Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
Aos que ainda acreditam que foi uma coisinha sem importância, feita por motivos de política social, e que finalmente todo mundo fez...
Paulo Roberto de Almeida
Blog do Roberto Ellery
domingo, 28 de agosto de 2016
Pedaladas, Bolsa Família e programas do BNDES
O assunto desta semana será o julgamento de Dilma e, como consequência, muito será dito a respeito das pedaladas. Já prevendo isso considerei válido deixar alguns registros aqui no blog sobre o assunto. Para entender o que são as pedaladas recomendo um post bem didático que foi publicado no excelente Mercado Popular (linkaqui), grosso modo as pedaladas ocorrem quando o governo não repassa para bancos controlados pelo próprio governo recursos referentes a programas que também são do governo. Um exemplo fácil de entender são as pedaladas do Bolsa Família, o governo repassa o dinheiro para Caixa que paga aos beneficiários do programa. Caso o governo atrase o repasse a Caixa paga mesmo assim, imagine o caos que seria se a Caixa se recusasse a pagar, e, depois, o governo manda o dinheiro. A pedalada ocorre quando o governo demora para mandar o dinheiro para Caixa.
O primeiro ponto que será levantado pelos defensores da presidente afastada é que todos os presidentes pedalaram. É verdade, mas nenhum chegou nem perto de Dilma no tamanho das pedaladas, a figura abaixo mostra as pedaladas desde FHC (usei os dados disponíveis no BC, a página Análise Macro ensina direitinho como pegar os dados usando o R, linkaqui), repare o crescimento absurdo das pedaladas com Dilma, o que na época de FHC mal passou de um bilhão e com Lula não chegou a oito bilhões com Dilma foi a quase sessenta bilhões! Não importa, se fez é crime e deveria ter sido punido, pode pensar o leitor. Eu não teria tanta pressa em chegar a tal conclusão, existem casos em que a punição pode ir de advertência a uma multa ou até mesmo prisão a depender do grau. Um caso que me vem sempre à mente é a lei que proíbe beber e dirigir, se alguém comer uma sobremesa com álcool e for parado em uma blitz não deve levar mais que uma bronca do guarda, quando muito vai ter de esperar uns quinze minutos e soprar de novo para seguir no rumo de casa; se o tal sujeito tiver bebido um pouco mais vai levar uma multa; se tiver bebido muito pode ser preso. Olhando a figura abaixo eu penso que a pedalada de FHC equivale a um bombom de licor, a de Lula a uma cervejinha e a de Dilma a duas garrafas de vodca. Sendo assim não faz o menor sentido dizer que os três fizeram a mesma coisa.
Outro argumento que sempre aparece é que Dilma fez as pedaladas por conta dos programas sociais. É um argumento cínico, equivale a um sujeito que gastou no bar o dinheiro das compras tentar pegar um empréstimo alegando que não tem como fazer as compras do mês. Porém, mesmo ignorando o cinismo do argumento, a tese não se sustenta. A figura abaixo mostra para onde foi o dinheiro das pedaladas. Repare que a Caixa, que é responsável pelo Bolsa Família, foi onde teve menos pedaladas no governo Dilma, já no Banco do Brasil, responsável pelo Plano Safra, as pedaladas só foram maiores que as feitas com a Caixa. O grosso das pedaladas foram para o FGTS e o Finame. O FGTS em si é uma aberração, um programa de poupança forçada onde o governo toma um percentual do salário dos trabalhadores e remunera a uma taxa de 3% mais a TR, hoje a remuneração deve estar em torno de 5% ao ano. Que o governo tenha um dinheiro barato assim e ainda atrase repasses é um escândalo. O outro grande vilão das pedaladas é o Finame, um programa do BNDES destinado ao financiamento de máquinas e equipamentos (linkaqui). Sozinho, o Finame corresponde a quase um terço das pedaladas, sozinhas, as pedaladas do Finame são mais que o dobro dos maiores valores pedalados por Lula e FHC somados.
Os dados do BC dividem o Finame em duas categorias: PSI e Outros, a figura abaixo mostra estas duas categorias mais o Bolsa Família. A comparação torna ainda mais sem sentido a tese que o governo pedalou para ajudar os pobres, tirando um pequeno período de 2014 as pedaladas do Bolsa Família ficam invisíveis da figura, por outro lado vemos que o PSI sozinho chegou a ser responsável por mais de R$ 20 bilhões em pedaladas. O que é o PSI? É o Programa de Sustentação do Investimento (linkaqui), um programa onde a guisa de estimular investimento o BNDES fazia empréstimo para empresários amigos com juros de pai para filho (para saber mais a respeito do BNDES e investimento no Brasil veraquieaqui). Os números são claros: perto das pedaladas que foram para os muito ricos via PSI as pedaladas que foram para os muito pobres via Bolsa Família praticamente somem.
Um último ponto diz respeito à gravidade das pedaladas. A princípio pode parecer algo de pouca gravidade, afinal, até onde sabemos hoje, o dinheiro não foi para o bolso da presidente. Não vou esticar muito o assunto porque é um tema complexo e não quero perder o foco do post, mas digo que considero as pedaladas um crime gravíssimo, um dos mais graves que um presidente pode cometer na condição de chefe do executivo. Para entender meu ponto considere que crimes como assassinatos, roubos, sequestros e outras agressões do tipo que são feitas às leis são punidas mesmo em tiranias, ou seja punir crimes assim não é uma característica exclusiva do Império da Lei. Sendo assim em parece lícito afirmar que crimes assim agridem a lei, mas não necessariamente agridem o Império da Lei. O que uma tirania não pune são os abusos dos detentores do poder. Ao usar de artifícios contábeis para gastar mais do que o autorizado pelo Congresso e pela lei orçamentária a presidente Dilma abusou do poder que detinha como chefe do executivo, repare que falei “...gastar mais do que o autorizado pelo Congresso e pela lei...” e não apenas “gastar mais”. Não punir esse tipo de abuso implica em colocar o governante acima da lei e colocar o chefe do executivo acima do Congresso, ou seja, caso a presidente seja considerada culpada, não apenas Dilma terá agredido a lei como a não punição de Dilma será uma agressão ao Império da Lei.
Como escreve Percival Puggina, a maior divisão entre os dois lados da Comissão especial do Impeachment não era entre o sim e o não, mas sim entre os que justificavam as pedaladas e os que faziam delas o motivo do impeachment.
Percival Puggina chama a atenção para o imenso buraco econômico, fiscal e orçamentário, que tais pedaladas deixam para serem cobertas por todos nós, nos anos à frente.
Paulo Roberto de Almeida
AS PEDALADAS, PARA NÃO INGÊNUOS
por Percival Puggina. Artigo publicado em
Depois de longas horas assistindo a sessões da comissão especial do
impeachment, posso testemunhar que o maior antagonismo não se formou
entre o sim e o não, entre direita e esquerda, governistas e opositores.
A mais notória divergência foi a mesma que, historicamente, se
estabelece entre a verdade e o partido governista. Nele, fato, história,
realidade e verdade são submetidos ao filtro das conveniências e
ganham, sempre e sempre, o aspecto e a versão que mais convém aos seus
interesses.
Tal ditame integra a natureza mesma dos partidos
revolucionários e totalitários de qualquer viés, criados para constituir
uma nova ordem e sendo, portanto, insubmissos à ordem e à moral
vigentes. Rápida folheada de vista na história é suficiente para
estampar profusão de exemplos dessas ocultações trapaceiras em novelos
de falsidades, mistificações e dissimulações. É aquilo que estava, por
exemplo, na cabeça de Brecht quando, em "A medida punitiva",
estabeleceu: "Quem luta pelo comunismo tem que dizer a verdade e não
dizer a verdade, manter a palavra e não cumprir a palavra (...). Quem
luta pelo comunismo tem de todas as virtudes apenas uma - a de lutar
pelo comunismo".
Não era diferente a convicção de Goebbels,
ministro de Propaganda de Hitler, quando ensinou que a mentira repetida
mil vezes torna-se verdade. Foi o que ainda ontem (11/04), em sua última
fala na sessão da Comissão Especial, num rasgo de sinceridade, o
deputado José Guimarães, líder do governo, disse sobre a vinculação
entre impeachment e golpe: "Pegou!", disse ele. "A vinculação entre
impeachment e golpe pegou". Não se trata, necessariamente, de uma
vinculação real. É uma vinculação que, pela repetição, "pegou".
Quero ater-me, aqui, a outro atropelamento da verdade, repetido ao longo
dos últimos meses até não restar caco de paciência para ouvi-lo.
Refiro-me à afirmação de que as pedaladas foram exigência da generosa
dedicação do governo aos necessitados, pobres, humildes e carentes da
pátria. Moradores do coração do governo, resgatados da miséria por sua
prestimosa atuação, seriam estes Joões, Marias e Josés os destinatários
principais dos recursos que fizeram explodir o orçamento e levaram o
governo ao crime de responsabilidade unanimemente apontado pelo Tribunal
de Contas da União.
Enquanto esse discurso era salivado de boca
em boca no plenário da comissão, o Banco Central, a três quilômetros
dali, divulgava que os atrasos de repasses do governo a bancos públicos
haviam alcançado R$ 60 bilhões no final de 2015, e que a maior parcela,
no valor de R$ 17,3 bilhões, foi destinada ao rombo do PSI-BNDES.
O rombo em miúdos: 30% do montante pedalado corresponde ao subsídio
proporcionado pelo governo aos graciosos juros de 4% a 6% ao ano,
cobrados nos empréstimos bilionários concedidos pelo BNDES a grandes
empresas. Quem não os haveria de querer? O montante desses
financiamentos, em meados de 2015, chegava a R$ 461 bilhões. O peso do
subsídio sobre a dívida pública, ao longo das próximas décadas, vai a
quase R$ 200 bilhões! Isso é dar esmola aos pobres e ser pródigo com os
afortunados e endinheirados.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é
arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de
Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e
Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.