Politicagem na política externa
PEC que permite a parlamentar assumir embaixada mantendo o mandato mistura questões de Estado com política miúda
Notas&Informações, O Estado de S.Paulo
29 de junho de 2022 | 03h00
Um grupo de senadores liderados por Davi Alcolumbre (União-AP) busca aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) permitindo que parlamentares ocupem cargos de embaixador sem renunciar ao mandato. Isso em nada tem a ver com os interesses da política externa. É apenas mais uma tentativa de congressistas clientelistas, no fim de feira em que se transformou o governo Jair Bolsonaro, de ampliar seu balcão de negócios com novas mercadorias.
Diplomatas são funcionários concursados de carreira ligados ao quadro de profissionais do Itamaraty. A lei já prevê a nomeação excepcional de brasileiros reputados por mérito e experiência. Não é incomum, no Brasil e em outros países, que chefias de missões permanentes sejam exercidas por juristas e mesmo políticos. Incomum é que os políticos exerçam essa função mantendo seu mandato.
Alcolumbre argumenta que é uma “afronta ao bom senso” o fato de um congressista poder exercer o cargo de ministro das Relações Exteriores sem a obrigatoriedade de renunciar, mas ter essa “amarra” para ser embaixador. A prevalecer esse entendimento, não só os cargos diplomáticos, mas todos os cargos exercidos por profissionais de carreira em quaisquer ministérios estariam sujeitos a ser ocupados por parlamentares.
É justamente a garantia de que os ministros exercerão suas funções políticas sobre um quadro de profissionais técnico e isento que assegura o equilíbrio entre as vontades do governo e os interesses do Estado. Os riscos de conflito com a PEC são evidentes. Os interesses de Estado, nacionais, poderiam ser sobrepostos pelos interesses regionais e partidários dos congressistas.
A politização da diplomacia ameaça uma das ilhas de excelência do serviço público do Estado brasileiro. “Isso é o princípio da destruição da carreira diplomática como tal”, disse a embaixadora aposentada Maria Celina de Azevedo Rodrigues, presidente da Associação de Diplomatas Brasileiros. “Você acha que jovens vão entrar no Itamaraty para disputar no par ou ímpar com deputado ou senador, em troca de voto político?”
Alcolumbre sabe perfeitamente bem as razões dos constituintes. Na justificativa da PEC se diz que até agora prevaleceu o entendimento de que “a possibilidade de indicação de deputados e senadores para a ocupação de cargos de chefia de missão diplomática permanente representaria o sequestro da política internacional pela política miúda, fisiológica, em troca de apoio ao chefe do Poder Executivo”. Mas, segundo ele, “a restrição consistia em discriminação odiosa aos parlamentares”. O senador argumenta que “o mundo mudou significativamente nos últimos 33 anos”.
O mundo mudou. Mas os princípios que em 200 anos de regime constitucional garantiram a qualidade dos quadros diplomáticos brasileiros e o equilíbrio entre os Poderes da República não mudaram. Tampouco mudou o apetite de certas alas políticas por cargos e comissões de Estado a serviço de seus interesses paroquiais. O constituinte sempre soube que isso não mudaria e por isso estabeleceu os limites que agora estão ameaçados.
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