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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Roberto Ellery: Balanço da economia em 2019 (LEITURA OBRIGATÓRIA)

UM BALANÇO DA ECONOMIA (E DA EQUIPE ECONÔMICA) EM 2019


Este ano tive a honra de ter sido convidado para encerrar o ciclo de seções de conjuntura do Conselho Regional de Economia do DF (CORECON-DF) com uma avaliação da economia em 2019. O evento ocorreu no dia cinco de dezembro, nesse post faço um resumo do que falei. Como de costume minha leitura tem mais foco em desafios e dificuldades do que em comemorações. Não que não tenham ocorrido coisas boas ou que o saldo não seja positivo, mas é porque acredito que a função de um acadêmico que resolve participar do debate público é mostrar os perigos. Já tem muita gente dentro e fora do governo trabalhando para animar a galera.

Antes de começar a falar de 2019 é importante contextualizar o que vou falar na leitura que faço da economia brasileira, especificamente da crise que estamos passando. Creio que existem duas crises econômicas, uma de longo prazo e outra de curto prazo. A primeira está relacionada a características estruturais da economia brasileira e se arrasta desde meados da década de 1970, a segunda está relacionada a graves erros de política econômica que começaram no segundo mandato de Lula e tomaram proporções gigantescas no primeiro mandato de Dilma.

A crise de longo prazo é caracterizada pela baixa produtividade e pelo baixo crescimento da produtividade em associação com uma baixa taxa de investimento. Sair dessa crise é trabalho para vários governos empenhados em uma agenda de reformas que mude profundamente a economia brasileira. Essa agenda passa por educação, ambiente jurídico, ambiente de negócios, estrutura tributária e de gastos do governo, modelo de financiamento da pesquisa e educação superior, relações de trabalho e etc. Uma agenda que começou a ser implementada em meados da década de 1990 e foi abandonada lá por 2006.

A crise de curto prazo foi inicialmente caracterizada por um desequilíbrio fiscal com forte aumento da dívida pública e um descontrole da inflação e foi agravada por uma política de subsídios e desonerações mal desenhada e mal implementada. As distorções causadas por essas políticas levaram a investimento ruins agravando o problema da produtividade e do investimento. Creio que o maior risco para economia brasileira é um retorno aos subsídios e desonerações que podem até gerar algum ganho de curto prazo, mas vão comprometer ainda mais a alocação de capital e trabalho por meio de estímulos a negócios inviáveis na ausência desses incentivos.

Grosso modo o atual governo parece ciente desse problema, mas vez por outra nos assusta como nas desonerações do Programa Verde e Amarelo e no uso da Caixa para tentar forçar a queda dos juros. Imagino que seja muito difícil resistir às pressões para resultados de curto prazo, mas a capacidade de resistir a essas pressões pode definir o rumo da economia na próxima década. Forçar um crescimento alto no curto prazo pode ser fatal no futuro não muito distante.

Com esse pano de fundo passemos a avaliação de 2019 com direito a algumas perspectivas para 2020. Começo pelo crescimento, a figura abaixo mostra o crescimento do PIB brasileiro entre 1996 e 2019, as barras mostram o crescimento trimestral e a linha mostra o crescimento em relação ao trimestre anterior. Aqui é possível ver a economia afundando ainda no primeiro semestre de 2014 e a recuperação em 2016.




Em 2019 o PIB seguiu um ritmo muito parecido com o de 2018, ou seja, continua recuperação lenta iniciada em 2016. A boa notícia é que os temores de uma nova recessão técnica não se concretizaram, a má notícia é que a frustração pode levar a equipe econômica a acionar o uso de incentivos para garantir um crescimento maior em 2020.

A decomposição do crescimento do terceiro trimestre de 2019 (último dado disponível) e o mesmo trimestre do ano anterior mostra que o maior crescimento veio da agropecuária que responde por 4,3% do PIB (5,0% do valor agregado) e cresceu 2,1% no período. Um aumento da demanda externa, notadamente da China, pode levar a um crescimento ainda maior desse setor, mas antes de soltar fogos lembre que ele responde por menos de 5% do PIB. O segundo setor com maior crescimento foi o de serviços que responde por 62,5% do PIB (72,7% do valor agregado) e cresceu 1,0% no período. Por ser o maior setor da economia tanto do ponto de vista do PIB quanto da criação de empregos o setor de serviços tem um papel fundamental para o crescimento econômico, porém exige cuidados por ser um setor muito heterogêneo entrando de atividades básicas fortemente dependentes da dinâmica econômica local até atividades de alta tecnologia. O setor que menos cresceu foi a indústria que responde por 19,1% do PIB (22,2% do valor agregado) e teve um crescimento de 0,96%.




Centro das atenções durante o período desenvolvimentista e corriqueiramente apontado por alguns economistas como o eixo dinâmica da economia a indústria merece uma atenção especial. Não por suas supostas propriedades mágicas, mas porque a análise dos grandes setores da indústria pode me ajudar a explicar minha leitura do atual momento da economia brasileira. A figura abaixo mostra o crescimento da construção civil, da indústria extrativa e da indústria de transformação.




O setor industrial que mais cresceu foi a construção civil com crescimento de 4,4%, é um setor importante que costuma sinalizar crises e recuperações e com impacto no emprego. Ocorre que também é um setor sensível a taxas de juros. O quanto desse crescimento está relacionado a queda da taxa de juros? O quanto está relacionado a ação de bancos públicos? O quão sustentável é a queda dos juros? São as perguntas básicas para avaliar as perspectivas do setor. Infelizmente não tenho as respostas, pelo menos não com a segurança necessária para compartilhar aqui. De toda forma vale registrar que se o crescimento da construção resultar de juros artificialmente baixos podemos estar recebendo o tipo de cavalo de Troia a que me referi quando falei dos riscos que a equipe econômica venha a sucumbir à pressão por resultados de curto prazo. Na cola da construção civil vem a indústria extrativa com crescimento de 4,03%. Esse setor da indústria costuma estar relacionado ao setor externo, mas é muito possível que a recuperação da Vale após o desastre de Brumadinho seja responsável por esse crescimento, repare a queda do setor nos períodos anteriores.

A indústria de transformação encolheu 0,54% no período. Se meus colegas que creditam a esse setor propriedades únicas para puxar o crescimento de longo prazo e a produtividade estiverem corretos esse é um número para lá de preocupante. Como não faço parte desta turma vejo o número com outra preocupação. Enquanto o desempenho da construção civil pode estar relacionado a estímulos e o da indústria extrativa pode estar relacionado a recuperação de um choque e efeitos externos o desempenho da indústria de transformação está mais relacionado à dinâmica interna da economia. A não recuperação da indústria de transformação deve acender uma luz amarela sobre quão sólida é a retomada do crescimento. Naturalmente não é o caso de estimular a indústria de transformação para ter um crescimento sólido, isso seria o equivalente a tentar emagrecer manipulando a balança. A ideia é que um bom ambiente econômico levará a um quadro de crescimento da produtividade com expansão da indústria de transformação e da economia como um todo. A receita para esse bom ambiente econômico é complicada, mas certamente passa por mais liberdade para que empresas e famílias tomem decisões adequadas sem medo das incertezas jurídicas e coisas do tipo.

Alguns colegas dentro e fora do governo estão com uma leitura bem mais otimista que a minha, boa parte deles está olhando o PIB pelo lado da demanda. No lugar de olhar a composição do PIB entre atividades produtivas como agropecuária, serviços e indústria olham para a distribuição do PIB em categorias como consumo do governo, consumo das famílias e investimento. Há um extenso debate entre economistas a respeito do quando esse tipo de análise, também chamada de análise pela ótica da despesa, explica o crescimento de uma economia. Até o ponto onde seja possível falar de consenso ele aponta para que tais efeitos, se existem, são de curto prazo. Exceção óbvia para o investimento que além de representar um elemento da despesa representa aumento da capacidade futura de produção. É por essa última característica, e não por ser um elemento de despesa, que o investimento pode afetar o crescimento de longo prazo.

A figura abaixo mostra o crescimento dos principais elementos da despesa (consumo das famílias, investimento e consumo do governo). O otimismo deriva da ideia que como o consumo das famílias cresce mais que o consumo do governo a economia estaria sendo puxada pelo setor privado. Não compartilho desse otimismo que chega a ter ares de euforia. Primeiro porque não acredito que consumo algum puxe o crescimento, possível exceção para situações muito específicas e mesmo assim no curto prazo, e segundo porque não há nada novo no crescimento do consumo das famílias ser maior que o crescimento do consumo do governo.




O crescimento do investimento pode ser uma boa notícia, mas é preciso cuidado. Na década passada ocorreu um forte crescimento do investimento que desaguou na crise gigantesca que estamos vivendo. Como já disse em outros lugares investir mal é muito pior do que não investir, para apontar o crescimento do investimento é necessário analisar com cuidado para onde está indo esse investimento. Essa análise está fora do escopo desse post, mas aviso que se o investimento for em estruturas que só foram compradas por conta de estímulos como as reduções de juros da Caixa no longo prazo não vamos ter muito o que comemorar, pelo contrário.

Alguns colegas respondem meus alertas apontando para a estimativas de crescimento superior a 2,0% para 2020. Com sou chato e chuto canela sem cerimônia registro que desde o começo da crise, com exceção de 2017, o pessoal do mercado superestimou o crescimento da economia no começo do ano. Na figura abaixo a linha azul claro mostra as expectativas de crescimento no começo de cada mês e a reta azul escuro mostra o crescimento que ocorreu no ano. É claro que 2020 pode repetir 2017, mas o registro do passado recente sugere que o crescimento de 2020 deve ficar abaixo do que dizem as previsões de janeiro.




A outra variável fundamental para avaliar uma economia é a inflação. Em 2019 a inflação deve ficar dentro do intervalo da meta e abaixo do centro da meta. O Boletim Focus de 20 de dezembro, último antes desse texto ser escrito, projetava uma inflação de 3,98% para este ano, se consideradas as previsões dos “Top 5” a inflação deste ano vai ficar em 4,04%. Nos dois casos está abaixo da meta, porém não é baixa, a meta que é alta. O pico de inflação em novembro que parece vai se repetir em dezembro deveria ligar o sinal de alerta no Banco Central. É fato que as previsões para 2020 apontam um IPCA na casa de 3,6%, mas se há mesmo uma mudança de regime como sugeriu Paulo Guedes essas previsões têm pouco valor. A figura abaixo mostra a inflação nos últimos anos com destaque para impressionante habilidade da equipe econômica do governo Temer, com Ilan Goldfajn à frente do BC, em controlar a inflação. Note que a linha pontilhada mostra a meta atual que é menor que a meta vigente no governo Dilma.




Muito provavelmente o desempenho do câmbio vai ser a peça-chave para a inflação e para os juros em 2020. A redução da taxa de juros diminui o prêmio de comprar títulos do Brasil, isso tende a fazer com que ocorra uma saída de dólares do país. Com essa saída ficam menos dólares no país e o preço do dólar, que é a taxa de câmbio, aumenta. É por isso que Paulo Guedes falou de um novo regime de juros baixos e câmbio alto. A figura abaixo mostra a taxa de juros no Brasil e nos EUA e ilustra de forma clara a queda da diferença, ou seja, a queda do prêmio de colocar dinheiro no Brasil.




Qual o efeito da redução do prêmio na saída de dólares? Qual o efeito da saída de dólares no câmbio? Qual o efeito do câmbio na inflação? Essas são as perguntas fundamentais para política monetária em 2020. Estudos para o Brasil mostram que o efeito do câmbio na inflação é pequeno, ocorre que esses estudos foram feitos com dados do regime de juros altos e câmbio baixo e hoje, segundo o próprio Paulo Guedes, estamos mudando para um regime de juros baixos e câmbio alto. Uma das principais lições da macroeconomia dos anos 70 é que resultados obtidos com dados de um regime podem não valer quando muda o regime, desta forma estamos no escuro em relação às perguntas acima, especialmente em relação a última. Por isso tenho recomendado cautela e pedido cuidado com a redução dos juros, manda o juízo que dirigindo no escuro andemos devagar.


 Como é possível ver nos dados o descontrole da inflação foi resolvido no governo Temer e, salvo um grande erro na condução da política monetária, não deve assombrar 2020. Outro problema foi o ajuste fiscal, esse é mais demorado para resolver. A projeções de déficit abaixo de R$ 100 bilhões para este ano decorrem de receitas extraordinárias, a redução do gasto ainda é muito pequena para que o governo respire aliviado. Um aumento das receitas pode ajudar no ponto de vista do déficit e da dívida, mas, dado o Teto de Gastos, não vai facilitar a vida do governo. Isso é bom!




O ajuste fiscal de longo prazo ganhou um grande reforço com a aprovação da reforma da previdência. Não vou entrar em debates sem fim sobre o déficit da previdência, tratei disso em várias outras oportunidades, a figura abaixo deve ser suficiente para deixar claro a importância da reforma para o ajuste fiscal. Nela estão os principais componentes na despesa primária do governo central. É visível que o gasto com previdência é o maior, o que mais cresce e o único que não foi controlado com os esforços de ajuste iniciados no final de 2014. Não seria possível controlar o gasto da União sem controlar o gasto com previdência.




O Plano Mais Brasil traz outros reforços para a política fiscal, desta vez no controle da folha de pagamento da União e dos estados. Como é possível ver na figura acima o gasto com pessoal e encargos é a segunda maior despesa primária da União, não apresenta uma tendência crescente como o gasto com previdência, mas é alto. Nos estados e municípios a situação é bem mais complicada. A figura abaixo mostra o comprometimento dos estados com pessoal em 2017, repare que em vários estados o gasto com pessoal e encargos ultrapassa 60% da receita corrente líquida.




Não bastasse os valores altos a tendência dos gastos com pessoal como proporção da receita corrente líquida é de crescimento em vários estados e na média dos estados. A figura abaixo ilustra esse fato.




Para controlar a despesa com pessoal e encargos o Plano Mais Brasil traz um conjunto de medidas, das quais destaco:

       Proibição de promover funcionários (com exceções), dar reajuste, criar cargos, reestruturar carreiras, fazer concursos e criar verbas indenizatórias
       Suspenção criação de despesas obrigatórias e de benefícios tributários
       Permissão para redução de 25% da jornada do servidor com adequação dos vencimentos

Por mais antipáticas que sejam são medidas importantes. A aplicação dessas medidas depende de condições específicas definidas nas PECs encaminhadas pelo governo. Uma pena que o governo tenha comprometido o discurso da necessidade de ajuste na folha ao conceder aumentos generosos aos militares que também ficaram de fora de medidas como a proibição de progressão funcional em períodos de emergência fiscal. Fica difícil pedir sacrifícios para os outros quando se distribui bondades para os seus.

Outra medida importante e polêmica do Plano Mais Brasil é que em 2020 e 2021 o salário mínimo será corrigido apenas pela inflação, ou seja, não haverá ganho real. É um assunto delicado dadas as diversas implicações da medida, mas alguns fatores devem ser considerados. O primeiro é que nos últimos anos o salário mínimo cresceu bem mais que a produtividade do trabalho, isso está ilustrado na figura abaixo.




Alguém pode dizer que isso acontecer para ajustar as perdas salariais ocorridas na década de 1990 ou mesmo desde a década de 1970. É difícil tratar desse assunto, mas a figura abaixo mostra que o salário mínimo cresceu bem mais que a renda média do trabalho. Isso sugere que de fato o salário mínimo cresceu muito e um freio de arrumação é necessário.




Uma outra medida importante do Plano Mais Brasil é suspender repasses do FAT para o BNDES quando de emergências fiscais, quem me acompanha por aqui ou no FB sabe o quanto defendo esse tipo de medida. A revisão dos fundos que foi objeto de PEC específica também parece ser uma boa medida.

Para além do ajuste fiscal e já chegando na crise de longo prazo o governo aprovou a MP da Liberdade Econômica e anunciou um “revogaço”. O quanto dessas medidas se tornarão realidade ou terão efeitos práticos é algo que só o futuro dirá, mas reconhecer o problema de excesso de regulação e tentar melhorar o ambiente de negócios sempre merece registro positivo. A figura abaixo ilustra o tamanho do problema. Saber que dentre os países de renda média-alta apenas na Venezuela é mais difícil pagar impostos do que no Brasil e que apenas na Venezuela e na Bósnia-Herzegovina é mais difícil conseguir permissão para construções do que no Brasil deveria assustar quem quer que pense na capacidade do Brasil retomar o crescimento econômico.




No começo do ano o governo prometeu uma forte agenda de privatizações, chegamos ao fim do ano sem privatizar nem mesmo a Eletrobras. Em respeito ao Salim Mattar vou esperar mais um pouco antes de tirar conclusões mais fortes, mas devo dizer que em 2019 o ousado programa de privatizações que traria um trilhão de reais ficou que nem o caviar da música: “Nunca vi, nem comi, eu só ouço falar”. Outro front onde eu gostaria de ver mais avanços em 2020 é na abertura da economia.

Se o governo tem méritos inegáveis por tentar tocar uma agenda de reformas com vitórias importantes como a reforma da previdência também há uma agenda de contrarreformas que vez por outra dá as caras e assusta. As idas e vindas com a CPMF ou com a versão digital que apareceu no final do ano são um exemplo dessa agenda ruim. Até agora Bolsonaro aguentou firme em não bancar a volta desse tipo de imposto, mas a fixação de Paulo Guedes em taxar transações é algo inexplicável e um tanto quanto preocupante.

O uso da Caixa para reduzir juros é outra política da agenda de contrarreformas, o expediente foi tentado sem sucesso no governo da Dilma e até agora parece não ter dito a que veio no governo de Bolsonaro. Para uma equipe econômica classificada de ultraliberal é no mínimo intrigante entender a razão de no lugar de estarmos discutindo a privatização ou pelo menos a abertura de capital da Caixa estarmos discutindo mais uma tentativa de usar o banco para colocar mais distorções o mercado de crédito. No campo financeiro tivemos também um tabelamento dos juros no cheque especial, essa nem o Mantega tentou. Sei que bons economistas defenderam a medida, tenho muitas dúvidas se defenderiam a mesma medida se tomada por Tombini, mas eu não compro. Para não falar de uma estranhíssima elasticidade preço da educação financeira usada para justificar a decisão registro que o pessoal de economia comportamental, muito evocada para justificar a medida do BC, costuma falar de medidas pequenas. Confesso acompanhar esse campo apenas como curioso, mas se era para tabelar, fazer isso com valores próximos ao de mercado e reduzir o teto aos poucos com avaliações de impacto a cada redução está muito mais próximo do que se discute na área do que fixar do nada um teto que é metade do valor praticado pelo mercado.

As últimas duas contrarreformas que quero registrar são o Programa Verde e Amarelo e os incentivos para construção civil principalmente via Caixa. O primeiro é uma versão piorada das infames desonerações do governo Dilma com o agravante de tentar cobrar dos desempregados parte da conta dos direitos trabalhistas de quem está empregado. A alternativa seria a CPMF digital que, entre outras distorções, cobraria de quem está no setor informal os custos dos direitos trabalhistas dos empregados formais. Os incentivos a construção civil também foram tentados no governo Dilma, o que parecia ser um sucesso virou um problema. Todo cuidado é pouco para não repetir essa história, creio que melhor seria deixar o setor terminar de se ajustar.

Alguém poderia classificar os saques do FGTS como contrarreforma, não concordo que sejam. Primeiro porque trata-se de devolver aos legítimos donos um dinheiro retirado para bancar um fundo com retornos ridículos. Uma expropriação mal disfarçada de benesse, qualquer devolução de recursos do FGTS terá meu apoio com a única crítica da devolução não ter sido maior. Segundo porque existe no pacote onde está a medida um esforço legitimo e necessário para reduzir custos de demissão o que deve reduzir a rotatividade com possíveis efeitos positivos na produtividade do trabalho.

Encerro com um pequeno resumo desse post gigante. Em 2019 o PIB teve um comportamento semelhante ao de 2017 e 2018 mostrando uma recuperação lenta e sólida. Pode parecer frustrante, mas é muito melhor do que outra rodada de crescimento turbinado por estímulos. A inflação é alta, mas está na meta, portanto não posso falar de perda de controle ou de luz vermelha, mas a luz amarela está acesa e nervosa. O governo bancou uma agenda de reformas importante com destaque para a reforma da previdência e para a MP da Liberdade Econômica. Existe uma agenda de contrarreformas que até agora não comprometeu as reformas, mas demanda atenção máxima. O perigo está na esquina.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Livro com artigos do economista Roberto Campos lançado em Brasilia - Uniceub, 28/02/2019

O debate com o economista e professor da unB permitiu detectar os fatores estruturais e os elementos constitucionais do baixo crescimento no Brasil. O diplomata Arthur Naylor desvendou leituras recentes --- Brazil in Transition, de Bernardo Muller et ali; Por que o Brasil cresce pouco, de Marcos Mendes --- para se interrogar se o Brasil poderia ou não enveredar por uma trajetória de crescimento sustentado.

Paulo Roberto de Almeida

Livro com artigos do economista Roberto Campos será lançado em Brasília

Avô do próximo presidente do Banco Central era crítico da Constituição de 1988.

G1, 28/02/2019

Avô do próximo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o economista Roberto Campos se destacou pela defesa do liberalismo de mercado – e pelas críticas à Constituição de 1988. Essas opiniões eram tão extensas e contundentes que dariam um livro. E deram. 
"A Constituição contra o Brasil" (LVM, 448 páginas) reúne artigos e crônicas de Campos sobre a Assembleia Constituinte de 1988 e suas supostas consequências para o Brasil atual. 
Organizado pelo diplomata Paulo Roberto de Almeida, o livro será lançado nesta quinta-feira (28), às 19h, no Centro Universitário de Brasília (UniCeub). 
A maior parte dos textos foi escrita no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, até a revisão constitucional de 1993. 
O evento é organizado pelo grupo Aliança pela Liberdade, que está à frente do Diretório Central Estudantil (DCE) da UnB. Almeida e o professor de economia da universidade Roberto Ellery darão palestras breves durante o lançamento. 
Roberto Campos foi ministro do Planejamento durante a ditadura militar (governo Castello Branco), senador pelo PSD do Mato Grosso e deputado federal pelo PPB do Rio de Janeiro. Ele também foi embaixador em Washington e Londres nos anos 1960 e 1970. Campos morreu em 2001, com 84 anos, de um infarto no miocárdio. 
  • Lançamento do livro "A Constituição contra o Brasil"
  • Data: 28 de fevereiro
  • Hora: 19h
  • Local: UniCeub, Bloco 3, auditório – 707/907 Norte
  • Inscrições gratuitas
  • O livro não será vendido no evento, mas já está disponível nas livrarias
Veja o que fazer em Brasília no G1 DF.

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Um debate sobre a economia na CF-1988 - Uniceub, 28/02, 19hs




Terei o prazer de receber o economista da UnB Roberto Ellery e um colega do Itamaraty, Arthur Naylor, para um debate sobre a economia na Constituição de 1988, com base nos artigos de Roberto Campos, coletados por mim no livro recentemente publicado pela LVM.
Todos estão bem vindos.
Existe um estacionamento disponível na parte de cima (via W7) do campus do Uniceub. O Bloco 3 está bem no centro do campus, que ocupa toda a quadra 707-907 Norte.

domingo, 4 de novembro de 2018

Desafios (externos) ao Brasil no próximo governo - Uniceub, 5/11, 19h30

Um ex-aluno meu do doutoramento em Direito no Uniceub, Fernando Elias, atualmente professor no curso de Relações Internacionais na mesma instituição de Brasília, consultou-me recentemente – mais ainda antes do segundo turno – sobre o que poderíamos apresentar aos seus alunos sobre o cenário que se abriria ao Brasil a partir da instalação do próximo governo, em janeiro de 2019.
Naturalmente tendente a analisar mais as questões econômicas, do que as políticas ou mesmo as diplomáticas, sugeri a organização de uma mesa redonda sobre os desafios externos ao Brasil, e indiquei convites a dois economistas de minha confiança: Felipe Salto, da Instituição Financeira Independente, órgão do Senado Federal, e o professor Roberto Ellery, do Departamento de Economia da UnB. O próprio Fernando Elias faria a coordenação dos debates.
Eis o banner preparado para a ocasião: 

Para tal ocasião, e para facilitar minha exposição antes do debate, preparei uma apresentação, como registrado nesta ficha: 

3357. “Desafios externos ao Brasil no próximo governo”, Brasília, 4 novembro 2018, 24 slides. Apresentação em mesa-redonda no Uniceub, com a participação de Felipe Salto (IFI-Senado) e Roberto Ellery (Eco-UnB), sob a coordenação do prof. Fernando Elias, do curso de Relações Internacionais, em 5/11/2018. Disponível na plataforma Academia.edu (link: http://www.academia.edu/37701676/DesafiosExternosBrasil.ppt).

Na verdade, como se verá, todos, ou praticamente todos, os grandes problemas do Brasil são essencialmente domésticos, mas como o curso é de relações internacionais, ficou o título.

Minha apresentação, portanto, já está disponível. As dos dois colegas poderão ser disponibilizadas oportunamente.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 novembro 2018


domingo, 17 de setembro de 2017

Nossos “defensores” e quem nos defende deles - Paulo Roberto de Almeida


Nossos “defensores” e quem nos defende deles

Paulo Roberto de Almeida


Primeiro a postagem de Roberto Ellery em sua página no Facebook (15 de setembro de 2017, às 18:40; https://www.facebook.com/rgellery/posts/1135351823264120):

Entendo os que se preocupam com o excesso de poder dos procuradores e juízes, não apenas entendo como compartilho da preocupação. Mas enquanto o legislativo e o executivo parecerem mais com uma gangue tentando proteger os seus do que com poderes da república a tendência é que o judiciário e o ministério público cresçam e abocanhem mais poder. Apenas um Congresso e um inquilino do Planalto que pareçam não agir apenas em causa própria poderão reverter a tendência de enquadramento do executivo e do legislativo pelo judiciário e pelo MP.


Agora, meu argumentos sobre a mesma questão:

Aprovo e compartilho os argumentos de Roberto Ellery. Quando a sociedade, que somos nós, se sente não apenas desprotegida e desamparada, em face de bandidos comuns, que nos assaltam e ameaçam nossas vidas com revólveres e facas, mas sobretudo quando nos sentimos reféns e dilapidados em face de bandidos de alto coturno e de colarinhos brancos, que não contentes de nos extorquirem legalmente, via uma miríade de impostos, taxas e contribuições, ainda nos expropriam ilegal e criminosamente, via fraudes orçamentárias, superfaturamentos em compras governamentais, propinas incorporadas aos contratos públicos, quando tudo isso acontece, é absolutamente normal que se recorra ao uso vigoroso dos únicos instrumentos legais que restam à cidadania na defesa de nossas vidas e patrimônio. Setores do MPF, do Judiciário (não todos, pois também existem comportamentos extrativistas e corporativos que desviam recursos para seus membros) e da Polícia Federal podem representar essa última barreira de contenção ao roubo organizado por meliantes de todos os tipos, sendo os mais perigosos justamente aqueles que dizem nos representar.
Fora disso, só anarquia e a anomia, de que padece, por exemplo, a Venezuela atual, cujo povo vem sendo cruelmente assaltado e oprimido por uma gangue de criminosos políticos que assaltou o poder. O Brasil, mesmo depois de ter extirpado do poder a organização criminosa que o havia tomado de assalto em 2003, ainda não se livrou das várias gangues de criminosos políticos que continuam assaltando o Estado e a nós cidadãos, desde muito tempo, mas pelo menos estamos livres do desastre venezuelano, graças justamente a esses setores de "última instância" a que se refere Roberto Ellery. Eles são o nosso último recurso, junto com o "Fora Todos" e a renovação COMPLETA da classe política.
Mas, sempre fica a questão crucial e eterna: Quem nos Defende de nossos Defensores?
Ou seja, não cabe confiar todo o poder ao "poder moderador" do momento, que são os bravos paladinos da República de Curitiba (em seu sentido metafórico). Em todo caso, melhor eles do que a guarda pretoriana e as instituições castrenses de antigamente, que também recorriam ao arbítrio dos que possuem a força para combater a corrupção e o caos político, num ambiente de autoritarismo (quando não de ditadura) que também é inaceitável (mas que alguns julgam ser necessário, como os defensores de certo candidato saudosista do regime militar).
Ou, como também se diz: o preço da liberdade é a eterna vigilância.


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 de Setembro de 2017

domingo, 28 de agosto de 2016

Roberto Ellery sobre a extensao, caracteristicas e gravidade das pedaladas

Aos que ainda acreditam que foi uma coisinha sem importância, feita por motivos de política social, e que finalmente todo mundo fez...
Paulo Roberto de Almeida

Blog do Roberto Ellery

domingo, 28 de agosto de 2016

Pedaladas, Bolsa Família e programas do BNDES

O assunto desta semana será o julgamento de Dilma e, como consequência, muito será dito a respeito das pedaladas. Já prevendo isso considerei válido deixar alguns registros aqui no blog sobre o assunto. Para entender o que são as pedaladas recomendo um post bem didático que foi publicado no excelente Mercado Popular (link aqui), grosso modo as pedaladas ocorrem quando o governo não repassa para bancos controlados pelo próprio governo recursos referentes a programas que também são do governo. Um exemplo fácil de entender são as pedaladas do Bolsa Família, o governo repassa o dinheiro para Caixa que paga aos beneficiários do programa. Caso o governo atrase o repasse a Caixa paga mesmo assim, imagine o caos que seria se a Caixa se recusasse a pagar, e, depois, o governo manda o dinheiro. A pedalada ocorre quando o governo demora para mandar o dinheiro para Caixa.

O primeiro ponto que será levantado pelos defensores da presidente afastada é que todos os presidentes pedalaram. É verdade, mas nenhum chegou nem perto de Dilma no tamanho das pedaladas, a figura abaixo mostra as pedaladas desde FHC (usei os dados disponíveis no BC, a página Análise Macro ensina direitinho como pegar os dados usando o R, link aqui), repare o crescimento absurdo das pedaladas com Dilma, o que na época de FHC mal passou de um bilhão e com Lula não chegou a oito bilhões com Dilma foi a quase sessenta bilhões! Não importa, se fez é crime e deveria ter sido punido, pode pensar o leitor. Eu não teria tanta pressa em chegar a tal conclusão, existem casos em que a punição pode ir de advertência a uma multa ou até mesmo prisão a depender do grau. Um caso que me vem sempre à mente é a lei que proíbe beber e dirigir, se alguém comer uma sobremesa com álcool e for parado em uma blitz não deve levar mais que uma bronca do guarda, quando muito vai ter de esperar uns quinze minutos e soprar de novo para seguir no rumo de casa; se o tal sujeito tiver bebido um pouco mais vai levar uma multa; se tiver bebido muito pode ser preso. Olhando a figura abaixo eu penso que a pedalada de FHC equivale a um bombom de licor, a de Lula a uma cervejinha e a de Dilma a duas garrafas de vodca. Sendo assim não faz o menor sentido dizer que os três fizeram a mesma coisa.




Outro argumento que sempre aparece é que Dilma fez as pedaladas por conta dos programas sociais. É um argumento cínico, equivale a um sujeito que gastou no bar o dinheiro das compras tentar pegar um empréstimo alegando que não tem como fazer as compras do mês. Porém, mesmo ignorando o cinismo do argumento, a tese não se sustenta. A figura abaixo mostra para onde foi o dinheiro das pedaladas. Repare que a Caixa, que é responsável pelo Bolsa Família, foi onde teve menos pedaladas no governo Dilma, já no Banco do Brasil, responsável pelo Plano Safra, as pedaladas só foram maiores que as feitas com a Caixa. O grosso das pedaladas foram para o FGTS e o Finame. O FGTS em si é uma aberração, um programa de poupança forçada onde o governo toma um percentual do salário dos trabalhadores e remunera a uma taxa de 3% mais a TR, hoje a remuneração deve estar em torno de 5% ao ano. Que o governo tenha um dinheiro barato assim e ainda atrase repasses é um escândalo. O outro grande vilão das pedaladas é o Finame, um programa do BNDES destinado ao financiamento de máquinas e equipamentos (link aqui). Sozinho, o Finame corresponde a quase um terço das pedaladas, sozinhas, as pedaladas do Finame são mais que o dobro dos maiores valores pedalados por Lula e FHC somados.




Os dados do BC dividem o Finame em duas categorias: PSI e Outros, a figura abaixo mostra estas duas categorias mais o Bolsa Família. A comparação torna ainda mais sem sentido a tese que o governo pedalou para ajudar os pobres, tirando um pequeno período de 2014 as pedaladas do Bolsa Família ficam invisíveis da figura, por outro lado vemos que o PSI sozinho chegou a ser responsável por mais de R$ 20 bilhões em pedaladas. O que é o PSI? É o Programa de Sustentação do Investimento (link aqui), um programa onde a guisa de estimular investimento o BNDES fazia empréstimo para empresários amigos com juros de pai para filho (para saber mais a respeito do BNDES e investimento no Brasil ver aqui eaqui). Os números são claros: perto das pedaladas que foram para os muito ricos via PSI as pedaladas que foram para os muito pobres via Bolsa Família praticamente somem.



Um último ponto diz respeito à gravidade das pedaladas. A princípio pode parecer algo de pouca gravidade, afinal, até onde sabemos hoje, o dinheiro não foi para o bolso da presidente. Não vou esticar muito o assunto porque é um tema complexo e não quero perder o foco do post, mas digo que considero as pedaladas um crime gravíssimo, um dos mais graves que um presidente pode cometer na condição de chefe do executivo. Para entender meu ponto considere que crimes como assassinatos, roubos, sequestros e outras agressões do tipo que são feitas às leis são punidas mesmo em tiranias, ou seja punir crimes assim não é uma característica exclusiva do Império da Lei. Sendo assim em parece lícito afirmar que crimes assim agridem a lei, mas não necessariamente agridem o Império da Lei. O que uma tirania não pune são os abusos dos detentores do poder. Ao usar de artifícios contábeis para gastar mais do que o autorizado pelo Congresso e pela lei orçamentária a presidente Dilma abusou do poder que detinha como chefe do executivo, repare que falei “...gastar mais do que o autorizado pelo Congresso e pela lei...” e não apenas “gastar mais”. Não punir esse tipo de abuso implica em colocar o governante acima da lei e colocar o chefe do executivo acima do Congresso, ou seja, caso a presidente seja considerada culpada, não apenas Dilma terá agredido a lei como a não punição de Dilma será uma agressão ao Império da Lei.