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quinta-feira, 19 de setembro de 2024

"O Brasil está vivendo um golpe em câmera lenta com as ações do STF’, Entrevista Paulo Kramer, por José Fucs (O Estado de S. Paulo)

 Se há experimento, quem participa dele, o executa? Todos os políticos ou só alguns, militares,  judiciário ? Faltaram perguntas. O Brasil sempre foi país autoritário de povo passivo demais, vide o confisco da poupança por collor (meu vizinho morreu) .

Entrevista hoje na coluna do José Fucs :

"O Brasil está vivendo um golpe em câmera lenta com as ações do STF’, diz cientista político

Para Paulo Kramer, País passa por um ‘experimento pavloviano’, em que a tolerância da sociedade a ‘expedientes menos democráticos’ está sendo testada, para ver se há alguma reação, mas o ‘ponto de virada’ está próximo.

19/09/2024 | 09h30 Atualização: 19/09/2024 | 16h49

Entrevista com Paulo Kramer

Cientista político, consultor, assessor parlamentar na Câmara dos Deputados e professor aposentado da Universidade de Brasília

O cientista político Paulo Kramer, de 67 anos, faz parte de um grupo restrito de profissionais da área, dominada por uma visão marxista da realidade, que se autodefine como um “liberal”. Professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), consultor de riscos políticos e assessor parlamentar da liderança da minoria na Câmara dos Deputados, ele diz que o papel de “Poder Moderador” desempenhado hoje pelo STF (Supremo Tribunal Federal), com ações que vão além de seu papel constitucional, é “o problema número um” que a gente vive no País.

“Nós estamos vivendo o que eu chamo de golpe em câmera lenta. O Supremo hoje pode tudo, porque os outros Poderes acham que ele pode tudo. Ou acham que não podem fazer nada contra ele”, afirma. Segundo Kramer, porém, o “ponto de virada” está próximo e deve resgatar o equilíbrio entre os Poderes da República. “Gradativamente, a opinião pública foi se conscientizando de que o Poder Judiciário, principalmente o STF, está há muito tempo exorbitando do seu papel constitucional. Ele precisa voltar ao seu quadrado, para que os Poderes sejam efetivamente independentes, porém funcionem de forma harmônica.”

Nesta entrevista ao Estadão, Kramer fala também sobre o fim do “presidencialismo de coalizão”, com a perda de poder do Executivo para o Legislativo na gestão do orçamento federal, a partir da aprovação das emendas parlamentares de execução obrigatória em 2015. Ele comenta, ainda, os projetos de impeachment do ministro Alexandre de Moraes e de anistia aos presos de 8 de janeiro que tramitam no Congresso e analisa as eleições municipais e o impacto do “fenômeno” Pablo Marçal, candidato do PRTB à prefeitura de São Paulo, na direita e no bolsonarismo. “Provavelmente, a direita não marchará unida nas eleições de 2026″, diz. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Como o sr. está vendo o cenário político hoje no País?

O que está ocorrendo no País hoje tem relação com o patrimonialismo que predomina na política brasileira, essa tendência que nós temos de confundir o público com o privado. Isso acaba condicionando a visão que os políticos e o povo têm, de forma geral, sobre o que significa exercer um cargo público. Aqui, as pessoas, quando alçadas a uma posição de poder qualquer, acabam se achando maiores e mais importantes do que os cargos. Elas exercem o poder de maneira imoderada e é provavelmente por isso que nós estamos sempre clamando pela intervenção de um Poder Moderador.

Oficialmente, nós tivemos um Poder Moderador no Império, na Constituição de 1824. De lá para cá, na República, a figura do Poder Moderador deixou de existir na Constituição. Mas, na prática, desde o tenentismo (movimento político-militar que surgiu no fim da República Velha para tentar derrubar as oligarquias rurais que governavam o País), a gente está sempre à espera de um general, de um Sergio Moro, de um Deltan Dallagnol, para combater os efeitos nocivos desse exercício imoderado do poder. Isso é o contrário do que acontece em outros países, de tradição republicana mais sólida, onde o sujeito em geral tem consciência de que ele é menor do que o cargo, de que o cargo é mais importante do que ele, e de que, portanto, ele deve agir de forma decente no exercício de suas funções.

O que isso tem a ver com o atual quadro político do País?

No momento, essa busca pela ação de um Poder Moderador voltou a assombrar o Brasil e se tornou um componente crucial do nosso jogo político. Hoje, boa parte da esquerda vê no STF, particularmente na figura do ministro Alexandre de Moraes, esse poder “providencial”, acima da mecânica rotineira da convivência institucional entre os Poderes. O Supremo hoje pode tudo. Pode tudo porque os outros Poderes acham que ele pode tudo. Ou acham que não podem fazer nada contra ele. Para mim, este é o problema número um que a gente vive hoje no Brasil.

Enquanto a esquerda era hegemônica na nossa cultura política, seja na forma da social-democracia “perfumada” dos tucanos, seja no formato mais “botocudo” da tigrada lulopetista, isso não acontecia. Agora, com o crescimento de uma faixa de opinião de direita, conservadora, na sociedade brasileira – e pelo mundo afora – o STF vem assumindo este papel. Um lado reluta, quando não se recusa simplesmente a reconhecer, a legitimidade do outro. É por isso que cada eleição presidencial brasileira é encarada como uma crise e não como um desenvolvimento institucional periódico, previsível e normal numa sociedade democrática.

Em sua opinião, como isso está afetando o País?

Nós estamos vivendo um problema que eu chamo de golpe em câmara lenta. Este processo começou quando o ministro (Dias) Toffoli (então presidente do STF) se sentiu ameaçado pelas investigações da Lava Jato e designou seu colega, o ministro Alexandre de Moraes, para promover esse verdadeiro inquérito do fim do mundo, que não tem fim – o inquérito das fake news, que acaba incluindo tudo que ele considera prejudicial à sua visão de democracia. A partir daí, uma série de medidas foi tomada para beneficiar o lado do (hoje presidente Luiz Inácio) Lula (da Silva) e prejudicar o lado do (hoje ex-presidente Jair) Bolsonaro.

Houve a “descondenação” do Lula, que havia sido condenado em três instâncias, justamente com a intenção de permitir que ele disputasse a Presidência de novo. Depois, isso ficou mais patente ainda durante a eleição de 2022, quando o senhor Alexandre Moraes exerceu a presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). É só comparar as ações que ele determinou contra um dos lados e quase não determinou contra o outro que você vê que não houve equilíbrio nas decisões em relação aos dois principais concorrentes. Desde então, esse processo vem tendo desdobramentos em série e é isso que eu chamo de um golpe em câmara lenta.

Quem saiu perdendo fomos todos nós, porque o propalado Estado de Direto ficou abalado

Como a gente chegou a este ponto?

A gente pode comparar isso com um experimento diabólico, pavloviano, de reflexo condicionado, em que a tolerância do povo, da opinião pública, em relação a esses expedientes menos democráticos, menos republicanos, vai sendo testada passo a passo, para ver se há alguma reação. Na medida em que boa parte da população se mostrava indiferente ao que estava ocorrendo, os executores dessas medidas se sentiram cada vez mais à vontade para ir avançando. Com isso, eu acho que quem saiu perdendo fomos todos nós, porque o propalado Estado de Direto ficou abalado.

Dentro disso que o sr. está falando, desse quadro do golpe em câmera lenta, dessa tentativa de ir testando a sociedade, em que estágio o sr. acredita que estamos hoje?

Olha, eu acredito que nós estamos nos aproximando de um ponto de virada. Ou vai ou racha. Gradativamente, a opinião pública foi se conscientizando de que o Poder Judiciário, principalmente o STF, aliado ao lulopetismo, está há muito tempo exorbitando do seu papel constitucional. Ele precisa voltar ao seu quadrado constitucional, para que os Poderes sejam efetivamente independentes, porém funcionem de forma harmônica. Senão, nós vamos ficar sempre naquele subdesenvolvimento político de achar que precisamos de uma força de fora, um Deus ex-machina que salve a situação, quando na verdade é a vontade organizada e legal dos cidadãos que fará com que as coisas aconteçam.

No sistema representativo, isso ocorre com a sociedade exercendo pressão para que seus representantes eleitos no Congresso façam alguma coisa para mudar a situação. É assim que funciona numa democracia. As pessoas enchem as ruas, protestam, se manifestam, não para ganhar no grito, mas para sensibilizar seus representantes eleitos, seus congressistas, deputados e senadores, para que façam aquilo que elas estão querendo.

Como o sr. você viu a manifestação na avenida Paulista, em São Paulo, no dia 7 de setembro? Até que ponto ela refletiu esta maior conscientização da sociedade, se havia menos gente nas ruas do que em manifestações anteriores?

O governo e a esquerda tentaram pintar a última manifestação na Paulista como um grande fracasso, já que em manifestações anteriores havia trezentas mil pessoas nas ruas e dessa vez havia algo em torno de cinquenta, sessenta mil. Agora, como tudo é relativo em política, quando você compara essas cinquenta e poucas mil pessoas que estavam na Paulista com o ato esvaziado que foi realizado no mesmo dia na Esplanada dos Ministérios, com a presença do Lula e de ministros do STF, você consegue ter uma ideia mais precisa da dimensão da manifestação que ocorreu em São Paulo.

Hoje, o governo está fraco, porque não tem mais o conta-gotas na mão para controlar as emendas orçamentárias dos parlamentares

Até pouco tempo atrás, havia uma percepção de que essas bandeiras relacionadas ao STF e ao impeachment do ministro Alexandre de Moraes estavam mais ligadas aos bolsonaristas e a grupos de direita e hoje parece que elas ganharam apoio das forças de centro e até de centro-esquerda. Qual a sua visão desta questão?

A minha visão se baseia naquele famoso ditado “pau que dá em Chico dá em Francisco”. Quer dizer, um poder ilimitado ou que se sente ilimitado é sempre perigoso para todos os players do jogo. É por isso que, no longo prazo, o que interessa é que o equilíbrio entre os Poderes seja reestabelecido, para que no futuro isso não ameace mais ninguém, nem a esquerda nem a direita.

Agora, como o sr. afirmou há pouco, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT e boa parte da esquerda, que representam uma parcela significativa da sociedade, estão a favor desta atuação do STF e particularmente do ministro Alexandre de Moraes. O que está levando a esse apoio do Lula e da esquerda ao STF e ao ministro?

A gente tem de levar em conta que o Lula não é mais aquele e que o famoso “presidencialismo de coalizão” também não é. O “presidencialismo de coalizão”, hoje, não funciona mais. Aquela história de o Poder Executivo usar as verbas do Orçamento para formar uma base parlamentar e aprovar suas medidas no Congresso mudou de forma considerável nos últimos anos. Desde 2015, quando o Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, se aborreceu com a então presidente da República Dilma Rousseff, porque achou que ela não tinha se empenhado o suficiente para garantir que o PT não votaria contra ele no Conselho de Ética por “quebra de decoro parlamentar”, o jogo virou. A partir daí, com a aprovação das emendas de execução obrigatória, os parlamentares foram avançando sobre aquela já diminuta parcela discricionária do Orçamento, que permite ao Executivo gastar onde quiser. Hoje, nós temos as emendas individuais dos parlamentares, as emendas de bancada e uma série de emendas de execução obrigatória que realmente dão uma independência muito grande aos parlamentares, sejam de que partido forem.

Atualmente, o Parlamento não está mais obrigado a se submeter aos desejos do Executivo. O Congresso já não depende mais do presidente, como nos primeiros mandatos do Lula e nos tempos do Fernando Henrique Cardoso. Hoje, o governo está fraco, porque não tem mais o conta-gotas na mão para controlar as emendas orçamentárias dos parlamentares. Neste sentido, o Congresso pode criar mais dificuldades para o Executivo. Isso alterou a correlação de forças entre os Poderes. Então, além de o Lula 3 estar mais velho, visivelmente mais debilitado do ponto de vista do seu vigor físico, ainda sofre essa limitação. O governo Bolsonaro já pegou essa conjuntura de maior independência orçamentária dos parlamentares e meio que se conformou com o novo desenho. Mas parece que o governo Lula 3 está tentando rodar um software já vencido.

"Eu acredito que essas emendas parlamentares vieram para ficar. É difícil quem conquistou uma parcela de poder abrir mão desse poder."

Recentemente, o STF determinou que houvesse um acerto entre o Legislativo e o Executivo e até estabeleceu um prazo para isso acontecer. No fim, chegou-se a uma fórmula, que, pelo que entendi, deve dar mais poder ao governo na gestão do Orçamento. É isso mesmo? Como o sr. analisa esta questão?

O que se combinou, o que ficou mais ou menos garantido a partir de agora, foi a chamada rastreabilidade da origem das emendas, que é uma coisa positiva, na minha opinião. Isso vai permitir que se saiba quem pediu aquela emenda, em todos os seus passos: empenho da verba, se ela efetivamente aplicada, executada. Agora, tem uma questão em aberto aí. O senador Davi Alcolumbre (União-AP), que é candidato à sucessão do Rodrigo Pacheco na presidência do Senado, já está dizendo que a solução é transformar as emendas de bancada em emendas individuais.

De qualquer forma, essa ação do governo mostra que há uma tentativa do Executivo de recuperar o poder do passado em relação ao Orçamento. O sr. acredita que isso é possível?

É difícil quem conquistou uma parcela de poder abrir mão desse poder. O Congresso sentiu o gostinho dessas emendas de execução obrigatória e agora, obviamente, não quer devolver esse poder para o Executivo. Então, eu acredito que essas emendas parlamentares vieram para ficar.

É isso que explicaria, na sua visão, a dependência do governo em relação ao STF, para conseguir implementar suas políticas?

Exatamente. Ele precisa dessa muleta. Eu vou te dar um exemplo bem recente. Há poucos dias, outro ministro do STF, o Flávio Dino, autorizou o governo a abrir um crédito extraordinário para combater os incêndios florestais, fora do arcabouço fiscal, que, cá para nós, já está avacalhadíssimo, desacreditadíssimo, embora o governo Lula e sobretudo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, procurem manter uma aparência de normalidade nas contas públicas perante o mercado.

A rigor, tendo em vista a urgência de se combater esses incêndios que estão consumindo o Brasil, o Lula não precisaria da autorização do Flávio Dino para conseguir esse crédito junto ao Congresso. Mas, hoje, o governo se escuda atrás do STF mesmo quando não precisa. Agora, isso também tem uma explicação: para o Lula, para quem “gasto é vida”, o arcabouço fiscal impõe limites que ele e seus companheiros não suportam. Então, é como se o Lula dissesse “olha, não sou eu que estou pedindo para abrir o crédito. Estou pedindo porque o Flávio Dino determinou” – por sinal, em mais uma decisão monocrática de um ministro do Supremo.

Considerando todo esse quadro que o sr. traçou, o que a eleição do novo comando da Câmara e do Senado pode mudar na relação do governo com o Congresso?

Eu acredito que a próxima eleição para a presidência da Câmara e do Senado vai colocar nestes dois postos estratégicos representantes do chamado Centrão, que é aquela geleia, uma hora está de um lado, outra hora está do outro. Usa, muitas vezes, o ímpeto das bancadas de direita para pressionar o Executivo em questões paroquiais, de interesse dos políticos do grupo. Eu acredito que não vai dar para escapar disso. É claro que a direita está tentando comprometer os futuros presidentes das duas Casas, sejam eles quem forem, com a sua pauta. Agora, a gente sabe, por experiências anteriores, que essas promessas podem ou não ser cumpridas, dependendo da conveniência desses políticos, desses ocupantes de altos cargos do Congresso.

Acho muito difícil, pelo menos até onde a vista alcança, que haja uma mudança significativa nas posições do Congresso. Isso não quer dizer que, no futuro, não será possível, mas no momento acho pouco provável os futuros presidentes do Senado e da Câmara, sejam eles quem forem, concordarem com a diminuição do seu poder. Tem um postulado básico da ciência política segundo o qual quem tem poder não quer dividi-lo com ninguém. A não ser que seja forçado a isso por um poder maior. Agora, mesmo com as emendas de execução obrigatória, tem sempre um carguinho público que pode ser ocupado por alguém ligado a um deputado, a um senador, em troca de apoio no Congresso.

Como o sr. analisa as iniciativas do governo para interferir nas eleições do comando do Congresso, apesar dos desmentidos oficiais?

Eu acredito que o Executivo está se movimentando e vai se movimentar, sim, para ter o resultado mais favorável possível na composição das mesas do Senado e da Câmara. Agora, o que a gente percebe é que há alguns pontos que se tornaram cláusula pétrea para o Congresso e dos quais ele não vai abrir mão. Por exemplo, qualquer medida hoje que interfira negativamente nessa chamada pauta moral, na pauta dos costumes, na pauta da segurança pública, não tem muita chance de passar, porque quem se opõe a isso hoje está em franca minoria.

O impeachment do ministro Alexandre de Moraes não é tão simples quanto pode parecer

Na sua avaliação, qual a viabilidade de o pedido do impeachment do ministro Alexandre de Moraes que está sendo apresentado no Senado ser levado adiante?

Na verdade, a coisa não é tão simples quanto pode parecer, porque os regimentos internos, tanto do Senado quanto na Câmara dos Deputados dão uma latitude de decisão muito grande para os presidentes das duas Casas. Seria necessário futuramente modificar os dois regimentos, para que uma vez estabelecida uma maioria considerável, uma maioria robusta, pelo menos uma maioria absoluta de parlamentares favoráveis a um determinado curso de ação, que o presidente da Câmara ou do Senado tivesse de dar continuidade ao processo. Hoje, os presidentes têm poder demais, tanto na Câmara quanto no Senado, sendo que, no caso de processo de impeachment de ministro do Supremo Tribunal Federal, cabe ao Senado conduzir, por maioria de dois terços.

O sr. acredita, então, que isso não deve caminhar no Senado?

Eu acredito que as cinco assinaturas que estão faltando para atingir mais da metade dos senadores vão ser mais difíceis de obter do que as 36 já obtidas no pedido de impeachment. Em quantos pedidos de impeachment do Alexandre de Moraes o Rodrigo Pacheco já sentou literalmente em cima? De qualquer forma, os senadores que apoiam o impeachment pretendem constranger o Pacheco com esse pedido, aproveitando que as eleições municipais armam o palanque para as eleições gerais de 2026. Para um partido se posicionar bem nas eleições gerais, é muito importante que ele tenha conseguido um bom resultado nas eleições municipais.

Outro dia, eu me deparei com o início de uma articulação para que os candidatos municipais do PSD, que é o partido do Pacheco, comecem a pressionar seus senadores mais ou menos nos seguintes termos: “Nós vamos perder as eleições aqui no nosso município, porque vocês são contra a assinatura do pedido de impeachment do Alexandre de Moraes”. Agora, ainda que isso não vá adiante, eu espero que a mera ameaça de abertura do processo de impeachment tenha, digamos assim, “capacidade de dissuasão”, para que os senhores ministros do Supremo caiam na real e retornem ao seu quadrado constitucional.

Além do impeachment, tem também o projeto de anistia aos presos dos atos de 8 de janeiro para o Congresso avaliar. Embora a narrativa dominante seja de que houve uma tentativa de golpe, muitos juristas, políticos e analistas que não têm nada de bolsonaristas dizem que, para eles, o que houve foi uma depredação de prédios públicos, como outras que ocorreram no passado, envolvendo o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Qual a probabilidade, na sua opinião, de essa anistia sair?

Eu acredito que o avanço mais rápido ou mais lento desse movimento pela anistia vai depender, mais uma vez, dos vasos comunicantes entre a opinião pública e seus representantes eleitos, porque a anistia é uma lei votada pelo Congresso. A esquerda está se manifestando contra a anistia porque, em sua visão, os manifestantes cometeram crimes como depredação, vandalismo etc. Agora, alguns juristas afirmam que a anistia é para isso mesmo, é para perdoar crimes. A anistia tecnicamente falando, é um perdão, um esquecimento em relação aos crimes cometidos por qualquer das pessoas envolvidas naqueles atos.

Eu tenho conversado de vez em quando com o desembargador aposentado Sebastião Coelho, que patrocina várias causas daquelas famílias, daqueles presos do 8 de janeiro. O Sebastião diz o seguinte para os seus clientes: “Se eu fosse vocês, não aceitaria nenhum acordo com o Ministério Público, pela simples razão de que a experiência histórica do Brasil nos mostra que, mais cedo ou mais tarde, as coisas mudam e você vai perder o direito de reclamar depois”. E o Sebastião Coelho não é o único a reconhecer a precariedade jurídica dessas ordens inconstitucionais. Agora, o que vai definir isso é o que antigamente os comunistas chamavam de “correlação de forças”. Vai depender de um Congresso que se sinta mais independente para tomar as medidas necessárias, entre elas, a abertura de um processo contra o ministro Alexandre de Moraes e a própria anistia.

Essa briga do Elon Musk com o Alexandre de Moraes ajudou a esclarecer a opinião pública mundial para algo de muito grave que está acontecendo com as liberdades democráticas no Brasil

Na semana passada, houve até uma tentativa na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de levar isso adiante, mas em princípio a decisão foi adiada para depois das eleições municipais por uma intervenção do governo e do Arthur Lira, presidente da Câmara. O sr. acredita que isso vai voltar mesmo à pauta?

Eu acho que vai depender sobretudo do resultado das eleições. Eu vi o Bolsonaro falando outro dia que o futuro do Brasil passa pelos municípios. Isso quer dizer que o PL e os bolsonaristas vão batalhar para fazer o maior número possível de prefeituras ou o maior número possível de prefeituras importantes, em cidades grandes, para provar sua força e garantir que, na eleição geral de 2026, mais bolsonaristas, mais representantes da direita entrem para o Congresso e possam efetivamente virar o jogo.

Muitos analistas consideram que a ação do ministro Alexandre de Moraes contra o X (antigo Twitter) e o empresário Elon Musk foi emblemática das restrições impostas hoje à liberdade de expressão no Brasil, de uma volta da censura. O que o sr. pensa sobre isso? O sr. concorda com esta visão?

Eu concordo. Acredito que a reação do Elon Musk foi um game changer, como dizem os americanos. Foi um fator que ajudou a virar o jogo. Essa briga do Alexandre de Moraes com o Elon Musk teve o resultado positivo de desacreditar a narrativa de que a direita é antidemocrática, a direita é fascista, a direita é isso, a direita é aquilo. Pelo menos a briga do Elon Musk com o Xandão ajudou a esclarecer a opinião pública mundial para algo de muito grave que estava acontecendo e que está acontecendo com as liberdades democráticas no Brasil.

Para finalizar, gostaria de voltar às eleições municipais. De acordo com as pesquisas, a esquerda está se mostrando competitiva, se não me engano, em quatro capitais, na disputa pelas prefeituras. Como isso se insere no contexto que a gente está vivendo? O sr. acredita isso reflete uma mudança de mentalidade na sociedade ou acha que as eleições municipais são definidas por questões locais mesmo e que o resultado se deve muito aos nomes que estão envolvidos na disputa?

A minha avaliação é que nas cidades pequenas realmente o local tende a prevalecer. Agora, nas cidades maiores, nas metrópoles, é inevitável que essa disputa municipal seja nacionalizada. Basta ver o exemplo de São Paulo. Hoje, as pessoas e a mídia só falam de duas coisas: Pablo Marçal e os incêndios. É o que está na pauta. É como se o Pablo Marçal já estivesse ensaiando uma candidatura presidencial, porque no Brasil inteiro se fala disso. Muitos candidatos em outras capitais já reclamam, falam assim: “Estão cobrindo pouco a gente e muito o Estado de São Paulo, a cidade de São Paulo”.

Para a direita se viabilizar em 2026, precisa conquistar uma parcela importante do centro político

Qual a sua avaliação do fenômeno Marçal? O sr. acredita que a disputa entre ele e a família Bolsonaro e a crítica que muitos bolsonaristas fazem a ele colocaram a liderança do ex-presidente na direita em xeque?

Diante do fenômeno do Pablo Marçal, o que eu acho que o Bolsonaro deveria fazer e não está fazendo é explicar por que a direita que ele representa depende de uma guinada ao centro para se viabilizar politicamente nas próximas eleições. Porque é justamente por isso que ele está apoiando o Ricardo Nunes, que não tem nada a ver com ele. O Nunes tem mais a ver com o presidente do PL, que é o Valdemar Costa Neto, do que com o presidente de honra, que é o Bolsonaro. De qualquer maneira, para a direita se viabilizar em 2026 precisa conquistar uma parcela importante do centro político. E justamente quando o Bolsonaro fez esse movimento surgiu o Pablo Marçal denunciando essa aliança.

Para o Marçal, é todo mundo comunista, aquele exagero todo. Agora, se o Pablo Marçal ganhar esta eleição, ele sem dúvida alguma se fortalece muito caso queira disputar a Presidência da República em 2026, embora isso ainda não esteja claro para mim. Mas, caso ele queira disputar a Presidência, uma vitória em São Paulo vai dar uma força enorme para ele. E, mesmo que ele não ganhe, eu acredito que o estrago já está feito.

Em que sentido o sr. diz que o estrago está feito?

No sentido da direita se dividir e, portanto, se enfraquecer. Porque o Bolsonaro, que até este momento é o grande líder nacional da direita, está apoiando um candidato de centro em São Paulo. E, se esse candidato de centro perder, isso vai mostrar uma dúvida. E se o Pablo Marçal ganhar? Vai mostrar uma divisão significativa da direita. Quer dizer, provavelmente a direita não marchará unida para 2026. Isso deve contagiar bastante o quadro. A esquerda está batendo palma.

Eu não aqui vou julgar das intenções do Marçal, até porque eu não as conheço, mas ele sem dúvida alguma neste momento representa um setor mais intransigente da direita e que vai buscar sua justificação lá atrás nas raízes do próprio Bolsonaro. Só que o Bolsonaro e seus colaboradores mais próximos já perceberam que, para se viabilizar eleitoralmente, a direita precisa do centro. O Pablo Marçal recusa isso. Então, não sei. Vamos aguardar.

Última pergunta: deixando de lado um pouco esse fenômeno do Marçal, se é possível fazer isso, quem deverá ser na sua percepção o herdeiro do Bolsonaro em 2026?

O bolsonarismo, quer o Bolsonaro tenha planejado isso ou não, permitiu o surgimento de um monte de outras lideranças de direita, ao contrário do que aconteceu com Lula, no PT. O próprio Pablo Marçal é uma delas. Agora, essa multiplicidade de lideranças talvez tenha que ser administrada, se a direita quiser realmente ter chances nas próximas eleições. Eu acredito que a eleição deste ano, a eleição municipal, ela vai fortalecer a direita. Agora, os líderes da direita precisam tirar as conclusões desse fortalecimento, fazer uma leitura correta dessa conjuntura, para que a direita não marche enfraquecida e dividida para as próximas eleições."

Entrevista por José Fucs

Foto: Elza Fiuza/Agencia Brasil

segunda-feira, 22 de abril de 2024

STF: Como Chegamos Até Aqui? - Livro de Duda Teixeira, resenha por Diogo Schelp (Estadão)

 Análise

Novo livro sobre o STF expõe riscos do poder crescente e caráter elitista da Corte

STF: Como Chegamos Até Aqui?, de Duda Teixeira, conta a história de como o tribunal passou a ocupar espaço político no País; leia análise do livro feita pelo colunista do Estadão 

 

Por Diogo Schelp 

O Estado de S. Paulo, 22/04/2024 


Um estrangeiro desavisado que chegar ao Brasil hoje e se dispuser a observar o debate público ficará surpreso ao perceber que a figura mais falada da arena política — e a mais temida — é um juiz da corte máxima do País. Pensará, também, que a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) é um problema apenas para quem adora espalhar fake news nas redes sociais, torceu para que as Forças Armadas dessem um golpe entre novembro de 2022 e janeiro de 2023 ou se atiraria de um precipício caso o ex-presidente Jair Bolsonaro ordenasse.

Ao se fiar apenas no retrato do momento, as percepções desse estrangeiro estariam completamente equivocadas. As polêmicas que envolvem o STF e especificamente o ministro Alexandre de Moraes não afetam apenas a direita bolsonarista e nem vão se encerrar quando o bilionário Elon Musk resolver procurar outros alvos para suas postagens.

O pior é que uma boa parcela dos brasileiros sofre do mesmo equívoco do tal estrangeiro fictício, presa que está no retrato do momento da disputa entre parlamentares de oposição e STF ou dos xingamentos de bolsonaristas a ministros da corte nas redes sociais. É preciso olhar para o passado recente e entender como chegamos até aqui. Ao fazê-lo, descobrimos que o poder individual e coletivo dos onze integrantes do STF cresce gradualmente há anos, em perfeita desarmonia com o Legislativo e o Executivo, e que isso, a depender das circunstâncias, afeta todo o espectro político — além de contribuir para perpetuar um dos aspectos da desigualdade social no País, o do acesso à Justiça.

Eis o que demonstra, com muito didatismo, o livro STF: Como Chegamos Até Aqui? (Avis Rara; 128 páginas; R$ 39,90), do jornalista Duda Teixeira, que chega esta semana às livrarias. Não se trata de uma obra com histórias de bastidores da nossa Corte Suprema, mas de um livro-reportagem que recorre a documentos históricos e a entrevistas com juízes, desembargadores, advogados e acadêmicos, entre historiadores e antropólogos, para entender o que levou à hipertrofia do tribunal constitucional, como isso impacta na política e na vida nacional e o que ainda pode ser feito a respeito.

O STF nasceu em 1890, inspirado na Suprema Corte americana, para guardar e aplicar a Constituição, intervindo apenas “em espécie e por provocação de parte”. Ou seja, nada dessa história de abrir investigações, iniciar processos, proibir a circulação de informações ou mandar prender gente por conta própria como vemos atualmente. No que se refere às regras para que os Três Poderes pudessem impor freios uns aos outros de forma equilibrada, as coisas por aqui não saíram tão bem quanto nos Estados Unidos. No período em que os americanos tiveram uma constituição, os brasileiros tiveram sete.

Ao longo da história da nossa República, o STF teve momentos melhores e outros piores, como durante a última ditadura, quando a composição do tribunal foi alterado ao gosto dos militares por meio da mudança no número de ministros e da cassação de alguns integrantes. Mas foi a Constituição de 1988 que lançou as sementes para que a corte fosse adquirindo um protagonismo e um poder crescentes ao longo das décadas seguintes. Para começar, “a Carta ampliou a quantidade de instituições que podem perguntar ao STF se uma lei é ou não constitucional”, escreve Teixeira. Antes, só a Procuradoria-Geral da República podia fazer isso. Atualmente, qualquer partido nanico consegue inundar o STF com questionamentos, como de fato acontece.

Além disso, há centenas de políticos e autoridades que só podem ser julgados pelo STF quando acusados de algum crime — é o famoso foro privilegiado. Os ministros do STF também precisam decidir sobre pedidos de habeas corpus e representam a quarta (!) e última instância judicial do País, caso haja alguma questão constitucional envolvida em processos que chegam de todo o Judiciário.

Pouco a pouco, a corte foi adquirindo a tradição de assumir papeis que cabem ao Legislativo e ao Executivo sob a desculpa de decidir a constitucionalidade de leis e políticas públicas. Isso começou a ocorrer com mais frequência já no governo de Fernando Henrique Cardoso, ganhou força nos primeiros mandatos de Lula e saiu do controle a partir da gestão de Jair Bolsonaro, que por não conseguir lidar com o Congresso deixava que tudo fosse judicializado.

O livro é rico em exemplos dos avanços do STF sobre atribuições do governo ou do Parlamento. Analisados em conjunto e em uma perspectiva cronológica, permitem compreender como a corte ganhou musculatura. Tem para todos os gostos. Há, por exemplo, o julgamento sobre pesquisas com células-tronco, em 2008, em que o STF passou por cima de uma lei discutida e aprovada no Parlamento, enquanto um dos ministros tentou tipificar um novo crime em cima de suas próprias suposições morais e filosóficas e outro aproveitou a oportunidade para expandir as situações em que o aborto é permitido. Mais recentemente, há a discussão atual em torno da Lei Antidrogas, com os integrantes da corte se dispondo a definir detalhes como a quantidade de maconha que separa um usuário de um traficante.

Decisões contraditórias da corte, às vezes com intervalos curtos de tempo e com idas e vindas de um mesmo ministro, são citadas em bom número no livro. Assim, o STF muda o entendimento sobre como deve ser um processo de impeachment de um presidente (Fernando Collor e Dilma Rousseff não tiveram o mesmo tratamento), da mesma forma que é capaz de aplicar com maior ou menor liberalidade uma mesma regra constitucional, a de que parlamentares só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável, a depender das circunstâncias políticas.

Teixeira argumenta que, pela Constituição, o senador petista Delcídio Amaral não poderia ter sido preso em 2015, nem o deputado bolsonarista Daniel Silveira, em 2021. Em ambos os casos, ministros do STF fizeram um contorcionismo interpretativo para considerar que os crimes eram permanentes, permitindo a prisão “em flagrante” dos políticos.

Em outro exemplo, um entendimento da Corte que serviu para afastar do cargo o deputado Eduardo Cunha, em 2016, não valeu depois para os senadores Renan Calheiros e Aécio Neves. E praticamente a mesma composição do STF, com um intervalo de poucos anos, suspendeu a nomeação de Lula como ministro de Dilma, de Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho de Michel Temer e de Alexandre Ramagem como diretor da Polícia Federal sob Bolsonaro, em três episódios de interferência indevida e injustificável em prerrogativas do presidente da República.

Fica claro no livro que os ministros do STF se permitem tomar decisões disparatadas como essas — julgando não com base no Direito, mas em interesses pessoais ou políticos — por uma variedade de razões. Entre elas está o fato de que a Corte cria as próprias regras sobre como proceder em determinadas situações. Em 2023, por exemplo, o tribunal anulou trecho do Código de Processo Civil que impedia juízes de atuar em casos a cargo de bancas de advocacia de parentes (os escritórios das esposas de quatro ministros têm processos na Corte, alguns envolvendo disputas bilionárias).

A outra é que, por não haver nenhuma instância acima do STF, seus integrantes dão de ombros para regras da magistratura, para prazos e para procedimentos sem precisar temer qualquer sanção. É o que permite que eles abram processos de ofício e distribuam para o relator que quiserem, sem obedecer à norma do sorteio, como fez o ministro Dias Toffoli com o inquérito das fake news, também chamado de inquérito do fim do mundo.

Também se sobressaem o fator vaidade e a questão do vínculos políticos. No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, muitos ministros do STF falam fora dos autos em entrevistas, palestras e aulas e apreciam os holofotes dos julgamentos televisionados. Ao mesmo tempo, não se privam da companhia de figuras influentes da política nacional ou de empresários em festas ou viagens particulares — mesmo que essas pessoas enfrentem processos no próprio STF.

O autor aborda também o acesso privilegiado de certos advogados a ministros do Supremo, prática conhecida jocosamente como “embargos auriculares”. Ou seja, a imparcialidade dos integrantes da nossa mais alta Corte é colocada em dúvida, com boas razões, com frequência. E eles não parecem se incomodar muito com isso. Desde que, claro, ninguém diga nada.

Críticas diretas a ministros do STF são muito mal recebidas. Alguns deles tratam de processar os autores das opiniões negativas na primeira instância da Justiça, contando com a alta probabilidade de que os juízes pensarão duas vezes antes de tomar uma decisão que vá contra aquele que está no topo da magistratura.

Outros partem para algo mais rápido e efetivo: a censura. Foi uma reportagem sobre Dias Toffoli na revista Crusoé, da qual Teixeira é editor, o que motivou, no início, o interminável inquérito das fake news. E foram críticas diretas a Alexandre de Moraes que o levaram, em alguns dos casos que agora vêm à tona com mais detalhes, a ordenar a suspensão de perfis ou conteúdos das redes sociais.

Essa postura dos ministros do STF, que deveriam entender que receber críticas faz parte da descrição do cargo, é comparada por Teixeira ao crime contra a “pessoa do rei ou seu Estado real”, previsto nas Ordenações Filipinas, conjunto de leis da coroa portuguesa que vigorou entre os séculos XVII e XIX. Dizia seu livro quinto, título VI, que o “lesa-majestade (...) é um crime tão grave e abominável, que os antigos sabedores o estranharam e o comparavam à lepra”.

A Suprema Corte brasileira que emerge do livro STF — Como chegamos até aqui é implacável com os pobres, como mostram exemplos de penas duras que foram mantidas para ladrões de galinhas, de bermudas ou de macacos automotivos, e garantista com poderosos, a ponto, escreve o autor, de reverter entendimento anterior sobre a possibilidade de prisão em segunda instância para favorecer Lula, em 2019, “fulanizando” a jurisprudência. Compreender e reconhecer seus excessos interessa a todos os brasileiros, independente de posicionamento político. E, apesar dos ecos das Ordenações Filipinas, criticar abertamente sua atuação ainda é a melhor forma de pressionar seus integrantes a conter o próprio poder.

Análise por Diogo Schelp 

Jornalista e comentarista político, foi editor executivo da Veja entre 2012 e 2018. Posteriormente, foi redator-chefe da Istoé, colunista de política do UOL e comentarista da Jovem Pan News. É mestre em Relações Internacionais pela USP.

 

 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Interferência do STF na Economia - Embaixador Sergio Florêncio

 Notícia original:


Comentários embaixador Sergio Florêncio:

“ O STF que há muito vem, na política, exorbitando o papel de legislador e executivo o que deu margem para o Bolsonaro justificar seus lampejos ditatoriais, agora resolveu interferir diretamente na economia.

O povo nunca lhe deu um voto para exercer esse papel.

O Supremo cometeu excessos, sem dúvida, o que era inevitável num sistema político que dá poderes monopolista e  injustificáveis ao  Presidente da Câmara. Isso  impediu avançar o impeachment de um PR com inúmeros crimes de responsabilidade, prevaricação e outros. 

Isso e outras indefinições do legislativo obrigou o judiciário/STF a decisões fora de suas atribuições.  Mas, diante das ameaças gravíssimas à democracia, ao Estado de Direito e ao sistema eleitoral , o STF e o TSE tiveram papel exemplar. Como bem demonstra  Mounk em seu livro  O Povo contra a Democracia, os regimes autocráticos começam deslegitimando o Judiciário. O Brasil escapou  desse trágico destino. O STF foi a peça chave da resistência.“



quinta-feira, 23 de junho de 2022

ADB busca ex-ministros do STF para entrar com ADIN contra PEC 34 - Guilherme Waltenberg (Poder 360)

ADB busca ex-ministros do STF para entrar com ADIN contra PEC 34 

GUILHERME WALTENBERG 
Poder 360, 23.jun.2022

Diplomatas dizem que proposta que permite a políticos assumirem embaixadas sem a perda de mandato fragiliza separação dos poderes

A PEC 34, que permite a políticos serem embaixadores sem a perda de mandato está avançando no Senado com o patrocínio do expresidente da Casa Davi Alcolumbre (UB-AP). Foi marcada para o próximo dia 5 de julho a 1ª audiência sobre o tema. E os diplomatas já estão mobilizados para barrarem a proposta.

Atualmente, caso queiram assumir uma embaixada, políticos precisam necessariamente abandonar o cargo para o qual foram eleitos. Se as novas regras forem aprovadas, poderão ir para outro país e, ao retornar ao Brasil, terem os seus cargos de volta.

A presidente da ADB (Associação dos Diplomatas Brasileiros), embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues diz que a entidade já está em contato com ex-ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) para terem pareceres mostrando o que chama de inconstitucionalidade do projeto.

“Estamos preparando uma ADI [Ação Direta de Inconstitucionalidade] contra essa proposta. Ela fere a separação dos poderes“ , disse ao Poder360.

Ao lado de outros diplomatas, Maria Celina elencou 4 pontos que eles consideram preocupantes da PEC. São eles:

-Fere a separação de poderes;
-Cargo de embaixador pode virar objeto de
-barganha política;
-Municipalização da política externa;
-Falta de formação adequada para o cargo.

Alcolumbre é presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e, desde a escolha do ex-senador Antonio Anastasia para o cargo de ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) ele tem articulado a proposta.

Inicialmente, a ideia é que ela servisse de prêmio de consolação para os senadores que não foram escolhidos. Inicialmente, porém, a proposta não empolgou. Agora, com outros assuntos como a crise de preços da Petrobras e a prisão do ex-ministro Milton Ribeiro, a ideia é tentar avançar no tema sem que esse andamento ganhe visibilidade.

BARGANHA
Para Maria Celina, a formação e a rede de contatos construída ao longo da carreira por diplomatas profissionais são diferenciais para que o país atinja os seus objetivos em política externa.

“A natureza do Senado é justamente a de representar os seus Estados. Já a política externa, aquilo que favorece ao país, muitas vezes pode parecer ruim para um Estado ou alguns municípios. Nem por isso deve-se abandonar ideias que favoreçam o país“ ,afirma.

https://www.poder360.com.br/brasil/adb-busca-ex-ministros-do-stf-para-entrar-com-adin-contra-pec-34/

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

A quadrilha dos malfeitores do PT - IstoÉ (setembro de 2017)

 Brasil

A quadrilha dos malfeitores do PT

Em menos de 24 horas, a cúpula do PT foi denunciada pelo Ministério Público em dois processos. No primeiro, Lula, Dilma e outros 6 petistas são acusados de receber R$ 1,5 bilhão em propinas.

No segundo, os dois ex-presidentes são suspeitos de obstrução de Justiça.

 

A quadrilha dos malfeitores do PT

Paulo Bernardo, Vaccari, Dilma, Palocci, Lula, Gleisi, Mantega e Edinho

Tábata Viapiana

IstoÉn. 2491, 07/09/2017 - 17h00

 

Disponível: https://www.academia.edu/70776548/A_quadrilha_dos_malfeitores_do_PT_ISTOÉ_Independente_2017_

 

Nunca, na história deste País, se roubou tanto como nos governos petistas de Lula e Dilma. De 2003 a 2016, a quadrilha do PT, que teve Lula como “o grande idealizador”, recebeu R$ 1,485 bilhão em propinas. Desse valor, somente o ex-presidente Lula embolsou R$ 230,8 milhões das construtoras OAS e Odebrecht, como contrapartida por ter ajudado os negócios das empreiteiras em obras da Petrobras. Esse é o resumo da denúncia feita pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal (STF) na última quarta-feira 6, e que enquadrou os dois ex-presidentes nos crimes de organização criminosa, como resultado do inquérito chamado de “quadrilhão do PT”. Foram denunciados também a senadora e presidente do PT Gleisi Hoffmann, o marido dela, o ex-ministro Paulo Bernardo, o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, e mais três ex-ministros: Antônio Palocci, Guido Mantega e Edinho Silva. As penas aos petistas podem ir de três a oito anos de cadeia. Por ser chefe da quadrilha, como disse Janot, Lula deverá ser condenado a uma pena ainda maior.

 

O desfalque na Petrobras

Em 209 páginas de sua denúncia, o procurador Rodrigo Janot mostra que a alta cúpula do PT se estruturou para assaltar os cofres públicos, especialmente da Petrobras, mas também do BNDES e do Ministério do Planejamento. Somente à Petrobras, o esquema petista provocou um prejuízo de R$ 29 bilhões. Para ressarcir parte desses danos, o procurador pede que o STF faça o bloqueio de R$ 6,5 bilhões dos bens dos oito denunciados. Esta é a sétima denúncia contra Lula. Janot diz que o ex-presidente continuou recebendo propina inclusive depois que deixou a presidência. Se o STF aceitar a denúncia, Dilma pode se sentar no banco dos réus pela primeira vez na Lava Jato.

O “quadrilhão” petista tem um peso enorme em esquemas ilícitos por envolver dois ex-presidentes, que tinham pleno conhecimento de todas as falcatruas em seus governos, segundo o MPF. Somente as empresas do grupo Odebrecht, por exemplo, de 2002 a 2014, pagaram a título de propina mais de R$ 400 milhões ao PT. As relações espúrias do partido com empresas privadas também envolviam OAS, Andrade Gutierrez, UTC e JBS. Durante o primeiro mandato, de acordo com Janot, Lula articulou a compra de apoio político de parlamentares com uso de dinheiro público: o PP levou R$ 390 milhões, o PMDB do Senado pelo menos R$ 600 milhões e o PMDB da Câmara outros R$ 350 milhões.

 

Durante seu governo, Dilma deu seguimento a todas as tratativas ilícitas iniciadas por Lula. Em muitos casos, a ex-presidente atuou de forma indireta por intermédio dos então ministros Guido Mantega e Edinho Silva, na cobrança de valores ilícitos junto a empresários. O caso está nas mãos do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato em função do envolvimento da senadora Gleisi Hoffmann, que tem foro privilegiado.

Num recorde de Janot, que deixa o cargo no próximo dia 17, a Procuradoria-Geral da República fez nova denúncia contra Lula, Dilma e o ex-ministro Aloizio Mercadante na tarde de quarta-feira 6, desta vez por obstrução de Justiça. Lula e Dilma são investigados desde agosto de 2016, com base no vazamento de uma gravação feita pela PF nos telefones do ex-presidente. No diálogo entre os dois, em março do ano passado, Dilma diz a Lula que está enviando um emissário, “o Bessias” (na verdade ele chama-se Jorge Messias), com um termo de posse do petista como ministro da Casa Civil para qualquer emergência. Lula responde que está aguardando o documento e despede-se dizendo “tchau querida”. O Ministério Público entendeu que a nomeação açodada objetivava conceder foro privilegiado a Lula, impedindo eventual pedido de prisão contra ele. Já o ex-ministro Mercadante é acusado de tentar impedir a delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral.

 

Dr. Honoris Causa em corrupção

As investigações mostram que o ex-presidente Lula é expert em desvios de dinheiro público

- A Procuradoria-geral da República acusa o ex-presidente de ser o “grande idealizador” da organização criminosa formada no governo federal para desviar recursos da Petrobras. De 2002 a 2016, a quadrilha de Lula recebeu R$ 1,48 bilhão em propina.

- Entre os 128,1 milhões que Lula recebeu da Odebrecht, estão R$ 12,4 milhões gastos na compra de um terreno para o Instituto Lula e R$ 504 mil na aquisição de uma cobertura ao lado da sua em São Bernardo.

- Dos R$ 27 milhões que o ex-presidente recebeu da OAS, estão contabilizados o tríplex que ele ganhou no Guarujá. Por causa desse imóvel, Lula foi condenado a uma pena de nove anos e seis meses de prisão.

- Lula é réu ainda em outros cinco processos, a maioria por corrupção. Na última denúncia, ele é acusado de receber R$ 1,02 milhão da OAS e Odebrecht para a reforma do sítio de Atibaia.

 

 

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

As estranhas reações à indicação de André Mendonça para o STF - Vladimir Passos de Freitas (Conjur)

 Defendendo a reputação do "acusado": 

Segunda Leitura

As estranhas reações à indicação de André Mendonça para o STF

Por 

https://www.conjur.com.br/2021-dez-26/segunda-leitura-estranhas-reacoes-indicacao-andre-mendonca-stf

O presidente da República, em 13 de julho deste ano, indicou André Luiz de Almeida Mendonça para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, conforme determina o artigo 84, inciso XIV, da Constituição Federal. Para fazê-lo, seguiu as exigências do artigo 101, que exige dos integrantes da Corte mais de 35 e menos de 65 anos de idade, notável saber jurídico e reputação ilibada.

O indicado tem 48 anos de idade, portanto, dentro dos limites constitucionais. Seu saber jurídico é notável, bastando lembrar, entre outras coisas, que é doutor e mestre em Direito pela Universidade de Salamanca, Espanha, foi pesquisador e professor visitante da Universidade de Stetson, Estados Unidos, é professor do curso LL.M em Direito: Compliance, da FGV-Rio, do programa de mestrado e doutorado em Direito da Instituição Toledo de Ensino de Bauru e do Programa de Pós-Graduação "stricto sensu" do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social-Cedes, em São Paulo. Finalmente, é detentor de reputação ilibada, pois, na sabatina a que se submeteu no Senado, não se disse uma só palavra que pudesse desaboná-lo.

Portanto, cumprindo todos os requisitos constitucionais, era de se esperar que sua indicação transcorresse sem grandes sobressaltos. No entanto, o que aconteceu foi o oposto. Somente em 1º de dezembro ele foi inquirido e aprovado no Senado, tendo que aguardar quatro meses em espera plena de ameaças de rejeição.

Mas então, se preenchia André Mendonça, com facilidade, os requisitos constitucionais, qual a razão de sua tormentosa espera? Ser pastor evangélico da Igreja Presbiteriana do Brasil. 

Segundo consta, "A Igreja Presbiteriana do Brasil é uma federação de igrejas que têm em comum uma história, uma forma de governo, uma teologia, bem como um padrão de culto e de vida comunitária. Historicamente, a IPB pertence à família das igrejas reformadas ao redor do mundo, tendo surgido no Brasil em 1859, como fruto do trabalho missionário da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos" [1]. Ela foi trazida ao Brasil por Ashbel Green Simonton, na cidade do Rio de Janeiro, em 1859. 

Totalmente entranhada na vida nacional (p. ex., o Instituto Presbiteriano Mackenzie), a IPB desenvolve diversas atividades. Seus pastores, tal qual os padres da Igreja Católica Apostólica Romana, têm por missão auxiliar as pessoas a conduzir-se de acordo com os ensinamentos da Bíblia.

Mas, afinal, o que isto significa de tão perigoso, de modo a despertar temor tão grave? 

A resposta é uma mescla de ideias e sentimentos paralelos, envolvidos por disputas políticas, onde a paixão irracional dá o tom do raciocínio. Neste caldeirão entram desde uma frase dita pelo chefe do Executivo, no sentido de que escolheria um ministro "terrivelmente evangélico", até ocorrências com Igrejas pentecostais sem qualquer tradição, fundadas aleatoriamente com objetivos pouco claros.

No centro da rejeição ao nome de André Mendonça estaria um temor de que os seus julgamentos viessem a ser feitos com fundamento na Bíblia e não na Constituição do Brasil. Em outras palavras, da formação de um Estado Teocrático, como, na atualidade, alguns no Oriente Médio. Implícito a tal suposição, vinha um receio de medidas contrárias às conquistas sociais mais recentes, o que representaria um retrocesso, todas tomadas com fiel obediência ao Presidente da República que o indicou.

Há fundamento para tais suposições?

A primeira observação é a de que o indicado ser cristão significa, exclusivamente, seguir os ensinamentos de Jesus Cristo. Estes, perenizados nas palavras dos apóstolos no Novo testamento da Bíblia, nada mais são do que buscar a conversão interior, cultivar a humildade, repelir a vaidade, cultivar a solidariedade, a paz, para, a partir delas, mudar o mundo. Toda a civilização ocidental vem pautada por seus princípios e, se muitos erros foram e continuam sendo cometidos, é porque nós, seres humanos, somos imperfeitos e necessitamos perseguir permanentemente o nosso aprimoramento.

Entretanto, abstraindo o fato de ser cristão, que muito longe de ser defeito é virtude, há outros aspectos que ataques irrefletidos e carregados de conotação política não levaram em conta.

Um deles é o de que, sejam quais forem as previsões ou as promessas feitas para alguém sondado para ocupar uma vaga no STF, jamais será possível ter-se, a respeito, certeza absoluta. As razões são várias, mas entre elas está a de que as pessoas podem mudar suas posições a partir do conhecimento da realidade, do amadurecimento e da avaliação dos fatos sob um panorama nacional e não local.

Outro é a forma como se encara a suposta lealdade. Para uns, ela consiste em uma servil obediência a quem fez a indicação. Aqui há um erro de foco. Se algum ministro procedeu ou vier a proceder de tal forma, o problema será de caráter e não de "lealdade". Gratidão deve haver, por óbvio. E isto deve traduzir-se em atos de atenção e solidariedade ao longo da vida. Julgar de acordo com o desejo de quem fez a indicação é outra coisa. Isto está mais para um pacto de sangue da máfia siciliana do que para o nobre sentimento de lealdade. Grandes ministros, como Teori Zavascki (indicado pela presidente Dilma Rousseff) e Cezar Peluso (indicado pelo presidente Lula da Silva), nunca votaram pagando o "favor".

Ainda, os presidentes da República atuam por mandato. Portanto, um indicado estará mais próximo de quem indica apenas por um período que, por vezes, pode ser curto e, em outras, no máximo, dobrado por uma vez. E depois terá décadas de afastamento formal.

A partir da discreta personalidade do ministro André Mendonça, vejamos se há indicadores de que venha a agir incorretamente. E aí temos o terceiro requisito para alguém que ocupe a mais elevada posição do Judiciário brasileiro: moral ilibada. 

Do ponto de vista de antecedentes, é impossível encontrar máculas na vida do indicado. Sua vida, como pode imaginar o mais ingênuo dos brasileiros, foi vasculhada de cima a baixo pelos contrários à sua indicação. E nada foi encontrado. Se tivesse feito uma malcriação à professora do segundo ano primário na pequena Miracatu (SP), certamente isto teria vindo à tona.

O fato é que o novo ministro tem longa trajetória como membro da Advocacia-Geral da União (desde 2000), chegando à posição máxima na hierarquia, qual seja, ministro Advogado-Geral da União, sem qualquer mácula.

E mais. Em um país em que a corrupção dá mostras de forte resistência, conseguindo expressivas seguidas vitórias, traz o novo ministro larga experiência no seu combate [2]. Com efeito, foi ele assessor especial do ministro da Transparência e Controladoria-Geral da União, coordenou a negociação do acordo com o Grupo OK, relacionado ao conhecido caso da construção do TRT de SP, gerando expressiva recuperação de ativos, coordenou as equipes de negociação dos acordos de leniência celebrados pela CGU e AGU nos casos relacionados com a Operação Lava Jato e é autor do livro Negociación en casos de corrupción: fundamentos teóricos y prácticos [3]. Portanto, é um experto no assunto.

Ao final, na falta de dados concretos, sobrevieram outras acusações contra o indicado, como a de mau uso da Lei de Segurança Nacional quando à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ora, a lei estava em vigor e usá-la era praticar ato de ofício.

Em suma, em boa hora o Senado aprovou a indicação de André Luiz de Almeida Mendonça para o cargo de ministro do STF. Supremo absurdo seria o fato de ser cristão prejudicá-lo, não sendo demais lembrar que o preâmbulo da Constituição, explicitamente, reconhece ser ela promulgada sob a proteção de Deus e o artigo 5º, inciso VI, assegura a todos a liberdade de crença. Nada melhor que o período de Natal para que isto seja lembrado.

O passado do novo integrante da Corte, sua simplicidade, habilidade conciliatória, aversão ao exibicionismo, dão a certeza de que bem cumprirá sua nobre missão. É o que o Brasil precisa.


[1] Disponível em: https://ipb.org.br/ipb/história. Acesso em 22 dez. 2021.

[2] Informações obtidas a partir de consulta feita em Busca Textual - Currículo Lattes (cnpq.br). Acesso em 23 dez. 2021.

[3] MENDONÇA, André Luiz de Almeida. Valencia: Editora Tirant lo Blanch, Espanha, 2018.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Por que defendo a decisão da Ministra Rosa Weber? - Deputado Rodrigo Maia (O Globo)

 POR QUE DEFENDO A DECISÃO DA MINISTRA ROSA WEBER?!

Rodrigo Maia, Deputado Federal pelo Rio de Janeiro
O Globo, 09/11/2021 

A decisão da Min. Rosa Weber, que determinou a suspensão do “orçamento secreto” e a adoção de medidas de transparência, tem gerado controvérsia. Lideranças parlamentares ligadas ao governo falam em crise com o STF. A decisão, contudo, limita-se a dar fiel cumprimento a uma regra aprovada pelo próprio Congresso em reformas recentes. Não pode ser interpretada como uma interferência na autonomia do Legislativo.

A LDO de 2014 já consagrava o caráter impositivo das emendas individuais. A Emenda n. 86/2015 constitucionalizou o “princípio da execução equitativa”, reafirmado na Emenda n. 100/2019. Segundo esse princípio, o governo deve observar critérios objetivos e imparciais na execução do orçamento, e as emendas apresentadas devem ser tratadas de forma igualitária e impessoal. Portanto, o próprio Congresso aprovou (nesta Legislatura) norma que proíbe o uso das emendas como uma ferramenta de gestão de coalizão parlamentar.

Podemos discutir, no mérito, se é bom ou ruim que em um sistema presidencialista com tantos partidos o governo possa lançar mão das emendas como forma de construir sua base. Mas esse debate já ocorreu, e uma decisão clara foi tomada. Não podemos fechar os olhos: o modelo instaurado pelo “orçamento secreto” não se coaduna com a Constituição, com “critérios objetivos e imparciais”, com “tratamento igualitário” de parlamentares.

Não se trata aqui de uma crítica indiscriminada às emendas individuais ou à busca dos parlamentares por mais recursos para os estados e regiões que representam, uma luta legítima. O modelo urdido pelas lideranças governistas, contudo, pretende lançar esse jogo fora dos limites constitucionais. Se o Congresso entende que precisa ter mais peso no orçamento, deve defender abertamente isso, aumentando o volume de recursos que serão alocados diretamente por decisão legislativa. As emendas, porém, devem ser empregadas de forma objetiva, impessoal e equitativa, a menos que a Constituição seja modificada. Por que a regra que valeu para o governo do PT não pode valer para o governo Bolsonaro, que se elegeu com uma crítica contumaz ao “toma-lá-dá-cá”?

A questão da transparência é outro grande problema. Ocultar os “congressistas requerentes da despesa” produz um quadro que é pior do aquele que se tinha antes de 2014. Naqueles tempos, era possível identificar e tematizar o tratamento diferenciado conferido aos parlamentares. Sabia-se quem estava recebendo, quanto, quando e para que. Agora, nem isso. O STF não pode controlar o mérito das emendas parlamentares e das alocações orçamentárias, mas pode (e deve) fiscalizar o procedimento orçamentário. O Congresso deve satisfação para a sociedade, mas, sem transparência, não há controle político pelas urnas.

O “orçamento secreto” gera, ainda, dois efeitos colaterais. Primeiro, diante elevada rigidez orçamentária, com despesas discricionárias abaixo de 7% do total, o abuso das emendas de relator desorganiza os programas estruturais de políticas públicas ao disputar recursos com eles. Num momento em que essas políticas são centrais para a rede de proteção social e para a retomada da economia, temos que privilegiar iniciativas que pensam de forma sistêmica o País. Segundo, com a proximidade das eleições, o acesso aos recursos do “orçamento secreto” gera uma vantagem competitiva para os beneficiados. Em nosso modelo eleitoral, políticos da mesma sigla acabam competindo entre si. Por isso, a cooptação de apoio no varejo, com base nas emendas de relator e à margem da ação de lideranças partidárias, estimula o racha em partidos outrora disciplinados.

Se o STF referendar a cautelar, assegurará a observância de regra duas vezes aprovada pelo Congresso, destinada a fomentar uma política parlamentar transparente e impessoal. Ela pode ser alterada no futuro, mas enquanto estiver no texto da Constituição, ninguém pode acusar o Tribunal de invadir o espaço do Legislativo.

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Mini-reflexões sob a forma de perguntas em torno do suicídio de uma nação - Paulo Roberto de Almeida

Mini-reflexões sob a forma de perguntas em torno do suicídio de uma nação

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Ministros do STF, que “conversam” com parlamentares, tendem a apoiar uma acomodação em relação às emendas direcionadas pelo arbítrio dos “amigos” do dinheiro público. Estarão oficializando a imoralidade no processo orçamentário? Vão contribuir para um maior afundamento do Brasil?

Custo a crer que o rebaixamento oficial de qualquer critério ético e até mesmo racional na aplicação de recursos públicos se torne um padrão na administração dos negócios governamentais. 

O patrimonialismo sacramentado e garantido pelos três poderes passará a ser uma prática “normal” na gestão das contas públicas? 

Estamos assistindo à construção de um suicídio lento do que antes parecia ser uma promessa de democracia num país em desenvolvimento?

Como podem supostas elites políticas participar dessa montagem de um processo “legal”  e oficial de um estupro orçamentário permanente? 

Quando foi que o Brasil ingressou na bandalheira geral como norma de governo? A sociedade civil em geral, as elites econômicas em especial, os guardiões da constitucionalidade não estão se dando conta de que estão construindo um Estado monstruoso, um país inviável na simples organização das contas públicas?

As perguntas básicas são estas: quando foi, como foi, por que foi que o Brasil enveredou pela via do “jeitinho” imoral de decidir sobre a peça central de qualquer regime democrático, que é o orçamento público? Quem, quais foram os responsáveis pela morte de um Estado responsável?

Como é possível conviver com tais níveis de degradação moral como as que assistimos no momento do esquartejamento ritual do orçamento anual em centenas de emendas paroquiais que representam a irracionalidade suprema da aplicação das receitas dos impostos?

Os legisladores perderam definitivamente a vergonha e os órgãos de controle se eximem de suas responsabilidades? O planejamento do orçamento em projetos racionais de aplicação dos recursos arrecadados deixou de existir? 

Instalou-se o repasto das hienas como forma normal de repartição dos despojos do Estado?

Minhas perguntas são apenas o reflexo de minhas perplexidades em face do espetáculo contínuo de degradação do processo orçamentário no Brasil. As pessoas não repararam que estamos construindo um país inviável? Até quando persistiremos a ser os lemingues de mafiosos inconscientes?

Até quando continuará a derrocada institucional do Brasil? Como para os desafios climáticos, estamos legando apenas desastres orçamentários e na dívida pública para nossos filhos e netos? Eles irão se juntar aos milhões de refugiados econômicos que já transitam do Sul para o Norte do planeta? 

Os pobres já estão emigrando há muito tempo? E agora, além dos miseráveis, quadros formados, cérebros produtivos também já desistiram de conviver com a imoralidade e a desfaçatez dos políticos? Pessoas dignas já não suportam a imoralidade e a corrupção de nossos círculos dirigentes?

Os políticos estão finalmente conseguindo implantar seus desejos inconfessáveis? A canalização tranquila dos recursos da União para a miríade de esmolas particularistas com as quais vão viabilizar eternas reeleições? Estilhaçar dotações orçamentárias em milhares de emendas oportunistas é o seu projeto de nação? 

No momento, eu não tenho as respostas ao desafio que representa construir um país viável, mas já tenho muitas perguntas que, por enquanto, representam um questionamento pessoal. Não sei se os ilustres dirigentes e as elites econômicas também as têm para si. 

Este é apenas um exercício intelectual.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4013, 9 novembro 2021, 2 p.

 

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

O STF padece de excesso de poderes, e isso não é bom: O excesso de poder do Supremo atrapalha o crescimento do país - José Jácomo Gimenes

 O Brasil perde 5%, ou mais, do PIB com a barafunda constitucional, que estrangula ou é criada pelo próprio STF.


O excesso de poder do Supremo atrapalha o crescimento do país

Somente uma reforma estrutural do sistema judicial, com uma redução drástica da competência do Supremo, poderá resolver o histórico de ineficiência, lentidão, insegurança e injustiça. Artigo do juiz federal e professor aposentado José Jácomo Gimenes, publicado pela Gazeta do Povo:


O Brasil tem um amplo controle de constitucionalidade de leis e normas. Combinou o modelo europeu, abstrato e concentrado, com o modelo americano, concreto e difuso. O controle de constitucionalidade abstrato é concentrado no Supremo Tribunal Federal, por meio de Ação Direta de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). O controle concreto, sempre a partir de um conflito real judicializado, é feito de forma difusa, por todos os juízes de primeira instância (cerca de 18 mil) e todos os tribunais (91, sendo 61 federais e 30 estaduais), necessitando de confirmação do Supremo para ter validade nacionalmente.

Assentados estes pontos, duas perguntas essenciais pedem respostas: por que temos tanta demora processual e insegurança jurídica com um controle de constitucionalidade tão poderoso? Como se explica um estoque de 1.986 ações de constitucionalidade pendentes no Supremo, apesar do reconhecido esforço e trabalho dos 11 ministros da corte constitucional? Este modesto artigo tem por objetivo ensaiar respostas e incentivar debate responsável sobre o excesso de competência processual do Supremo e o estoque de processos esperando julgamento na nossa suprema corte. Vamos aos números.

O Supremo recebeu 90.039 processos em 2019, sendo 20.125 (22,4%) da competência originária (processos que começam no Supremo) e 69.914 (77,6%) da competência recursal (processos que vêm das instâncias inferiores). Dentro da competência originária, destacam-se a entrada de 349 novas ações de controle concentrado de constitucionalidade em 2019 e o julgamento de 271 (200 em 2018) dessa mesma espécie. Em 2019, o Supremo proferiu mais de 16,6 mil decisões colegiadas de um total de 110 mil, considerando também as decisões monocráticas e despachos. O estoque de processos na fila de julgamento do Supremo, mesmo festejado como menor, é estrondoso: 30.662 processos.

Os explosivos números acima evidenciam que há alguma coisa errada ou, no mínimo, mal estruturada. Na comparação com as demais cortes supremas das grandes democracias, os números do nosso Supremo pairam no patamar do inacreditável, da chacota. Basta lembrar dois exemplos: a Corte Suprema americana recebe por volta de 5 mil processos por ano, escolhe em média 120 para julgamento e arquiva os demais; a Corte Suprema da Alemanha produz uma média de 7 mil decisões por ano. Os espantosos números do nosso Supremo (mais de 110 mil decisões por ano, 16,6 mil colegiadas) indicam que a corte é quase juízo universal da nação: nada escapa, parecendo um insaciável resolvedor dos conflitos do país, assim perdendo o foco de sua função diretiva do sistema judicial.

Como se vê, o nosso Supremo está atolado em seus poderes processuais, muito além da capacidade de trabalho de seus 11 ministros e de sua natural função de corte constitucional. Em um país continental, com 210 milhões de habitantes, com uma Constituição extensa, regulando quase todos os aspectos da vida nacional, o Supremo não pode ter competência para decidir processos de casos subjetivos, só porque debatem questões constitucionais. O recebimento de 69 mil recursos e 20 mil ações originais em um ano é prova suficiente dessa conclusão. O caminho deve ser outro.

O Supremo recebe mais de 300 ações diretas de constitucionalidade de leis e normas por ano, processos sobre questões objetivas (controle concentrado e abstrato), trabalho (e responsabilidade) de importância fundamental e até prioritário para uma corte constitucional, pois podem resolver com rapidez questões constitucionais e evitar propagação de milhões de processos pelo país afora. Com o estoque atual de quase 2 mil ações constitucionais diretas, o Supremo levaria seis a sete anos para colocar a casa em ordem, sem contar a entrada de novas 300 ações a cada ano, que acumularia novo passivo igual ou maior no mesmo período. Só por esse ângulo já temos uma situação insustentável, que exige atitude de mudança.

O outro megaproblema dos 69 mil recursos de processos subjetivos e das 20 mil ações de competência originária tem de ser resolvido com mudança estrutural, com a transferência de poderes processuais para os importantes tribunais superiores nacionais (STJ, TST, TSE e STM) decidirem também as questões constitucionais de todos os processos subjetivos, concluindo a jurisdição dos processos subjetivos na terceira instância, acabando com o famoso Recurso Extraordinário e congêneres, que encaminham milhares de processos ao Supremo.

O necessário controle da constitucionalidade nesses milhares de casos decorrentes de conflitos reais deve ser feito por ações autônomas de constitucionalidade, similares às existentes, mas sobre a jurisprudência consolidada resultante nos tribunais superiores (normas de efeito concreto), reduzindo substancialmente o número de processos no Supremo, libertando a corte da monstruosa carga atual, impossível de ser vencida, permitindo que cumpra com eficiência e rapidez sua verdadeira e fundamental função constitucional.

As grandes democracias adotam um sistema de duas instâncias de julgamento para processos subjetivos ou, no máximo, três instâncias. O Brasil instituiu um sistema de até quatro instâncias, na jurisdição comum e até nos juizados especiais, levando ao Supremo milhares de processos subjetivos, casos particulares, especialmente na área criminal, inviabilizando a nossa suprema corte de bem cumprir a sua função essencial de corte constitucional. O excesso de instâncias e burocracia judicial é uma tragédia que está sendo escrita com a cumplicidade dos poderes constituídos, gerando malefícios para toda a sociedade.

É incompreensível manter um sistema que não funciona, que não atende razoavelmente seus objetivos de pacificação social. A sociedade tem o direito de mudar um sistema ineficiente. O Supremo tem obrigação histórica de colaborar efetivamente para esse aprimoramento, apresentando soluções e entregando poderes aos demais tribunais. Não se pode perder de vista que os poderes são concedidos pela sociedade aos órgãos estatais para atender bem sua função institucional. Se o poder está desmedido, atrapalhando o funcionamento eficiente do serviço estatal, deve ser repactuado. Além de reforma administrativa e tributária, o Brasil precisa desesperadamente de uma boa reforma judicial.

Quem ganha e quem perde com o atual sistema judicial de quatro instâncias, recheado de dezenas de recursos e ações paralelas, doentiamente dependente do Supremo em razão de sua exorbitante competência, demorado e altamente custoso (1,6% do PIB, maior índice do planeta)? Sem intenção de ofensa ou desconsideração de importantes categorias de trabalho, o quadro permite afirmar que ganham os que estão incluídos na colossal máquina judicial, numa zona de conforto protegida, com empregos garantidos, amplo espaço de poder e excelentes rendimentos. Perde a sociedade brasileira, que vê o crescimento do país atravancado por um sistema judicial altamente burocrático, caro e pouco funcional.

A doutrina jurídica tem debatido continua e sabiamente princípios, conceitos, institutos e formas possíveis de aplicação da lei. Entretanto, parece não haver a mesma preocupação com o monstruoso problema real que os números processuais e demoras decorrentes constituem. Não se pode esquecer que a legitimidade e respeitabilidade dos órgãos estatais e, por consequência, do próprio sistema judicial dependem essencialmente de procedimentos decisórios razoavelmente rápidos, eficientes e justos. Somente uma reforma estrutural do sistema judicial, com uma redução drástica da competência do Supremo, poderá resolver o histórico de ineficiência, lentidão, insegurança e injustiça, permitindo conclusão mais rápida dos processos, jurisprudência constitucional estabilizadora em tempo mais curto, segurança jurídica, pacificação social e progresso econômico.

José Jácomo Gimenes é juiz federal e professor aposentado do Departamento de Direito Privado e Processual da Universidade Estadual de Maringá.