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quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

699) Recomendacoes a jovens formandos em RI

Formandos em relações internacionais da Universidade Tuiuti, do Paraná, me solicitaram algumas palavras em contrapartida à homenagem que fizeram de atribuir meu nome a essa turma, de 2007.
Abaixo transcrevo parte da mensagem que encaminhei a ele, a propósito dos seus “desafios e compromissos como profissionais” de relações internacionais.

(...)
Não tenho vocação de conselheiro espiritual, mas creio poder formular algumas simples recomendações, não tanto enquanto mestre ou profissional da diplomacia, mas simplesmente na qualidade de alguém que acumulou certa experiência de vida, no nomadismo da profissão, nas constantes e intensas leituras, nas observações de viagem e no contato com todos os tipos de pessoas, dos mais diversos países e de diversas inclinações políticas e ideológicas. Eu o faço mais como um colega de vocês do que como alguém que se considera superior ou detentor de algum saber especial.
Minhas simples recomendações, não comprometedoras para ninguém, seriam estas:

1) Em primeiro lugar, tenham princípios de vida, isto é, valores e causas a defender.
Todos nós temos de ter alguma causa maior que guie a nossa vida, que não seja o simples enriquecimento pelo trabalho, que certamente é dignificante e necessário, mas não basta, por si só, para dar sentido a uma existência inteira. Valores não são apenas os religiosos, por mais que estes possam ser importantes; são, também, aqueles que estão vinculados à dignidade humana, à defesa dos direitos humanos, da tolerância, da convivência pacífica, da justiça e da liberdade.

2) Coloquem o interesse nacional acima das considerações locais, setoriais ou simplesmente provincianas.
O Brasil é hoje, infelizmente, um país que conservou, sem nunca ter conseguido extingui-lo, o patrimonialismo dos antigos dominadores ibéricos. Acima desse vício, lamentavelmente, vem construindo toda sorte de particularismos e corporativismos que tornam especialmente difícil a construção de um projeto nacional consensual, que consiga romper as iniqüidades remanescentes de sua estrutura social, os desajustes de sua democracia de má qualidade, o baixo grau de esperança que decorre de seu pífio dinamismo econômico. Sobretudo, não confundam o interesse nacional com o interesse do Estado; ele talvez seja o oposto, mesmo, do interesse do Estado, que está diretamente na raiz do nosso baixo crescimento, do patrimonialismo e do fisiologismo exacerbado, da proliferação de interesses particulares primando sobre o interesse de toda a nacionalidade. O Estado, hoje, talvez já não seja a solução; ele é, provavelmente, o problema que deve ser resolvido, se o Brasil pretende retomar seu processo de crescimento.
O treinamento de vocês como internacionalistas, o conhecimento de outras realidades econômicas e sociais, mais dinâmicas e, sobretudo, mais justas socialmente, podem indicar, em princípio, onde está o interesse nacional, acima e além dos discursos politiqueiros e eleitoreiros que nos invadem a cada dois anos. Conservem certo grau de ceticismo sadio em relação a esses discursos e tratem de refletir e descobrir onde estaria o interesse nacional, em cada promessa de palanque ouvida nesses intervalos da democracia.

3) Tenham objetivos e metas a defender, sempre e em quaisquer circunstâncias.
As minhas metas, por exemplo, são as da inteligência, da racionalidade, da cultura, da educação, da tolerância, da democracia e do comprometimento com o bem-estar e a justiça social. Encontro muitas dessas metas que procuro para o meu País nos livros, bem mais, em todo caso, do que na vida real, o que seria obviamente preferível. O fato, pelo menos, de tê-las como metas já me serve de guia de vida, de diretriz moral, de justificativa ética para a minha existência. Tenho procurado servir a essas causas, dentro de minhas possibilidades humanas e materiais.
Mas, também tenho algumas causas “contra” e seria bom que vocês tivessem as suas. Eu, por exemplo, sou contra a ignorância, a irracionalidade (sobretudo em matéria de políticas públicas), sou profundamente contrário ao mau-uso do dinheiro público e à malversação das instituições estatais por gente descomprometida com os princípios da democracia e do bem-estar social. Sou contra a intolerância em matéria de opinião ou de religião, sou contra todos os fundamentalismos e integrismos existentes (nem todos eles são necessariamente de natureza religiosa), e sou, de maneira geral, contra as crenças irracionais. Acredito na ciência e no seu infinito e crescente poder para tornar o homem mais livre, mais consciente e até mais humano, se ouso dizer. Tenham confiança na ciência, ou, se quiserem, tenham fé na ciência.
Creio na capacidade da humanidade em elevar-se continuamente na escala da civilização, na defesa dos direitos do homem, de valores morais que transcendem os relativismos culturais. Sou pela universalização da democracia e dos direitos humanos, mesmo contra a razão de Estado.

4) Sejam socialmente responsáveis, sem abdicar da liberdade individual e do princípio do mérito pessoal.
Sou, em princípio, a favor da igualdade, contra o mero igualitarismo. Em outros termos, sou pelo reconhecimento dos méritos individuais e do esforço próprio na conquista dos objetivos de vida de cada um. Acredito que aqueles verdadeiramente desprovidos de meios próprios de subsistência possam ou devam ser ajudados, sobretudo intelectualmente, menos até do que no plano material. A educação deve ser repartida entre todos, como forma de capacitar o maior número possível na busca do sucesso individual, com base no desempenho próprio, não na assistência pública. A mera assistência nunca capacitou ninguém, assim como a ajuda oficial ao desenvolvimento raramente consegue elevar um país das agruras do subdesenvolvimento.
O distributivismo fácil, como muitas vezes se vê oficializado como políticas de Estado, ou aquele que é até extorquido do Estado por grupos organizados em torno de falsos princípios de “justiça social”, transmite a ilusão passageira de que os problemas sociais são resolvidos, quando eles podem ser agravados e tornados perenes. Tenham consciência de que apenas a educação pode equacionar esses problemas, e não me refiro necessariamente à educação superior. Eu me refiro à simples e básica educação fundamental, algo ainda distante de grande parte dos brasileiros.

5) Sejam íntegros no plano intelectual e não pratiquem o auto-engano.
Sou, sobretudo, um defensor acirrado da integridade do trabalho intelectual e posiciono-me profundamente contra a desonestidade acadêmica. O crescimento da ignorância, inclusive na universidade, e a expansão dos irracionalismos contemporâneos assusta-me, tanto quanto a desonestidade na vida pública, tendência lamentável que se observa no Brasil e em muitos outros países. Nossas instituições públicas estão se deteriorando visivelmente, até mais no plano moral do que no terreno propriamente material. A responsabilidade de nossa geração é enorme, pois está muito claro que o Brasil vem regredindo em vários terrenos, talvez mais relativamente do que absolutamente. Temos o dever de inverter este itinerário para a decadência.
Acredito que devamos nos esforçar para construir um mundo melhor do que o que recebemos de nossos pais e antecessores. Nossa responsabilidade individual é a de deixar um mundo melhor para nossos filhos e netos, que nos sucederão,. Certamente não gostaríamos de legar-lhes apenas déficit e dívida pública, violência urbana e corrupção oficial.
Por isso, não pratiquemos o auto-engano de pensar que cabe a outros a resolução desses terríveis problemas da corrupção política, da má qualidade da educação, do mau funcionamento do Estado, das práticas deletérias na vida cotidiana. Esses problemas são nossos, e nos cabe enfrentá-los aqui e agora. Cada um na sua esfera de atividade.

Como professor eventual, profissão que exerço irregularmente, mas de forma totalmente voluntária e com muita satisfação intelectual, acredito ser minha obrigação transmitir o máximo de conhecimentos aos meus alunos e outros aprendizes distantes, como podem ser vocês. Mais do que informação, creio que devo provê-los, essencialmente, de métodos de aprendizado auto-sustentado, defensor acirrado que sou do autodidatismo. Considero-me um pesquisador livre, sem qualquer subordinação a instituições ou corporações. Acredito que vocês também devem contribuir, cada um na sua atividade, para o avanço dos conhecimentos na sua área de trabalho. Depois, tentem estender a outros aquilo que vocês aprenderam, descobriram ou conquistaram, numa linguagem simples e acessível ao maior número de cidadãos.
Tenho plena confiança de que vocês se sentirão melhor sendo parte de uma comunidade consciente de seus deveres sociais, e não apenas reivindicadora de direitos a um Estado falido. Estes são os meus princípios e valores. Espero que eles possam servir de guia a alguns de vocês. Sejam bem sucedidos na vida profissional, não abandonem jamais os estudos, construam famílias felizes e sejam vocês mesmos felizes, no plano individual e social. Por isso, contribuam para tornar outros, mais desprovidos, um pouco menos infelizes. Isto se dará pelo conhecimento e pela educação. Algo que vocês adquiriram nos últimos quatro anos. Agora é a hora de colocar tudo isso em prática.
Felicidades e muito obrigado!

Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 6 de fevereiro de 2007)

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