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domingo, 13 de janeiro de 2019

Brasil condenado na OMC: stalinismo industrial - Jamil Chade (OESP)


Brasil vai questionar interpretação de juízes da OMC
Jamil Chade, de Genebra
O Estado de S. Paulo, 11/01/2019
O governo brasileiro vai questionar a interpretação dada pelos juízes da Organização Mundial do Comércio (OMC) que, em dezembro, condenaram cinco programas de incentivos fiscais do Brasil. A queixa, lançada pela Europa e Japão, será adotada nesta sexta-feira, 11, em Genebra, e será iniciado o período de 45 dias durante os quais o Itamaraty terá de chegar a um acordo sobre o que terá de ser feito para desmantelar o apoio hoje dado ao setor privado.
A OMC condenou de forma clara a estratégia de substituição de importação, uma política industrial adotada durante o governo de Dilma Rousseff e que distribuiria R$ 25 bilhões em bondades fiscais. Depois de cinco anos de contenciosos, a entidade coloca um espécie de "fronteira" à política que poderá ser adotada no País na próxima década.
Foram declarados como irregulares a formas de incentivos previstos na Lei de Informática, no Padis (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores e Displays), além do o Inovar Auto, da Lei de Inclusão Digital e o Programa de apoio ao desenvolvimento tecnológico da indústria de equipamentos para a TV digital (PATVD). 
Três dos programas condenados já foram encerrados. Mas a Lei de Informática vence apenas no ano de 2029 e o Padis vence em 2022. Ambos terão de mudar ou passarão por uma profunda reforma para que não sejam considerados como mecanismos que garantem uma concorrência desleal entre produtos nacionais e importados.
Nesta sexta-feira, a diplomacia brasileira usará a reunião na OMC para levantar uma preocupação surgida depois de ler a decisão dos juízes. Pelas regras internacionais, uma vez que um produto pague os impostos de importação, ele precisa receber o mesmo tratamento que um produto nacional dispõe. Trata-se do princípio do "tratamento nacional". 
Os acordos da OMC, porém, permitem uma exceção, que é a capacidade de governos para conceder subsídios a produtos nacionais. Ninguém discute o fato de que isso cria um desnível na concorrência. Mas essa possibilidade era permitida pelos tratados negociados ainda nos anos 90.
O que chamou a atenção dos especialistas brasileiros é que os juízes aplicaram uma nova interpretação do texto das regras e a condenação criou o que para muitos poderia ser um precedente perigoso na jurisprudência. 
Pela decisão da OMC, os juízes interpretaram as leis de forma a restringir o alcance dessa exceção, o que tornaria todos os subsídios condenáveis. Na avaliação do Brasil, isso poderia ter consequências negativas e afetar, entre os outros setores, o da agricultura. 
A queixa brasileira não irá mudar a condenação e o governo sabe que terá de cumprir a determinação da OMC. Mas a decisão de levantar esse ponto tem como objetivo demonstrar uma "preocupação sistêmica". 
O governo brasileiro ainda vai reforçar outra mensagem: a de que a nova decisão da OMC reverteu parcialmente uma condenação que, um ano antes, havia sido bem mais profunda. Na primeira instância, também tinham sido condenados o Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para empresas exportadoras (Recap) e Programa Preponderantemente Exportador (PEC).
O Itamaraty, porém, conseguiu que eles fossem absolvidos. Os programas, no fundo, apoiam centenas de empresas nacionais, entre elas a Samarco e a Embraer.
Prazos
Com a adoção do relatório nesta sexta-feira, europeus e japoneses pedirão que o Brasil reforme seus programas dentro de um período a ser negociado. Se não houver um acordo no prazo de 45 dias, europeus levarão o caso de volta à OMC e pedirão uma arbitragem para que a entidade determine o prazo para que o Brasil retire seus programas de funcionamento. 
Legalmente, o fim desses programas não é tão simples, já que existem obrigações assinadas com empresas que fizeram investimentos e compromissos contratuais. Caso o Brasil não cumpra a decisão da OMC, Tóquio e Bruxelas já indicaram que irão solicitar a autorização para retaliar o Brasil.

Saida do Brasil do Pacto Global da Migracao da ONU - Amauri Eugênio Jr. (VICE)


Sair do pacto da ONU é uma fantasia de extrema-direita
Antes de ser fascista, é necessário parecer fascista.
VICE, 11 janeiro 2019

Além do socialismo, do politicamente correto, de jornalistas e de qualquer pessoa que pense diferente do presidente Jair Bolsonaro (PSL), o governo recentemente empossado parece ter encontrado mais um inimigo público: os imigrantes. Na quarta-feira (9), Bolsonaro publicou em sua conta no Twitter uma mensagem em tom de crítica ao Pacto Global para Migração, acordo da ONU (Organização das Nações Unidas) assinado por 164 países, inclusive o Brasil, em dezembro de 2018.
No documento, voltado ao reforço da cooperação internacional para processos seguros, ordenados e regulares de migração e para eliminar qualquer modalidade de discriminação, o presidente afirmou que o país é soberano para decidir se os aceita ou não, além de que quem vier deverá estar sujeito às leis, regras, costumes e cultura daqui. Ainda, de acordo com o presidente, “não é qualquer um que entra em nossa casa, nem será qualquer um que entrará no Brasil via pacto adotado por terceiros.” De acordo com reportagem publicada pela BBC Brasil, o Ministério das Relações Exteriores solicitou aos diplomatas brasileiros para comunicarem a saída do pacto à ONU.
Quem ouve Bolsonaro falar pode imaginar que o país está tomado por imigrantes e que eles podem fazer o que bem entenderem por aqui. Todavia, a história está longe de ser essa: eles devem respeitar a legislação local. Ainda, a quantidade de pessoas nativas de outros países está muito longe do que a vã filosofia do WhatsApp nos induz a pensar: há cerca de 750 mil imigrantes na terra brasilis, o que totaliza a impressionante marca composta por quatro imigrantes a cada mil brasileiros – para efeito de comparação, a Alemanha tem 148 estrangeiros a cada mil nativos. OK, a situação na fronteira com a Venezuela é delicada demais, mas a medida tomada está muito longe de proteger a soberania dos brasileiros e de combater o moinho de vento do globalismo.
De acordo com Carolina de Abreu Batista Claro, pós-doutoranda em relações internacionais da UnB e professora universitária do IREL (Instituto de Relações Internacionais), da mesma instituição, a medida adotada pelo governo federal não se justifica, pois o pacto consiste em norma de soft law do direito internacional – ou seja, traduz regras de valor normativo limitado e que não são obrigatórias em âmbito jurídico.
Logo, o documento consiste em compromisso de ações com base no contexto atual e em demais tratados internacionais já existentes, aos quais o Brasil está vinculado. “A saída consiste em retórica política de extrema-direita, não corresponde com a realidade sobre as presenças de estrangeiros e de imigrantes no Brasil”, pontua, ao ressaltar como o vacilo cometido pela diplomacia brasileira é significativo: “além disso, [a saída] demonstra profundo desconhecimento sobre direito internacional e como internalizamos essas normas”.
Geopolítica fascista
Os demais países que anunciaram a saída do Pacto Global para Migração, como EUA, Austrália, Itália e Hungria têm fluxos migratórios muito maiores do que o Brasil, pois são locais de destino – EUA e Austrália, respectivamente – ou estão em rotas de trânsito, como nos casos de Itália e de Hungria.
Coincidência ou não, boa parte dos países que não assinou o documento está numa vibe que, sem meias palavras, cheira a fascismo, se parece com fascismo e (olha só) é bem fascista. Matteo Salvini, primeiro-ministro italiano, é abertamente de extrema-direita e conhecido por dar declarações que completam o bingo da xenofobia e da discriminação irrestrita – basta dizer que, há apenas alguns dias, ele se referiu às manifestações racistas contra o zagueiro senegalês Kalidou Koulibaly, do Napoli, como “brincadeira saudável entre torcidas”.
Viktor Orbán, primeiro-ministro húngaro, não tem o menor pudor para bostejar com sucesso quando o assunto é racismo, islamofobia e qualquer modalidade de preconceito – e quem ousar pensar diferente dele, bom, é boicotado até perder a capacidade de falar. Ele não está sozinho: ainda que a direita populista tenha sofrido uma derrota importante nas eleições municipais na Polônia, o presidente Andrzej Duda conta com o apoio de uns feras de extrema-direita. Soma-se a isso tudo a falta de sensibilidade com qualquer causa humanitária de Donald Trump e a vontade insana de Steve Bannon dominar as mentes de geral. É com essa galerinha que apronta altas confusões com quem Bolsonaro quer se sentar no recreio. E quem anda com fascista, sabe como é, fascista é.
Todavia, a caminhada do Brasil é, histórica e geopoliticamente diferente das desses países quando o assunto é imigração. Não há nada que respalde a decisão do governo Bolsonaro. “Não temos número muito grande de imigrantes e o fato de o Brasil dizer que sairá do pacto está em discordância com quem o país já faz e com os tratados internacionais dos quais já faz parte”, pontua Carolina Claro.
Quem sai perdendo?
OK, os imigrantes ficam em situação delicada, o que é inegável, mas o Brasil tende a ter mais problemas com a saída do Pacto Global de Migração. De acordo com dados do Itamaraty, mais de três milhões de brasileiros vivem em outros países – não é necessário ser um jedi em matemática para sacar que muito mais brasileiros estão fora em comparação com quem vem para cá. E esses caras poderão ter problemas, mesmo que tenham direitos humanitários assegurados por meio de outros tratados mais antigos dos quais o Brasil é signatário.
Para o defensor público federal João Chaves, a saída do Brasil do pacto trará prejuízo político muito grande ao país. “Se o Brasil não participa do Pacto Global, ele fica em posição política de extrema fraqueza para negociar ou pedir qualquer coisa à comunidade internacional a favor da nossa comunidade”, destaca.
Além disso, um dos objetivos do pacto é assegurar que o processo de imigração aconteça de modo seguro, ordenado e regular, garantindo a segurança dos imigrantes e evitando a ação de coyotes –contrabandistas de imigrantes – o tráfico de pessoas. “Com essa medida, o governo Bolsonaro poderá estimular o crime organizado transnacional para o contrabando de migrantes e para o tráfico de pessoas para fins sexual e de exploração laboral, principalmente”, ressalta a pós-doutoranda em relações internacionais da UnB, que reforça os benefícios que a imigração segura e regular provenientes do pacto poderiam proporcionar para o indivíduo e para o país. “Ele não só fará parte do trabalho formal, mas poderá também buscar por educação e demais serviços públicos, e contribuir para a economia brasileira.”
Outro ponto a ser considerado é a mudança da imagem do Brasil perante a comunidade internacional. Sim, a luta contra a lenda urbana do globalismo nos fará sermos vistos na gringa como um povo que um dia defendeu a mediação de conflitos e os direitos humanos, mas que se tornou um (adivinhe?) país de extrema-direita. Em resumo: o nosso filme estará queimado. “O afastamento dos ideais de paz, dos direitos humanos e de proteção ao meio ambiente é extremamente negativo para o país, pois poucas nações irão querer chegar ao Brasil. O país só tem a perder nas conjunturas atual e futura”, pondera Carolina.
As imigrações irão parar?
A resposta para esta pergunta é não. Cidadãos em estado de desespero e em fuga de crises humanitárias em seus países continuarão a dar andamento ao fluxo migratório, como acontece nos EUA e em diversos países da Europa – França e Alemanha, por exemplo – e já ocorre no Brasil, inclusive. O que muda é o fato de eles virem para cá em condições inseguras e submetidos à escalada criminosa em âmbito internacional.
Pode-se dizer que o Brasil está perdendo uma grande oportunidade de ajudar a tornar o processo migratório mais humano e seguro para dar mais poder à ilegalidade. “O pacto busca cooperação internacional, reafirma princípios de direitos humanos e de política internacional, que farão o país ter benefícios com a migração e apoio de organismos internacionais para coordenar esses movimentos migratórios”, conta a professora do IREL, da UnB. Ela aproveita para reforçar o caráter contraditório da saída do país como signatário do documento. “Os imigrantes só virão por meios escusos e não protegidos, justamente o contrário do que prega o Pacto Global.”
Fluxo de desinformação
Qualquer pessoa minimamente informada (exceto pelo WhatsApp) estava ligada na coletânea interminável de fake news disseminadas durante as eleições sobre diversos aspectos – o firehosing rolou solto à época. A lógica das mentiras irrestritas continua a dar o tom dentro do panorama da imigração.
De acordo com João Chaves, o grande problema dentro desse cenário é a desinformação – que, sejamos francos, é visto desde o alto escalão do governo. “Existe muita mistificação dentro do tema migração e as pessoas não sabem que o Brasil recebe, proporcionalmente, quantidade muito pequena de imigrantes.”
Na prática, a saída do Brasil do Pacto Global de Migração não tem impacto imediato, pois a proteção dada aos imigrantes é baseada na Lei de Imigração e de Refúgio. “Espero a manutenção do cenário atual, que é bastante favorável, já que venezuelanos têm autorização temporária de permanência, conversível em permanente, por causa de portaria interministerial”, completa o defensor público federal. Ainda, os sírios podem solicitar refúgio e os haitianos são beneficiados com a acolhida humanitária, forma especial de residência.
Por fim, mesmo que a decisão governamental seja simbólica, os resultados poderão ser concretos e preocupantes. “Trata-se de uma situação bastante ruim. Os casos de xenofobia e de discriminação contra a população imigrante podem, sim, piorar, assim como contra as minorias por meio das ações que já têm sido apregoadas desde antes da posse pelo governo”, finaliza Carolina.

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Imagem externa do Brasil mudou para pior no novo governo - Benjamin Moser


Imagem externa do Brasil mudou para pior no novo governo, diz Benjamin Moser
Para autor americano, chefe do Itamaraty tem discurso de 'ufanista magoado' e usa termos de teor antissemita
FSP, 11.jan.2019 às 6h00

[RESUMO] Em carta aberta ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, autor norte-americano comenta repercussão internacional das ideias enunciadas pelo novo chanceler em artigo recente.

Prezado ministro,
Há pouco mais de dois anos, o ministério que o senhor hoje encabeça me outorgou o Prêmio Itamaraty de Diplomacia Cultural. Foi um reconhecimento do meu trabalhoe trouxe consigo uma obrigação de continuar trabalhando em prol do Brasil —de ser algo como um amigo oficial do Brasil. E é nesta capacidade que lhe escrevo.
Recentemente, o senhor publicou uma matéria no meu idioma, o inglês, e no meu país, os Estados Unidos (“Bolsonaro was not elected to take Brazil as he found it”, ou “Bolsonaro não foi eleito para deixar o Brasil como o encontrou”, na Bloomberg, em 7/1). Se respondo em português, é por dois motivos. 
Primeiro, porque sua matéria ilustra muito bem que saber a gramática ou o vocabulário de outra língua não implica compreender suas sutilezas: como soa. Se tivesse maior noção do meu idioma, seria de esperar que não houvesse publicado uma coisa que —digo francamente— expõe o Brasil ao ridículo.
E essa é a segunda razão pela qual lhe respondo em português. Apesar de não ser de nacionalidade brasileira, o Brasil não me é de maneira nenhuma alheio. Desagrada-me profundamente vê-lo alvo de risadas internacionais. Gostaria, pois, que esta conversa ficasse entre nós —em português.
Em inglês, a sua vinculação da política externa com Ludwig Wittgenstein soa bizarra. Suspeito que não seja sua intenção —que é, se estou lendo bem, de deslumbrar o leitor com frases como “desconstrução pós-moderna avant la lettre do sujeito humano e negação da realidade do pensamento”.
Sabe aquele estudante de pós-graduação que encurrala a menina na festa falando de Derrida ou Baudrillard?
Pois é.
Aliás, em inglês, proclamar “não gosto de Wittgenstein” soa pretensioso, arrogante. Sabe aquele homem que, diante de um Picasso, diz que sua filha de quatro anos poderia ter feito melhor?
Pois é.
Mas, além do tom, qual é mesmo seu problema com Wittgenstein? Vejo que não é sequer uma frase inteira, mas uma parte de uma frase: “O mundo tal como o encontramos.”
O senhor lê isso como um pedido —uma ordem, até— de aceitar tudo no mundo tal como é, de não tentar mudar nada, de se comportar como se não tivesse vontade própria. Se acompanho a sua lógica, é assim que o Brasil tem se comportado durante todos os governos, de esquerda como de direita, que precederam o atual.
Para quem conhece a obra de Wittgenstein —assim como para quem tem noções da história diplomática brasileira—, isso pode soar inexato. Mas o senhor pretende romper um padrão que tem impedido o surgimento da verdadeira grandeza do Brasil. O país, segundo o senhor, antes disse: “Eu não acho nada. Eu não tenho ideias. Assim como o sujeito desconstruído de Wittgenstein, eu não tenho um ‘eu’.”
Eu não caracterizaria o trabalho de gerações de diplomatas brasileiros assim. Imagino que, em português, possa soar desdenhoso. Mas estamos falando de como soa em inglês, e, se muito ficou incerto na sua matéria, uma coisa ficou clara: sua vontade de mudar a imagem do Brasil no mundo.
De fato, em poucos meses, essa imagem já mudou bastante. Temo que não seja na direção que o senhor pretende. Pois, em todos os meus anos de brasiliófilo, nunca vi tantas matérias ruins sobre o Brasil surgirem na imprensa europeia e americana. Isso deve ser motivo de preocupação para um chanceler. Porque o Brasil, apesar de seus problemas, sempre desfrutou de um nome positivo no mundo.
O racismo, a homofobia e a saudade da ditadura da nova administração têm sido fartamente comentados na imprensa mundial. Em inglês, o tom dessa cobertura tem sido extremamente negativo. Um chanceler deve poder responder num inglês sereno e compreensível e explicar as razões que levam o novo governo a adotar tal e tal medida.
Quando se dirige a um público internacional, uma coisa a evitar a todo preço é o emprego de termos —“globalistas,” “marxistas,” “anticosmopolitas,” “valores cristãos”— que, em inglês, têm fortes conotações antissemitas. 
São extraídos do léxico de conspiração global judaica, e, dada a história deste léxico, pessoas civilizadas, tanto de direita como de esquerda, aprenderam a evitá-lo.
Quando se fala inglês, é preferível, em geral, evitar falar de conspirações. Dá a impressão de ter passado a noite em claro na internet decifrando os segredos das pirâmides. Talvez seja por isso que suas descrições sobre o aquecimento global como trama marxista tenham sido tão amplamente ridicularizadas na imprensa mundial.
Quem, em língua inglesa, quer ser levado a sério evita tais caracterizações. E não é mesmo este o maior desejo do senhor, o de ser levado a sério? É a única coisa que fica clara debaixo da linguagem um tanto acalorada. 
A novidade que o senhor anuncia não é outra coisa senão a mais antiga emoção do conservador brasileiro: o ufanismo magoado. 
Este é o sentimento de quem quer uma nação que esteja à altura da imagem —muitas vezes exagerada— que tem de si próprio.
Se o senhor imagina que o Brasil não é suficientemente respeitado, seria bom nos brindar com pelo menos um exemplo; na minha experiência, vasta, do Brasil no âmbito internacional, confesso que nunca percebi a falta de respeito.
Mas, mesmo que ela existisse, seria bom lembrar que, em qualquer país, o respeito não se exige. Com paciência e trabalho, se ganha.
Ninguém sabe melhor do que eu os lados positivos que tem o Brasil. Mas, sabemos, brasileiros e estrangeiros, que o Brasil também tem uma cara feia. E é essa cara que seu tom me traz à mente. É o tom daquele patrão que grita “faça que tô mandando!” para a empregada. Asseguro-lhe que não fica mais elegante em tradução inglesa.
Infelizmente, não é apenas uma questão de tom. Desde o primeiro dia, este governo deu a impressão de querer abusar das pessoas mais vulneráveis da sociedade. Todos os jornais do mundo têm noticiado os ataques aos índios e à população LGBT, além da redução do salário mínimo para os trabalhadores mais pobres.
É possível que haja explicações razoáveis para tais medidas, mas confesso que até agora não as vi. De novo, seria mais eficaz explicá-las com calma do que andar pelo mundo proclamando que os brasileiros não são mais “robôs pós-modernos” e que não suportarão mais “a opressão wittgensteiniana da morte-do-sujeito.”
Porque, ironicamente, é seu medo de ver as pessoas zombarem do Brasil que fará... as pessoas zombarem do Brasil. Deve ter visto a ministra Damares gritando que “menino veste azul e menina veste rosa!” e notado como isso repercutiu pelo mundo. As suas declarações também não ajudam a que as pessoas levem o Brasil a sério.
Se há um ponto em que estamos em total acordo é que também não gosto de ver o Brasil ridicularizado. Por isso, lhe encorajo a lembrar em nome de quem está falando. E de escolher com mais tato, em português como em inglês, as suas palavras.
O senhor se descreve, no seu Instagram, como “ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro”. Não é.
É ministro das Relações Exteriores do Brasil.
Seria bom que se comportasse com a dignidade que tal posição exige.
E se, no futuro, tiver uma dúvida de inglês, pode sempre entrar em contato comigo.

Cordialmente,
Benjamin Moser
Prêmio Itamaraty de Diplomacia Cultural, 2016  

Benjamin Moser, escritor norte-americano, é autor da biografia ‘Clarice’ (Companhia das Letras) e de ‘Susan Sontag: Sua Vida e Obra’, que sai no final do ano também pela Companhia das Letras.