trump atacando a Suprema Corte americana. Você não vê Trump indo a uma manifestação em frente à Casa Branca em meio a uma pandemia de covid-19. Você não vê Trump em frente à Casa Branca onde há faixas propondo o fechamento do Supremo. Bolsonaro procura imitar Trump, e o imita inclusive nos erros e da pior forma possível.
A má gestão da pandemia pode erodir o chamado soft power brasileiro, a capacidade de projeção de poder do país lá fora?
O soft power é basicamente a projeção dos interesses nacionais brasileiros nos tabuleiros internacionais de forma qualificada e diplomaticamente bem desenhada. Hoje, o Brasil não tem um projeto de política externa. Até para você projetar os seus interesses, você precisa ter um projeto. Esse projeto não existe. Hoje, o Brasil encontra-se imobilizado nos principais tabuleiros internacionais, inclusive atacando seus principais parceiros estratégicos no mundo: as duas potências europeias, Franca e Alemanha, a China, seu principal parceiro comercial, a Argentina, que é o principal parceiro geopolítico na América Latina. Não vou nem entrar na temática dos países árabes (houve ameaças de rompimento de contratos comerciais diante da intenção do governo de mudar a embaixada em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém) . Há uma degradação do poder brando brasileiro, que sempre foi consubstanciado em suas capacidades de utilizar seu estilo pacificador, propositivo, pragmático e conciliador. Isso é fato. 
A pandemia profunda a crise na imagem brasileira?
A pandemia escancarou de uma forma um pouco mais nua e crua as debilidades da política externa brasileira e da capacidade governamental. Qual país do mundo, em meio a uma pandemia de coronavírus, está trocando o ministro da saúde? Diga um país só… Não tem. Então, algo está errado. Qual país categoricamente nega a ciência? Três ou quatro. Normalmente Estados totalitários, que adotam o mesmo discurso negacionista quanto aos efeitos do problema. Em parte, Trump paga um alto preço porque tentou minimizar isso. E tentou propor soluções não comprovadas cientificamente. Isso feriu de morte sua popularidade e hoje o país tem 30 milhões de desempregados e mais de 100 mil mortes. Então, não foi muito auspicioso. A crise da covid-19 escancarou as debilidades do governo que já eram conhecidas, mas não vistas com essa ótica tão primitiva.
Essa imagem internacional pode ser reconstruída ou os danos são irreversíveis?
Se o governo seguir com essa mesma tônica, a tendência é de que haja uma deterioração grave, mais grave ainda, da imagem do Brasil no mundo. Se essa dinâmica de adoção de políticas públicas e de confrontação persistir, a tendência é de que se agrave. Se é irrecuperável ou não, vai depender de quem estiver à frente do governo futuro e do trabalho que será feito. Acho que o trabalho no futuro é reversível, porém vai custar muito caro ao Brasil: em tempo, em recursos, em reconquistar a confiança de importantes parceiros. Não vai ser algo que se recupere da noite para o dia. Tem de haver um trabalho por trás e isso precisa se provar na prática. Podemos recuperar? É possível, mas não será fácil e não será no curto prazo.


sábado, 30 de maio de 2020

A imagem negativa do Brasil no exterior - Guga Chacra (O GLobo)


O presidente Jair Bolsonaro na última segunda-feira
Cerca de 15 anos atrás, um amigo iraniano radicado nos Estados Unidos que estudou comigo na Universidade Columbia me disse sentir inveja, no bom sentido, de eu ser brasileiro. Afirmou algo como “quando você fala que é do Brasil, os olhos das pessoas brilham. Todos adoram o Brasil no mundo. Quando digo que sou iraniano, a imagem na cabeça da maioria das pessoas é ruim”.
Não há dúvida de que o Irã carrega uma imagem terrível desde 1979, quando ocorreu a revolução no país — antes era governado pela ditadura do Xá, também sanguinária, porém mais bem vista no exterior. As cenas de pessoas enforcadas nas ruas e a adoção de medidas extremistas, com as mulheres sendo tratadas como cidadãs de segunda classe e a perseguição aos homossexuais, assombraram o planeta. A tomada da Embaixada dos EUA em Teerã, com 52 diplomatas mantidos reféns por 444 dias, desgastou ainda mais a visão que muitos americanos têm dos iranianos.
Muitos aqui nos EUA ignoravam a história milenar dos persas. Qualquer iraniano passou a ser associado a algo negativo. A proeminente diáspora iraniana em Los Angeles e Nova York teve de lutar para mostrar que eles eram contra o regime. Inclusive, boa parte deles veio para os EUA para fugir do extremismo. Condenavam o aiatolá Khomeini, mas tinham orgulho de serem persas.
Ser brasileiro no exterior parecia ser o inverso de ser iraniano, como notou meu amigo. Apesar de todos os enormes problemas do país, o Brasil era enxergado positivamente, desfrutando de uma espécie de soft power sem se esforçar. Esta imagem um pouco estereotipada se devia ao futebol e à música, que sempre encantaram o planeta — Pelé, Tom Jobim, Ipanema e mesmo o piloto Ayrton Senna. O Brasil foi por décadas sinônimo de alegria. Nossa política externa seguia uma visão multilateralista em órgãos internacionais. Éramos vistos como um dos líderes na defesa do meio ambiente. Sem dúvida, houve críticas à postura brasileira na aproximação com alguns regimes. Mas nada muito diferente dos EUA ou da França, que também sempre tiveram boas relações com algumas ditaduras.
A imprensa internacional publicava matérias positivas e negativas do país. Casos de corrupção receberam destaque, assim como o impeachment de Dilma Rousseff. O mesmo vale para a recessão econômica — lembrando que corrupção e crises na economia não eram algo único ao Brasil, embora mais intenso do que em muitas outras nações. Ainda assim, a imagem brasileira seguia normal e relativamente positiva. Não éramos uma nação pária.
A chegada de Jair Bolsonaro ao poder foi uma transformação. Houve, sim, inicialmente e mesmo ao longo de parte do ano passado, reportagens positivas sobre o desempenho econômico. Alguns líderes internacionais, como Benjamin Netanyahu e Narendra Modi, até desenvolveram uma boa relação com o líder brasileiro. A imagem do presidente, porém, começava a se desgastar devido ao desmatamento e às queimadas na Amazônia. Seu comportamento agressivo e suas falas recheadas de insultos agravaram ainda mais o cenário. Sua postura negacionista e anticiência no combate à Covid-19 foi o golpe final para os brasileiros passarem a ser associados a algo negativo.
Infelizmente, ninguém nos inveja mais. Os olhos deixam de brilhar quando dizemos que somos do Brasil. Triste.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

A imagem DEGRADADA do Brasil no exterior - Edoardo Ghirotto (Veja)

As causas e os estragos da pior crise de imagem internacional do Brasil

O fracasso no combate à pandemia e as ameaças às instituições e ao meio ambiente evidenciam ao mundo o desgoverno do país

Por Edoardo GhirottoEduardo Gonçalves - Atualizado em 29 maio 2020, 09h44 - Publicado em 29 maio 2020, 06h00 


O Brasil encontra-se à beira de um lockdown diante da comunidade internacional. O estado de isolamento agudo daquele que seria o país do futuro está materializado na balbúrdia do presente por uma conjunção de catástrofes, a começar pela tragédia humanitária nacional, com a liderança mundial de mortes diárias por Covid-19 (rumando firme para a casa de 30 000 óbitos). Em vez das doses cavalares de prudência, de organização e de responsabilidade adotadas pela esmagadora maioria do planeta como remédios para conter a doença, por aqui o caminho foi apostar na improvisação, na negação da ciência e no desprezo à gravidade do problema. Na esteira do estrago do coronavírus vieram o agravamento da crise política, a queda acelerada rumo ao fundo do poço da recessão, o aumento dos insultos às instituições, as novas ameaças ao meio ambiente e a exacerbação de discursos e gestos autoritários, com direito a um flerte explícito com o militarismo. Em meio ao caos, “Bolsonero”, um dos vários apelidos criados recentemente por veículos de imprensa da Europa e dos Estados Unidos para classificar a postura do presidente, vai aumentando o volume de seu mantra de chamar a população de volta às ruas e de procurar inimigos por todos os cantos, boa parte deles imaginários, a fim de responsabili­zá-los pela situação. Para mostrar que não teme a “gripezinha” e estimular as pessoas a fazer o mesmo, o capitão não perde a oportunidade de se expor sem os devidos cuidados, e em uma das últimas aparições sem a proteção da redoma do séquito bolsonarista foi saudado com panelaços e gritos de “assassino” enquanto degustava um cachorro-quente em Brasília.
Esse flerte irracional com o perigo parece cada vez mais indigesto e incompreensível aos olhares estrangeiros. Não bastasse provocar ondas permanentes de espanto e de preocupação pelo estado de desgoverno até entre os vizinhos mais pobres da América do Sul, o país passa a sofrer as inevitáveis consequências econômicas por causa dessa política confusa em um mundo globalizado. São inúmeros os indicadores que comprovam como a instabilidade afugenta o capital, o que só agrava a situação do momento. O real se tornou uma moeda tóxica, com desvalorização de aproximadamente 30% em relação ao dólar neste ano. Segundo o Banco Central, investidores estrangeiros retiraram daqui 31,4 bilhões de dólares de aplicações financeiras entre janeiro e abril, enquanto a entrada de investimentos diretos despencou de 5,1 bilhões de dólares em abril de 2019 para insignificantes 234 milhões no último mês. Em sinal de alerta, a agência Fitch rebaixou a perspectiva da nota de crédito do país de neutra para negativa. “O Brasil se tornou um pária internacional”, disse a VEJA o historiador e brasilianista britânico Kenneth Maxwell. “Uma situação que foi amplificada pelo comportamento irresponsável de Bolsonaro.”



PROTAGONISTAS - Weintraub e Salles: falas chocantes na tristemente célebre reunião ministerial de 22 de abril Marcelo Camargo/Agência Brasil/Ueslei Marcelino/Reuters

Uma crise econômica no período pós-pandemia seria inevitável. A Alemanha, considerada um dos modelos no enfrentamento da doença, entrou nesta semana em recessão técnica, após as quedas no consumo e nas exportações derrubarem o PIB do primeiro trimestre em 2,2%. Para o Brasil, as consequências tendem a ser piores. O Instituto Internacional de Finanças revisou recentemente a previsão de queda do PIB para 6,9% em 2020. No campo político, Bolsonaro se equiparou aos ditadores de Nicarágua, Turcomenistão e Bielorrússia ao negar a gravidade da Covid-19. Também rodou o mundo a irrestrita defesa que fez ao uso da cloroquina, sem que houvesse comprovação científica, e as brigas que comprou com governadores e prefeitos que aplicavam medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde. “Hoje, a nação é sinônimo de tragédia”, afirma o brasilianista Jeffrey Lesser, diretor do Instituto Halle de Pesquisa Global da Universidade Emory, nos Estados Unidos. “O país se tornou um problema sanitário e econômico global.”

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As consequências da imagem manchada do Brasil no exteriorO isolamento do país aos olhos do mundo, o chefe do serviço paralelo de informação de Bolsonaro e mais. Leia nesta edição
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Um exemplo concreto da perda de reputação com a crise do coronavírus é a recente proibição que os Estados Unidos impuseram a todos os voos vindos do Brasil. “Não quero pessoas infectando meu povo”, disse Donald Trump, considerado por Bolsonaro um aliado de primeira hora, ao explicar por que cogitava impedir a entrada de brasileiros. No pior dos cenários, tendo em conta o aprofundamento de seu atual grau de isolamento pelas grandes nações e pelos blocos econômicos, o país teria de lidar com a suspensão de voos, a proibição do tráfego marítimo e o bloqueio à entrada de produtos em importantes mercados, como os Estados Unidos, a China e a União Europeia. Para o cientista político chileno Jorge Heine, professor da Universidade de Boston e um dos autores do Manual da Diplomacia Moderna de Oxford, o Brasil atropela dois pré-­requisitos imprescindíveis nas relações internacionais: credibilidade e previsibilidade. “O país as tinha de sobra, mas isso não ocorre mais”, afirma o estudioso. Desde 2019, prossegue o especialista, o Brasil alcançou a rara posição em que conseguiu antagonizar praticamente com o mundo inteiro. “A comunidade internacional está horrorizada com o presidente dizendo ‘e daí?’ enquanto o país conta dezenas de milhares de mortos”, diz Heine. “Será preciso um enorme esforço para restaurar a posição que o Brasil um dia teve no mundo.”
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Se há características que certamente não fazem parte do governo Bolsonaro, elas são “credibilidade e previsibilidade”. No último dia 22, o ministro do STF Celso de Mello autorizou a divulgação do vídeo da reunião ministerial em que o presidente ameaça interferir na pasta da Justiça para proteger familiares e amigos de investigações. Além do disparate autoritário, a filmagem de quase duas horas mostra o presidente e seus ministros sem que haja qualquer filtro. O jornal britânico The Guardian dedicou um texto só para os 34 palavrões que Bolsonaro disse na reunião. Pior: o mundo pôde ver o ministro da Educação, Abraham Weintraub, pedindo a prisão dos ministros do STF, assim como o fez a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, em relação a governadores e prefeitos. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, voltou a pôr fogo nas preocupações internacionais com a preservação da Amazônia ao dizer que o governo deveria aproveitar a distração da imprensa com a pandemia de Covid-19 para “passar a boiada”, alterando regramentos e flexibilizando normas. O resultado só não foi mais desastroso porque Celso de Mello omitiu os ataques que o ministro da Economia, Paulo Guedes, dirigiu à China, o principal parceiro comercial do Brasil.
O vídeo da reunião ministerial provocou estrago significativo na imagem do governo brasileiro no exterior. O jornal britânico conservador Financial Times, tido como a bíblia do mercado financeiro, veiculou, na segunda 25, uma coluna com o seguinte título: “O populismo de Jair Bolsonaro está levando o país ao desastre”. O presidente deu de ombros, classificando a imprensa internacional como “de esquerda”. A tática do confronto também foi adotada pelo chanceler Ernesto Araújo, que já chamou a pandemia de “comunavírus” e varreu do Itamaraty quadros renomados que não comungam de sua pregação. Alinhado a essa visão estreita, Luís Fernando Serra, embaixador na França, emitiu no dia 19 uma carta criticando a direção do Le Monde, a quem ele acusou de inventar ficções quando o jornal francês publicou um editorial devastador sobre a insensatez de Bolsonaro no combate ao coronavírus.


DITADURA - Médici: protestos internacionais por violação dos direitos humanos Cristiano Mascaro/.

No jargão diplomático, o recorde de desatinos dos últimos tempos fez o Brasil queimar seu capital de soft power, como se define a habilidade de uma nação ter o que quer por meio da atração em vez da coerção. “Tradicionalmente, o Brasil tinha um soft power que emanava de sua reputação por políticas competentes e progressistas”, diz Joseph Nye, idealizador desse conceito e professor emérito da Harvard. “Essa imagem se perdeu com a forma como Bolsonaro lida com a pandemia.” As consequências já são sentidas no alijamento de representatividade da nação nos organismos multilaterais. Bolsonaro não participou da reunião entre os presidentes da América do Sul para tratar do combate à Covid-19 e ficou de fora de uma força-tarefa mundial para acelerar a produção de uma vacina para a doença. Entre diplomatas e especialistas em comércio exterior, corre a versão de que a renúncia de Roberto Azevêdo à direção da Organização Mundial do Comércio (OMC) foi motivada pela incapacidade de domar os desvarios do governo brasileiro na área de relações exteriores e pela iminência de sanções contra o país. A rigor, o Brasil tem hoje apenas uma posição de liderança entre entidades do primeiro time global: José Sette, na direção da Organização Internacional do Café.
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Não é a primeira vez que o Brasil é posto de lado pela comunidade internacional. Na década de 70, na ditadura militar, o país sofreu com o isolamento em razão das violações dos direitos humanos, tendo como auge o tenebroso período do AI-5 durante o governo Médici (aliás, uma época incensada por Bolsonaro). Mas, para Rubens Barbosa, que foi embaixador de 1999 a 2004 nos Estados Unidos, há uma grande diferença entre o isolamento da época do período militar e o momento atual. “Antes, a sanção era só política. Agora, também é econômico-comercial”, compara.
A preservação do meio ambiente é uma das questões com maior potencial para gerar novos prejuízos. Em 2019, as cenas de desmatamento da Amazônia e a postura tíbia do governo diante do problema já haviam provocado uma crise internacional. O alerta voltou a ser aceso com as palavras de Ricardo Salles no tristemente célebre encontro de 22 de abril e a aproximação da temporada seca, quando o volume de queimadas costuma explodir. “Naquela reunião minha manifestação não tinha nada a ver com a Amazônia. Eu estava me referindo a normas infralegais, abaixo das leis. Reitero: estava falando de todos os ministérios”, afirmou a VEJA Salles. “Dito isso, defendo que, se não avançarmos na regulação fundiária da região, não adianta políticas de comando e controle. A fiscalização tem efeito limitado, é difícil cobrir um território que equivale a dezesseis países da Europa”, completa. Representa mesmo um desafio proteger uma porção de terra tão vasta, mas é fato também que o Ministério do Meio Ambiente não tem colaborado muito com o trabalho, punindo agentes do Ibama que aplicam corretamente as leis contra madeireiros e garimpeiros ilegais, entre outras barbaridades. Mesmo com o foco na pandemia, os governos europeus andam atentos à forma como o país trata essa área. Está prevista para o meio deste ano a assinatura do acordo do Mercosul com a União Europeia, que tem um capítulo inteiro dedicado ao cumprimento de acordos ambientais que vão desde a redução na emissão de carbono à preservação da Amazônia. “O governo brasileiro está avançando com sua política de expansão de atividades econômicas e comerciais predatórias na Amazônia”, escreveu a deputada portuguesa Isabel Santos, que entrou com uma representação no Parlamento Europeu que pede investigações sobre a atuação brasileira na região.


MUY AMIGO – Donald Trump: “Não quero pessoas infectando meu povo” Evan Vucci/AP/.

A imagem de um governo caótico também é um espantalho para a captação de negócios para o Brasil, sobretudo em um momento em que empresas estão repensando as suas operações e cortando gastos no mundo todo. “O investidor pensa: vou colocar o meu dinheiro em outro país, que até pode ter risco e oportunidades semelhantes, mas sem os problemas de gestão do Brasil”, diz o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. VEJA conversou com executivos de três gigantes multinacionais do setor químico, automotivo e de vestuário. O sentimento é desesperador. Todos relataram não ter mais margem para fazer demandas às matrizes, seja para trazer novas linhas de produção, seja para pedir o capital necessário para manter saudáveis os caixas das sedes no Brasil. As matrizes orientam os executivos para que busquem fundos localmente, porque a prioridade é salvar outras operações ao redor do mundo. Os motivos elencados são o somatório de ruídos graves e constantes vindos do presidente, o confronto permanente entre os poderes, a perspectiva de uma crise maior do que em outros países e a projeção de uma retomada econômica mais lenta do que em outras localidades. “Quando se faz uma política externa ornamentada ideologicamente e atrelada a indivíduos, o cenário que se desenha é catastrófico”, diz o cientista político Hussein Kalout, pesquisador da Universidade Harvard.
Mesmo diante de uma situação tão crítica, é possível ainda evitar o pior? A firmeza de instituições como o STF diante dos arroubos autoritários e o potencial represado do Brasil dão sinais de que nem tudo está perdido. Um exemplo dessa capacidade de resiliência é o agronegócio. Desde o início do ano passado, o país abriu 48 mercados para produtos do setor rural nacional. Trata-se de um feito impressionante, pois parte dele ocorreu durante a escalada mundial da pandemia e em meio às constantes caneladas do governo no maior cliente, a China. “A boa notícia é que, com mudanças de administração ou de políticas, os países podem recuperar sua reputação com o passar do tempo”, diz Joseph Nye. De fato, há tempo para transformações enquanto as agências de classificação não cogitam pôr o país no clube dos inadimplentes. Antes da pandemia, a expectativa era de que o Brasil retomasse o grau de investimento em 2022. A hipótese, agora, beira a zero, mas não cair para o nível de calote já é alguma coisa. Economistas mais otimistas ainda veem uma janela de oportunidades com a profunda crise econômica para consertar gargalos antigos do Brasil, como os setores de infraestrutura e de tecnologia. Eles citam a tese da “destruição criativa”, do austríaco Joseph Schumpeter, que se propõe a explicar alterações bruscas no capitalismo. Se por um lado a inovação cria outras opções de emprego e atividades, por outro ela também torna obsoletas modalidades antigas. “É a característica desta era e temos de permitir que essa destruição promova produtividade e eficiência”, afirma Adriano Pires, sócio-fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). É um chamamento para o governo Bolsonaro recobrar a lucidez e a razão. Há um enorme trabalho pela frente para recuperar o estrago feito até aqui.
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Com reportagem de Victor Irajá e Jennifer Ann Thomas
Publicado em VEJA de 3 de junho de 2020, edição nº 2689

Chanceler acidental corta TODAS as informações dos diplomatas - Ediardo Ghirotto (Veja)

Após críticas, Itamaraty cancela clipping internacional para embaixadores

Ernesto Araújo interrompeu o serviço que reunia reportagens da imprensa estrangeira após jornais britânicos publicarem textos contrários a Bolsonaro

Por Edoardo Ghirotto - Atualizado em 29 maio 2020, 10h32 - Publicado em 29 maio 2020, 10h19 

Itamaraty cancelou nesta semana o serviço diário de clipping que reunia reportagens publicadas por veículos de imprensa estrangeiros sobre o Brasil. A decisão foi tomada pelo chanceler Ernesto Araújo após um aumento nas críticas ao presidente Jair Bolsonaro ser registrado na mídia internacional.
Nos últimos dias, até jornais de linha editorial conservadora passaram a criticar a negligência do presidente no combate à pandemia de Covid-19. O jornal britânico Financial Times, tido como a bíblia do mercado financeiro, afirmou que o “populismo de Bolsonaro está levando o país ao desastre”. Outro jornal britânico, o The Daily Telegraph, chamou Bolsonaro de “o homem que quebrou o Brasil”.
Em resposta às críticas, Bolsonaro afirmou que “a imprensa mundial é de esquerda” e que o presidente americano Donald Trump “sofre muito nos Estados Unidos também”.