Que o Brasil não tenha política externa, isso eu já sabia, e denunciei, desde AGOSTO DE 2018, quando foi divulgado o MEDÍOCRE programa do candidato Bolsonaro. Tornou-se EVIDENTE desde 1 e 2 de JANEIRO DE 2019, na posse de JB e fo chanceler acidental; denunciei isso em meu livro “Miséria da diplomacia” (livremente disponivel no Diplomatizzando) e novamente neste novo livro, “O Itamaraty num labirinto de sombras” (Kindle), e em dezenas de postagens nesse ano e meio. Dawisson Lopes confirma que o chanceler acidental (na verdade catastrófico para o Itamaraty) só aderiu ao olavismo mais delirante e que se submeteu aos interesses eleitoreiros do presidente e de sua família. Triste, patético, lamentável.
O Brasil, pela primeira vez em quase 200 anos, não tem uma política externa. Não é força de expressão: como a jangada de pedra de Saramago, estamos à deriva, deslocando-nos sabe-se lá para onde, sem nenhuma orientação estratégica. A inserção internacional do país é, hoje em dia, um mero subproduto da conveniência eleitoral de Jair Bolsonaro.
Explica-se: uma política exterior racionalmente concebida precisa avaliar os meios disponíveis e adequá-los aos fins nacionais pretendidos, com base em princípios predeterminados. Essa coesão entre princípios, meios e fins é a coluna que sustenta um plano coerente de ação. O
atual chanceler , contudo, joga fora a cartilha universal e arroga-se o inventor da roda. Alega refundar a nação e o Itamaraty quando, na verdade, apenas encampa o cálculo político do presidente da República.
A adoração a
Donald Trump e a
sinofobia , traços exibidos desde a campanha de Bolsonaro ao Planalto, são importantes para entender o fenômeno em voga, mas não revelam tudo. Se cavamos mais fundamente, deparamo-nos com verdade factual surpreendente: ao contrário do que se poderia imaginar, não houve incorporação evidente do liberalismo à la Paulo Guedes ou do realismo militarista de Hamilton Mourão na vertente institucional da política externa brasileira. O discurso odioso sobre o meio ambiente ainda não se converteu em denúncia de pactos internacionais. Os alvos preferenciais da investida bolsonarista nos fóruns globais têm sido os direitos humanos e, destacadamente, o Oriente Médio.
Outrora um empreendedor de normas como igualdade civil em uniões homoafetivas e defesa da multiculturalidade, o Brasil uniu-se a líderes de Hungria e Polônia, além do próprio Trump, para formar a “Parceria pelas Famílias”. O país mudou seus votos sobre temas de gênero no Conselho de Direitos Humanos da ONU e acompanhou o governo dos Estados Unidos em
resoluções ligadas ao conflito israelo-palestino . Depois de aproximar-se do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e
ameaçar transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, Bolsonaro
rompeu com o tradicional apoio à Palestina. O alinhamento entre Brasil e Israel-EUA nas Nações Unidas aumentou aproximadamente em 40% no ano de 2019. Para se ter uma ideia, o voto brasileiro foi revisado em nove tópicos da agenda a respeito da questão israelo-palestina – sempre em favor de Israel. Uma
guinada incomum , considerado nosso histórico diplomático.
O que estaria por trás dessa reversão dramática de posicionamento em direitos humanos e, particularmente, nos assuntos que envolvem árabes e judeus? Dado que Brasília não passou, da noite para o dia, a influenciar nem a ser parte diretamente interessada na configuração geopolítica do Oriente Médio, a resposta só pode ser uma: a “guerra cultural” e sua potencial rentabilidade eleitoral. Dá-se a instrumentalização, como nunca antes se viu, da política externa para atender às demandas domésticas de grupos de interesse e lobby religioso, permitindo a Bolsonaro acenos ecumênicos a financiadores e lideranças conservadoras e cristãs da sua base.
Diplomatas, cumpridores de seus deveres, continuam a operar inercialmente a máquina, especialmente se a matéria não for captada pelo radar populista de Bolsonaro. Mas não há, na percepção dos burocratas do Itamaraty, uma leitura de interesse nacional que esteja inoculada e faça sentido operacional. Este “novo Brasil”, com retórica moralista, ineditamente fomentador de clivagens étnicas e religiosas, amigável a Trump e contrário ao establishment global, navega sem rumo pelas relações internacionais. Não faz política externa na verdadeira acepção do termo; apenas militância personalista e sectária.
*Dawisson Belém Lopes é professor de política internacional na UFMG e autor de “Política Externa e Democracia no Brasil” (Unesp, 2013) e “Política Externa na Nova República” (UFMG, 2017).
Thales Carvalho é doutorando em ciência política na UFMG.
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