Uma das tragédias da nossa época, da nossa conjuntura histórica, não é exatamente o fato de estarmos enfrentando uma pandemia que vai provavelmente causar mais perdas econômicas, mais miséria e pobreza, do que propriamente perda de vidas humanas, certamente não na proporção da Peste Negra do século XIV, ou na da “gripe espanhola” (americana), com seus milhões de mortos, logo ao final da Grande Guerra.
A Grande Depressão que ela pode ainda causar, a retração da globalização e o desemprego já evidente talvez sejam maiores do que a “mãe de todas as crises”, a Grande Depressão dos anos 1930.
Mas estas perdas, em vidas humanas, e os retrocessos econômicos, talvez não sejam os piores desafios dos nossos tempos, que algumas mentes tresloucadas querem ver como sendo a “decadência do Ocidente”, elegendo então uma cavalgadura como o Trump como o suposto “salvador do Ocidente”, o que é uma impostura monumental, e não apenas teórica, ou histórica, mas também simplesmente factual.
Uma das nossas maiores tragédias é o fato que essa hipotética decadência — se ela existe, de fato — não é causada por nenhuma preeminência agressiva” da China ou de outros alegados competidores desse Ocidente supostamente em declínio, por causa de uma imaginária “concorrência desleal” ou de outras práticas maliciosas dessas potências ascendentes.
As verdadeiras causas residem na estagnação dos impulsos produtivos, dos esforços inovadores, de um estadismo esclarecido, na opção por um retorno sobre si mesmos, em uma reversão mercantilista, instintos protecionistas, mas sobretudo na volta de velhas tendências nacionalistas, nos extremismos medíocres consolidados sob a forma de demagogia política e de populismo econômico, tanto de esquerda, quanto de direita, em especial de extrema-direita.
Acresce que os novos líderes surgidos dessa nova “revolta das massas” são, via de regra, extremamente ignorantes e, com poucas exceções, singularmente estúpidos, como é o caso dos dois presidentes dos maiores países do hemisfério ocidental (além de estúpidos, mesquinhos e perversos, nestes casos).
À diferença das animosidades entre os impérios centrais e o confronto com as democracias ocidentais, que causaram a Grande Guerra, e em contraste com o expansionismo militarista dos Estados fascistas, que precipitou o mundo na voragem da Segunda Guerra Mundial, o atual processo de declínio — muito relativo — das potências ocidentais, em face do gigante asiático, por elas considerado como um “desafiante estratégico”, não tem nada a ver com qualquer “ocupação de espaços” antes exclusivamente ocidentais, no comércio, nas finanças, na tecnologia, nos investimentos, na influência política ou ideológica, soft power ou qualquer outro desafio desse tipo.
Nem haverá uma alegada repetição da última fantasmagoria de acadêmicos liberais das melhores universidades americanas convertidos à paranoia dos generais do Pentágono, a tão temida (talvez até desejada) “armadilha de Tucídides”, como não se cansa de repetir Graham Allison, o autor do mais celebrado “The Essence of Decision”, sobre a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, que quase levou as duas superpotências “to the brink”.
A decadência “ocidental” — se ela existe, o que eu não acredito — é auto-infligida, made at home, e deriva justamente da burrice nacionalista dos seus dirigentes.
Os Estados Unidos de Trump mergulharam nessa espiral do declínio, provavelmente o Brasil de Bolsonaro também, assim como uma meia dúzia de outros países que fizeram a bobagem de votar por demagogos ignorantes e populistas totalmente despreparados para enfrentar os desafios da (e contrários à) globalização. Esses países vão recuar, absoluta ou relativamente, até que surjam estadistas capazes de libertá-los da “armadilha da burrice” à qual foram conduzidos por eleitores ignorantes e suscetíveis de se deixarem enganar por demagogos e gurus tresloucados.
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