O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador Paulo Kramer. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Paulo Kramer. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

"O Brasil está vivendo um golpe em câmera lenta com as ações do STF’, Entrevista Paulo Kramer, por José Fucs (O Estado de S. Paulo)

 Se há experimento, quem participa dele, o executa? Todos os políticos ou só alguns, militares,  judiciário ? Faltaram perguntas. O Brasil sempre foi país autoritário de povo passivo demais, vide o confisco da poupança por collor (meu vizinho morreu) .

Entrevista hoje na coluna do José Fucs :

"O Brasil está vivendo um golpe em câmera lenta com as ações do STF’, diz cientista político

Para Paulo Kramer, País passa por um ‘experimento pavloviano’, em que a tolerância da sociedade a ‘expedientes menos democráticos’ está sendo testada, para ver se há alguma reação, mas o ‘ponto de virada’ está próximo.

19/09/2024 | 09h30 Atualização: 19/09/2024 | 16h49

Entrevista com Paulo Kramer

Cientista político, consultor, assessor parlamentar na Câmara dos Deputados e professor aposentado da Universidade de Brasília

O cientista político Paulo Kramer, de 67 anos, faz parte de um grupo restrito de profissionais da área, dominada por uma visão marxista da realidade, que se autodefine como um “liberal”. Professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), consultor de riscos políticos e assessor parlamentar da liderança da minoria na Câmara dos Deputados, ele diz que o papel de “Poder Moderador” desempenhado hoje pelo STF (Supremo Tribunal Federal), com ações que vão além de seu papel constitucional, é “o problema número um” que a gente vive no País.

“Nós estamos vivendo o que eu chamo de golpe em câmera lenta. O Supremo hoje pode tudo, porque os outros Poderes acham que ele pode tudo. Ou acham que não podem fazer nada contra ele”, afirma. Segundo Kramer, porém, o “ponto de virada” está próximo e deve resgatar o equilíbrio entre os Poderes da República. “Gradativamente, a opinião pública foi se conscientizando de que o Poder Judiciário, principalmente o STF, está há muito tempo exorbitando do seu papel constitucional. Ele precisa voltar ao seu quadrado, para que os Poderes sejam efetivamente independentes, porém funcionem de forma harmônica.”

Nesta entrevista ao Estadão, Kramer fala também sobre o fim do “presidencialismo de coalizão”, com a perda de poder do Executivo para o Legislativo na gestão do orçamento federal, a partir da aprovação das emendas parlamentares de execução obrigatória em 2015. Ele comenta, ainda, os projetos de impeachment do ministro Alexandre de Moraes e de anistia aos presos de 8 de janeiro que tramitam no Congresso e analisa as eleições municipais e o impacto do “fenômeno” Pablo Marçal, candidato do PRTB à prefeitura de São Paulo, na direita e no bolsonarismo. “Provavelmente, a direita não marchará unida nas eleições de 2026″, diz. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Como o sr. está vendo o cenário político hoje no País?

O que está ocorrendo no País hoje tem relação com o patrimonialismo que predomina na política brasileira, essa tendência que nós temos de confundir o público com o privado. Isso acaba condicionando a visão que os políticos e o povo têm, de forma geral, sobre o que significa exercer um cargo público. Aqui, as pessoas, quando alçadas a uma posição de poder qualquer, acabam se achando maiores e mais importantes do que os cargos. Elas exercem o poder de maneira imoderada e é provavelmente por isso que nós estamos sempre clamando pela intervenção de um Poder Moderador.

Oficialmente, nós tivemos um Poder Moderador no Império, na Constituição de 1824. De lá para cá, na República, a figura do Poder Moderador deixou de existir na Constituição. Mas, na prática, desde o tenentismo (movimento político-militar que surgiu no fim da República Velha para tentar derrubar as oligarquias rurais que governavam o País), a gente está sempre à espera de um general, de um Sergio Moro, de um Deltan Dallagnol, para combater os efeitos nocivos desse exercício imoderado do poder. Isso é o contrário do que acontece em outros países, de tradição republicana mais sólida, onde o sujeito em geral tem consciência de que ele é menor do que o cargo, de que o cargo é mais importante do que ele, e de que, portanto, ele deve agir de forma decente no exercício de suas funções.

O que isso tem a ver com o atual quadro político do País?

No momento, essa busca pela ação de um Poder Moderador voltou a assombrar o Brasil e se tornou um componente crucial do nosso jogo político. Hoje, boa parte da esquerda vê no STF, particularmente na figura do ministro Alexandre de Moraes, esse poder “providencial”, acima da mecânica rotineira da convivência institucional entre os Poderes. O Supremo hoje pode tudo. Pode tudo porque os outros Poderes acham que ele pode tudo. Ou acham que não podem fazer nada contra ele. Para mim, este é o problema número um que a gente vive hoje no Brasil.

Enquanto a esquerda era hegemônica na nossa cultura política, seja na forma da social-democracia “perfumada” dos tucanos, seja no formato mais “botocudo” da tigrada lulopetista, isso não acontecia. Agora, com o crescimento de uma faixa de opinião de direita, conservadora, na sociedade brasileira – e pelo mundo afora – o STF vem assumindo este papel. Um lado reluta, quando não se recusa simplesmente a reconhecer, a legitimidade do outro. É por isso que cada eleição presidencial brasileira é encarada como uma crise e não como um desenvolvimento institucional periódico, previsível e normal numa sociedade democrática.

Em sua opinião, como isso está afetando o País?

Nós estamos vivendo um problema que eu chamo de golpe em câmara lenta. Este processo começou quando o ministro (Dias) Toffoli (então presidente do STF) se sentiu ameaçado pelas investigações da Lava Jato e designou seu colega, o ministro Alexandre de Moraes, para promover esse verdadeiro inquérito do fim do mundo, que não tem fim – o inquérito das fake news, que acaba incluindo tudo que ele considera prejudicial à sua visão de democracia. A partir daí, uma série de medidas foi tomada para beneficiar o lado do (hoje presidente Luiz Inácio) Lula (da Silva) e prejudicar o lado do (hoje ex-presidente Jair) Bolsonaro.

Houve a “descondenação” do Lula, que havia sido condenado em três instâncias, justamente com a intenção de permitir que ele disputasse a Presidência de novo. Depois, isso ficou mais patente ainda durante a eleição de 2022, quando o senhor Alexandre Moraes exerceu a presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). É só comparar as ações que ele determinou contra um dos lados e quase não determinou contra o outro que você vê que não houve equilíbrio nas decisões em relação aos dois principais concorrentes. Desde então, esse processo vem tendo desdobramentos em série e é isso que eu chamo de um golpe em câmara lenta.

Quem saiu perdendo fomos todos nós, porque o propalado Estado de Direto ficou abalado

Como a gente chegou a este ponto?

A gente pode comparar isso com um experimento diabólico, pavloviano, de reflexo condicionado, em que a tolerância do povo, da opinião pública, em relação a esses expedientes menos democráticos, menos republicanos, vai sendo testada passo a passo, para ver se há alguma reação. Na medida em que boa parte da população se mostrava indiferente ao que estava ocorrendo, os executores dessas medidas se sentiram cada vez mais à vontade para ir avançando. Com isso, eu acho que quem saiu perdendo fomos todos nós, porque o propalado Estado de Direto ficou abalado.

Dentro disso que o sr. está falando, desse quadro do golpe em câmera lenta, dessa tentativa de ir testando a sociedade, em que estágio o sr. acredita que estamos hoje?

Olha, eu acredito que nós estamos nos aproximando de um ponto de virada. Ou vai ou racha. Gradativamente, a opinião pública foi se conscientizando de que o Poder Judiciário, principalmente o STF, aliado ao lulopetismo, está há muito tempo exorbitando do seu papel constitucional. Ele precisa voltar ao seu quadrado constitucional, para que os Poderes sejam efetivamente independentes, porém funcionem de forma harmônica. Senão, nós vamos ficar sempre naquele subdesenvolvimento político de achar que precisamos de uma força de fora, um Deus ex-machina que salve a situação, quando na verdade é a vontade organizada e legal dos cidadãos que fará com que as coisas aconteçam.

No sistema representativo, isso ocorre com a sociedade exercendo pressão para que seus representantes eleitos no Congresso façam alguma coisa para mudar a situação. É assim que funciona numa democracia. As pessoas enchem as ruas, protestam, se manifestam, não para ganhar no grito, mas para sensibilizar seus representantes eleitos, seus congressistas, deputados e senadores, para que façam aquilo que elas estão querendo.

Como o sr. você viu a manifestação na avenida Paulista, em São Paulo, no dia 7 de setembro? Até que ponto ela refletiu esta maior conscientização da sociedade, se havia menos gente nas ruas do que em manifestações anteriores?

O governo e a esquerda tentaram pintar a última manifestação na Paulista como um grande fracasso, já que em manifestações anteriores havia trezentas mil pessoas nas ruas e dessa vez havia algo em torno de cinquenta, sessenta mil. Agora, como tudo é relativo em política, quando você compara essas cinquenta e poucas mil pessoas que estavam na Paulista com o ato esvaziado que foi realizado no mesmo dia na Esplanada dos Ministérios, com a presença do Lula e de ministros do STF, você consegue ter uma ideia mais precisa da dimensão da manifestação que ocorreu em São Paulo.

Hoje, o governo está fraco, porque não tem mais o conta-gotas na mão para controlar as emendas orçamentárias dos parlamentares

Até pouco tempo atrás, havia uma percepção de que essas bandeiras relacionadas ao STF e ao impeachment do ministro Alexandre de Moraes estavam mais ligadas aos bolsonaristas e a grupos de direita e hoje parece que elas ganharam apoio das forças de centro e até de centro-esquerda. Qual a sua visão desta questão?

A minha visão se baseia naquele famoso ditado “pau que dá em Chico dá em Francisco”. Quer dizer, um poder ilimitado ou que se sente ilimitado é sempre perigoso para todos os players do jogo. É por isso que, no longo prazo, o que interessa é que o equilíbrio entre os Poderes seja reestabelecido, para que no futuro isso não ameace mais ninguém, nem a esquerda nem a direita.

Agora, como o sr. afirmou há pouco, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT e boa parte da esquerda, que representam uma parcela significativa da sociedade, estão a favor desta atuação do STF e particularmente do ministro Alexandre de Moraes. O que está levando a esse apoio do Lula e da esquerda ao STF e ao ministro?

A gente tem de levar em conta que o Lula não é mais aquele e que o famoso “presidencialismo de coalizão” também não é. O “presidencialismo de coalizão”, hoje, não funciona mais. Aquela história de o Poder Executivo usar as verbas do Orçamento para formar uma base parlamentar e aprovar suas medidas no Congresso mudou de forma considerável nos últimos anos. Desde 2015, quando o Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, se aborreceu com a então presidente da República Dilma Rousseff, porque achou que ela não tinha se empenhado o suficiente para garantir que o PT não votaria contra ele no Conselho de Ética por “quebra de decoro parlamentar”, o jogo virou. A partir daí, com a aprovação das emendas de execução obrigatória, os parlamentares foram avançando sobre aquela já diminuta parcela discricionária do Orçamento, que permite ao Executivo gastar onde quiser. Hoje, nós temos as emendas individuais dos parlamentares, as emendas de bancada e uma série de emendas de execução obrigatória que realmente dão uma independência muito grande aos parlamentares, sejam de que partido forem.

Atualmente, o Parlamento não está mais obrigado a se submeter aos desejos do Executivo. O Congresso já não depende mais do presidente, como nos primeiros mandatos do Lula e nos tempos do Fernando Henrique Cardoso. Hoje, o governo está fraco, porque não tem mais o conta-gotas na mão para controlar as emendas orçamentárias dos parlamentares. Neste sentido, o Congresso pode criar mais dificuldades para o Executivo. Isso alterou a correlação de forças entre os Poderes. Então, além de o Lula 3 estar mais velho, visivelmente mais debilitado do ponto de vista do seu vigor físico, ainda sofre essa limitação. O governo Bolsonaro já pegou essa conjuntura de maior independência orçamentária dos parlamentares e meio que se conformou com o novo desenho. Mas parece que o governo Lula 3 está tentando rodar um software já vencido.

"Eu acredito que essas emendas parlamentares vieram para ficar. É difícil quem conquistou uma parcela de poder abrir mão desse poder."

Recentemente, o STF determinou que houvesse um acerto entre o Legislativo e o Executivo e até estabeleceu um prazo para isso acontecer. No fim, chegou-se a uma fórmula, que, pelo que entendi, deve dar mais poder ao governo na gestão do Orçamento. É isso mesmo? Como o sr. analisa esta questão?

O que se combinou, o que ficou mais ou menos garantido a partir de agora, foi a chamada rastreabilidade da origem das emendas, que é uma coisa positiva, na minha opinião. Isso vai permitir que se saiba quem pediu aquela emenda, em todos os seus passos: empenho da verba, se ela efetivamente aplicada, executada. Agora, tem uma questão em aberto aí. O senador Davi Alcolumbre (União-AP), que é candidato à sucessão do Rodrigo Pacheco na presidência do Senado, já está dizendo que a solução é transformar as emendas de bancada em emendas individuais.

De qualquer forma, essa ação do governo mostra que há uma tentativa do Executivo de recuperar o poder do passado em relação ao Orçamento. O sr. acredita que isso é possível?

É difícil quem conquistou uma parcela de poder abrir mão desse poder. O Congresso sentiu o gostinho dessas emendas de execução obrigatória e agora, obviamente, não quer devolver esse poder para o Executivo. Então, eu acredito que essas emendas parlamentares vieram para ficar.

É isso que explicaria, na sua visão, a dependência do governo em relação ao STF, para conseguir implementar suas políticas?

Exatamente. Ele precisa dessa muleta. Eu vou te dar um exemplo bem recente. Há poucos dias, outro ministro do STF, o Flávio Dino, autorizou o governo a abrir um crédito extraordinário para combater os incêndios florestais, fora do arcabouço fiscal, que, cá para nós, já está avacalhadíssimo, desacreditadíssimo, embora o governo Lula e sobretudo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, procurem manter uma aparência de normalidade nas contas públicas perante o mercado.

A rigor, tendo em vista a urgência de se combater esses incêndios que estão consumindo o Brasil, o Lula não precisaria da autorização do Flávio Dino para conseguir esse crédito junto ao Congresso. Mas, hoje, o governo se escuda atrás do STF mesmo quando não precisa. Agora, isso também tem uma explicação: para o Lula, para quem “gasto é vida”, o arcabouço fiscal impõe limites que ele e seus companheiros não suportam. Então, é como se o Lula dissesse “olha, não sou eu que estou pedindo para abrir o crédito. Estou pedindo porque o Flávio Dino determinou” – por sinal, em mais uma decisão monocrática de um ministro do Supremo.

Considerando todo esse quadro que o sr. traçou, o que a eleição do novo comando da Câmara e do Senado pode mudar na relação do governo com o Congresso?

Eu acredito que a próxima eleição para a presidência da Câmara e do Senado vai colocar nestes dois postos estratégicos representantes do chamado Centrão, que é aquela geleia, uma hora está de um lado, outra hora está do outro. Usa, muitas vezes, o ímpeto das bancadas de direita para pressionar o Executivo em questões paroquiais, de interesse dos políticos do grupo. Eu acredito que não vai dar para escapar disso. É claro que a direita está tentando comprometer os futuros presidentes das duas Casas, sejam eles quem forem, com a sua pauta. Agora, a gente sabe, por experiências anteriores, que essas promessas podem ou não ser cumpridas, dependendo da conveniência desses políticos, desses ocupantes de altos cargos do Congresso.

Acho muito difícil, pelo menos até onde a vista alcança, que haja uma mudança significativa nas posições do Congresso. Isso não quer dizer que, no futuro, não será possível, mas no momento acho pouco provável os futuros presidentes do Senado e da Câmara, sejam eles quem forem, concordarem com a diminuição do seu poder. Tem um postulado básico da ciência política segundo o qual quem tem poder não quer dividi-lo com ninguém. A não ser que seja forçado a isso por um poder maior. Agora, mesmo com as emendas de execução obrigatória, tem sempre um carguinho público que pode ser ocupado por alguém ligado a um deputado, a um senador, em troca de apoio no Congresso.

Como o sr. analisa as iniciativas do governo para interferir nas eleições do comando do Congresso, apesar dos desmentidos oficiais?

Eu acredito que o Executivo está se movimentando e vai se movimentar, sim, para ter o resultado mais favorável possível na composição das mesas do Senado e da Câmara. Agora, o que a gente percebe é que há alguns pontos que se tornaram cláusula pétrea para o Congresso e dos quais ele não vai abrir mão. Por exemplo, qualquer medida hoje que interfira negativamente nessa chamada pauta moral, na pauta dos costumes, na pauta da segurança pública, não tem muita chance de passar, porque quem se opõe a isso hoje está em franca minoria.

O impeachment do ministro Alexandre de Moraes não é tão simples quanto pode parecer

Na sua avaliação, qual a viabilidade de o pedido do impeachment do ministro Alexandre de Moraes que está sendo apresentado no Senado ser levado adiante?

Na verdade, a coisa não é tão simples quanto pode parecer, porque os regimentos internos, tanto do Senado quanto na Câmara dos Deputados dão uma latitude de decisão muito grande para os presidentes das duas Casas. Seria necessário futuramente modificar os dois regimentos, para que uma vez estabelecida uma maioria considerável, uma maioria robusta, pelo menos uma maioria absoluta de parlamentares favoráveis a um determinado curso de ação, que o presidente da Câmara ou do Senado tivesse de dar continuidade ao processo. Hoje, os presidentes têm poder demais, tanto na Câmara quanto no Senado, sendo que, no caso de processo de impeachment de ministro do Supremo Tribunal Federal, cabe ao Senado conduzir, por maioria de dois terços.

O sr. acredita, então, que isso não deve caminhar no Senado?

Eu acredito que as cinco assinaturas que estão faltando para atingir mais da metade dos senadores vão ser mais difíceis de obter do que as 36 já obtidas no pedido de impeachment. Em quantos pedidos de impeachment do Alexandre de Moraes o Rodrigo Pacheco já sentou literalmente em cima? De qualquer forma, os senadores que apoiam o impeachment pretendem constranger o Pacheco com esse pedido, aproveitando que as eleições municipais armam o palanque para as eleições gerais de 2026. Para um partido se posicionar bem nas eleições gerais, é muito importante que ele tenha conseguido um bom resultado nas eleições municipais.

Outro dia, eu me deparei com o início de uma articulação para que os candidatos municipais do PSD, que é o partido do Pacheco, comecem a pressionar seus senadores mais ou menos nos seguintes termos: “Nós vamos perder as eleições aqui no nosso município, porque vocês são contra a assinatura do pedido de impeachment do Alexandre de Moraes”. Agora, ainda que isso não vá adiante, eu espero que a mera ameaça de abertura do processo de impeachment tenha, digamos assim, “capacidade de dissuasão”, para que os senhores ministros do Supremo caiam na real e retornem ao seu quadrado constitucional.

Além do impeachment, tem também o projeto de anistia aos presos dos atos de 8 de janeiro para o Congresso avaliar. Embora a narrativa dominante seja de que houve uma tentativa de golpe, muitos juristas, políticos e analistas que não têm nada de bolsonaristas dizem que, para eles, o que houve foi uma depredação de prédios públicos, como outras que ocorreram no passado, envolvendo o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Qual a probabilidade, na sua opinião, de essa anistia sair?

Eu acredito que o avanço mais rápido ou mais lento desse movimento pela anistia vai depender, mais uma vez, dos vasos comunicantes entre a opinião pública e seus representantes eleitos, porque a anistia é uma lei votada pelo Congresso. A esquerda está se manifestando contra a anistia porque, em sua visão, os manifestantes cometeram crimes como depredação, vandalismo etc. Agora, alguns juristas afirmam que a anistia é para isso mesmo, é para perdoar crimes. A anistia tecnicamente falando, é um perdão, um esquecimento em relação aos crimes cometidos por qualquer das pessoas envolvidas naqueles atos.

Eu tenho conversado de vez em quando com o desembargador aposentado Sebastião Coelho, que patrocina várias causas daquelas famílias, daqueles presos do 8 de janeiro. O Sebastião diz o seguinte para os seus clientes: “Se eu fosse vocês, não aceitaria nenhum acordo com o Ministério Público, pela simples razão de que a experiência histórica do Brasil nos mostra que, mais cedo ou mais tarde, as coisas mudam e você vai perder o direito de reclamar depois”. E o Sebastião Coelho não é o único a reconhecer a precariedade jurídica dessas ordens inconstitucionais. Agora, o que vai definir isso é o que antigamente os comunistas chamavam de “correlação de forças”. Vai depender de um Congresso que se sinta mais independente para tomar as medidas necessárias, entre elas, a abertura de um processo contra o ministro Alexandre de Moraes e a própria anistia.

Essa briga do Elon Musk com o Alexandre de Moraes ajudou a esclarecer a opinião pública mundial para algo de muito grave que está acontecendo com as liberdades democráticas no Brasil

Na semana passada, houve até uma tentativa na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de levar isso adiante, mas em princípio a decisão foi adiada para depois das eleições municipais por uma intervenção do governo e do Arthur Lira, presidente da Câmara. O sr. acredita que isso vai voltar mesmo à pauta?

Eu acho que vai depender sobretudo do resultado das eleições. Eu vi o Bolsonaro falando outro dia que o futuro do Brasil passa pelos municípios. Isso quer dizer que o PL e os bolsonaristas vão batalhar para fazer o maior número possível de prefeituras ou o maior número possível de prefeituras importantes, em cidades grandes, para provar sua força e garantir que, na eleição geral de 2026, mais bolsonaristas, mais representantes da direita entrem para o Congresso e possam efetivamente virar o jogo.

Muitos analistas consideram que a ação do ministro Alexandre de Moraes contra o X (antigo Twitter) e o empresário Elon Musk foi emblemática das restrições impostas hoje à liberdade de expressão no Brasil, de uma volta da censura. O que o sr. pensa sobre isso? O sr. concorda com esta visão?

Eu concordo. Acredito que a reação do Elon Musk foi um game changer, como dizem os americanos. Foi um fator que ajudou a virar o jogo. Essa briga do Alexandre de Moraes com o Elon Musk teve o resultado positivo de desacreditar a narrativa de que a direita é antidemocrática, a direita é fascista, a direita é isso, a direita é aquilo. Pelo menos a briga do Elon Musk com o Xandão ajudou a esclarecer a opinião pública mundial para algo de muito grave que estava acontecendo e que está acontecendo com as liberdades democráticas no Brasil.

Para finalizar, gostaria de voltar às eleições municipais. De acordo com as pesquisas, a esquerda está se mostrando competitiva, se não me engano, em quatro capitais, na disputa pelas prefeituras. Como isso se insere no contexto que a gente está vivendo? O sr. acredita isso reflete uma mudança de mentalidade na sociedade ou acha que as eleições municipais são definidas por questões locais mesmo e que o resultado se deve muito aos nomes que estão envolvidos na disputa?

A minha avaliação é que nas cidades pequenas realmente o local tende a prevalecer. Agora, nas cidades maiores, nas metrópoles, é inevitável que essa disputa municipal seja nacionalizada. Basta ver o exemplo de São Paulo. Hoje, as pessoas e a mídia só falam de duas coisas: Pablo Marçal e os incêndios. É o que está na pauta. É como se o Pablo Marçal já estivesse ensaiando uma candidatura presidencial, porque no Brasil inteiro se fala disso. Muitos candidatos em outras capitais já reclamam, falam assim: “Estão cobrindo pouco a gente e muito o Estado de São Paulo, a cidade de São Paulo”.

Para a direita se viabilizar em 2026, precisa conquistar uma parcela importante do centro político

Qual a sua avaliação do fenômeno Marçal? O sr. acredita que a disputa entre ele e a família Bolsonaro e a crítica que muitos bolsonaristas fazem a ele colocaram a liderança do ex-presidente na direita em xeque?

Diante do fenômeno do Pablo Marçal, o que eu acho que o Bolsonaro deveria fazer e não está fazendo é explicar por que a direita que ele representa depende de uma guinada ao centro para se viabilizar politicamente nas próximas eleições. Porque é justamente por isso que ele está apoiando o Ricardo Nunes, que não tem nada a ver com ele. O Nunes tem mais a ver com o presidente do PL, que é o Valdemar Costa Neto, do que com o presidente de honra, que é o Bolsonaro. De qualquer maneira, para a direita se viabilizar em 2026 precisa conquistar uma parcela importante do centro político. E justamente quando o Bolsonaro fez esse movimento surgiu o Pablo Marçal denunciando essa aliança.

Para o Marçal, é todo mundo comunista, aquele exagero todo. Agora, se o Pablo Marçal ganhar esta eleição, ele sem dúvida alguma se fortalece muito caso queira disputar a Presidência da República em 2026, embora isso ainda não esteja claro para mim. Mas, caso ele queira disputar a Presidência, uma vitória em São Paulo vai dar uma força enorme para ele. E, mesmo que ele não ganhe, eu acredito que o estrago já está feito.

Em que sentido o sr. diz que o estrago está feito?

No sentido da direita se dividir e, portanto, se enfraquecer. Porque o Bolsonaro, que até este momento é o grande líder nacional da direita, está apoiando um candidato de centro em São Paulo. E, se esse candidato de centro perder, isso vai mostrar uma dúvida. E se o Pablo Marçal ganhar? Vai mostrar uma divisão significativa da direita. Quer dizer, provavelmente a direita não marchará unida para 2026. Isso deve contagiar bastante o quadro. A esquerda está batendo palma.

Eu não aqui vou julgar das intenções do Marçal, até porque eu não as conheço, mas ele sem dúvida alguma neste momento representa um setor mais intransigente da direita e que vai buscar sua justificação lá atrás nas raízes do próprio Bolsonaro. Só que o Bolsonaro e seus colaboradores mais próximos já perceberam que, para se viabilizar eleitoralmente, a direita precisa do centro. O Pablo Marçal recusa isso. Então, não sei. Vamos aguardar.

Última pergunta: deixando de lado um pouco esse fenômeno do Marçal, se é possível fazer isso, quem deverá ser na sua percepção o herdeiro do Bolsonaro em 2026?

O bolsonarismo, quer o Bolsonaro tenha planejado isso ou não, permitiu o surgimento de um monte de outras lideranças de direita, ao contrário do que aconteceu com Lula, no PT. O próprio Pablo Marçal é uma delas. Agora, essa multiplicidade de lideranças talvez tenha que ser administrada, se a direita quiser realmente ter chances nas próximas eleições. Eu acredito que a eleição deste ano, a eleição municipal, ela vai fortalecer a direita. Agora, os líderes da direita precisam tirar as conclusões desse fortalecimento, fazer uma leitura correta dessa conjuntura, para que a direita não marche enfraquecida e dividida para as próximas eleições."

Entrevista por José Fucs

Foto: Elza Fiuza/Agencia Brasil

terça-feira, 29 de junho de 2021

O melhor da Brasiliana ao alcance das novas gerações - Paulo Kramer (Congresso em Foco)

 Uma matéria do início de 2019, mas da qual tomei conhecimento apenas agora, e que transcrevo com o prazer que me dá toda reportagem falando de livros, de conhecimento, de história.

Paulo Roberto de Almeida

O melhor da Brasiliana ao alcance das novas gerações

"A crise da República Velha foi caracterizada por agitações político-militares. Tamanha fermentação de ideias ensejou o surgimento daquela que até hoje é a mais importante iniciativa editorial na área de estudos brasileiros, a coleção Brasiliana-Bibliotheca Pedagógica Brasileira"

A crise da república oligárquica – 1889/1930, período conhecido como República Velha – caracterizou-se por agitações político-militares, cujo maior exemplo foi o Tenentismo, até desembocar na Revolução de outubro/novembro daquele último ano. A intelectualidade de então não passaria incólume por essa conjuntura, com a multiplicação de obras literárias, artísticas (Semana de Arte Moderna, 1922), históricas etc, cada uma traduzindo ao seu modo verdadeira sede de redescoberta do Brasil, em busca das raízes do nosso atraso e dos caminhos para a sua superação.

Tamanha fermentação de ideias ensejou o surgimento daquela que até hoje é a mais importante iniciativa editorial na área dos estudos brasileiros: a coleção Brasiliana-Bibliotheca Pedagógica Brasileira, da Companhia Editora Nacional (São Paulo), significativamente iniciada naquele mesmo ano de 1930. A editora tinha sido fundada em 1925 pelo escritor e homem público Monteiro Lobato (1882/1948), para quem um "país se faz com homens e livros", e por seu sócio e continuador no empreendimento, Octalles Marcondes Ferreira (1901/1973). Como editores, a coleção teve dois homens de saber – primeiramente, o sociólogo e educafor Fernando de Azevedo (1894/1974), seguido, a partir de 1956, pelo historiador Américo Jacobina Lacombe (1909/1993). Foram, ao todo, 387 volumes, mais 26 da série Brasiliana-Grande Formato, reunindo relatos de viajantes, naturalistas e etnólogos estrangeiros que percorreram o Brasil dos séculos 16 a 19;  biografias; tratados de geografia física e humana, economia, monografias regionais, obras sobre os Brasis-Colônia, Império e República. (Na senda aberta por essa Brasiliana, viriam depois outras duas preciosas coleções: Documentos Brasileiros, da editora carioca José Olympio, e Reconquista do Brasil, da mineira Itatiaia.)

Pois bem, agora na virada de 2018 para 2019, as edições do Senado Federal (CEDIT@senado.leg.br, ou http://www.senado.leg.br/publicacoes/conselho), sob o comando desse incansável amigo dos bons livros que é Joaquim Campelo Marques, nos brindam com dois grandes lançamentos. O primeiro deles é a coleção Brasiliana Breve, com 20 volumes, a qual  coloca ao alcance dos leitores de hoje   títulos consagrados  da original, tais como como o Tratado descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa, escrito em 1587, pioneiro estudo sistemático da terra e das gentes; a História geral do Brasil, de Francisco Adolfo de Varnhagen (1816/1878), o visconde Porto Seguro, diplomata e fundador do estudo 'científico' da nossa história; Formação da sociedade brasileira/Populações meridionais do Brasil, do sociólogo e jurista fluminense Oliveira Viana (1883/1951); Descobrimento do Brasil e povoamento -- mais uma 'seleta' --, do cearense Capistrano de Abreu (1853/1927), outro eminente precursor da historiografia nacional; História das bandeiras paulistas, de Afonso d'Escragnolle Taunay (1876/1958);  e Através da Bahia, excertos da Viagem ao Brasil, 1817/1820, dos naturalistas bávaros Carl Friedrich Philipp von Martius  (botánico e antropólogo, 1794/1868) e Johann Baptist von Spix (zoólogo, 1781/1826), membros da missão científica e artística austro-alemã que acompanhou a arquiduquesa d'Áustria, dona Maria Leopoldina (1797/1826), futura imperatriz-consorte do Brasil, para onde viera a fim de se casar com o princípe-herdeiro, depois imperador dom Pedro I (1798/1834). Incorpora, também, estudos recentes,  que não constam da relação original, mas ajudam a iluminar, sistematizar e compreender episódios e figuras marcantes do multissecular painel histórico traçado pela Brasiliana, prolongando-se até a atualidade; são eles: Atuação da Inquisição no Brasil, organizado pelo historiador e filósofo Antonio Paim; Nossa primeira experiência de governo representativo. idem; Personalidades políticas (Independência e Império, verbetes), idem; Castilhismo: uma filosofia da República, do historiador das ideias políticas Ricardo Vélez Rodríguez, atual ministro da Educação; Primórdios da questão social no Brasil e A Frente Liberal e a democracia no Brasil, ambos do advogado e educador Arsênio Eduardo Correia; O estoque brasileiro de capital segundo sua origem, do jornalista e economista Gilberto Paim (1919/2013); e Síntese da trajetória institucional da República brasileira, de Antonio Paim, Ricardo Vélez Rodríguez e Leonardo Prota (1930/2016) – este último, sacerdote católico, estudioso das filosofias nacionais em perspectiva comparada e antigo professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Antonio Paim, pensador liberal baiano admiravelmente produtivo nos seus 92 anos de idade, não apenas coordenou a presente seleção da Brasiliana como produziu o segundo “presente” da editora do Senado aos amantes da cultura brasileira: o guia de leitura Brasiliana Breve: uma coleção para difundir a historiografia nacional. Em pouco mias de 100 páginas, ao inacreditável preço de R$ 8,00, ele mobiliza a sua notável erudição, aliada ao talento jornalístico para se comunicar com leitores de qualquer grau de instrução, para esclarecer resumidamente o sentido da nova coleção e os  principais aspectos das 20 obras selecionadas. Achei extremamente úteis, por exemplo, sua explanação de como Varnhagen se valeu de relatos de viajantes e outras fontes coloniais para o seu modelo pioneiro da historiografia brasileira (capítulos II e III); e também o primor de síntese que é o capítulo IV, breve roteiro da evolução política e cultural dopaís desde a Colônia até hoje.

É claro que selecionar sempre implica excluir. Assim, as escolhas, seus critérios e resultados seriam, certamente, tão numerosos e variados quantos porventura fossem os estudiosos encarregados de desenvolver, em separado, diferentes versões da Brasiliana Breve ( ** ). Decerto, todo fá da coleção original tem seus volumes prediletos, e, no meu caso, nenhum deles foi contemplado, a saber: o volume 243, de José Antonio Soares de Sousa, A vida do visconde do Uruguai, 1807/1866, biografia de Paulino José Soares de Sousa, diplomata, membro do Conselho de Estado, senador do Império, autor de seminal Ensaio sobre o Direito Administrativo, a quem Paim considera um dos estruturadores do sistema representativo brasileiro do século 19, cuja evolução gradual no sentido de um lento aperfeiçoamento e uma progressiva ampliação do eleitorado, no marco da monarquia constitucional, viria a ser interrompida com o advento da República. Ou então o volume 340, do historiador mineiro João Camillo de Oliveira Torres (1915/1973), Os construtores do Império: ideais e lutas do Partido Conservador brasileiro. Ou ainda o volume 136, biografia do político e escritor alagoano Aureliano Cândido Tavares Bastos (Tavares Bastos, 1839/1875), adversário liberal do conservador Paulino, escrita pelo seu conterrâneo Carlos Pontes. Da série Grande Formato, sou particularmente afeiçoado aos volumes 6 -- Tomas Ender, pintor austríaco na corte de d. João VI no Rio de Janeiro: um episódio da formação da classe dirigente brasileira, 1817/1818, de J. F. de Almeida Prado -- e 11, de José Honório Rodrigues (1913/1987), brilhante herdeiro de Varnhagen, Teoria da história do Brasil (5ª edição, 1978).

Mas, o importante, mesmo, é que os 20 tomos da Brasiliana Breve, acompanhados do precioso trabalho introdutório de Antonio Paim, possibilitarão que novas gerações de leitores tomem posse desse monumento à nossa memória histórica e cultural, instigando a sua curiosidade para conhecer os demais itens da coleção, hoje felizmente digitalizados e, portanto, ao alcance dos internautas, graças à  iniciativa da Fundação Biblioteca Nacional, no sítio eletrônico www.brasiliana.com.br/brasiliana/colecao.

Este artigo também será publicado na revista Boa Vontade, da LBV, onde Paulo Kramer mantém a coluna Congresso em Pauta


quarta-feira, 24 de junho de 2020

Oliveira Vianna e a venalidade dos juízes brasileiros - excertos selecionados por Paulo Kramer

Meu amigo Paulo Kramer selecionou um trecho especialmente ferino de Oliveira Viana sobre os juízes brasileiros. Desconfio que ele queira se vingar da categoria...
Paulo Roberto de Almeida

Em Populações Meridionais do Brasil (1920), Oliveira Viana descreve a parcialidade e a corrupção grassantes no nosso estamento Judiciário desde os tempos coloniais:

“Os homens poderosos, os que dispõem de cabedais e prestígio, estão sujeitos à parcialidade e à venalidade dos magistrados. Frei Manuel Calado conta que um tal Gaspar de Mendonça, rico senhor de engenho e naturalmente dado à ironia, que, irritado pelas injustiças que lhe fazem os juízes de Pernambuco, sai para a praça pública e, em altos brados, põe-se a exclamar: ‘Aonde estão os irmãos da Santa Casa de Misericórdia, tão zelosos nas obras de caridade e do serviço de Deus? Venham aqui para darem sepultura à Justiça, que morreu nesta terra e não há quem a enterre honradamente.’

“Os juízes jogam, com uma das suas principais atribuições, uma arma que, podendo ser manejada contra os homens de qualificação, é das mais terríveis: — a faculdade de tirar ‘residências’ e proceder ‘devassas’, só abolida em 1821. Essa faculdade é usada com o arbítrio mais odioso. É o enxovalho, a vindita, a perseguir legalizada — ‘campo aberto a todas as facções para se digladiarem, o vasto laboratório da calúnia e difamação, elevado pela lei ao caráter de instituição regular e permanente’.

“Esse espírito de parcialidade e faccionismo inspira todos os julgamos e domina todo o mecanismo processual. Os mandados de execução por dívida são, às vezes, feitos sem nenhuma formalidade legal e contra os preceitos estabelecidos. Outras vezes, prende-se arbitrariamente um indivíduo por ter movido a outro um pleito de justiça.

[. . .]

Essa justiça é uma injustiça rapace. Então, mais do que hoje, a voracidade dos meirinhos, dos escrivães, dos juízes prevaricadores é insaciável. Fintam-se com o maior descaro as partes litigantes. Certos magistrados declaram mesmo que os seus vencimentos constam de emolumentos que as partes devem pagar e abrem com isto a porta das maiores extorsões. 

Em: VIANA, Oliveira, Populações Meridionais do Brasil (Populações Rurais do Centro-Sul), vol. I de Intérpretes do Brasil, coordenação, seleção de livros e prefácio de Silviano Santiago (Rio: Nova Aguilar, 2000), pp. 1036-1037.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Paulo Kramer: uma aula sobre patrimonialismo e corrupcao petista

Eu já tinha postado esta "aula" na versão WhatsApp, mas aqui o texto foi revisto por meu amigo Paulo Kramer.
Paulo Roberto de Almeida

PATRIMONIALISMO


Um amigo me perguntou: "Mas, afinal, qual a diferença entre o PT e os outros partidos?" Respondi assim:
Oi, meu caro! Grato pela oportunidade, e vamos lá:
1) Ao contrário da maioria dos meus amigos e conhecidos que ficaram decepcionados e indignados quando começaram a vir à tona os primeiros podres do governo lulopetista, não fiquei nem uma coisa, nem outra, porque já estava cansado de saber, por estudo e observação própria, que a esquerda não democrática É, SEMPRE FOI, NUNCA DEIXARÁ DE SER P-A-T-R-I-M-O-N-I-A-L-I-S-T-A: aqui, em Cuba, na antiga União Soviética e nos seus satélites do Leste europeu, na China, na Venezuela, enfim, em qualquer lugar do mundo seja qual for a época. E, se alguém ainda nutria dúvidas sobre isso, foi porque nunca se deu o trabalho de perceber quais os países que a petralhada sempre teve como modelos.
2) O lulopetismo inventou o patrimonialismo? Claro que não, assim como Ayrton Senna não foi o inventor do automobilismo... Aliás, patrimonialista (i. e., predadora dos recursos públicos para engordar o patrimônio pessoal ou familiar) é toda a nossa cultura política. Patrimonialismo significa sempre e necessariamente atraso e miséria? Não, o patrimonialismo apresenta versões modernizadoras (Marquês de Pombal, em Portugal; Getúlio Vargas e regime militar no Brasil; Pedro, o Grande na Rússia etc., etc., etc.). Agora, corrupto, sempre; base de um regime político e econômico em que o Estado é mais forte que a sociedade, fazendo da segunda refém do primeiro, sempre também.
3) TODOS OS PARTIDOS POLÍTICOS BRASILEIROS SÃO PATRIMONIALISTAS, porque patrimonialista é essa matriz socioeconômica e política comum a cada um deles. Mas, então, em que o lulopetismo se distingue deles? Tentarei esclarecer: os outros partidos que formam a 'base parlamentar aliada' de qualquer governo agem como quadrilhas relativamente independentes (é o grupo do deputado X na previdência, é a panelinha do senador Y no setor elétrico, é o 'esquema' do ministro ou governador Z nesta ou naquela estatal... Enfim, cada quadrilha roubando para enriquecer os clãs familiares e políticos encastelados nas cúpulas dos diferentes partidos, mas que, em razão desse mesmo caráter descentralizado da roubalheira, jamais teve força suficiente, muito menos projeto consistente, para substituir o regime democrático (com todos os defeitos e limitações deste) por um sistema mais monopolizador do poder, de tipo ostensivo (regimes de partido único, a exemplo de Cuba, URSS etc) ou disfarçado (como os governos do PRI mexicano durante sete décadas a fio -- uma única legenda com efetivo controle das alavancas do poder [na mão direita, o Diário Oficial; na esquerda, os sindicatos e movimentos sociais corrompidos e domesticados ], em torno da qual gravitam partidecos sustentamos pelas migalhas caídas da mesa do banquete da sigla hegemônica).
4) O lulopetismo foi o único a atrever-se a um projeto centralizado, tentacular, onipresente de corrupção a serviço da eternização no poder. Nas condições atuais do mundo e do Brasil, o modelo mais viável não seria o despotismo de partido único, mas sim o hegemonismo à la PRI mexicano. 
Entendem a diferença? Para os outros clãs partidários e eleitorais, a corrupção era/é um fim em si; para o PT, um meio de eternizar-se no poder.
5) Liberais no Ministério da Fazenda, conforme o script esboçado na Carta ao Povo Brasileira (que prefiro chamar de documento sossega-banqueiro) que Lula divulgou em plena campanha de 2002, com texto de Antonio Palocci. Lembrar que, naquele momento,  a tensão pré-eleitoral estava nas alturas, com o dólar encostando em 4 reais, justamente pelo temor do mercado de que Lula e PT, se/quando chegassem ao poder cumpririam tudo aquilo que prometiam desde a fundação do partido, isto é, a implantação de um regime socialista à la Cuba, ou Angola, ou qualquer outro modelo acalentado por amantes do totalitarismo como Zé Dirceu. Por isso, depois de ganhar aquela primeira eleição, a política econômica do primeiro mandato de Lula seria impecavelmente ortodoxa, fincada no tripé câmbio flutuante, metas inflacionárias e responsabilidade fiscal. Atribuo a manutenção do Meirelles durante oito anos à frente do Banco Central como fruto da superior compreensão do ex-pobre Lula de que as maiores vítimas da inflação são os pobres, que, ao contrário das classes média e alta,  não podem se refugiar em aplicações financeiras indexadas; para o assalariado ou biscateiro pobre, num contexto de inflação alta, o dinheiro vira pó assim que é recebido...
6) No fundo, os lulopetistas jamais se converteram à economia de mercado, permanecendo fiéis ao besteirol intervencionista e estatizante que nem ao menos chega ser original, já que herdado das ditaduras estado-novista e militar. O disfarce liberal ortodoxo da política econômica do primeiro mandato não tardaria a ser abandonado, sob o estímulo de três fatores conjunturais: a maré de prosperidade ensejada pelo boom internacional dos preços das commodities agropecuárias e minerais; o advento da Grande Recessão mundial em 2008/2009, que reanimou as velhas e nunca preenchidas expectativas da esquerda de um colapso planetário e final  do capitalismo; e a descoberta do pré-sal, que, na cabecinha dessa gente, soou como senha para mandar às favas a responsabilidade fiscal e todo aquele receituário econômico 'de direita'.  E vamos enfiar cada vez mais grana no rabo de Joesleys e Eikes, que aventureiros como eles eram os grandes financiadores das campanhas do PT, além de fontes aparentemente inesgotáveis de propina. A esse trinômio, eu acrescentaria uma quarta  eventualidade decisiva para compreender a regressão da política econômica na passagem do 1º para o 2º mandato de Lula: a derrocada do Palocci com o escândalo caseiro-gate. Ele era um dos únicos da cúpula lulopetista a compreender a superioridade infinita da economia de mercado sobre todos os modelos alternativos e, se tivesse a coragem e a lucidez  de livrar-se do abraço sedutor, paralisante e delinquente do patrimonialismo, estaria em condições de liderar a transição do PT do socialismo populista, atrasado, para-bolivariano etc., rumo à socialdemocracia moderna, respeitadora das cláusulas pétreas da economia de mercado e do regime representativo.
Quem quiser saber mais, deve ler, do meu mestre e amigo ANTONIO PAIM, um dos maiores pensadores brasileiros vivos: Momentos Decisivos da História do Brasil; Marxismo e Descendência; O Liberalismo Contemporâneo (3ª edição); A Querela do Estatismo (2ª edição) e O Relativo Atraso Brasileiro e sua Difícil Superação; do saudoso diplomata, humanista e psicólogo junguiano José Osvaldo de Meira Penna: Em Berço Esplêndido e O Dinossauro; e, do historiador das ideias Ricardo Vélez Rodríguez (o mais brilhante discípulo de Antônio Paim): A Grande Mentira.
Um última observação sobre POPULISMO e PATRIMONIALISMO: nem todo patrimonialismo é populista, mas todo populismo é patrimonialista. Demagogos inescrupulosos como Lula exploram as fragilidades intelectuais e a imaturidade cívica de culturas políticas como a nossa, nas quais o entroncamento da herança contra-reformista ibérica com o positivismo de cunho religioso (ração ideológica da qual se fartaram o pensamento militar republicano e o caudilhismo gaúcho de Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Getúlio Vargas e Leonel Brizola) e o marxismo mais rastaquera formaram o caldo de cultura do coitadismo mais nocivo. Esses falsos messias sabem que, no Brasil e em Nuestra América de maneira geral, basta afetar e exibir esse falso sentimento de compaixão pelos pobres para receber de amplas parcelas da opinião pública, a começar pelos estamentos intelectuais e artísticos um amplo salvo conduto para saquear o erário é enriquecer à custa do suor do contribuinte. 

Paulo Kramer é cientista político.
Este texto reproduz conversa do autor no WhatsApp.

sábado, 20 de janeiro de 2018

Uma aula de Paulo Kramer sobre patrimonialismo e a corrupcao do PT

Patrimonialismo tradicional brasileiro e corrupção petista: uma lição de Paulo Kramer

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: considerações sobre patrimonialismo e corrupção; finalidade: introduzir um texto de Paulo Kramer sobre os dois fenômenos no Brasil]


Introdução
Concordo inteiramente com a lição de Paulo Kramer abaixo transcrita: existe uma diferença fundamental, essencial, entre, por um lado, a corrupção "normal" do sistema político, pervasiva, resiliente, tradicional entre os todos os partidos políticos, entre todos os caciques do velho sistema, e a corrupção sistêmica, "científica", organizada no modo bolchevique, do PT e sua liderança mafiosa (um pouco como era o partido nazista na Alemanha hitlerista).
A diferença, para mim (PRA), é esta: enquanto a corrupção tradicional se faz, na terminologia marxista, pelo velho "modo artesanal de produção da corrupção", ou seja, em caráter individual, oportunista, usando os recursos habituais da classe política para assaltar o Estado – emendas parlamentares, superfaturamento em despesas governamentais locais, achaque a empresas que serão protegidas depois, caixa 2 como sempre se fez, já a corrupção no universo petista, ou petralha, se faz pelo "modo industrial de produção da corrupção", sistêmica, organizada, cientificamente organizada pelo partido neobolchevique, destinada não apenas ao enriquecimento individual dos líderes mafiosos, mas correspondendo igualmente, e talvez principalmente, a um projeto coletivo, partidário, de monopólio do poder, o que se dá não apenas pelo assalto a TODOS os recursos do Estado, onde estiverem, mas pelo achaque e a extorsão direta, organizada das empresas, TODAS as empresas, públicas e privadas. Onde houver um emprendimento qualquer, os petralhas irão lá arrancar dinheiro para si e para a causa.
Qual é a causa?
Ora, a manutenção do poder, a todo custo.
Os petistas, os petralhas, os mafiosos do partido neobolchevique não estão minimamente interessados em "construir o socialismo", de qualquer século, do XIX ao XXI, como tentaram fazer os idiotas do socialismo bolivariano chavista, com isso mergulhando a pobre Venezuela na maior crise de sua história. Não, eles têm todo o interesse em preservar o capitalismo, pois sabem que o socialismo é sinônimo de miséria, de pobreza. Eles só querem extorquir os capitalistas – industriais e banqueiros – e viver às custas deles, ou seja, preservando o capitalismo, mas cobrando um alto preço deles e de toda a sociedade, extorquindo TODOS os produtores de riqueza na sua sanha predatória.
Mas vamos ler a lição de Paulo Kramer.


Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 20 de janeiro de 2018

===========

Patrimonialismo

Paulo Kramer

Um amigo me perguntou: "Mas, afinal, qual a diferença entre o PT e os outros partidos?" Respondi assim:
Oi, meu caro! Grato pela oportunidade, e vamos lá:
1) Ao contrário da maioria dos meus amigos e conhecidos que ficaram decepcionados e indignados quando começaram a vir à tona os primeiros podres do governo lulopetista, não fiquei nem uma coisa, nem outra, porque já estava cansado de saber, por estudo e observação própria, que a esquerda não democrática É, SEMPRE FOI, NUNCA DEIXARÁ DE SER P-A-T-R-I-M-O-N-I-A-L-I-S-T-A: aqui, em Cuba, na antiga União Soviética e nos seus satélites do Leste europeu, na China, na Venezuela, enfim, em qualquer lugar do mundo seja qual for a época. E, se alguém ainda nutria dúvidas sobre isso, foi porque nunca se deu o trabalho de perceber quais os países que a petralhada sempre teve como modelos.
2) O lulopetismo inventou o patrimonialismo? Claro que não, assim como Ayrton Senna não foi o inventor do automobilismo... Aliás, patrimonialista (i. e., predadora dos recursos públicos para engordar o patrimônio pessoal ou familiar) é toda a nossa cultura política. Patrimonialismo significa sempre e necessariamente atraso e miséria? Não, o patrimonialismo apresenta versões modernizadoras (Marquês de Pombal, em Portugal; Getúlio Vargas e regime militar no Brasil; Pedro, o Grande na Rússia etc., etc., etc.). Agora, corrupto, sempre; base de um regime político e econômico em que o Estado é mais forte que a sociedade, fazendo da segunda refém do primeiro, sempre também.
3) TODOS OS PARTIDOS POLÍTICOS BRASILEIROS SÃO PATRIMONIALISTAS, porque patrimonialista é essa matriz socioeconômica e política comum a cada um deles. Mas, então, em que o lulopetismo se distingue deles? Tentarei esclarecer: os outros partidos que formam a 'base parlamentar aliada' de qualquer governo agem como quadrilhas relativamente independentes (é o grupo do deputado X na previdência, é a panelinha do senador Y no setor elétrico, é o 'esquema' do ministro ou governador Z nesta ou naquela estatal... Enfim, cada quadrilha roubando para enriquecer os clãs familiares e políticos encastelados nas cúpulas dos diferentes partidos, mas que, em razão desse mesmo caráter descentralizado da roubalheira, jamais teve força suficiente, muito menos projeto consistente, para substituir o regime democrático (com todos os defeitos e limitações deste) por um sistema mais monopolizador do poder, de tipo ostensivo (regimes de partido único, a exemplo de Cuba, URSS etc) ou disfarçado (como os governos do PRI mexicano durante sete décadas a fio -- uma única legenda com efetivo controle das alavancas do poder [na mão direita, o Diário Oficial; na esquerda, os sindicatos e movimentos sociais corrompidos e domesticados ], em torno da qual gravitam partidecos sustentamos pelas migalhas caídas da mesa do banquete da sigla hegemônica).
4) O lulopetismo foi o único a atrever-se a um projeto centralizado, tentacular, onipresente de corrupção a serviço da eternização no poder. Nas condições atuais do mundo e do Brasil, o modelo mais viável não seria o despotismo de partido único, mas sim o hegemonismo à la PRI mexicano. 
Entendem a diferença? Para os outros clãs partidários e eleitorais, a corrupção era/é um fim em si; para o PT, um meio de eternizar-se no poder.
5) Liberais no Ministério da Fazenda, conforme o script esboçado na Carta ao Povo Brasileira (que prefiro chamar de documento sossega-banqueiro) que Lula divulgou em plena campanha de 2002, com texto de Antonio Palocci. Lembrar que, naquele momento,  a tensão pré-eleitoral estava nas alturas, com o dólar encostando em 4 reais, justamente pelo temor do mercado de que Lula e PT, se/quando chegassem ao poder cumpririam tudo aquilo que prometiam desde a fundação do partido, isto é, a implantação de um regime socialista à la Cuba, ou Angola, ou qualquer outro modelo acalentado por amantes do totalitarismo como Zé Dirceu. Por isso, depois de ganhar aquela primeira eleição, a política econômica do primeiro mandato de Lula seria impecavelmente ortodoxa, fincada no tripé câmbio flutuante, metas inflacionárias e responsabilidade fiscal. Atribuo a manutenção do Meirelles durante oito anos à frente do Banco Central como fruto da superior compreensão do ex-pobre Lula de que as maiores vítimas da inflação são os pobres, que, ao contrário das classes média e alta,  não podem se refugiar em aplicações financeiras indexadas; para o assalariado ou biscateiro pobre, num contexto de inflação alta, o dinheiro vira pó assim que é recebido...
6) No fundo, os lulopetistas jamais se converteram à economia de mercado, permanecendo fiéis ao besteirol intervencionista e estatizante que nem ao menos chega ser original, já que herdado das ditaduras estado-novista e militar. O disfarce liberal ortodoxo da política econômica do primeiro mandato não tardaria a ser abandonado, sob o estímulo de três fatores conjunturais: a maré de prosperidade ensejada pelo boom internacional dos preços das commodities agropecuárias e minerais; o advento da Grande Recessão mundial em 2008/2009, que reanimou as velhas e nunca preenchidas expectativas da esquerda de um colapso planetário e final  do capitalismo; e a descoberta do pré-sal, que, na cabecinha dessa gente, soou como senha para mandar às favas a responsabilidade fiscal e todo aquele receituário econômico 'de direita'.  E vamos enfiar cada vez mais grana no rabo de Joesleys e Eikes, que aventureiros como eles eram os grandes financiadores das campanhas do PT, além de fontes aparentemente inesgotáveis de propina. A esse trinômio, eu acrescentaria uma quarta  eventualidade decisiva para compreender a regressão da política econômica na passagem do 1º para o 2º mandato de Lula: a derrocada do Palocci com o escândalo caseiro-gate. Ele era um dos únicos da cúpula lulopetista a compreender a superioridade infinita da economia de mercado sobre todos os modelos alternativos e, se tivesse a coragem e a lucidez  de livrar-se do abraço sedutor, paralisante e delinquente do patrimonialismo, estaria em condições de liderar a transição do PT do socialismo populista, atrasado, para-bolivariano etc., rumo à socialdemocracia moderna, respeitadora das cláusulas pétreas da economia de mercado e do regime representativo.

Quem quiser saber mais, deve ler, do meu mestre e amigo ANTONIO PAIM, um dos maiores pensadores brasileiros vivos: Momentos Decisivos da História do Brasil; Marxismo e Descendência; O Liberalismo Contemporâneo (3ª edição); A Querela do Estatismo (2ª edição) e O Relativo Atraso Brasileiro e sua Difícil Superação; do saudoso diplomata, humanista e psicólogo junguiano José Osvaldo de Meira Penna: Em Berço Esplêndido e O Dinossauro; e, do historiador das ideias Ricardo Vélez Rodríguez (o mais brilhante discípulo de Antônio Paim): A Grande Mentira.

Um última observação sobre POPULISMO e PATRIMONIALISMO: nem todo patrimonialismo é populista, mas todo populismo é patrimonialista. Demagogos inescrupulosos como Lula exploram as fragilidades intelectuais e a imaturidade cívica de culturas políticas como a nossa, nas quais o entroncamento da herança contra-reformista ibérica com o positivismo de cunho religioso (ração ideológica da qual se fartaram o pensamento militar republicano e o caudilhismo gaúcho de Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Getúlio Vargas e Leonel Brizola) e o marxismo mais rastaquera formaram o caldo de cultura do coitadismo mais nocivo. Esses falsos messias sabem que, no Brasil e em Nuestra América de maneira geral, basta afetar e exibir esse falso sentimento de compaixão pelos pobres para receber de amplas parcelas da opinião pública, a começar pelos estamentos intelectuais e artísticos um amplo salvo conduto para saquear o erário é enriquecer à custa do suor do contribuinte. 

Paulo Kramer
Brasília, 19 de janeiro de 2018.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Grandes desafios ao Brasil: politica e economia - Canal YouTube do Uniceub

O canal do Uniceub no YouTube disponibiliza os dois eventos que o ILCO (Instituto Liberal do Centro-Oeste) organizou nos dias 12 e 13 de maio, com a participação de Paulo Kramer e de Paulo Roberto de Almeida no primeiro dia, Política, e de Roberto Ellery e de Mansueto Almeida, no segundo dia, Economia.
Confira:

Política:
https://www.youtube.com/watch?v=3A3PJxsHLIU

Economia:
https://www.youtube.com/watch?v=0OYEd_dOcYo

Prometo que você vai gostar...
Paulo Roberto de Almeida

terça-feira, 14 de junho de 2016

Grandes Desafios POLITICOS ao Brasil - minhas propostas - Paulo Roberto de Almeida

Acabo, finalmente de assistir ao primeiro evento que o ILCO, Instituto Liberal do Centro Oeste, organizou, com a minha modesta contribuição, em torno dos grandes desafios ao Brasil nos planos político e econômico.
No dia 12 de maio foi sobre política, com a participação minha e do professor Paulo Kramer, na mesa dirigida pelo Rafael Pavão, tal como registrado neste vídeo agora disponibilizado no cana YouTube do Uniceub: 

https://www.youtube.com/watch?v=3A3PJxsHLIU&feature=youtu.be

Seminário: Grandes Desafios ao Brasil: Política

16 visualizações
Publicado em 14 de jun de 2016
O UniCEUB sediou, nos dias 12 e 13 de maio, o seminário Grandes desafios ao Brasil: Política e Economia.
Nesse vídeo, que se refere ao dia 12, foi palestrado os principais problemas do Brasil no âmbito político, e sobre os ajustes e reformas necessárias para a construção de um futuro melhor para o país.

Abaixo, reproduzo o que eu havia anotado, antes, os argumentos a serem desenvolvidos oralmente na segunda parte da exposição, quando elaborei sobre minhas propostas reformistas (sem qualquer ilusão de que venham a ser implementadas).
Mais interessante ainda foram as perguntas e o debate posterior, mas para isso vocês precisam assistir ao video até o final.

Paulo Roberto de Almeida 
notas para a parte de Política: 


Caros amigos, professores, alunos, visitantes, curiosos, coxinhas e mortadelas,
Não nos enganemos: o Brasil não vai escapar de sua crise atual, a pior de toda a sua história, facilmente ou rapidamente. A derrocada econômica, sem precedentes em nosso itinerário de nação independente, é propriamente devastadora, em quase todas as dimensões dos principais indicadores macroeconômicos e variáveis microeconômicas, com a possível exceção, pelo menos até aqui, de um possível estrangulamento cambial, que foi o que tivemos em quase todas as crises econômicas e financeiras precedentes.
Mas o desmantelamento das instituições não é menos importante, pois o que caracterizou justamente a crise política atual foi a submissão do Legislativo à vontade do Executivo, e a chantagem do primeiro exercido contra o segundo, cada vez que se tratava de juntar os cacos da heteróclita coalizão partidária para a votação de alguma proposta executiva. O nosso famoso “presidencialismo de coalizão” transformou-se, nos últimos treze anos e meio, em presidencialismo de mensalão, e agora de petrolão, e sabe-se lá o que mais vai vir, dos desdobramentos da Operação Lava Jato.
Ambos processos, o descalabro econômico e o desmantelamento institucional, se agregam à mais degradante deterioração moral a que já assistimos em nossa história, uma derrocada espetacular que será difícil superar, inclusive porque a expulsão de ineptos e corruptos do poder não transforma, da noite para o dia, as mentalidades sedimentadas durante décadas na ideologia canhestra dos igualitários e dos supostos redentores da injustiça social do capitalismo. Ainda que essa tripla crise – econômica, política, moral – seja superada, pelo menos parcialmente, nada nos garante que os fundamentos ideológicos do estado mental que nos trouxe até a presente condição de anomia política, de fragmentação partidária e de desestruturação econômica possa ser substituída por concepções políticas e filosóficas mais consentâneas com um país menos dominado pelo Estado, dotado de maiores liberdades econômicas, e por um setor produtivo mais guiado pelas dinâmicas dos mercados livres do que regulado pelas diretivas de burocratas mal inspirados.

Deixando de lado, portanto, toda a deterioração moral, toda a corrupção política, todo o desmantelamento institucional que nos trouxe a esta situação de ruptura política, que é a interrupção de um mandato presidencial, e a ascensão de um novo titular ao maior cargo executivo de nossa estrutura constitucional, vamos nos concentrar no conjunto de tarefas que nos parecem relevantes para começar a lenta caminhada em direção de um país normal, neste caso, a consolidação de uma arquitetura democrática menos submetida ao arbítrio de velhos caciques ou de novos coronéis da política, e mais identificado ao que no mundo anglo-saxão se chama de rule of Law, ou, em nossa terminologia, o Estado de Direito.
Não é segredo para ninguém que o nosso sistema político se apresenta como uma democracia de baixa qualidade, aliás de baixíssima qualidade, com vícios que vão do velho patrimonialismo tradicional, ainda presente, ao novo coronelismo eletrônico, passando pelo clientelismo, pelo fisiologismo, pelo nepotismo e diversos outros ismos disseminados no interior de um dicionário de más políticas. Não se enganem tampouco com o parlamentarismo que pretendem implementar daqui até 2018: ainda que eu seja, instintivamente pelo menos, parlamentarista, não tenho nenhuma dúvida sobre o que ele significará numa primeira etapa de seu itinerário enquanto regime político e enquanto sistema de governo: a exacerbação de todos aqueles vícios, os péssimos ismos da vida política brasileira. Tardaremos algum tempo, talvez uma geração inteira ainda, para conseguir ter um sistema político compatível com nossas necessidades econômicas.

Eu me permitiria apontar os seguintes elementos de mudança política que estimo importantes para tornar o sistema democrático mais responsável, mais comprometido com a transparência, mais accountable, como se diz em inglês, que pode ser traduzido por algo próximo da responsabilização institucional. Descarto de imediato chamar essas medidas de reforma política, um conceito abstrato que apresenta diferentes significados para diferentes atores, sobretudo porque nenhuma proposta de reforma política abrangente, completa, unívoca, sistêmica, ou homogênea, será jamais suscetível de ser apreciada, votada e aprovada por um corpo político tão diverso quanto o nosso, em qualquer plano, socialmente, regionalmente, politicamente, filosoficamente. Melhor, assim, propor medidas tópicas que possam ir se somando para melhorar paulatinamente o sistema político-partidário e os regimes eleitorais. Eis as minhas treze medidas:  

1) Redução radical do peso do Estado na vida da nação, começando pela diminuição à metade do número de ministérios, com a redução ou eliminação concomitante de uma série de outras agências públicas;
2) Fim do Fundo Partidário e financiamento exclusivamente privado dos partidos políticos, como entidades de direito privado que são; fim da proibição, que certamente virá, do financiamento de empresas a campanhas eleitorais; e fim de qualquer tipo de financiamento público de campanhas; a população não pode pagar duplamente por um sistema político fundado sobre os impostos.
3) Extinção imediata de 50% de todos os cargos em comissão, em todos os níveis e em todas as esferas da administração pública, e designação imediata de uma comissão parlamentar, com participação dos órgãos de controle e de planejamento, para a extinção do maior volume possível dos restantes cargos, reduzindo-se ao mínimo necessário o provimento de cargos de livre nomeação; extinção do nepotismo cruzado;
4) Eliminação total de qualquer publicidade governamental que não motivada a fins imediatos de utilidade pública; extinção de órgãos públicos de comunicação com verba própria: a comunicação de temas de interesse público se fará pela própria estrutura da agência no âmbito das atividades-fim, sem qualquer possibilidade de existência de canais de comunicação oficiais;
5) Criação de uma comissão de âmbito nacional para estudar a extinção da estabilidade no setor público, com a preservação de alguns poucos setores em que tal condição funcional seja indispensável ao exercício de determinadas atribuições de interesse público relevante;
6) Reforma radical dos sistemas públicos de educação, nos três níveis, segundo critérios meritocráticos e de resultados; criação de uma carreira de professores de primeiro e de segundo grau, e de ensino técnico-profissional sem os vícios do isonomismo e da estabilidade, com requisitos de formação permanente;
7) Autonomia completa das universidades públicas, inclusive do ponto de vista orçamentário, com alguma alocação de recursos públicos para pesquisa e extensão, mas funcionamento de cursos com pagamento de mensalidades e bolsas de estudos, ou empréstimos educacionais; fim de isenções fiscais nas instituições privadas;
8) Início imediato de um processo de reforma profunda dos sistemas previdenciários (geral e do setor público), para a eliminação de privilégios e adequação do pagamento de benefícios a critérios atuariais de sustentabilidade intergeracional do sistema único; trata-se de condição indispensável para a solvabilidade futura de um sistema que terá quebrado três vezes antes que vocês possam se aposentar;
9) Reforma da Consolidação da Legislação do Trabalho, num sentido contratualista, e extinção imediata do Imposto Sindical e da unicidade sindical, conferindo liberdade às entidades associativas, sem quaisquer privilégios estatais para centrais sindicais; também se pode pensar na extinção, pura e simples, da Justiça do Trabalho, que é, ao contrário do que se pensa, criadora de conflitos trabalhistas, estimuladora de litígios, ou de maior litigiosidade no mercado de trabalho, impondo um enorme custo a todo o sistema produtivo e à própria máquina do Estado; a maior parte dos países recorre a sistemas arbitrais ou a varas especializadas do sistema judiciário, não a um caro, perdulário, inútil aparato trabalhista que penaliza a todos sem ganhos reais;
10) Reforma do Sistema Único de Saúde, de forma a eliminar gradualmente a ficção da gratuidade universal, com um sistema básico de atendimento coletivo e diferentes mecanismos de seguros de saúde baseados em critérios de mercado;
11) Revisão dos sistemas de segurança pública, incluindo o prisional-penitenciário, por meio de uma Comissão Nacional de especialistas do setor;
12) Privatização de todas as entidades públicas não vinculadas diretamente a uma prestação de serviço público sob responsabilidade exclusiva do setor público;
13) Revisão geral dos contratos e associações do setor público, nos três níveis da federação, com organizações não governamentais, que em princípio devem poder se sustentar com recursos próprios, não com repasses orçamentários oficiais.
 
Brasília, 11 de maio de 2016