A imagem de um país é a semelhança e o retrato de seu governo. A imagem do governo é ruim, repleta de arranhaduras e isso acaba sendo plasmado no Exterior. Obviamente, o estilo de governança adotado pelo presidente não é um estilo muito clássico de quem exerce a função de presidente: muito particular, baseado na confrontação constante e na geração de atritos institucionais. Isso acaba tendo ressonância seja no Brasil, seja fora. O Brasil sempre se caracterizou por ser um país obediente às normas internacionais, que era capaz de ser parte da engenharia de grandes consensos, de ser um indutor de processos de paz. O que se percebe aqui fora em relação ao Brasil é que se abriu mão de todo esse capital diplomático. Abre-se mão do capital político acumulado que dava ao Brasil a primazia de atuar em diversas frentes no sistema internacional. A leitura que se faz é de que o Brasil está fora do compasso de sua normalidade histórica.
Os países têm marca. Parte característica da "marca Brasil" é a de um povo solidário, acolhedor, alegre. Há Estados que se notabilizam por sua organização social e eficiência de gestão, países que projetam sua marca a partir de seu desenvolvimento tecnológico, outros a partir de sua capacidade esportiva ou sua infraestrutura militar. O Brasil sempre se caracterizou, modulou sua marca, a partir de uma percepção de um país pacífico, que é capaz de resolver as controvérsias e contenciosos de forma negociada. É um país que evitava atritos e era proponente da conciliação. Essa marca de país pacífico e conciliador não existe mais. O olhar para o Brasil não é mais assim. A primeira pergunta que te fazem, aqui em Harvard, é: "O que está acontecendo com o seu país?"
Claro, aqui na universidade, de forma geral, indaga-se o que está acontecendo com o Brasil. O país parece que perdeu sua bússola. Não é porque você tem um governo à direita. Na verdade, este não é um governo de direita, é de extrema-direita. Não é porque houve uma mudança governamental. A questão é que as posições do Brasil hoje são totalmente heterodoxas, contrassensuais, contra a lógica. Não conheço, dentro do ciclo universitário, de quem conhece ou se interessa pelo Brasil, ninguém que não esteja espantado. Não conheço ninguém que ache que o que está acontecendo no Brasil é algo dentro da normalidade.
O soft power é basicamente a projeção dos interesses nacionais brasileiros nos tabuleiros internacionais de forma qualificada e diplomaticamente bem desenhada. Hoje, o Brasil não tem um projeto de política externa. Até para você projetar os seus interesses, você precisa ter um projeto. Esse projeto não existe. Hoje, o Brasil encontra-se imobilizado nos principais tabuleiros internacionais, inclusive atacando seus principais parceiros estratégicos no mundo: as duas potências europeias, Franca e Alemanha, a China, seu principal parceiro comercial, a Argentina, que é o principal parceiro geopolítico na América Latina. Não vou nem entrar na temática dos países árabes (houve ameaças de rompimento de contratos comerciais diante da intenção do governo de mudar a embaixada em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém) . Há uma degradação do poder brando brasileiro, que sempre foi consubstanciado em suas capacidades de utilizar seu estilo pacificador, propositivo, pragmático e conciliador. Isso é fato.
A pandemia escancarou de uma forma um pouco mais nua e crua as debilidades da política externa brasileira e da capacidade governamental. Qual país do mundo, em meio a uma pandemia de coronavírus, está trocando o ministro da saúde? Diga um país só… Não tem. Então, algo está errado. Qual país categoricamente nega a ciência? Três ou quatro. Normalmente Estados totalitários, que adotam o mesmo discurso negacionista quanto aos efeitos do problema. Em parte, Trump paga um alto preço porque tentou minimizar isso. E tentou propor soluções não comprovadas cientificamente. Isso feriu de morte sua popularidade e hoje o país tem 30 milhões de desempregados e mais de 100 mil mortes. Então, não foi muito auspicioso. A crise da covid-19 escancarou as debilidades do governo que já eram conhecidas, mas não vistas com essa ótica tão primitiva.
Se o governo seguir com essa mesma tônica, a tendência é de que haja uma deterioração grave, mais grave ainda, da imagem do Brasil no mundo. Se essa dinâmica de adoção de políticas públicas e de confrontação persistir, a tendência é de que se agrave. Se é irrecuperável ou não, vai depender de quem estiver à frente do governo futuro e do trabalho que será feito. Acho que o trabalho no futuro é reversível, porém vai custar muito caro ao Brasil: em tempo, em recursos, em reconquistar a confiança de importantes parceiros. Não vai ser algo que se recupere da noite para o dia. Tem de haver um trabalho por trás e isso precisa se provar na prática. Podemos recuperar? É possível, mas não será fácil e não será no curto prazo.
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