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quarta-feira, 24 de junho de 2020
Oliveira Vianna e a venalidade dos juízes brasileiros - excertos selecionados por Paulo Kramer
Paulo Roberto de Almeida
Em Populações Meridionais do Brasil (1920), Oliveira Viana descreve a parcialidade e a corrupção grassantes no nosso estamento Judiciário desde os tempos coloniais:
“Os homens poderosos, os que dispõem de cabedais e prestígio, estão sujeitos à parcialidade e à venalidade dos magistrados. Frei Manuel Calado conta que um tal Gaspar de Mendonça, rico senhor de engenho e naturalmente dado à ironia, que, irritado pelas injustiças que lhe fazem os juízes de Pernambuco, sai para a praça pública e, em altos brados, põe-se a exclamar: ‘Aonde estão os irmãos da Santa Casa de Misericórdia, tão zelosos nas obras de caridade e do serviço de Deus? Venham aqui para darem sepultura à Justiça, que morreu nesta terra e não há quem a enterre honradamente.’
“Os juízes jogam, com uma das suas principais atribuições, uma arma que, podendo ser manejada contra os homens de qualificação, é das mais terríveis: — a faculdade de tirar ‘residências’ e proceder ‘devassas’, só abolida em 1821. Essa faculdade é usada com o arbítrio mais odioso. É o enxovalho, a vindita, a perseguir legalizada — ‘campo aberto a todas as facções para se digladiarem, o vasto laboratório da calúnia e difamação, elevado pela lei ao caráter de instituição regular e permanente’.
“Esse espírito de parcialidade e faccionismo inspira todos os julgamos e domina todo o mecanismo processual. Os mandados de execução por dívida são, às vezes, feitos sem nenhuma formalidade legal e contra os preceitos estabelecidos. Outras vezes, prende-se arbitrariamente um indivíduo por ter movido a outro um pleito de justiça.
[. . .]
Essa justiça é uma injustiça rapace. Então, mais do que hoje, a voracidade dos meirinhos, dos escrivães, dos juízes prevaricadores é insaciável. Fintam-se com o maior descaro as partes litigantes. Certos magistrados declaram mesmo que os seus vencimentos constam de emolumentos que as partes devem pagar e abrem com isto a porta das maiores extorsões.
Em: VIANA, Oliveira, Populações Meridionais do Brasil (Populações Rurais do Centro-Sul), vol. I de Intérpretes do Brasil, coordenação, seleção de livros e prefácio de Silviano Santiago (Rio: Nova Aguilar, 2000), pp. 1036-1037.