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sábado, 9 de setembro de 2023

A corrupção do Petrolão NÃO EXISTIU, decretou monocraticamente um tiranete de toga - Carlo Alberto Sardenberg (O Globo)

 O que fazer com o dinheiro?

Carlos Alberto Sardenberg

O Globo (09/09/2023)

Aqueles computadores e programas da Odebrecht não existem? Foi tudo uma ilusão?

O que a Petrobras fará com os R$ 6,28 bilhões que recebeu de empresas e executivos, inclusive da própria estatal, a partir dos acordos de leniência firmados no âmbito da Operação Lava-Jato? Se foi tudo uma “armação”, se os pagamentos foram indevidos, a Petrobras tem de devolver esses bilhões.

Parte do dinheiro pago pela Odebrecht foi para o Departamento de Estado dos Estados Unidos e a Procuradoria-Geral da Suíça. Colaboraram nas investigações que chegaram ao famoso sistema Drousys, usado pelo setor de Operações Estruturadas da empresa para controlar os pagamentos de propina a autoridades e políticos.

Mas, se não aconteceu nada disso, os acionistas da Odebrecht têm o direito de reclamar de volta esse dinheiro enviado para os gringos.

A Petrobras teve de pagar indenizações a acionistas que negociavam seus papéis na Bolsa de Wall Street. Foi um acordo por meio do qual a estatal brasileira reconheceu a má gestão — ou, mais exatamente, a corrupção, o petrolão —, circunstância que, obviamente, influiu negativamente no valor de suas ações.

Mas, se foi “armação”, todas essas indenizações foram indevidas. E então, que órgão do governo brasileiro organizará as cobranças aqui e lá fora?

Ou vai ficar tudo por isso mesmo?

Ocorre que o ministro Dias Toffoli encaminhou outras providências. Determinou que todos os órgãos envolvidos nos acordos de leniência sejam alvo de investigação para apurar eventuais danos à União. É uma longa lista. Vai da Lava-Jato de Curitiba até a Advocacia-Geral da União, Ministério Público e mais — centenas de gestores.

Um deles está ali mesmo, ao lado de Toffoli, numa cadeira do Supremo. Trata-se de André Mendonça, ex-chefe da AGU. O órgão foi parte ativa nos acordos de leniência, como o próprio Mendonça confirmou e elogiou numa entrevista em abril de 2019. Disse ainda que a AGU continuava patrocinando outros acordos.

No total, os acordos de leniência levaram a pagamentos de R$ 25 bilhões a diversas empresas estatais e instâncias de governos estaduais e federal. Também há complicação no âmbito do Judiciário. Em 23 de abril de 2019, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu por unanimidade manter a condenação de Lula no caso do tríplex do Guarujá. O mesmo STJ permitira a prisão de Lula, em abril de 2018, com base no entendimento de que o réu poderia começar a cumprir a pena depois da condenação em segunda instância. E o plenário do STF, em 4 de abril daquele ano, negara habeas corpus que livraria Lula da prisão. A decisão foi apertada, 6 a 5, mas tomada pelo plenário. “Armação”?

A recente decisão de Dias Toffoli foi monocrática, assim como fora a de Edson Fachin, quando, em 8 de março de 2021, anulou todas as condenações de Lula na Lava-Jato. Argumentou que o processo deveria ter sido aberto em Brasília, e não em Curitiba — “descoberta” feita cinco anos depois da abertura do caso. A decisão foi confirmada pelo plenário do Supremo — o que denota um tipo de corporativismo. Você não mexe na minha sentença, eu não mexo na sua.

Depois disso, o então ministro Ricardo Lewandowski tomou várias decisões monocráticas anulando as delações da Odebrecht nos processos de Lula. Toffoli completou o serviço, anulando toda a delação. Então ficamos assim: um erro processual, primeiro, e uma sequência de decisões monocráticas, depois, determinaram que as delações foram irregulares, o que dispensa, nessa grande “armação”, a verificação das provas. Quer dizer: aqueles computadores e programas da Odebrecht não existem, foi tudo uma ilusão.

Tudo considerado, há uma conclusão que se pode tirar para preservar a democracia e a segurança jurídica. Como já sugeriu o advogado, jurista e ex-ministro da Justiça José Paulo Cavalcanti Filho, as decisões monocráticas deveriam ser simplesmente vetadas. Abolidas. Do jeito como está, não temos uma Corte, mas 11 capitanias que decidem cerca de 90% dos casos. Dá nisso.

Agora, quem quiser saber a história real, está no livro de Malu Gaspar “A organização: a Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo”.

Suas Excelências deveriam ler.

quarta-feira, 26 de julho de 2023

Petrobras FOI ASSALTADA de 2004 a 2014: foi ela mesma quem disse, num tribunal da Holanda

 Onde estão os companheiros que diziam que não houve corrupção na Petrobras?

Petrobras sobre ação coletiva na Holanda 

Rio de Janeiro, 26 de julho de 2023 – A Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras, em continuidade aos comunicados ao mercado datados de 29 de janeiro de 2020 e 27 de maio de 2021, informa que o Tribunal Distrital de Roterdã (“Tribunal”) emitiu hoje uma decisão intermediária de mérito na ação coletiva movida pela St. Petrobras Compensation Foundation (“Fundação”) em face da Petrobras e outros corréus na Holanda.

Na ação coletiva, a Fundação alega que representa os interesses coletivos de investidores não incluídos no Acordo celebrado nos Estados Unidos e requer uma declaração de que os réus agiram ilegalmente contra esses investidores, não só pela condução de atividades supostamente fraudulentas entre 2004 e 2014, mas também pela divulgação de informações que seriam manifestamente imprecisas e/ou enganosas, o que pretensamente teria causado prejuízos aos referidos investidores.

Na decisão, o Tribunal determinou a produção de prova técnica adicional acerca de questões relacionadas às leis brasileira, argentina e luxemburguesa.

Além disso, o Tribunal adiantou seu entendimento acerca das seguintes questões que serão reiteradas na sentença de mérito, quando obtidos os pareceres dos experts mencionados na decisão acima, quais sejam:

  1. O Tribunal rejeitou os pedidos formulados pela Fundação contra a Petrobras International Braspetro B.V. (“PIBBV”), Prime Oil & Gas BV (“POG BV”) e os ex-Presidentes Maria das Graças Silva Foster e José Sérgio Gabrielli de Azevedo;
  2. Reconheceu a prescrição apenas dos pedidos formulados segundo a lei espanhola;
  3. Afastou os pleitos formulados segundo a lei alemã;
  4. O Tribunal declarou que Petrobras e a Petrobras Global Finance B. V. (“PGF BV”) atuaram ilegalmente em relação aos seus investidores, embora não se considere suficientemente informada sobre aspectos relevantes das leis brasileira, argentina e de luxemburgo para decidir definitivamente sobre o mérito da ação.

A prova técnica adicional consistirá em parecer a ser emitido por uma instituição apontada pelo Tribunal em data ainda não definida, em relação ao qual as partes poderão se manifestar antes da publicação da sentença de mérito, que é recorrível.

O Tribunal confirmou que a Fundação não pode pedir indenização no âmbito da ação coletiva, o que dependerá do ajuizamento de ações posteriores pelos investidores ou pela própria Fundação com esse objetivo, oportunidade em que a Petrobras poderá apresentar todas as defesas já apresentadas na ação coletiva e outras que julgar cabíveis, inclusive em relação à ocorrência e quantificação de eventuais danos, ainda não provados.

A Petrobras continua a negar todos os argumentos da Fundação e reitera que as autoridades brasileiras, inclusive o Supremo Tribunal Federal, reconhecem que a Petrobras foi uma vítima dos atos revelados pela Operação Lava Jato. Como resultado, a Companhia já recuperou cerca de R$ 7,2 bilhões e continuará a buscar todas as medidas cabíveis contra as empresas e pessoas físicas que lhe tenham causado danos. 

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

A quadrilha dos malfeitores do PT - IstoÉ (setembro de 2017)

 Brasil

A quadrilha dos malfeitores do PT

Em menos de 24 horas, a cúpula do PT foi denunciada pelo Ministério Público em dois processos. No primeiro, Lula, Dilma e outros 6 petistas são acusados de receber R$ 1,5 bilhão em propinas.

No segundo, os dois ex-presidentes são suspeitos de obstrução de Justiça.

 

A quadrilha dos malfeitores do PT

Paulo Bernardo, Vaccari, Dilma, Palocci, Lula, Gleisi, Mantega e Edinho

Tábata Viapiana

IstoÉn. 2491, 07/09/2017 - 17h00

 

Disponível: https://www.academia.edu/70776548/A_quadrilha_dos_malfeitores_do_PT_ISTOÉ_Independente_2017_

 

Nunca, na história deste País, se roubou tanto como nos governos petistas de Lula e Dilma. De 2003 a 2016, a quadrilha do PT, que teve Lula como “o grande idealizador”, recebeu R$ 1,485 bilhão em propinas. Desse valor, somente o ex-presidente Lula embolsou R$ 230,8 milhões das construtoras OAS e Odebrecht, como contrapartida por ter ajudado os negócios das empreiteiras em obras da Petrobras. Esse é o resumo da denúncia feita pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal (STF) na última quarta-feira 6, e que enquadrou os dois ex-presidentes nos crimes de organização criminosa, como resultado do inquérito chamado de “quadrilhão do PT”. Foram denunciados também a senadora e presidente do PT Gleisi Hoffmann, o marido dela, o ex-ministro Paulo Bernardo, o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, e mais três ex-ministros: Antônio Palocci, Guido Mantega e Edinho Silva. As penas aos petistas podem ir de três a oito anos de cadeia. Por ser chefe da quadrilha, como disse Janot, Lula deverá ser condenado a uma pena ainda maior.

 

O desfalque na Petrobras

Em 209 páginas de sua denúncia, o procurador Rodrigo Janot mostra que a alta cúpula do PT se estruturou para assaltar os cofres públicos, especialmente da Petrobras, mas também do BNDES e do Ministério do Planejamento. Somente à Petrobras, o esquema petista provocou um prejuízo de R$ 29 bilhões. Para ressarcir parte desses danos, o procurador pede que o STF faça o bloqueio de R$ 6,5 bilhões dos bens dos oito denunciados. Esta é a sétima denúncia contra Lula. Janot diz que o ex-presidente continuou recebendo propina inclusive depois que deixou a presidência. Se o STF aceitar a denúncia, Dilma pode se sentar no banco dos réus pela primeira vez na Lava Jato.

O “quadrilhão” petista tem um peso enorme em esquemas ilícitos por envolver dois ex-presidentes, que tinham pleno conhecimento de todas as falcatruas em seus governos, segundo o MPF. Somente as empresas do grupo Odebrecht, por exemplo, de 2002 a 2014, pagaram a título de propina mais de R$ 400 milhões ao PT. As relações espúrias do partido com empresas privadas também envolviam OAS, Andrade Gutierrez, UTC e JBS. Durante o primeiro mandato, de acordo com Janot, Lula articulou a compra de apoio político de parlamentares com uso de dinheiro público: o PP levou R$ 390 milhões, o PMDB do Senado pelo menos R$ 600 milhões e o PMDB da Câmara outros R$ 350 milhões.

 

Durante seu governo, Dilma deu seguimento a todas as tratativas ilícitas iniciadas por Lula. Em muitos casos, a ex-presidente atuou de forma indireta por intermédio dos então ministros Guido Mantega e Edinho Silva, na cobrança de valores ilícitos junto a empresários. O caso está nas mãos do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato em função do envolvimento da senadora Gleisi Hoffmann, que tem foro privilegiado.

Num recorde de Janot, que deixa o cargo no próximo dia 17, a Procuradoria-Geral da República fez nova denúncia contra Lula, Dilma e o ex-ministro Aloizio Mercadante na tarde de quarta-feira 6, desta vez por obstrução de Justiça. Lula e Dilma são investigados desde agosto de 2016, com base no vazamento de uma gravação feita pela PF nos telefones do ex-presidente. No diálogo entre os dois, em março do ano passado, Dilma diz a Lula que está enviando um emissário, “o Bessias” (na verdade ele chama-se Jorge Messias), com um termo de posse do petista como ministro da Casa Civil para qualquer emergência. Lula responde que está aguardando o documento e despede-se dizendo “tchau querida”. O Ministério Público entendeu que a nomeação açodada objetivava conceder foro privilegiado a Lula, impedindo eventual pedido de prisão contra ele. Já o ex-ministro Mercadante é acusado de tentar impedir a delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral.

 

Dr. Honoris Causa em corrupção

As investigações mostram que o ex-presidente Lula é expert em desvios de dinheiro público

- A Procuradoria-geral da República acusa o ex-presidente de ser o “grande idealizador” da organização criminosa formada no governo federal para desviar recursos da Petrobras. De 2002 a 2016, a quadrilha de Lula recebeu R$ 1,48 bilhão em propina.

- Entre os 128,1 milhões que Lula recebeu da Odebrecht, estão R$ 12,4 milhões gastos na compra de um terreno para o Instituto Lula e R$ 504 mil na aquisição de uma cobertura ao lado da sua em São Bernardo.

- Dos R$ 27 milhões que o ex-presidente recebeu da OAS, estão contabilizados o tríplex que ele ganhou no Guarujá. Por causa desse imóvel, Lula foi condenado a uma pena de nove anos e seis meses de prisão.

- Lula é réu ainda em outros cinco processos, a maioria por corrupção. Na última denúncia, ele é acusado de receber R$ 1,02 milhão da OAS e Odebrecht para a reforma do sítio de Atibaia.

 

 

domingo, 20 de junho de 2021

Em 2017, Palocci confirmou tudo aquilo que os petistas dizem que não existiu, mas que os tribunais confirmaram

 Depois que o aprendiz de feiticeiro do Facchin cancelou os processos contra Lula — não na substância, apenas por razões de foro —, os petistas dizem que nada está provado contra o chefão da malta. Eles são cspazes de desmentir tudo o que foi revelado pelo verdadeiro executivo da quadrilha, que devolveu algumas dezenas de milhões das centenas de milhões roubados pelo PT?

Paulo Roberto de Almeida

Em carta (2017), Palocci pede desfiliação do PT: 'Somos um partido ou uma seita guiada por uma pretensa divindade?' 

Político foi preso pela Operação Lava Jato e respondia a processo administrativo da legenda, por falas feitas contra o ex-presidente Lula.

Por Marcelo Rocha e Samuel Nunes, RPC Curitiba 

 


Palocci envia carta ao PT com duras críticas e pedido de desfiliação 


O ex-ministro Antonio Palocci enviou nesta t

Na carta, Palocci diz que:

  • Defende um acordo de leniência na Lava Jato para o PT
  • As declarações dadas no depoimento a Moro “são fatos absolutamente verdadeiros”, situações que presenciou, acompanhou ou coordenou, “normalmente junto ou a pedido do ex-presidente Lula”
  • Diz ter certeza que Lula irá confirmar tudo, “como chegou a fazer no ‘mensalão’” em entrevista na França
  • Houve uma evolução e acúmulo de corrupções nos governos a partir do segundo mandato de Lula
  • Foi um choque ter visto “Lula sucumbir ao pior da política no melhor dos momentos de seu governo”
  • Que foi um erro eleger e reeleger um mau governo, que destruiu “cada conquista social e cada um dos avanços econômicos tão custosamente alcançados”
  • Que Lula encomendou sondas e propinas em uma reunião com Dilma e José Sérgio Gabrielli no Palácio da Alvorada, “na cena mais chocante que presenciei do desmonte moral da mais expressiva liderança popular que o país construiu em toda nossa história"
  • Que passou a ser alvo de “um tribunal inquisitorial dentro do próprio PT” ao falar a verdade
  • Questiona “até quando vamos fingir acreditar na autoproclamação do ‘homem mais honesto do país’”
  • Questiona se “somos partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?”
  • Que mesmo nos melhores anos do governo Lula “já se via a peçonha da corrupção se criando para depois tomar conta do cenário todo”

Palocci respondia a um processo aberto pelo diretório municipal de Ribeirão Preto, em São Paulo, em que era acusado de trair a fidelidade partidária. Ex-ministro dos governos Lula e Dilma, ele foi alvo de uma comissão de ética pelas declarações feitas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao juiz Sérgio Moro, no dia 6 de setembro.

Na ocasião, ele disse que Lula mantinha um “pacto de sangue” com o empresário Emílio Odebrecht, o que incluía um pacote de R$ 300 milhões em propinas para o PT, além de agrados ao ex-presidente.

Na carta, Palocci faz uma série de críticas ao PT e ao ex-presidente Lula. O ex-ministro diz que estranhou o processo aberto contra ele, não pela condenação que já recebeu na Lava Jato, mas pelas declarações contra Lula. "Pensava ser normal que o partido procurasse saber as razões que levaram a tal condenação e minhas eventuais alegações. Mas nada recebi sobre isso", escreveu o ex-ministro.

Ele reafirma que todo o conteúdo do depoimento criticado pelo PT trata apenas da verdade dos fatos. O ex-ministro não entra em detalhes sobre o que sabe a respeito de ilegalidades, porque ainda negocia um acordo de delação com a Justiça. "De qualquer forma, quero adiantar sobre as informações prestadas em 06/09/2017 (compra do prédio para o Instituto Lula, doações da Odebrecht ao PT, ao Instituto Lula, reunião com Dilma e Gabrielli sobre as sondas e a campanha de 2010, entre outros) são fatos absolutamente verdadeiros", afirma.

Ele diz acreditar que, em breve, "o próprio Lula irá confirmar tudo isso, como chegou a fazer com o 'mensalão', quando, numa importante entrevista concedida na França, esclareceu que as eleições do Brasil eram todas realizadas sob a égide do caixa dois, e que era assim com todos os partidos".

Palocci diz que participou ativamente de todas as realizações do partido. "Sei dos erros e ilegalidades que cometi e assumi minhas responsabilidades. Mas não posso deixar de destacar o choque de ter visto Lula sucumbir ao pior da política, nos melhor dos momentos do seu governo", diz.

"Até quando vamos fingir acreditar na autoproclamação do 'homem mais honesto do país' enquanto os presentes, os sítios, os apartamentos e até o prédio do Instituto (!!!) são atribuídos à Dona Marisa? Afinal, somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?", questiona.

Críticas ao jeito de governar

Além das críticas a Lula, o ex-ministro também falou sobre as gestões petistas e atacou o modo com que o PT conduziu as decisões governamentais. 

"Alguém já disse que quando a luta pelo poder se sobrepõe à luta pelas ideias, a corrupção prevalece. Nada importava, nem mesmo o erro de eleger e reeleger um mau governo, que redobrou as apostas erradas, destruindo, uma a uma, cada conquista social e cada um dos avanços econômicos tão custosamente alcançados, sobrando poucas boas lembranças e desnudando toda uma rede de sustentação corrupta e alheia aos interesses do cidadão", disse em referência a Dilma.

Palocci diz que o PT acabou deixando uma herança ruim ao país. "Nós, que nascemos diferentes, que fizemos diferente, que sonhamos diferente, acabamos por legar ao país algo tão igual ao pior dos costumes políticos", afirmou.

Por fim, ele relembra a atuação política desde a fundação do PT e dos mandatos que recebeu. "Coordenei várias campanhas eleitorais, em vários níveis e pude acompanhar de perto a evolução de nosso poder e nossa deterioração moral. Assumo toda as minhas responsabilidades quanto a isso, mas lamento dizer que, nos acertos e nos erros, nos trabalhos honrados nos piores atos de ilicitudes nunca estive sozinho", diz.

Leniência partidária

Apesar das críticas, Palocci também fez sugestões ao PT. Ele diz acreditar que o melhor caminho para o partido é reconhecer os erros e buscar um acordo com as autoridades. "Há pouco mais de um ano, tive a oportunidade de expressar essa opinião de uma maneira informal a Lula e Rui Falcão, então presidente do PT, que naquela oportunidade transmitia uma proposta apresentada por João Vaccari, para que o PT buscasse um processo de leniência na Lava Jato", diz.

Ele diz que ainda acredita na proposta do PT, mas defende que o partido deva se rejuvenescer. "Depurar e rejuvenescer o partido será tarefa para nossos novos e jovens líderes. Minha geração talvez tenha errado mais do que acertado. Ela está esgotada. E é nossa obrigação abrir espaço a novas lideranças, reconhecendo nossas graves falhas e enfrentando a verdade. Sem isso, não haverá renovação", afirma.

O que Lula disse a respeito?

Quando Lula foi ouvido por Sérgio Moro, no dia 13 deste mês, ele afirmou que Palocci é mentiroso e inventou a história do “pacto de sangue” para agradar os responsáveis da Lava Jato com os benefícios de uma possível delação, ainda em análise. Para a defesa do ex-ministro, Lula é "dissimulado" e mudou de opinião após Palocci ter decidido "falar a verdade".

Em nota ao Jornal Nacional nesta terça-feira, o ex-presidente declarou que Palocci inventa acusações sem provas para obter um acordo de delação premiada. A defesa do ex-presidente afirmou, ainda, que o depoimento prestado por Palocci à Justiça, no começo de setembro, é repleto de contradições com relação ao depoimento que o ex-ministro já tinha prestado em maio deste ano e que a carta divulgada nesta terça-feira segue na mesma direção.

O que diz o PT?

Em nota, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, afirmou que Palocci mente. Para ela, o ex-ministro já está fora do partido "política e moralmente". "A forma desrespeitosa e caluniosa como se refere ao ex-presidente Lula demonstra sua fraqueza de caráter e o desespero de agradar seus inquisidores", afirma. Veja a íntegra da nota.

Leia abaixo a íntegra da carta de Palocci à presidente do PT

Carta Palocci — Foto: Reprodução
Carta Palocci — Foto: Reprodução 
Carta Palocci 2 — Foto: Reprodução
Carta Palocci 2 — Foto: Reprodução 
Carta Palocci 3 — Foto: Reprodução
Carta Palocci 3 — Foto: Reprodução 
Carta Palocci 4 — Foto: Reprodução
Carta Palocci 4 — Foto: Reprodução


sábado, 19 de dezembro de 2020

A Companhia (Odebrecht) - Malu Gaspar (Companhia das Letras); Apresentação, Paulo Roberto de Almeida


 Impressionante o relato da Malu Gaspar, como reportagem, como história, como análise da maior fraude corporativa do Brasil, do continente, e possivelmente uma das maiores do mundo. Só perde para a cleptocracia do Putin, que dispõe, digamos assim, de métodos mais expeditivos. 

Mas o trabalho dela é um modelo de reportagem-histórica. Mereceria um prêmio Pulitzer, se houvesse algo do gênero no Brasil, ou o próximo Jabuti. Realmente, a anatomia de uma organização que talvez só tenha concorrente em alguma super máfia, que, na verdade, possui o seu próprio Código de Ética. 

Sob o Marcelo, parece que ele aposentou o código de ética do avô, para construir o seu manual de corrupção, por meio do Departamento de Operações Estruturadas, um modelo, digamos assim, de organização perfeita para os fins desejados. Mas sempre tem algum incidente de percurso: encontraram procuradores e um juiz motivados para perseguir a quadrilha até o fim, mesmo com meios pouco ortodoxos. 

E sempre tem uma secretária que fala, e abre a chave do cofre. Sempre é assim. 

Daria um bom roteiro para um filme, que serviria também de manual para os "inquisidores", um pouco como aquele filme "Catch me if you can...". 

Marcelo poderia trabalhar para alguma SEC americana... 

O livro é uma espécie de romance da corrupção corporativa. O esquema da Odebrecht mereceria teses e teses de doutorado em Business Administration.

A "organização" montou um sistema ainda mais sofisticado do que o da Enron – talvez a maior corrupção corporativa nos EUA – e desses cartéis que são regularmente desmantelados pelas autoridades europeias de defesa da concorrência. 

O esquema corrupto da Odebrecht era muito mais elaborado e o lado mais prosaico, digamos, o mais "romanceavel", era a relação de pseudônimos que adotava para identificar os políticos que ela corrompia ou pelos quais ela se deixava corromper. Essa lista, completa, deveria ser divulgada amplamente, para informação dos eleitores no próximo encontro do calendário eleitoral.

Para terminar o exercício, e ficar mais explícito, tanto na forma de "business administration", quanto de romance mafioso, seria interessante dispor de um quadro, sob forma de contabilidade em dupla partida, colocando cada um dos projetos de um lado, com o custo real avaliado, e o cobrado de fato, e do outro lado, os pagamentos efetuados para funcionários governamentais e políticos intermediários. 

A diferença entre ativos e passivos seria monumental, o que talvez explique o crescimento do faturamento sob a presidência criminosa de Marcelo Odebrecht, de meros 40 bilhões para mais de 120 bilhões anuais. 

Um desempenho fantástico, que mereceria uma espécie de prêmio Nobel dos negócios, se não fosse pelo lado obscuro da coisa.

Paulo Roberto de Almeida


A Organização

A Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo

Malu Gaspar

São Paulo, Companhia das Letras, 2o20

ISBN: 978-85-359-3399-4 


Sumário

Nota da autora , 11 

Personagens, 13 

Prólogo, 25 

1. Marcelo sobe, 31 

2. Na lama, de terno branco,  46 

3. Apocalipse perfeito, 60 

4. No olho do furacão, 83 

5. O novo amigo, 106 

6. Questão de sobrevivência,  119 

7. O príncipe,  135 

8. Mais coragem do que análise,  141 

9. Nova ordem,  157 

10. Decolando, 175 

11. O príncipe na trincheira, 194 

12. “Tudo que é fácil, não é para nós”, 217 

13. Boca de jacaré,  237 

14. Pacto de sangue, 264 

15. Servindo ao rei, 274

16. Vivendo perigosamente, 294 

17. Organizando a suruba, 315 

18. Uma general autista, 332 

19. Higienizando apetrechos, 359 

20. A casa cai, 383 

21. A rendição,  418 

22. A mesa, 442 

23. Aos 46 minutos do segundo tempo, 468 

24. Deus perdoa o pecado, mas não o escândalo, 487 

25. “Enquanto tiver bala, atire”, 513 

Epílogo,  554 

Agradecimentos,  561 

Notas, 563 

Créditos das imagens, 619 

Índice remissivo, 621


Nota da autora

A Odebrecht tem uma longa trajetória de conquistas e de realizações, mas será sempre lembrada como a empresa que engendrou o maior esquema de corrupção já descoberto. Reconstituir sua história foi um mergulho nos meandros do relacionamento do empresariado com o Estado na última metade do século xx, no Brasil e na América Latina. Foi, também, um dos desafios mais difíceis que um repórter pode enfrentar. A Organização Odebrecht se autointitula uma “sociedade de confiança”, e isso forjou uma cultura do segredo que não pereceu com a delação. Bem ao contrário. A confissão à Lava Jato alcançou governos e autoridades de variadas orientações ideológicas, em todos os níveis, em doze países nas Américas e na África. Mas também deixou lacunas — fortuitas e propositais. Tal contingência, mais as cicatrizes deixadas pelo episódio, fizeram com que muitos na organização preferissem simplesmente esquecer tudo. Para outros, era o caso de lutar a guerra de narrativas até o final. Felizmente encontrei quem acredite, como eu, que conhecer essa história é essencial para entender o Brasil. A própria empresa também se dispôs a prestar informações, e o fez ao longo de todo o processo, mesmo tendo ficado claro desde o início que não se tratava de um livro chapa-branca. Para mover-me entre tantos e tão diversos interesses e chegar à versão mais acurada possível dos fatos, não havia outro recurso que não a apuração exaustiva. O conteúdo das delações da Odebrecht e de muitas outras foi só o ponto de partida. Ao longo de três anos, ouvi pouco mais de 120 pessoas, entre executivos e familiares, delatores, concorrentes, parceiros de negócios, políticos, advogados e investigadores de variadas instâncias. Contaram histórias sobre si próprios e sobre os outros, e em todas elas fiz dupla ou tripla checagem: em novas entrevistas, nas cerca de duzentas horas de depoimentos gravados em áudio e vídeo pelo Ministério Público ou pela Polícia Federal, em centenas de páginas de documentos, disponíveis ao público ou exclusivos, obtidos por mim ao longo do trabalho de pesquisa. 

Dada a sensibilidade dos temas envolvidos, que até hoje mexem com a política brasileira e suas paixões, a maior parte consistiu em declarações prestadas em off , protegidas pelo sigilo da fonte. Pela grande quantidade de pessoas consultadas para confirmar cada cena ou diálogo, o leitor não deve supor que seus personagens foram, necessariamente, as fontes daquela informação. Em alguns casos sim, em outros não. Como se verá ao longo deste livro, a cultura do segredo não sobrepujou o jogo de interesses e a disputa de narrativas naquela que durante décadas foi a empreiteira mais poderosa do Brasil. Muitos dos episódios retratados neste livro deram origem a ações judiciais em que se digladiaram Ministério Público e as defesas de centenas de acusados. O texto seguiu o caminho da apuração e dos fatos, independentemente do que digam ou concluam os processos. Mas as versões divergentes também foram contempladas, ou no corpo do texto ou em notas de rodapé. Afinal, elas também fazem parte da história. O que certamente não se encontrará, nestas páginas, são julgamentos peremptórios baseados em tópicos do Código Penal. Trata-se tão somente de uma reportagem. É vida real, com todas as suas nuances e imperfeições. A saga de pessoas que influenciaram os rumos do país e do continente ao longo de décadas, e assim nos ajudaram a chegar onde estamos.


Apresentação da Companhia das Letras:

Em 2015, quando a força-tarefa da Lava Jato fulminou o "clube" de empreiteiras que controlava os contratos com a Petrobras, a Odebrecht liderava com folga o ranking das empresas de engenharia nacionais. Delatados por colaboradores da Justiça, alguns de seus principais executivos foram presos, acusados de uma volumosa coleção de crimes.
Para tentar sobreviver à hecatombe, a organização -- era assim que os controladores e funcionários se referiam à companhia -- e seus dirigentes confessaram um longo histórico de práticas escusas que abalou a República e chocou o mundo, envolvendo propinas a centenas de políticos, de prefeitos a presidentes. Emilio e Marcelo Odebrecht, pai e filho, cujo relacionamento sempre fora difícil, romperam publicamente em meio a um duelo de denúncias.
Neste livro sobre a glória e a desgraça da Odebrecht, Malu Gaspar desvenda as engrenagens de um sistema de corrupção que parecia inviolável, e lança luz sobre as espúrias relações entre Estado e empresas que condicionaram por muito tempo uma espécie de "capitalismo à brasileira".

domingo, 3 de maio de 2020

Rubens Ricupero: "O cenário da política externa é um cenário de ruínas" - Consultor Jurídico

CENÁRIO DE RUÍNAS

"A 'lava jato' acabou, pertence mais ao domínio da história do que ao da realidade"

Em 2004, quando deixou sua carreira diplomática, Rubens Ricupero —ministro da Fazenda quando da implantação do Plano Real — tinha se acostumado com a posição de prestígio alcançada pela diplomacia brasileira. Historiador e formado em Direito pela USP, ele deu entrevista à ConJur, por telefone, analisando a política externa atual e o legado da "lava jato".
Desde a redemocratização, em 1985, o modo que o país encontrou para se projetar internacionalmente foi regido pelo mesmo princípio: diplomacia é a busca da autonomia por meio da participação. 
O conceito, segundo o diplomata, começou a cair por terra quando Jair Bolsonaro assumiu a presidência. De lá para cá, diz, a política externa se tornou cada vez mais alinhada ao governo de Donald Trump e contrária a Pequim.
Mas política externa, antes de vir ao mundo, é gestada intestinamente. Em 2016, Ricupero afirmou que existia à época um "partido togado", que podia interromper o jogo político a qualquer momento — em referência à força das autodenominadas "operações" que se arvoraram como combatentes da corrupção. 
Revisitando o assunto, diz que a "lava jato" perdeu força no decorrer dos anos e dá seus últimos suspiros. "Aqueles filhotes da 'lava jato' que tinham sido criados nas justiças federais de diversos estados continuam existindo, mas em fogo brando. Como fenômeno político-judiciário, a 'lava jato' hoje pertence mais ao domínio da história do que ao da realidade", afirma. A conversa ocorreu antes de Sergio Moro deixar o Ministério da Justiça. 
Se a "lava jato" é passado, o "partido da toga" legou ao país um novo presidente — e sua nova política externa, conduzida por agentes que negam o isolamento social como saída para enfrentamento da epidemia de Covid-19, mas que aceleram o isolamento do país no mundo.
"O saldo líquido das decisões brasileiras é nos levar ao isolamento — em todos os sentidos do termo — e a uma perda extraordinária do poder brando que o país tinha acumulado. Hoje, sem nenhum exagero, o Brasil é o país cujo governante figura entre os mais menosprezados e mais detestados do mundo. O cenário da política externa é um cenário de ruínas", afirma.
A entrevista foi feita antes de Sergio Moro ter se demitido do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Confira a entrevista na íntegra: 
ConJur — Em entrevista concedida ao El País, o senhor afirmou que havia dois teatros durante a ditadura: o da vida política e o dos bastidores. Os fardados podiam intervir, interrompendo a peça a qualquer momento. De lá para cá, referindo-se à "lava jato" em Curitiba, disse que o partido fardado deu espaço ao partido togado. Ainda vê essa força toda emanando da "lava jato"?
Rubens Ricupero —
 Vejo uma espécie de esgotamento natural da operação, em parte por mudanças políticas — a eleição do Bolsonaro, a decisão de Moro aceitar ser ministro da Justiça, as revelações [do site] Intercept e toda a desmoralização que veio disso. A "lava jato" acabou. Ela continua existindo em tese, porque há condenações pendentes, assim como os recursos relativos ao Lula. Muito está por resolver, mas a "lava jato" acabou, assim como a "mãos limpas" acabou na Itália. O juiz que substituiu Moro não tem, nem de longe, aquele tipo de ativismo jurídico que o Moro tinha, ou aquele entendimento com os procuradores. Houve também uma certa aversão do STF e de outras instâncias. Aqueles filhotes da "lava jato" que tinham sido criados nas justiças federais de diversos estados continuam existindo, mas em fogo brando. Como fenômeno político-judiciário, a "lava jato" hoje pertence mais ao domínio da história do que ao da realidade. 
ConJur — O senhor já afirmou em algumas ocasiões que o confronto inicial gerado pela "lava jato" teve importância e gerou consequências positivas. Hoje, com tudo que se sabe sobre a atuação do ex-juiz Sergio Moro e dos procuradores, mantém essa opinião?
Rubens Ricupero —
 Como consequência política, a "lava jato" teve um impacto enorme na história brasileira. É responsável por boa parte do que aconteceu nos últimos anos. Basta ver que os escândalos de corrupção colocaram fim ao período de hegemonia do PT. Até hoje o PT não se reergueu do golpe que levou. Por outro lado, sempre tive dúvidas sobre a duração da "lava jato", que parecia exagerada enquanto operação judiciária. Além desse aspecto, a operação, em essência, pela própria natureza do Judiciário, continha uma limitação que, cedo ou tarde, acabaria por comprometê-la: operações policiais e judiciárias podem ser importantes para trazer luz sobre esquemas de corrupção, mas não conseguem por fim a eles. Isso acontece porque as soluções só podem ocorrer por meio de mudanças legislativas, algumas até de ordem constitucional, já que o que existia na raiz da corrupção eram problemas que apontavam para as imperfeições das instituições, para os defeitos que vão desde a politização das estatais até a ineficácia dos mecanismos de fiscalização. 
O saldo da "lava jato" é que algumas pessoas foram punidas, com grau maior ou menor de adequação, mas as raízes do problema não foram removidas. Esse problema permanece, tanto que uma das suas consequências foi a de dar ao presidente Jair Bolsonaro a justificativa de não tentar fazer um presidencialismo de coalizão, negociando com os partidos políticos ministérios, verbas e cargos de estatais. Por outro lado, isso cria um conflito maior com o Congresso, o que, novamente, demonstra o quanto as instituições são defeituosas. Em resumo, vejo a "lava jato" como uma tentativa de atacar os sintomas, não as causas da doença. Talvez tenha conseguido inibir os sintomas por um tempo, mas não removeu as causas profundas e não fez isso porque não podia fazer. A operação teve um papel histórico, mas, por todos os defeitos práticos, e em certos momentos deixando visível um ativismo jurídico muito grande, a "lava jato" deixou de existir.
ConJur — Falando agora de política externa: é possível resumir a diplomacia brasileira, a partir da redemocratização, como a busca da autonomia por meio da participação. Com essa atuação, o país conquistou prestígio. Agora, a marca definidora da política externa é o alinhamento com os Estados Unidos. Quais os impactos disso?
Rubens Ricupero —
 É mais do que isso. Não é um alinhamento com os EUA, mas com o governo de Donald Trump, que, por sua vez, conduz uma campanha sistemática contra todas as instituições do sistema internacional criado no pós-guerra — o multilateralismo, um sistema que funciona na base de normas, de leis, não da força. Ao se alinhar com esse governo, o Brasil trabalha contra o seu próprio interesse, pois os EUA têm muito poder. Já o Brasil é um país com pouco poder, que pode se tornar vítima da força alheia. Nosso país não é uma potência econômica e militar. Mas tem poder brando, que é a diplomacia do convencimento, da persuasão, da negociação. Ao se alinhar com os EUA, abrimos mão disso e nos subordinamos a um país que, esse sim, tem poder e que pode utilizá-lo de maneira deflagradora, sem nenhum limite. 
O saldo líquido das decisões brasileiras é nos levar ao isolamento — em todos os sentidos do termo — e a uma perda extraordinária do poder brando que o país tinha acumulado. Hoje, sem nenhum exagero, o Brasil é o país cujo governante figura entre os mais menosprezados e mais detestados do mundo. O cenário da política externa é um cenário de ruínas.
ConJur — Outra consequência apontada é o esgarçamento da relação com a China. Essas relações podem se desgastar ainda mais?
Rubens Ricupero —
 Essa deterioração é, em grande parte, culpa daquele núcleo mais ideológico, mais fanatizado do governo brasileiro. Mas, para além disso, há uma competição estratégica entre EUA e China, em todos os sentidos — militar, econômico, político etc. Quando o Brasil se alinha a Trump, ele está comprando a agenda norte-americana, que vem com todas as inimizades que os Estados Unidos têm: contra a China, Rússia, Irã, Cuba, e assim por diante.
Portanto, sem nenhuma justificativa para isso, o Brasil está no momento em posição antagônica a todos esses países que constituem grandes mercados para as nossas exportações. É claro que de imediato a China não vai, por exemplo, deixar de comprar soja do Brasil, pois não há uma alternativa fácil para nos substituir como fornecedores de alguns produtos. Mas, no médio e longo prazo, as relações comerciais ser tornarão cada vez mais difíceis. O Brasil está jogando todas as suas esperanças em um país [EUA] do qual ele não pode esperar nada. Nem mercado, nem investimento. 
ConJur — Se não há justificativas, essa postura brasileira com relação à China ocorre por uma questão meramente ideológica?
Rubens Ricupero —
 Puramente ideológica. É o equívoco de uma maneira de ver o mundo. O Brasil vê o mundo com os olhos da guerra fria. É uma visão completamente fora do tempo histórico, anacrônica, porque o país se comporta hoje em relação à China como o governo militar do Castelo Branco em 1964 se comportava em relação à União Soviética. O Brasil vê a China como o centro do comunismo mundial, uma espécie de "origem do mal", quando nada disso corresponde à realidade internacional. 
ConJur — O senhor disse que os EUA — e agora o Brasil — se portam de modo contrário ao sistema criado no pós-guerra, indo no caminho do anti-multilateralismo. Agora o mundo passa por uma pandemia. O coronavírus matou o multilateralismo?
Rubens Ricupero —
 O que está acontecendo com a pandemia é que quase todas as reações têm sido majoritariamente de tipo nacional, infelizmente. Em um primeiro momento, é até compreensível que seja assim, porque diante de uma emergência cada nação reage da forma mais rápida que pode e isso quase sempre é mais fácil no plano nacional. Mas deveríamos rapidamente passar a uma fase de coordenação internacional, tanto para combater a doença quanto para combater as consequências econômicas dela. Há algum esboço para utilizar o Grupo dos Vinte [G20, formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das maiores economias do mundo] para sustentar a dívida dos países mais pobres durante um ano. Mas são reações fracas.
Mesmo na União Europeia, os países mais afetados pelo coronavírus, como a Itália e a Espanha, não receberam uma ajuda significativa da comunidade europeia. A Itália recebeu mais ajuda da China do que dos seus vizinhos no começo. Agora a União Europeia começa a reagir, mas o panorama é de sombras e luzes — mais de sombras. Existe algum grau de cooperação, mas é pequeno. E existe muitos, infelizmente muitos exemplos de egoísmo nacional, inclusive esses que afetaram o Brasil, de países que se atravessaram para comprar equipamentos que já tinham sido negociados. Então, sem dúvidas, o multilateralismo está em crise. Mas não desespero dele, porque acho que existem inúmeras perspectivas de que isso melhore. Por exemplo, ainda é incerto o que vai acontecer na eleição dos EUA. É possível que, devido a tudo isso, as eleições acabem enfraquecendo o atual presidente e ele não consiga se reeleger. Se ele não se reeleger, teremos condições de recuperar muito do que se perdeu em matéria de multilateralismo, porque 90% ou mais do que está acontecendo é praticamente resultado da ação do governo Trump. 
ConJur — Dentro desse cenário de pandemia, o senhor vislumbra a possibilidade de que surja uma nova ordem econômica e jurídica?
Rubens Ricupero —
 Sobre isso eu tenho dúvidas. Pandemias e epidemias, mesmo as muito mais graves que essa, em geral nunca mudaram o sistema econômico-político. Quando elas foram muito fortes, elas afetaram tendências que já existiam. Mas mesmo a peste negra, a peste bubônica, assim como as pestes que se seguiram, nunca afetaram o sistema político das monarquias da época. As tendências, as rivalidades que existiam, assim como os sistemas econômicos de troca, permaneceram iguais. Os sistemas econômicos, políticos e jurídicos obedecem à ação de forças profundas.
O que podem ocorrer são mudanças de curto prazo, que às vezes se seguem quando há acontecimentos suficientemente poderosos. Eu não ficaria surpreso, por exemplo se, passada essa crise, os países buscarem adquirir uma certa autonomia, uma certa autossuficiência em matéria de produtos farmacêuticos e médico-hospitalares. As nações podem buscar reduzir a dependência sobre esses produtos que existe com relação à China e outros países asiáticos. Isso pode acontecer, mas não vejo a possibilidade de uma reforma profunda na estrutura do capitalismo ou do sistema político que temos hoje. 
ConJur — Com o avanço do novo coronavírus, aliás, foram adotadas algumas medidas emergenciais. O Senado aprovou, por exemplo, o PL 1.179/20, que, entre outras coisas, flexibiliza dispositivos do Código Civil. O que acha de medidas como essa?
Rubens Ricupero —
 A ideia básica de tentar encontrar uma solução para o momento é correta. Há um abalo muito grande até no sistema normal de pagamentos. Muitas empresas e indivíduos não são capazes de cumprir suas obrigações. Em certos casos, as regras precisam ser suspensas, da mesma forma como está se fazendo com regras de contrato de trabalho, flexibilização que busca manter a existência do emprego. Portanto, acredito que essas iniciativas são necessárias. Não me refiro especificamente ao PL citado, mas à tentativa de dar uma resposta ao que está acontecendo. Os contratos são vigentes enquanto mantidas as condições em que eles foram celebrados. Quando as condições se alteram de modo muito radical, muitas vezes não há a possibilidade de manter os termos tal como foram acordados. 
ConJur — Nos últimos anos, uma série de conflitos entre Legislativo e Executivo acabaram sendo resolvidos pelo Judiciário. O que pensa a respeito dessa judicialização?
Rubens Ricupero —
 Eu tenho a impressão de que esse fenômeno coincide com o agravamento da crise institucional. Vivemos uma crise prolongada, que começa no primeiro governo da Dilma Rousseff e que se prolonga até hoje. O impeachment não resolveu a crise e em cada governo surgem problemas novos. No fundo, o quadro é de mau funcionamento das instituições. O sistema presidencialista tem uma rigidez que não permite a solução de problemas quando há impasse entre Executivo e Legislativo — e a tendência é a de que esses poderes entrem cada vez mais em conflito.
Um exemplo que vem logo à mente é a incapacidade que o Legislativo tem de resolver problemas com conteúdos ligados à questões de tipo moral: moral familiar, moral sexual, aborto, casamento entre homossexuais etc. O Legislativo fica paralisado diante dessas questões porque há uma representação grande de grupos religiosos. Então, embora sejam claramente do âmbito do Legislativo, esses temas acabam indo ao Judiciário. Quase todas as grandes decisões envolvendo temas como esses — o aborto no caso de fetos anencéfalos, casamento homoafetivo — foram talhadas pelo Judiciário. Creio que isso continuará acontecendo, porque a solução definitiva é fazer uma reforma profunda do sistema político, o que não parece estar no horizonte. Assim, as pautas continuarão indo ao Judiciário. 
ConJur — Em casos como esses, em que o Legislativo deixa um vácuo ao não tratar de certas questões, é justificável a atuação do Judiciário?
Rubens Ricupero —
 Existe a necessidade colocada pelo próprio sistema político. Não se pode conviver com o vácuo de poder. Há decisões que precisam ser tomadas. Se não forem pelas instâncias que normalmente deveriam resolver o problema, acabam indo aos tribunais. Nesse sentido, a necessidade justifica as decisões judiciais. Não é o ideal, mas não vejo outra saída. 
 é repórter da revista Consultor Jurídico.
 é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.