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sábado, 6 de abril de 2024

O Itamaraty lulopetista choca pela desfaçatez das posições em favor de criminosos de guerra e violadores dos direitos humanos (Estadão)

Brasil muda de posição e se abstém sobre inquérito sobre crimes na guerra da Ucrânia

Lula: "Conheci o Putin no G7, no G20, na ONU. Nós fazemos partes de várias organizações internacionais que você tem a participação heterogênea de muitos países, muita gente que você não concorda, mas faz parte", 

Estadão, 5/04/2023

O governo brasileiro se absteve numa votação no Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas e deixou de apoiar um pedido de extensão do prazo de trabalho da comissão de inquérito sobre crimes de guerra na Ucrânia. A comissão havia sido criada em março de 2022, com voto favorável do Brasil, após a invasão do território ucraniano por tropas russas.

O Brasil foi um dos 17 países que se abstiveram na votação, realizada nesta quinta-feira, dia 4, em Genebra, na Suíça. A resolução, no entanto, foi aprovada por 27 votos a favor e 3 contra.

Com isso o mandato da Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre a Ucrânia foi renovado por um novo período de um ano. Em abril de 2023, a comissão de inquérito havia sido postergada por 12 meses - ela seria encerrada caso não recebesse a nova extensão do mandato agora. No ano passado, o Brasil não era parte do conselho e portanto não participou da votação.

O Estadão pediu esclarecimentos ao Itamaraty sobre o que motivou a abstenção do Brasil e questionou se o posicionamento não se choca com políticas do atual governo de promoção dos direitos humanos. Até o momento não houve resposta. O espaço segue aberto para manifestação.

Durante a votação nesta quinta-feira, o embaixador Tovar da Silva Nunes, representante permanente do Brasil junto às Nações Unidas em Genebra, afirmou que os termos da resolução aprovada poderiam impedir o diálogo entre os dois lados na guerra.

Tovar Nunes ponderou que o país manifesta "profunda preocupação" com a situação na Ucrânia, "particularmente com as alegadas violações envolvendo crianças deslocadas e deportadas, ataques a civis e o crescente número de mortes".

"No entanto, permanecemos descontentes com o texto diante de nós. A resolução é desequilibrada e coloca o fardo das violações dos direitos humanos apenas em um lado do conflito, não deixando espaço suficiente para o diálogo que poderia criar condições para prevenir violações de direitos humanos e construir uma paz duradoura na região", afirmou o chefe da missão brasileira em Genebra.

"Desde a sua criação em 2002, o Brasil argumentou que a comissão de inquérito não parecia ser o mecanismo adequado para revisar os fatos no terreno. No momento de sua concepção, referências a processos judiciais futuros antecipavam o resultado das investigações propostas. À luz desses fatos, o Brasil vai se abster nesta resolução."

O embaixador também questionou menções no texto da resolução aprovada a iniciativas jurídicas contra a Rússia, no TPI e na Corte Internacional de Justiça (CIJ), dizendo que poderiam ser "prejudiciais".

A diplomacia de Kiev rebateu o argumento brasileiro de que o conteúdo da proposta fosse tendencioso ou impedisse o diálogo. A representante da Ucrânia disse que o único pedido era que o conselho mantivesse o monitoramento das "atrocidades cometidas pela agressão russa" e que o mecanismo internacional independente verificasse a dor enfrentada diariamente pelo povo ucraniano.

Na mesma resolução aprovada, o CDH da ONU cobrou que o governo Vladimir Putin pare imediatamente violações de direito humanos e abusos contra a lei humanitária internacional na Ucrânia. Exigiu também a retirada rápida, do território ucraniano, das tropas militares invasoras e de grupos mercenários aliados de Moscou. E cobrou que o governo Putin não recrute ilegalmente residentes do território invadido para suas Forças Armadas.

O CDH disse ainda que a Rússia deve parar a deportação forçada e ilegal de civis do território ucraniano. Putin é alvo de um mandado de prisão em aberto, expedido pelo Tribunal Penal Internacional, acusado de transferência forçada de crianças, um crime de guerra.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva tem feito uma série de gestos em favor da Rússia. Autoridades do governo têm dito, por exemplo, que Putin seria bem-vindo ao país para a cúpula do G20 e argumentam que ele gozaria de certas prerrogativas e imunidades por ser chefe de Estado.

Em uma discussão paralela, na Comissão de Direito Internacional da ONU, o Brasil se posicionou a favor da imunidade de autoridades governamentais e contra o alcance de ordens de prisão do TPI a países - e a seus representantes - que não integrem o estatuto fundador da corte, como é o caso da Rússia desde 2016. O Itamaraty, no entanto, argumento que o debate é genérico e não teria implicação no caso da vinda de Putin ao Rio para o G20.

O governo brasileiro tem objetado tentativas de países aliados da Ucrânia e adversários de Moscou, entre eles os EUA e membros do G-7, de excluir Putin da arena internacional. O Brasil também se opôs a sanções e, em mão contrária, ampliou o comércio com os russos, que atingiu US$ 11 bilhões no ano passado.

Em setembro de 2023, no G20 da Índia, Lula defendeu em entrevista a uma rede de TV indiana que Putin não seria preso no país. Depois, em entrevista coletiva, voltou atrás de criar obstáculos a uma eventual ordem de prisão no país e afirmou que o caso caberia à Justiça brasileira.

Na esteira da controvérsia, o governo já discutiu inclusive a possibilidade de reavaliar a participação no Estatuto de Roma, que criou o TPI, por considerar que ele não funciona de forma adequada. A revisão tem apoio de Celso Amorim.

"Conheci o Putin no G7, no G20, na ONU. Nós fazemos partes de várias organizações internacionais que você tem a participação heterogênea de muitos países, muita gente que você não concorda, mas faz parte", argumentou Lula, na quinta-feira, dia 28. "Faz parte do processo democrático conviver democraticamente na adversidade. Não são fóruns de iguais, são de Estados, de países e temos de respeitar o direito de cada um fazer o que quer no seu país, criticando o que não concorda."

Os posicionamentos de Lula a respeito da guerra na Ucrânia afetaram a popularidade do presidente e provocaram a impressão, entre parceiros ocidentais, que ele apoia o regime russo. Lula já cogitou que a Ucrânia deveria ceder a Crimeia para firmar um acordo de paz e disse que tanto Putin quanto o presidente ucraniano Volodimir Zelenski tinham o mesmo grau de responsabilidade pela guerra. A Ucrânia, porém, foi invadida unilateralmente pelos russos, em 24 de fevereiro de 2022.

Ele afirmou ainda que os EUA e países europeus incentivavam a guerra ao fornecer armas e dinheiro para defesa de Kiev. Lula vetou a exportação de equipamentos bélicos fabricados no Brasil. O petista fracassou na tentativa de se colocar como potencial mediador do conflito.

Na semana passada, disse ainda que não era obrigado a ter o mesmo "nervosismo" dos europeus com Putin e disse que os "bicudos vão ter de se entender". O presidente e o PT enviaram cartas de cumprimentos pela reeleição de Putin, numa eleição sem controlada que foi alvo de contestação internacional.

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Governo 'esconde' raio-x sobre direitos humanos entregue para a ONU - Jamil Chade (UOL)

 Esconder as vergonhas e os desatinos é típico e próprio deste desgoverno.

Governo 'esconde' raio-x sobre direitos humanos entregue para a ONU

Jamil Chade
Colunista do UOL
11/08/2022 04h00

O governo de Jair Bolsonaro não distribui para a sociedade civil o informe final que o Executivo foi obrigado a preparar sobre a situação de direitos humanos no país e que foi entregue para a ONU, nesta semana.

No final de novembro, o Brasil passa por uma sabatina de suas políticas de direitos humanos e, na ocasião, governos e ativistas de todo o mundo poderão questionar e criticar as atitudes das autoridades brasileiras.

Mas, para tal exercício, o governo é obrigado a apresentar sua versão do que foi feito em termos de direitos humanos no país. Durante o governo de Michel Temer, o mesmo informe foi entregue à sociedade civil no mesmo dia em que as autoridades apresentaram os dados para a ONU.

Questionado, o Itamaraty afirmou que "governo brasileiro entregou o relatório ao Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em Genebra dentro do prazo estipulado, que deverá ser tornado público pelo referido Escritório nas próximas semanas, conforme calendário e procedimento estipulado pela organização".

A versão dada para a sociedade civil foi de que o governo esperaria algumas semanas antes de divulgar o informe, para aguardar eventuais comentários que a ONU possa ter.

Já o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, órgão legalmente responsável pela elaboração do relatório, disse apenas que repassou o documento ao Itamaraty.

Na ONU, a informação oficial é de que o informe será traduzido nas línguas oficiais e formatado para entrar no modelo padrão. A expectativa é de que o informe seja colocado nas páginas oficiais das Nações Unidas um mês antes da sabatina.

Mas nada impede que o governo, por decisão própria, circule o informe entre os atores da sociedade civil e da imprensa, inclusive por uma questão de transparência.

Informe preliminar do governo ignorou crise social e criticou ONU 
Em maio, o governo chegou a circular uma versão preliminar do informe para consulta pública. Mas ativistas de direitos humanos apontam que, sem ver a versão final por parte do governo, não há como saber se aquele documento inicial foi mantido ou modificado.

Sem citar crise social e nem números de famintos que explodiu, governo insistiu na versão preliminar do informe em destacar o papel do Auxílio Emergencial.

"As políticas de direitos humanos empreendidas pelo Estado brasileiro foram orientadas para garantia de direitos essenciais das populações mais vulneráveis. Assim, destacam-se como públicos atendidos mulheres, crianças e adolescentes, idosos, povos e comunidades tradicionais e pessoas com deficiência, principalmente", afirmou.

"No contexto da pandemia da COVID-19, que assolou o mundo nos últimos 2 anos e meio, tais públicos estão entre os cerca de 68 milhões de brasileiros diretamente e prioritariamente contemplados pelo Auxílio Emergencial que buscou mitigar os efeitos financeiros causados nas famílias, pois mães chefes de família receberam o auxílio financeiro em dobro, respeitando sua condição de maior vulnerabilidade", disse.

O governo também omitiu a demora na compra de vacinas e o fato de que Bolsonaro chegou a criticar o imunizante. No informe, o Executivo apenas afirma que, "em fevereiro de 2022, 85% da população já estão plenamente imunizadas".

"A esse respeito, cabe esclarecer que foram distribuídas mais de 380 milhões de doses de vacina em nosso país, com priorização de grupos mais vulneráveis, inclusive dos povos indígenas, estes já completamente imunizados em sua grande maioria", disse.

O que ainda surpreendeu as entidades da sociedade civil foi a decisão do governo brasileiro de destinar um importante trecho do documento a críticas contra a ONU.

"Apesar do comprometimento do Poder Executivo Federal ao longo do 3º ciclo, temos visto o desenvolvimento de diversas iniciativas relacionadas à RPU sendo apoiadas pela ONU no Brasil sem o envolvimento do governo federal, seja na formulação dessas iniciativas, seja nas etapas subsequentes", afirmou o governo.

O documento ainda se queixou do fato de que, ainda que a competência foi realizar o informe seja do Executivo, a ONU não entrou em contato "para ações de construção de capacidade, apoio ou assistência técnica, ao passo que outros poderes e outros atores foram fortalecidos e priorizados no processo, sem a participação do Governo Federal".

"O que observamos ao longo do 3º ciclo foi uma escolha da ONU em priorizar outros atores institucionais em detrimento do Governo Federal, quando muitas vezes os demais poderes sequer se posicionam como Estado e, nessa divisão confusa de papeis, acabam

"cobrando" do Executivo como se apenas este fosse responsável por dar cumprimento às recomendações endereçadas ao Brasil", criticou o governo.

"Registramos, para o 4º ciclo, a expectativa de que a ONU reposicione sua atuação no país no que diz respeito à maior coordenação com o Poder Executivo nas ações de construção de capacidade, assistência técnica e apoio, sem abandonar os avanços já obtidos com os demais poderes (Legislativo e Judiciário)", completou.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/08/11/governo-esconde-raio-x-sobre-direitos-humanos-entregue-para-a-onu.htm

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Conselho de Direitos Humanos da ONU: membros estupendos...

Acabo de ser informado por uma dessas chamadas do New York Times:

World Briefing | United Nations
By RICK GLADSTONE

The United Nations General Assembly elected China, Russia, Saudi Arabia, Vietnam, Cuba and nine others to fill seats on the Human Rights Council.

Realmente, se eu não lesse não acreditaria, mas enfim, isso ocorre o tempo todo, em todos os foros, mas fica particularmente bizarro numa coisa que se chama Conselho de Direitos Humanos.
A Humanidade, com H maiúsculo ou ,minúsculo?, parece rir de si própria.
Ou seria para chorar?
Quando pensamos que já vimos tudo, ainda não vimos nada.
Certa diplomacia votou entusiasmada pelos novos membros, companheiros plenos, estratégicos, amigos do peito.

Um leitor do NYTimes já reclamou:

LETTER
U.N. Rights Hypocrisy
The New York Times, November 13, 2013

To the Editor:
Re “New Rights Council Members Elected” (World Briefing, Nov. 13):
The fact that the United Nations General Assembly elected China, Russia, Saudi Arabia and Cuba — among others — for three-year terms on the Human Rights Council is too ironic to be believable.
These new members have refused to allow the council’s investigators to examine abuse complaints in their own countries, yet they have been elected to a council that investigates such records of members of the United Nations. What is the message?

MARY SCHWARZ
Long Beach, N.Y., Nov. 13, 2013

domingo, 10 de abril de 2011

A nota sobre o relatorio dos EUA sobre DH no Brasil e uma possivel resposta

Primeiro a nota, severa, como deve ser nesses casos:

Ministério das Relações Exteriores
Assessoria de Imprensa do Gabinete
Nota à Imprensa nº 147
8 de abril de 2011

Relatório do Departamento de Estado dos EUA sobre Direitos Humanos

O Governo brasileiro tomou conhecimento da publicação, hoje, 8 de abril, do relatório anual do Departamento de Estado dos EUA sobre Direitos Humanos.

O Governo brasileiro não se pronuncia sobre o conteúdo de relatórios elaborados unilateralmente por países, com base em legislações e critérios domésticos, pelos quais tais países se atribuem posição de avaliadores da situação dos direitos humanos no mundo. Tais avaliações não incluem a situação em seus próprios territórios e outras áreas sujeitas de facto à sua jurisdição.

O Brasil reitera seu forte comprometimento com os sistemas internacionais de direitos humanos, dos quais participa de maneira transparente e construtiva. O Brasil permanecerá engajado, em particular, no mecanismo de Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos, instância criada para avaliar situações de direitos humanos nos países membros das Nações Unidas.

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Eu sempre me pergunto quem é o "fazedor de notas" do Itamaraty, pois o estilo é enxuto, rigoroso, como convém a um governo sério.
Pois bem, agora fico imaginando se o Departamento de Estado quisesse responder também por uma nota: [traduzo antecipadamente para facilitar...]


Department of State
Office of Public Relations
Press Release n 148
April 9, 2011

Report of the Department of State on Human Rights in Brazil

O Governo americano tomou conhecimento da divulgação, ontem, 8 de abril, da nota do Governo brasileiro a propósito do relatório anual deste Departamento de Estado sobre Direitos Humanos no Brasil, em tom indignado e acusatório.

O Governo americano não se pronuncia sobre o conteúdo de notas de governos estrangeiros, mas tem a acrescentar, para informação do Governo brasileiro, que os relatórios elaborados pelo serviço diplomático americano a respeito das políticas e das práticas de direitos humanos por parte de países com os quais temos relações diplomáticas ativas correspondem a uma obrigação legal do Departamento de Estado, em obediência a uma lei aprovada pelo Congresso dos EUA, que serve para avaliar essas políticas e práticas, de maneira a orientar nossos legisladores quanto à situação dos direitos humanos no mundo, para melhor subsidiar políticas de cooperação, de ajuda, de concessão de privilégios comerciais e outros tratamentos favoráveis que o governo americano possa a vir conceder, com a devida autorização do Congresso, a esses países. Tais avaliações são elaboradas com o máximo de objetividade e de isenção possíveis, e incluem, geralmente, informações coletadas na própria imprensa do país objeto desses relatórios, assim como através de contatos diretos de nossos diplomatas com entidades voltadas para a defesa dos direitos humanos, tanto aquelas oficiais como as não-governamentais. Todos os relatórios possuem as fontes que serviram para a coleta de informações para sua elaboração.

O Governo americano entende que o governo brasileiro partilha de suas preocupações com a defesa dos direitos humanos em toda e qualquer circunstância, e não pretende se colocar como entidade julgadora dos países com os quais mantém relações diplomáticas, mas está pronto a cooperar com o governo brasileiro para a promoção dos direitos humanos em todos os foros, bilaterais, regionais e multilaterais, sempre quando isso for de interesse do governo brasileiro.

Washington, 9 de abril de 2011

[Pela ajuda ao Department of State:
Paulo Roberto de Almeida]

terça-feira, 5 de abril de 2011

Brasil-Iran: ex-chanceler lamenta o voto brasileiro na CDH-ONU

O ex-chanceler termina seu artigo, como novo colunista da revista Carta Capital, com esta expressão: "Oxalá eu esteja errado."
Eu também espero. Aliás tenho certeza...
Paulo Roberto de Almeida

Coluna / Radical Livre
IRÃ: Consequências de um voto
Celso Amorim
Carta Capital, 3 abril 2011

No DIA 24 DE MARÇO, o Brasil apoiou a resolução do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas que instituiu um Relator Especial para investigar a situação no Ira. Esse tipo de relator sobre um país específico, do ponto de vista simbólico, representa o nível mais alto de questionamento sobre o estado dos direitos humanos. Para se ter uma ideia, apenas oito países estão sujeitos a esse tipo de escrutínio.
Se excluirmos o Haiti, cuja inclusão se deve sobretudo aos efeitos de catástrofes naturais e contou com o apoio do próprio governo de Porto Príncipe, todos os demais (Camboja, Mianmar, Somália etc.) foram palco de tragédias humanitárias graves. São em geral países muito pobres, ditos de menor desenvolvimento relativo, em que o Estado, seja por incapacidade (Burundi, Haiti), seja em razão de sistemas políticos autocráticos (Coreia do Norte, Myanmar), não atende minimamente às necessidades dos seus cidadãos. Mesmo países, certa ou erradamente, considerados pelas potências ocidentais como ditaduras (Cuba, China e Líbia, antes dos últimos acontecimentos) ou que passaram a ser qualificados como tais recentemente (Egito e Tunísia, antes da Revolução do Jasmim) não fazem parte dessa lista infamante. Noto, a propósito, que um recente artigo publicado no Herald Tribune dava conta da opinião de um ex-diplomata norte-americano sediado em Teerã de que haveria no Ira mais elementos de democracia do que no Egito de Mubarak, então apontado como exemplo de líder árabe moderado. Que eu me recorde, o Ira é o único país que poderia ser classificado como uma potência média que está sujeita a esse tipo de escrutínio. Não procedem explicações que procuram minimizar a importância da decisão com comparações do tipo: "O Brasil também recebe relatores" ou "não houve condenação".
Não há como comparar os relatores temáticos que têm visitado o Brasil com a figura de um relator especial por país. Na semiologia política do Conselho de Direitos Humanos e de sua antecessora, a Comissão, a nomeação de um relator especial (ressalvados os casos de desastres naturais ou situações pós-guerras civis, em que o próprio país pede ou aceita o relator) é o que pode haver de mais grave. Se não se trata de uma condenação explícita, implica, na prática, colocar o país no banco dos réus. Quando fui ministro do presidente Itamar Franco, viajei a Cuba com uma carta do nosso chefe de Estado, a qual, além de referir-se à ratificação do Tratado de Tlatelolco, sugeria que Cuba fizesse algum gesto na área de direitos humanos. Cuba admitiu convidar o Alto Comissário das Nações Unidas para o tema, mas recusou-se terminantemente a receber o relator especial sobre o país. Conto isso não para justificar a atitude de Havana, mas para ilustrar a reação que desperta a figura do relator especial. Não cabe assim diminuir a importância do voto da semana passada. Pode-se concordar ou não com ele, mas dizer que não afetará as nossas relações com Teerã ou a percepção que se tem da nossa postura internacional é tapar o sol com a peneira.
Nos últimos meses e anos, o Brasil participou de várias ações ou empreendeu gestões que resultaram na libertação de pessoas detidas pelo governo iraniano, tanto estrangeiros quanto nacionais daquele país. É difícil determinar qual o peso exato que nossas démarches tiveram em situações como a da norte-americana Sarah Shroud ou do cineasta Abbas Kiarostami. No primeiro caso, a jovem alpinista veio nos agradecer em pessoa. Em outros casos, como a da francesa Clotilde Reiss, não hesito em afirmar que a ação brasileira foi absolutamente determinante. Mesmo no triste caso da mulher ameaçada de apedrejamento, Sakineh Ashtiani, os apelos do nosso presidente, seguidos de várias gestões no meu nível junto ao ministro do Exterior iraniano e ao próprio presidente Ahmadinejad, certamente contribuíram para que aquela pena bárbara não tenha se concretizado.
Poderia mencionar outros, como o do grupo de bahais, cuja condenação à morte parecia iminente. Evidentemente, tais ações só puderam ser tomadas e só tiveram efeito porque havia um certo grau de confiança na relação entre Brasília e Teerã, grau de confiança que não impediu que o presidente Lula tenha demonstrado ao presidente iraniano o absurdo de suas declarações que negavam a existência do Holocausto ou que propugnavam pela eliminação do Estado de Israel. Parece-me muito improvável que o governo brasileiro se sinta à vontade para esse tipo de démarche depois do voto do dia 24. Ou caso se sinta, que os nossos pedidos venham a ser atendidos. Muito menos terá o Brasil condições de participar de um esforço de mediação como o que empreendemos com a Turquia, em busca de uma solução pacífica e negociada para a questão do programa nuclear iraniano (o que, certamente, fará a alegria daqueles que desejam ver o Brasil pequeno e sem projeção internaciona). Oxalá eu esteja errado.

domingo, 27 de março de 2011

Diz-me com quem andas... e eu ficarei envergonhado...

Poderíamos estar na companhia destes campeões mundiais dos direitos humanos:

China
Rússia
Cuba
Equador
Bangladesh
Mauritânia
Paquistão
(Tem mais, mas estes são os que ocorrem estar atualmente num determinado Conselho)

Pois é, não estamos, mas apenas porque algo mudou, de 2010 para 2011.
Fosse ainda a realidade anterior, estaríamos certamente nessa companhia edificante...

What a difference a year makes...