Defendendo a reputação do "acusado":
Segunda Leitura
As estranhas reações à indicação de André Mendonça para o STF
O indicado tem 48 anos de idade, portanto, dentro dos limites constitucionais. Seu saber jurídico é notável, bastando lembrar, entre outras coisas, que é doutor e mestre em Direito pela Universidade de Salamanca, Espanha, foi pesquisador e professor visitante da Universidade de Stetson, Estados Unidos, é professor do curso LL.M em Direito: Compliance, da FGV-Rio, do programa de mestrado e doutorado em Direito da Instituição Toledo de Ensino de Bauru e do Programa de Pós-Graduação "stricto sensu" do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social-Cedes, em São Paulo. Finalmente, é detentor de reputação ilibada, pois, na sabatina a que se submeteu no Senado, não se disse uma só palavra que pudesse desaboná-lo.
Portanto, cumprindo todos os requisitos constitucionais, era de se esperar que sua indicação transcorresse sem grandes sobressaltos. No entanto, o que aconteceu foi o oposto. Somente em 1º de dezembro ele foi inquirido e aprovado no Senado, tendo que aguardar quatro meses em espera plena de ameaças de rejeição.
Mas então, se preenchia André Mendonça, com facilidade, os requisitos constitucionais, qual a razão de sua tormentosa espera? Ser pastor evangélico da Igreja Presbiteriana do Brasil.
Segundo consta, "A Igreja Presbiteriana do Brasil é uma federação de igrejas que têm em comum uma história, uma forma de governo, uma teologia, bem como um padrão de culto e de vida comunitária. Historicamente, a IPB pertence à família das igrejas reformadas ao redor do mundo, tendo surgido no Brasil em 1859, como fruto do trabalho missionário da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos" [1]. Ela foi trazida ao Brasil por Ashbel Green Simonton, na cidade do Rio de Janeiro, em 1859.
Totalmente entranhada na vida nacional (p. ex., o Instituto Presbiteriano Mackenzie), a IPB desenvolve diversas atividades. Seus pastores, tal qual os padres da Igreja Católica Apostólica Romana, têm por missão auxiliar as pessoas a conduzir-se de acordo com os ensinamentos da Bíblia.
Mas, afinal, o que isto significa de tão perigoso, de modo a despertar temor tão grave?
A resposta é uma mescla de ideias e sentimentos paralelos, envolvidos por disputas políticas, onde a paixão irracional dá o tom do raciocínio. Neste caldeirão entram desde uma frase dita pelo chefe do Executivo, no sentido de que escolheria um ministro "terrivelmente evangélico", até ocorrências com Igrejas pentecostais sem qualquer tradição, fundadas aleatoriamente com objetivos pouco claros.
No centro da rejeição ao nome de André Mendonça estaria um temor de que os seus julgamentos viessem a ser feitos com fundamento na Bíblia e não na Constituição do Brasil. Em outras palavras, da formação de um Estado Teocrático, como, na atualidade, alguns no Oriente Médio. Implícito a tal suposição, vinha um receio de medidas contrárias às conquistas sociais mais recentes, o que representaria um retrocesso, todas tomadas com fiel obediência ao Presidente da República que o indicou.
Há fundamento para tais suposições?
A primeira observação é a de que o indicado ser cristão significa, exclusivamente, seguir os ensinamentos de Jesus Cristo. Estes, perenizados nas palavras dos apóstolos no Novo testamento da Bíblia, nada mais são do que buscar a conversão interior, cultivar a humildade, repelir a vaidade, cultivar a solidariedade, a paz, para, a partir delas, mudar o mundo. Toda a civilização ocidental vem pautada por seus princípios e, se muitos erros foram e continuam sendo cometidos, é porque nós, seres humanos, somos imperfeitos e necessitamos perseguir permanentemente o nosso aprimoramento.
Entretanto, abstraindo o fato de ser cristão, que muito longe de ser defeito é virtude, há outros aspectos que ataques irrefletidos e carregados de conotação política não levaram em conta.
Um deles é o de que, sejam quais forem as previsões ou as promessas feitas para alguém sondado para ocupar uma vaga no STF, jamais será possível ter-se, a respeito, certeza absoluta. As razões são várias, mas entre elas está a de que as pessoas podem mudar suas posições a partir do conhecimento da realidade, do amadurecimento e da avaliação dos fatos sob um panorama nacional e não local.
Outro é a forma como se encara a suposta lealdade. Para uns, ela consiste em uma servil obediência a quem fez a indicação. Aqui há um erro de foco. Se algum ministro procedeu ou vier a proceder de tal forma, o problema será de caráter e não de "lealdade". Gratidão deve haver, por óbvio. E isto deve traduzir-se em atos de atenção e solidariedade ao longo da vida. Julgar de acordo com o desejo de quem fez a indicação é outra coisa. Isto está mais para um pacto de sangue da máfia siciliana do que para o nobre sentimento de lealdade. Grandes ministros, como Teori Zavascki (indicado pela presidente Dilma Rousseff) e Cezar Peluso (indicado pelo presidente Lula da Silva), nunca votaram pagando o "favor".
Ainda, os presidentes da República atuam por mandato. Portanto, um indicado estará mais próximo de quem indica apenas por um período que, por vezes, pode ser curto e, em outras, no máximo, dobrado por uma vez. E depois terá décadas de afastamento formal.
A partir da discreta personalidade do ministro André Mendonça, vejamos se há indicadores de que venha a agir incorretamente. E aí temos o terceiro requisito para alguém que ocupe a mais elevada posição do Judiciário brasileiro: moral ilibada.
Do ponto de vista de antecedentes, é impossível encontrar máculas na vida do indicado. Sua vida, como pode imaginar o mais ingênuo dos brasileiros, foi vasculhada de cima a baixo pelos contrários à sua indicação. E nada foi encontrado. Se tivesse feito uma malcriação à professora do segundo ano primário na pequena Miracatu (SP), certamente isto teria vindo à tona.
O fato é que o novo ministro tem longa trajetória como membro da Advocacia-Geral da União (desde 2000), chegando à posição máxima na hierarquia, qual seja, ministro Advogado-Geral da União, sem qualquer mácula.
E mais. Em um país em que a corrupção dá mostras de forte resistência, conseguindo expressivas seguidas vitórias, traz o novo ministro larga experiência no seu combate [2]. Com efeito, foi ele assessor especial do ministro da Transparência e Controladoria-Geral da União, coordenou a negociação do acordo com o Grupo OK, relacionado ao conhecido caso da construção do TRT de SP, gerando expressiva recuperação de ativos, coordenou as equipes de negociação dos acordos de leniência celebrados pela CGU e AGU nos casos relacionados com a Operação Lava Jato e é autor do livro Negociación en casos de corrupción: fundamentos teóricos y prácticos [3]. Portanto, é um experto no assunto.
Ao final, na falta de dados concretos, sobrevieram outras acusações contra o indicado, como a de mau uso da Lei de Segurança Nacional quando à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ora, a lei estava em vigor e usá-la era praticar ato de ofício.
Em suma, em boa hora o Senado aprovou a indicação de André Luiz de Almeida Mendonça para o cargo de ministro do STF. Supremo absurdo seria o fato de ser cristão prejudicá-lo, não sendo demais lembrar que o preâmbulo da Constituição, explicitamente, reconhece ser ela promulgada sob a proteção de Deus e o artigo 5º, inciso VI, assegura a todos a liberdade de crença. Nada melhor que o período de Natal para que isto seja lembrado.
O passado do novo integrante da Corte, sua simplicidade, habilidade conciliatória, aversão ao exibicionismo, dão a certeza de que bem cumprirá sua nobre missão. É o que o Brasil precisa.
[1] Disponível em: https://ipb.org.br/ipb/história. Acesso em 22 dez. 2021.
[2] Informações obtidas a partir de consulta feita em Busca Textual - Currículo Lattes (cnpq.br). Acesso em 23 dez. 2021.
[3] MENDONÇA, André Luiz de Almeida. Valencia: Editora Tirant lo Blanch, Espanha, 2018.