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quinta-feira, 22 de agosto de 2024

O Estado, sempre arrogante, zomba dos cidadãos ao esconder horrendo patrimonialismo - Malu Gaspar (O Globo)

A aristocracia do serviço público, nos três poderes e nas suas agências, continua a tripudiar com odinheiro extorquido da cidadania. PRA

Transparência nos olhos dos outros

Malu Gaspar

O Globo (22/08/2024)

Fazia tempo que não se falava tanto de transparência em Brasília como nos últimos dias, durante a queda de braço em torno das emendas Pix, que por pouco não desandou em conflito aberto entre Congresso, Supremo Tribunal Federal (STF) e Executivo.

Para quem ainda não se familiarizou com o tema, trata-se de uma fatia de pouco mais de R$ 8 bilhões do Orçamento que os parlamentares enviam direto para as contas de estados e municípios de forma automática, sem ter de dizer como o dinheiro é gasto nem antes nem depois de sua aplicação.

Na decisão que suspendeu a liberação dos recursos, o ministro do Supremo Flávio Dino foi claríssimo ao dizer que as emendas Pix ferem a Constituição por não obedecerem a critérios de eficiência, transparência e rastreabilidade.

Lógico que, na origem dessa discussão, está o Executivo tentando retomar o controle do Orçamento, de que o Parlamento capturou um naco na gestão Jair Bolsonaro. Ainda assim, em meio à troca de farpas entre os Poderes, o único princípio que ninguém contestou foi a transparência.

De Arthur Lira (PP-AL) a Rodrigo Pacheco (PSD-MG), passando pelos ministros do STF e pelos de Lula, todos se disseram favoráveis a critérios que obriguem os parlamentares a dizer com que e por que o dinheiro será aplicado e a prestar contas depois que ele for gasto.

Foi este o consenso que se produziu na terça-feira, depois de dias de ameaças e indiretas nos bastidores: em dez dias, o Congresso deverá apresentar uma proposta de regulamentação das emendas. Uma ideia é que o dinheiro seja enviado prioritariamente para obras inacabadas.

Parece um final feliz, mas, antes de comemorar, é preciso ver se nos próximos dias não surgirá nenhum duplo twist carpado mudando o rumo da conversa. As emendas Pix já são elas mesmas uma gambiarra para contornar o cerco ao orçamento secreto, e o próprio Flávio Dino afirma em sua decisão que o Poder Executivo tinha o “poder-dever” de barrar o envio de recursos que não seguissem critérios técnicos, o que não aconteceu. Esse é só um exemplo de que é fácil exigir transparência do vizinho, difícil é aplicar no próprio quintal.

O mesmo Supremo que exige (corretamente) do Congresso que exponha ao público como usou as emendas frequentemente se recusa a informar ao público quem paga as viagens de seus ministros para eventos de empresas no exterior e costuma não responder se eles recebem cachê para realizar suas palestras. As agendas dos ministros, que em tese deveriam ser públicas, também nem sempre estão disponíveis no site da instituição.

O presidente Lula se elegeu pregando contra o sigilo de cem anos imposto por Bolsonaro a documentos públicos, mas só no primeiro ano de mandato seu governo negou 1.339 pedidos de informação, praticamente o mesmo número do último ano de Bolsonaro no Planalto.

O levantamento a esse respeito feito em maio mostrou que, no balaio do sigilo secular, estão dados tão diversos como a agenda da primeira-dama Janja, o documento sobre possíveis conflitos de interesse do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e a lista de autoridades que usam os aviões da FAB para seus deslocamentos.

Nesse ponto, o governo contou com a boa vontade do Tribunal de Contas da União (TCU), que autorizou segredo “eterno” para os deslocamentos do presidente da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e ainda dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do procurador-geral da República. O motivo: razões de segurança, mesmo argumento tantas vezes usado por Bolsonaro.

Em termos de transparência, o TCU produziu uma pérola: desde o ano passado, tirou do ar as sessões de julgamento que transmite ao vivo pelo YouTube. Quem quiser conferir o que foi falado numa sessão específica precisa pedir o vídeo via Lei de Acesso à Informação e aguardar até 60 dias.

Questionados por um cidadão inconformado, os ministros decidiram por unanimidade que não são obrigados a deixar o material na rede para todo mundo ver.

Olhando em perspectiva, nem parece que faz tão pouco tempo os órgãos de imprensa tiveram de montar um consórcio para garimpar na marra os dados sobre a quantidade de brasileiros mortos por Covid-19, em resposta a um governo negacionista e antitransparência por princípio.

Felizmente, não é preciso mais brigar por esse tipo de informação. Mas o caso das emendas Pix mostra que ainda falta muito para que se possa dizer que a transparência se tornou um valor universal e incontestável no Brasil. Pelo contrário. Em Brasília, transparência só é um refresco nos olhos dos outros.

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Governo 'esconde' raio-x sobre direitos humanos entregue para a ONU - Jamil Chade (UOL)

 Esconder as vergonhas e os desatinos é típico e próprio deste desgoverno.

Governo 'esconde' raio-x sobre direitos humanos entregue para a ONU

Jamil Chade
Colunista do UOL
11/08/2022 04h00

O governo de Jair Bolsonaro não distribui para a sociedade civil o informe final que o Executivo foi obrigado a preparar sobre a situação de direitos humanos no país e que foi entregue para a ONU, nesta semana.

No final de novembro, o Brasil passa por uma sabatina de suas políticas de direitos humanos e, na ocasião, governos e ativistas de todo o mundo poderão questionar e criticar as atitudes das autoridades brasileiras.

Mas, para tal exercício, o governo é obrigado a apresentar sua versão do que foi feito em termos de direitos humanos no país. Durante o governo de Michel Temer, o mesmo informe foi entregue à sociedade civil no mesmo dia em que as autoridades apresentaram os dados para a ONU.

Questionado, o Itamaraty afirmou que "governo brasileiro entregou o relatório ao Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em Genebra dentro do prazo estipulado, que deverá ser tornado público pelo referido Escritório nas próximas semanas, conforme calendário e procedimento estipulado pela organização".

A versão dada para a sociedade civil foi de que o governo esperaria algumas semanas antes de divulgar o informe, para aguardar eventuais comentários que a ONU possa ter.

Já o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, órgão legalmente responsável pela elaboração do relatório, disse apenas que repassou o documento ao Itamaraty.

Na ONU, a informação oficial é de que o informe será traduzido nas línguas oficiais e formatado para entrar no modelo padrão. A expectativa é de que o informe seja colocado nas páginas oficiais das Nações Unidas um mês antes da sabatina.

Mas nada impede que o governo, por decisão própria, circule o informe entre os atores da sociedade civil e da imprensa, inclusive por uma questão de transparência.

Informe preliminar do governo ignorou crise social e criticou ONU 
Em maio, o governo chegou a circular uma versão preliminar do informe para consulta pública. Mas ativistas de direitos humanos apontam que, sem ver a versão final por parte do governo, não há como saber se aquele documento inicial foi mantido ou modificado.

Sem citar crise social e nem números de famintos que explodiu, governo insistiu na versão preliminar do informe em destacar o papel do Auxílio Emergencial.

"As políticas de direitos humanos empreendidas pelo Estado brasileiro foram orientadas para garantia de direitos essenciais das populações mais vulneráveis. Assim, destacam-se como públicos atendidos mulheres, crianças e adolescentes, idosos, povos e comunidades tradicionais e pessoas com deficiência, principalmente", afirmou.

"No contexto da pandemia da COVID-19, que assolou o mundo nos últimos 2 anos e meio, tais públicos estão entre os cerca de 68 milhões de brasileiros diretamente e prioritariamente contemplados pelo Auxílio Emergencial que buscou mitigar os efeitos financeiros causados nas famílias, pois mães chefes de família receberam o auxílio financeiro em dobro, respeitando sua condição de maior vulnerabilidade", disse.

O governo também omitiu a demora na compra de vacinas e o fato de que Bolsonaro chegou a criticar o imunizante. No informe, o Executivo apenas afirma que, "em fevereiro de 2022, 85% da população já estão plenamente imunizadas".

"A esse respeito, cabe esclarecer que foram distribuídas mais de 380 milhões de doses de vacina em nosso país, com priorização de grupos mais vulneráveis, inclusive dos povos indígenas, estes já completamente imunizados em sua grande maioria", disse.

O que ainda surpreendeu as entidades da sociedade civil foi a decisão do governo brasileiro de destinar um importante trecho do documento a críticas contra a ONU.

"Apesar do comprometimento do Poder Executivo Federal ao longo do 3º ciclo, temos visto o desenvolvimento de diversas iniciativas relacionadas à RPU sendo apoiadas pela ONU no Brasil sem o envolvimento do governo federal, seja na formulação dessas iniciativas, seja nas etapas subsequentes", afirmou o governo.

O documento ainda se queixou do fato de que, ainda que a competência foi realizar o informe seja do Executivo, a ONU não entrou em contato "para ações de construção de capacidade, apoio ou assistência técnica, ao passo que outros poderes e outros atores foram fortalecidos e priorizados no processo, sem a participação do Governo Federal".

"O que observamos ao longo do 3º ciclo foi uma escolha da ONU em priorizar outros atores institucionais em detrimento do Governo Federal, quando muitas vezes os demais poderes sequer se posicionam como Estado e, nessa divisão confusa de papeis, acabam

"cobrando" do Executivo como se apenas este fosse responsável por dar cumprimento às recomendações endereçadas ao Brasil", criticou o governo.

"Registramos, para o 4º ciclo, a expectativa de que a ONU reposicione sua atuação no país no que diz respeito à maior coordenação com o Poder Executivo nas ações de construção de capacidade, assistência técnica e apoio, sem abandonar os avanços já obtidos com os demais poderes (Legislativo e Judiciário)", completou.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/08/11/governo-esconde-raio-x-sobre-direitos-humanos-entregue-para-a-onu.htm