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quinta-feira, 7 de março de 2024

Eleição na Venezuela expõe democracia de conveniência de Lula - Malu Gaspar (O Globo)

Grato a Augusto de Franco pela transcrição:

Eleição na Venezuela expõe democracia de conveniência de Lula

Malu Gaspar, O Globo (07/03/2024)

Imagine o que seria o cenário político do Brasil hoje se a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Supremo Tribunal Federal (STF), controlados por Jair Bolsonaro, tivessem com uma canetada cassado os direitos políticos de Lula e de Simone Tebet por 15 anos e impedido os dois de disputar as eleições de 2022. Ou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tivesse trocado a data da votação para 31 de março só para render homenagem à ditadura militar.

Daria para acreditar que uma eleição nessas condições teria um  resultado justo? A pergunta é obviamente retórica e um tanto absurda, já  que tal situação seria impensável no Brasil — onde, apesar da onda  golpista dos últimos anos, ainda temos uma democracia.

Não é o caso da Venezuela, onde a Controladoria-Geral e o Supremo, dominados por Nicolás Maduro,  retiraram da disputa deste ano seus dois principais opositores — e  ainda mudaram a data do pleito, que tradicionalmente ocorre em dezembro,  para 28 de julho, aniversário do falecido presidente Hugo Chávez.

Para Lula, porém, levantar qualquer dúvida sobre a lisura das eleições venezuelanas é prejulgamento.

— Não podemos jogar dúvida antes das eleições acontecerem, que aí  começa discurso de prever antecipadamente que vai ter problema — afirmou  o presidente brasileiro a jornalistas ontem no Palácio do Planalto. —  Temos que garantir a presunção de inocência, até que haja as eleições  para que a gente possa julgar se foi democrática ou decente.

O brasileiro ainda disse que Maduro lhe garantiu que vai “convocar  todos os olheiros internacionais do mundo que quiserem acompanhar as  eleições”.

Lula não é bobo nem mal informado, conhece Maduro de outros carnavais e  tem à disposição um corpo diplomático plenamente capaz de informá-lo de  que a Venezuela mantém cerca de 300 presos políticos e protagoniza a  maior crise humanitária do planeta, com quase 8 milhões de exilados.

A perseguição a opositores, com desaparecimentos e torturas, é uma das  razões por que o governo venezuelano é alvo de uma investigação no  Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade.

Na semana passada, Maduro ainda expulsou do país integrantes do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos porque, entre outras razões, protestaram  contra a prisão da ativista Rocío San Miguel, conhecida por denunciar  crimes militares.

Presa há um mês pela polícia de Maduro sob as acusações de “traição à  pátria”, “terrorismo” e “conspiração”, ela ficou semanas incomunicável,  com paradeiro desconhecido. Foi preciso a intermediação da embaixada da Espanha (ela é cidadã espanhola) para que fosse garantido seu direito a receber visitas da família e de um advogado.

Não há sinal, portanto, de que Maduro esteja realmente disposto a  receber olheiros para fiscalizar as eleições — a menos, talvez, que  venham da Nicarágua, da Rússia ou de Cuba.

Por essas e outras razões, não faz nenhum sentido comparar o cenário  político do Brasil ao da Venezuela. Lula, porém, arriscou. Aos  jornalistas, ele disse esperar que a oposição venezuelana não tenha o  mesmo comportamento da brasileira:

— Se o candidato da oposição tiver o mesmo comportamento da oposição daqui, nada vale.

E cutucou:

— Eu fui impedido de concorrer às eleições de 2018. Em vez de ficar  chorando, indiquei um outro candidato que disputou as eleições.

Pois a questão é justamente essa. A diferença entre Lula e a  oposicionista María Corina Machado, que aparecia na liderança das  pesquisas, mas foi sumariamente excluída de eleições na Venezuela pelos  próximos 15 anos, é que Lula não foi impedido de disputar por uma  ditadura, mas por decisão judicial. E, se o Brasil não fosse uma  democracia, nem o PT poderia ter indicado outro candidato para  substituí-lo, nem ele poderia voltar a disputar eleições em 2022 — e  ganhar.

Não chega a ser novo ver Lula fingir que não vê os crimes cometidos por  ditaduras amigas enquanto denuncia os perpetrados por inimigos  geopolíticos.

Mas continua sendo intrigante ver o tom e a ênfase com que defende  Nicolás Maduro. Parece que, quanto mais se acumulam evidências de  monstruosidades cometidas pelo venezuelano, mais o brasileiro se empenha  em absolvê-lo.

Tal postura fica ainda mais esdrúxula considerando que acabamos de  passar por um trauma que poderia ter nos lançado de novo sob uma  ditadura em que o petista certamente não seria o presidente — e que  apoiar Maduro só piora sua imagem diante dos eleitores que de fato  prezam a democracia como valor.

A única explicação possível é que Lula acredita mesmo no que diz e que,  para ele, democracia é um conceito relativo. Só é sagrada se for para  favorecê-lo. Senão, não faz mesmo diferença.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Crise entre Brasil e Israel é saldo da aposta do governo Lula na ‘doutrina Amorim’- Malu Gaspar (O Globo)

Parece que essa doutrina serviu sobretudo para criar atritos com os países ocidentais inutilmente...

Crise entre Brasil e Israel é saldo da aposta do governo Lula na ‘doutrina Amorim’

Por Malu Gaspar

O Globo, 22/02/2024 04h31

https://oglobo.globo.com/blogs/malu-gaspar/coluna/2024/02/crise-entre-brasil-e-israel-e-saldo-da-aposta-do-governo-lula-na-doutrina-amorim.ghtml?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newsdiaria

 

O governo Benjamin Netanyahu também errou ao tentar encurralar a diplomacia brasileira com uma emboscada diplomática e ataques destrambelhados — que podem até ter atraído algum dividendo político interno, mas não alteram o status de Israel no mundo. 

Dois erros não produzem um acerto, mas parece ser isso o que pretende fazer o assessor especial do Palácio do Planalto para questões internacionais, Celso Amorim. Na última terça-feira, ele declarou que a fala de Lula “sacudiu o mundo e desencadeou um movimento de emoções” que pode ajudar a solucionar o conflito em Gaza. 

Os fatos demonstram que ela sacudiu no máximo os dois países envolvidos — no Brasil, serviu para aliviar a pressão sobre Jair Bolsonaro e piorar a imagem de Lula junto aos evangélicos. 

Nenhum líder mundial relevante veio em auxílio de Lula, assim como nenhum presidente de potência aliada de Israel — nem Joe Biden — apoiou a ofensiva virtual e diplomática de Netanyahu. 

7 fotos 

Ainda assim, vale a pena analisar com lupa a declaração de Amorim, hoje a pessoa mais influente na política externa do governo. Ela reflete a visão de mundo segundo a qual o Brasil deve usar sua posição de liderança no eixo dos países em desenvolvimento para conquistar um lugar na geopolítica das grandes potências. 

Essa foi a tônica da atuação de Amorim quando chefiou o Itamaraty sob Lula 1 e 2, que vem expressando em entrevistas e declarações aqui e ali. 

No final de janeiro, o “chanceler informal” de Lula afirmou ao Valor que o Brics (bloco capitaneado por Brasil, RússiaÍndiaChina e África do Sul, de que ele é o principal articulador) foi “a transformação mais importante nas relações internacionais nos últimos tempos”. 

Para Amorim, a consolidação do Brics “alertou os próprios ocidentais para a necessidade de voltar a fortalecer o G20, que é o órgão principal”. “O polo pode estar se deslocando um pouco”, sugeriu, para dizer mais adiante que “todos percebem que no Brics está o futuro”, já que “o PIB do Brics é maior que o do G7”. 

O professor de relações internacionais da FGV Matias Spektor, autor de estudos fundamentais sobre nossa política externa, tem uma análise interessante a respeito de como essa filosofia influencia as falas de Lula sobre a guerra em Gaza ou sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia. 

Para Spektor, elas obedecem a um padrão que pode ser assim traduzido: “Se o Brics é a melhor coisa que aconteceu nos últimos 20 anos, nada mais natural que usar essas alianças para esticar a corda e ser duro com o Ocidente, obrigá-lo a fazer concessões aos países em desenvolvimento. Porque, se o Ocidente não se sente pressionado, mantém o status quo, esse sistema internacional super-hierárquico onde o Norte manda e o Sul obedece. 

É como se não houvesse outra forma de “sacudir” as potências ocidentais a não ser criando impasses que afetem não propriamente as emoções, como disse Amorim, mas a economia e a geopolítica. 

Dessa constatação decorrem dois problemas e uma dúvida. 

O primeiro problema é que, em nome de usar as alianças antiocidentais para sacudir o Ocidente, a “doutrina Amorim” admite dar aval tácito a Vladimir PutinNicolás Maduro e outros autocratas para perseguir e matar opositores, censurar a imprensa e invadir territórios vizinhos, desprezando o valor da democracia e da própria autonomia dos povos. 

O segundo é que, ao usar sua posição no cenário internacional para defender aliados econômicos e ideológicos, e não princípios universais, Lula aprofunda uma linha desastrosa já traçada por Bolsonaro e vai aos poucos dilapidando o grande patrimônio de política externa do Brasil — ser um mediador equilibrado respeitável para disputas e conflitos. 

Por fim, mas não menos importante, a dúvida: qual o custo real dessa estratégia? O que temos a ganhar? O Brasil tem uma agenda ampla e ambiciosa a cumprir na economia, na saúde e no meio ambiente globais, expressa na pauta da reunião de cúpula do G20 que começou ontem no Rio de Janeiro. 

Entre os objetivos estão obter financiamento para a transição climática em países pobres e intermediários, conseguir doações para um fundo global contra a fome, incluir a África no G20 e, fora do G20, aprovar a reforma do Conselho de Segurança da ONU

Pode até ser que a “doutrina Amorim” ainda venha a produzir o efeito desejado e arranque concessões das potências globais. Por ora, tudo o que temos como saldo é um constrangimento diplomático e uma chuva de memes. 

 

quarta-feira, 6 de julho de 2022

Os motivos que calaram o chanceler Carlos França sobre a PEC dos embaixadores - Malu Gaspar e Rafael Moraes Moura

 Diplomacia

Os motivos que calaram o chanceler Carlos França sobre a PEC dos embaixadores 

O chanceler Carlos França e o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto

Por Malu Gaspar e Rafael Moraes Moura

Depois de uma manhã de embates no Senado sobre a proposta de emenda constitucional (PEC)  que permite a parlamentares serem embaixadores do Brasil no exterior sem abrir mão do próprio mandato, a pergunta que não quer calar em Brasília é: por que o chanceler Carlos França até agora não se manifestou publicamente sobre o assunto? 

Desde que a emenda assinada pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil - AP) começou a tramitar, em outubro passado, não se ouviu nenhuma palavra de França a respeito. 

A postura do ministro das Relações Exteriores  provoca estranhamento porque a emenda representa um duro golpe na histórica blindagem da carreira diplomática criada pela Constituição de 1988. 

Diplomatas dos mais diversos setores e graus hierárquicos estão em polvorosa contra a medida, que foi discutida hoje na Comissão de Constituição e Justiça  (CCJ) do Senado e deve ser votada na semana que vem.

Para eles, a emenda não apenas fere o princípio constitucional da separação de poderes, mas também pode provocar uma queda na eficiência e na qualidade do serviço diplomático e, por extensão, da nossa política externa. Na prática, abriria as portas do Itamaraty , que hoje é uma instituição de Estado, ao loteamento político. 

Mas embora França não comente o assunto em público, no seu entorno ninguém tem dúvidas sobre os motivos que o calaram. O mais importante foi a pressão do grupo de Alcolumbre, que fez chegar ao ministro um recado bem claro: se fizer oposição aberta e pública ao projeto, terá problemas quando sair do Itamaraty e for tentar uma vaga em uma embaixada. 

O chanceler já sinalizou a vários aliados no governo que gostaria de ser embaixador em Londres depois que este mandato presidencial terminar.

O segundo motivo é a orientação do próprio governo. O Palácio do Planalto é contra a PEC e já se manifestou a respeito em uma nota técnica, mas decidiu não entrar na disputa com Alcolumbre e o Centrão por causa da proposta e determinou a França que não crie marola. 

Alcolumbre voltou cheio de poder da geladeira política em que estava, após a derrota na tentativa de impedir André Mendonça de ser aprovado para uma vaga no Supremo – e, agora, quer compensações. 

Ele pretende ser candidato à presidência do Senado em 2023 e quer usar a PEC dos Embaixadores como bandeira de campanha.

O silêncio do obediente ministro Carlos França impressionou até mesmo a relatora da PEC, Daniella Ribeiro (PSD-PB), que já deu seu parecer favorável.  

Daniella disse que, até agora, só teve uma conversa de cerca de 5 minutos com o chanceler, no mês passado, em que ele quis saber mais detalhes da proposta – mas sem emitir juízo de valor ou apresentar qualquer argumento contra a iniciativa. Fez apenas perguntas genéricas.

"Sempre me mantive muito aberta ao diálogo. Por isso mesmo, aproveito para ressaltar meu estranhamento por parte do Ministério das Relações Exteriores e do nosso representante maior (Carlos França) pela falta de interesse em busca da discussão com essa relatora", disse a senadora durante a audiência pública realizada ontem – à que o chanceler faltou por estar na reunião do G-20, na Indonésia.

Hoje, em conversa com a equipe da coluna, ela reforçou a pressão. “Onde houve manifestação pública do ministro, que seria a voz em defesa dos diplomatas? Causa estranheza o silêncio do chanceler brasileiro. Mesmo a nota técnica da Casa Civil só apareceu após minha cobrança na audiência pública”, afirmou a senadora à equipe da coluna.

Depois da pressão de diplomatas e de políticos, o Ministério das Relações Exteriores emitiu uma nota pública contra a proposta bastante tímida e cheia de ressalvas. 

Na manifestação da Casa Civil enviada ao Senado, o ministério destaca que o Itamaraty também se manifestou internamente contrário à proposta. “A  chefia de missão diplomática tem natureza distinta daquela de ministro de Estado. A natureza do cargo de Embaixador recomenda distanciamento da política partidária”, alegou o Itamaraty.

A equipe da coluna enviou dez perguntas sobre a PEC ao chanceler brasileiro, mas o Itamaraty se limitou a informar que a nota à imprensa divulgada "reflete a posição" do chanceler.

sábado, 27 de novembro de 2021

Ricardo Paes de Barros: Auxílio Brasil não resolve as falhas do Bolsa Família - Malu Gaspar (O Globo)

Ricardo Paes de Barros: Auxílio Brasil não resolve as falhas do Bolsa Família

OS ACADÊMICOS | 

Academia Brasileira de Ciências, 26 de novembro de 2021

http://www.abc.org.br/2021/11/26/ricardo-paes-de-barros-auxilio-brasil-nao-resolve-falhas-bolsa-familia/?fbclid=IwAR27O9yWhqXCwcpiiJIjLd9k1Q2DhFpIvSbmpBVnEnndysVi7iPLF9DrLvc

 

O membro titular da ABC, Ricardo Paes de Barros, foi entrevistado no podcast A Malu Tá On, com a jornalista Malu Gaspar, do jornal O Globo. Confira trechos da matéria no site d’O Globo.

 

O Auxilio Brasil, que deve substituir o Bolsa Família a partir de 7 de dezembro, não corrige as falhas do programa anterior e não persegue o que deveria ser a meta principal de um plano de combate à pobreza hoje: a inclusão produtiva das famílias de baixa renda. Quem afirma é Ricardo Paes de Barros, o PB, criador do Bolsa Família e um dos maiores estudiosos da desigualdade de renda no Brasil.

(…)

“O pobre brasileiro não está precisando apenas de transferência de renda, mas também de inclusão produtiva. As famílias querem ter capacidade autônoma de gerar a própria renda”, explica o economista. Para PB, que acompanhou a elaboração do programa Brasil Sem Miséria no governo Dilma Roussef, o ideal seria aproveitar a experiência acumulada, corrigir eventuais falhas e avançar.

“Não era uma maravilha, mas era tido mundialmente como um grande exemplo de combate à pobreza. Qualquer programa de combate à pobreza daqui por diante vai ter que voltar lá, para melhorar a partir dele”. Em vez disso, disse PB à jornalista Malu Gaspar, retrocedemos ao ao patamar do início dos anos 2000, quando o Brasil distribuía vários bônus e auxílios sem qualquer coordenação.

Filho de militar e irmão do presidente da Infraero, PB revela que deu sugestões à equipe de Paulo Guedes para melhorar o programa, mas elas não foram aproveitadas. E lamenta: “O Brasil deixou de ser um país que era um modelo no combate à pobreza para ser um país percebido mundialmente como sem rumo no combate à extrema pobreza”.

Para ele, o problema do Auxílio Brasil não é falta de dinheiro e sim falta de informação. “Não tem como resolver o problema da pobreza eletronicamente ou pelo correio. Você tem que conversar com a família, entender o problema dela”, diz o economista. “A solução para a extrema pobreza de duas famílias vizinhas pode ser completamente diferente”.

Nessa missão, diz PB, o governo Bolsonaro fracassou com o auxílio emergencial, porque o Brasil perdeu uma grande oportunidade de conhecer em detalhes o perfil e as necessidades dos pobres. “O problema do Auxílio Emergencial foi que, ao final, você sabia tão pouco sobre a pobreza quanto sabia no primeiro mês. Você não criou um sistema de aprendizado com o que estava fazendo”.

(…)

Ouça o podcast completo no Spotify.

Leia a matéria completa no O Globo.

Jornal O Globo, 26/11/2021

 

sábado, 19 de dezembro de 2020

A Companhia (Odebrecht) - Malu Gaspar (Companhia das Letras); Apresentação, Paulo Roberto de Almeida


 Impressionante o relato da Malu Gaspar, como reportagem, como história, como análise da maior fraude corporativa do Brasil, do continente, e possivelmente uma das maiores do mundo. Só perde para a cleptocracia do Putin, que dispõe, digamos assim, de métodos mais expeditivos. 

Mas o trabalho dela é um modelo de reportagem-histórica. Mereceria um prêmio Pulitzer, se houvesse algo do gênero no Brasil, ou o próximo Jabuti. Realmente, a anatomia de uma organização que talvez só tenha concorrente em alguma super máfia, que, na verdade, possui o seu próprio Código de Ética. 

Sob o Marcelo, parece que ele aposentou o código de ética do avô, para construir o seu manual de corrupção, por meio do Departamento de Operações Estruturadas, um modelo, digamos assim, de organização perfeita para os fins desejados. Mas sempre tem algum incidente de percurso: encontraram procuradores e um juiz motivados para perseguir a quadrilha até o fim, mesmo com meios pouco ortodoxos. 

E sempre tem uma secretária que fala, e abre a chave do cofre. Sempre é assim. 

Daria um bom roteiro para um filme, que serviria também de manual para os "inquisidores", um pouco como aquele filme "Catch me if you can...". 

Marcelo poderia trabalhar para alguma SEC americana... 

O livro é uma espécie de romance da corrupção corporativa. O esquema da Odebrecht mereceria teses e teses de doutorado em Business Administration.

A "organização" montou um sistema ainda mais sofisticado do que o da Enron – talvez a maior corrupção corporativa nos EUA – e desses cartéis que são regularmente desmantelados pelas autoridades europeias de defesa da concorrência. 

O esquema corrupto da Odebrecht era muito mais elaborado e o lado mais prosaico, digamos, o mais "romanceavel", era a relação de pseudônimos que adotava para identificar os políticos que ela corrompia ou pelos quais ela se deixava corromper. Essa lista, completa, deveria ser divulgada amplamente, para informação dos eleitores no próximo encontro do calendário eleitoral.

Para terminar o exercício, e ficar mais explícito, tanto na forma de "business administration", quanto de romance mafioso, seria interessante dispor de um quadro, sob forma de contabilidade em dupla partida, colocando cada um dos projetos de um lado, com o custo real avaliado, e o cobrado de fato, e do outro lado, os pagamentos efetuados para funcionários governamentais e políticos intermediários. 

A diferença entre ativos e passivos seria monumental, o que talvez explique o crescimento do faturamento sob a presidência criminosa de Marcelo Odebrecht, de meros 40 bilhões para mais de 120 bilhões anuais. 

Um desempenho fantástico, que mereceria uma espécie de prêmio Nobel dos negócios, se não fosse pelo lado obscuro da coisa.

Paulo Roberto de Almeida


A Organização

A Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo

Malu Gaspar

São Paulo, Companhia das Letras, 2o20

ISBN: 978-85-359-3399-4 


Sumário

Nota da autora , 11 

Personagens, 13 

Prólogo, 25 

1. Marcelo sobe, 31 

2. Na lama, de terno branco,  46 

3. Apocalipse perfeito, 60 

4. No olho do furacão, 83 

5. O novo amigo, 106 

6. Questão de sobrevivência,  119 

7. O príncipe,  135 

8. Mais coragem do que análise,  141 

9. Nova ordem,  157 

10. Decolando, 175 

11. O príncipe na trincheira, 194 

12. “Tudo que é fácil, não é para nós”, 217 

13. Boca de jacaré,  237 

14. Pacto de sangue, 264 

15. Servindo ao rei, 274

16. Vivendo perigosamente, 294 

17. Organizando a suruba, 315 

18. Uma general autista, 332 

19. Higienizando apetrechos, 359 

20. A casa cai, 383 

21. A rendição,  418 

22. A mesa, 442 

23. Aos 46 minutos do segundo tempo, 468 

24. Deus perdoa o pecado, mas não o escândalo, 487 

25. “Enquanto tiver bala, atire”, 513 

Epílogo,  554 

Agradecimentos,  561 

Notas, 563 

Créditos das imagens, 619 

Índice remissivo, 621


Nota da autora

A Odebrecht tem uma longa trajetória de conquistas e de realizações, mas será sempre lembrada como a empresa que engendrou o maior esquema de corrupção já descoberto. Reconstituir sua história foi um mergulho nos meandros do relacionamento do empresariado com o Estado na última metade do século xx, no Brasil e na América Latina. Foi, também, um dos desafios mais difíceis que um repórter pode enfrentar. A Organização Odebrecht se autointitula uma “sociedade de confiança”, e isso forjou uma cultura do segredo que não pereceu com a delação. Bem ao contrário. A confissão à Lava Jato alcançou governos e autoridades de variadas orientações ideológicas, em todos os níveis, em doze países nas Américas e na África. Mas também deixou lacunas — fortuitas e propositais. Tal contingência, mais as cicatrizes deixadas pelo episódio, fizeram com que muitos na organização preferissem simplesmente esquecer tudo. Para outros, era o caso de lutar a guerra de narrativas até o final. Felizmente encontrei quem acredite, como eu, que conhecer essa história é essencial para entender o Brasil. A própria empresa também se dispôs a prestar informações, e o fez ao longo de todo o processo, mesmo tendo ficado claro desde o início que não se tratava de um livro chapa-branca. Para mover-me entre tantos e tão diversos interesses e chegar à versão mais acurada possível dos fatos, não havia outro recurso que não a apuração exaustiva. O conteúdo das delações da Odebrecht e de muitas outras foi só o ponto de partida. Ao longo de três anos, ouvi pouco mais de 120 pessoas, entre executivos e familiares, delatores, concorrentes, parceiros de negócios, políticos, advogados e investigadores de variadas instâncias. Contaram histórias sobre si próprios e sobre os outros, e em todas elas fiz dupla ou tripla checagem: em novas entrevistas, nas cerca de duzentas horas de depoimentos gravados em áudio e vídeo pelo Ministério Público ou pela Polícia Federal, em centenas de páginas de documentos, disponíveis ao público ou exclusivos, obtidos por mim ao longo do trabalho de pesquisa. 

Dada a sensibilidade dos temas envolvidos, que até hoje mexem com a política brasileira e suas paixões, a maior parte consistiu em declarações prestadas em off , protegidas pelo sigilo da fonte. Pela grande quantidade de pessoas consultadas para confirmar cada cena ou diálogo, o leitor não deve supor que seus personagens foram, necessariamente, as fontes daquela informação. Em alguns casos sim, em outros não. Como se verá ao longo deste livro, a cultura do segredo não sobrepujou o jogo de interesses e a disputa de narrativas naquela que durante décadas foi a empreiteira mais poderosa do Brasil. Muitos dos episódios retratados neste livro deram origem a ações judiciais em que se digladiaram Ministério Público e as defesas de centenas de acusados. O texto seguiu o caminho da apuração e dos fatos, independentemente do que digam ou concluam os processos. Mas as versões divergentes também foram contempladas, ou no corpo do texto ou em notas de rodapé. Afinal, elas também fazem parte da história. O que certamente não se encontrará, nestas páginas, são julgamentos peremptórios baseados em tópicos do Código Penal. Trata-se tão somente de uma reportagem. É vida real, com todas as suas nuances e imperfeições. A saga de pessoas que influenciaram os rumos do país e do continente ao longo de décadas, e assim nos ajudaram a chegar onde estamos.


Apresentação da Companhia das Letras:

Em 2015, quando a força-tarefa da Lava Jato fulminou o "clube" de empreiteiras que controlava os contratos com a Petrobras, a Odebrecht liderava com folga o ranking das empresas de engenharia nacionais. Delatados por colaboradores da Justiça, alguns de seus principais executivos foram presos, acusados de uma volumosa coleção de crimes.
Para tentar sobreviver à hecatombe, a organização -- era assim que os controladores e funcionários se referiam à companhia -- e seus dirigentes confessaram um longo histórico de práticas escusas que abalou a República e chocou o mundo, envolvendo propinas a centenas de políticos, de prefeitos a presidentes. Emilio e Marcelo Odebrecht, pai e filho, cujo relacionamento sempre fora difícil, romperam publicamente em meio a um duelo de denúncias.
Neste livro sobre a glória e a desgraça da Odebrecht, Malu Gaspar desvenda as engrenagens de um sistema de corrupção que parecia inviolável, e lança luz sobre as espúrias relações entre Estado e empresas que condicionaram por muito tempo uma espécie de "capitalismo à brasileira".