Valor Econômico, 26/06/202
Renda básica para as crianças
Para melhorar a vida dos mais pobres, não deveríamos tornar permanente o programa de renda básica emergencial do jeito que ele foi desenhado, nem criar um programa de transferência de renda universal. É melhor transferir mais renda para quem realmente precisa do que transferir um valor pequeno para todos os brasileiros. E devemos priorizar as crianças.
O programa de renda básica emergencial está sendo muito bem-sucedido, conseguindo atenuar os efeitos sociais da pandemia e evitando uma recessão ainda maior. É provável que abril, maio e junho sejam os meses de menor pobreza e desigualdade da história do país, em plena pandemia, devido a esse programa. Portanto, ele deve continuar até que o novo programa social seja colocado em prática. Porém, por ter sido implementado de forma rápida (o que era necessário), acabou beneficiando muitos brasileiros que não precisavam do auxílio, mas que não resistiram à tentação de aproveitar a "boquinha". Isso aumentou muito o seu custo.
Já o programa Bolsa Família, apesar de ter uma focalização bem melhor, não é suficiente para tirar as crianças da pobreza. Apenas evita a pobreza extrema. Por exemplo, 50% das famílias com crianças de 0 a 6 anos que estão no programa continuam pobres mesmo depois das transferências. Além disso, o programa tem que disputar verbas com outros programas não prioritários, o que gera atrasos e ausência de reajustes, como ocorreu nos últimos anos.
Assim, nosso desafio é combinar as partes boas desses dois programas e eliminar as ruins. Para isso, junto-me a vários especialistas que têm defendido ampliar o valor das transferências para as famílias com crianças. Mas qual seria a alternativa para fazer isso com a menor razão custo/benefício?
A tabela mostra simulações com diferentes possibilidades. Atualmente, 25% das famílias brasileiras com crianças de 0 a 6 anos são pobres. Podemos transferir R$ 800 para todas as famílias com crianças ou somente para as que estão no programa Bolsa Família (PBF). Podemos transferir os recursos por família ou por criança. Se transferirmos R$ 800 por criança para todas as famílias com crianças, a pobreza cairia para 5%, ao custo de R$ 174 bilhões. Se transferirmos o mesmo valor por criança, mas somente para as famílias que estão no PBF, o custo seria de R$ 83 bilhões e a pobreza cairia para 13%.
Mas se o programa Bolsa Família fosse aperfeiçoado, chegando a todas as famílias pobres e retirando do programa as que não o são, a pobreza cairia para 5%, ao custo de apenas R$ 48 bilhões. Assim, com esse valor poderíamos praticamente eliminar a pobreza infantil no Brasil e manter as condicionalidades existentes no PBF, que se mostraram importantes para melhorar a educação e saúde dos mais pobres.
Para melhorar a focalização do programa, o governo deveria usar o aplicativo desenvolvido para o programa de renda básica emergencial. O ideal seria que todas as famílias potencialmente pobres fizessem o cadastro eletrônico no aplicativo e inserissem as suas informações de renda, trabalho e ativos todos os meses, tal como é feito no imposto de renda uma vez por ano. As que não dispõem de celular nem computador poderiam ir ao conselho de assistência social do município para atualizar os valores. Quem entrasse na pobreza receberia a transferência automaticamente e quem saísse da pobreza receberia um bônus e teria os valores das transferências reduzidos paulatinamente ao longo do tempo.
Uma equipe do governo verificaria a consistência das informações ao longo do tempo e usaria todas as bases de dados do governo e movimentações bancárias para diminuir as fraudes. Além disso, as equipes municipais sorteariam uma pequena amostra para fazer auditorias através de visitas domiciliares todos os meses. Quem fraudasse o sistema teria que pagar multa e não poderia mais entrar no programa.
Para arrecadar os recursos para pagar esse programa, o governo deveria acabar com os abatimentos do imposto de renda para os gastos com educação e saúde e tributar a renda de todas as pessoas igualmente, independentemente da fonte. Assim, os lucros e dividendos, juros sobre capital próprio, renda do trabalho e rendimentos das empresas que estão no "Simples" seriam todos tributadas da mesma forma. Nada mais justo.
Além disso, a alíquota do imposto sobre herança deveria aumentar e uma nova alíquota no imposto de renda de 35% deveria ser criada. Por fim, o imposto sobre pessoa jurídica deveria ser reduzido para diminuir a bitributação, mas todos os artifícios legais usados pelas empresas para pagar menos impostos teriam que ser proibidos.
Além disso, deveríamos continuar contendo os gastos públicos, sempre buscando mais eficiência, mas preservando o orçamento da saúde, educação e ciência, que são essenciais para igualar oportunidades e se mostraram importantes para lidarmos com a crise atual. Em suma, é possível acabar com a pobreza infantil no Brasil, mas para isso temos controlar o aumento de gastos no setor público e tornar nosso sistema tributário mais justo.
Bolsa Família avança, mas auxílio é baixo, mostra Ipea
Instituto diz que acesso cresceu entre os 10% mais pobres
Economistas sugerem programa de renda com foco na geração de emprego
Projeto prevê valor variável para auxílio, a fim de complementar rendimentos até um nível mínimo
O projeto prevê auxílio de valor variável, capaz de inteirar a renda familiar até um mínimo fixado. "Temos uma população marcada pela informalidade e que sofre muito com oscilação de renda, mesmo fora da pandemia. Por isso, esse programa funcionaria como uma espécie de seguro, para encerrar o flerte dessas pessoas com a extrema pobreza, ao mesmo tempo que estimula o emprego formal", diz Firpo.
No caso dos empregados formais de baixa renda, o programa funcionaria como subsídio ao empregador para desonerar a folha de pagamentos e estimular o emprego. A segunda linha da proposta vai em linha com o desejo de Guedes em reduzir custos ao empregador. "A ideia é que as empresas passem a cogitar a contratação de mão obra pouco especializada que lhes parece muito cara hoje", afirma o economista do Insper.
Para o novo programa, Firpo e Olinto sugerem redirecionar os montantes dispensados com salário família, abono salarial, seguro defeso e descontos ligados a saúde e educação no Imposto de Renda. Além desses orçamentos, ainda seria necessária aplicação de dinheiro novo. Na conta dos especialistas, o gasto adicional ficaria em torno de 1% do PIB, ou cerca de R$ 73 bilhões, para um piso do benefício em R$ 100 reais per capita.
O montante sugerido é pouco menor que o vislumbrado pelo economista Naercio Menezes, também do Insper, que custaria mais R$ 80 bilhões por ano, e maior que os R$ 52 bilhões calculados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em sua proposta. O documento do Ipea só trabalha com remanejamento de verbas mediante o encerramento de programas existentes. O Valor apurou que os pesquisadores do Ipea fizeram simulações mais ambiciosas, mas recuaram para algo próximo do consenso da equipe econômica, avessa ao aumento de gastos.
Proposta bem mais cara aos cofres públicos vem do economista Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV). Ele também propõe renda universal, que unifique benefícios mas na ordem de 4,0% do PIB. O projeto permitiria repasse per capita de R$ 220 aos mais pobres, enquanto este valor hoje, via Bolsa Família, é de apenas R$ 70.
As propostas do Ipea, Naercio e Duque focam a infância, enquanto a de Firpo e Olinto olham para o trabalhador adulto.
Para tocar os valores, diz o especialista, mesmo os beneficiários que trabalham na informalidade teriam, obrigatoriamente, de estar bancarizados e contribuir com o mínimo para a Previdência Social.
Firpo elogia o esforço do governo em promover o auxílio emergencial de R$ 600 pago a trabalhadores informais e os repasses que aliviam a folha de pagamento das empresas no caso de contratos reduzidos ou suspensos. Mas lembra que é consenso, dentro e fora do governo, que esse nível de gasto não se sustenta.
Em seus cálculos, o governo gasta entre R$ 700 e R$ 800 per capita para um público potencial de 80 milhões de pessoas (70 milhões de informais e 10 milhões de empregados formais). "Prorrogado indefinidamente, isso passa 10% do PIB ao ano. Precisa ser reduzido e o que propomos é um programa de repercussão mais ampla, que estimule a formalização e, tão logo, a arrecadação", diz Firpo.
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