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(interrompido desde maio de 2024)

terça-feira, 23 de julho de 2024

O extermínio do Partidão (PCB) traído por dentro e liquidado pela ditadura - livro de Marcelo Godoy, artigos de Elio Gaspari e de Luiz Carlos Azedo

 Introdução de Maurício David: 

Este é o segundo livro do Marcelo Godoy que abarca a repressão da ditadura brasileira às organizações de esquerda. Quem poderia se imaginar que o Severino Theodoro de Mello havia se tornado um agente dos órgãos de repressão infiltrado na alta cúpula do Partidão ? Que falha da segurança !!! Quantos companheiros morreram em decorrência da sua traição... E o Jover Telles, respeitadíssimo como dirigente do PCB, depois transferiu-se para o PCdoB (de cuja cúpula foi também integrante) e entregou onde se realizaria a famosa reunião em São Paulo onde o PCdoB realizaria um balanço da Guerrilha do Araguaia... Daí resultou o também famoso Massacre da Lapa (bairro de São Paulo onde estava se realizando a reunião que o Jover delatou). Isto já era sabido, mas o Marcelo Godoy reuniu mais dados e informações obtidas dos arquivos da própria repressão e até depoimentos da turma encarregada pelo Geisel de liquidar o Partidão.

Vale a pena ler os dois livros do Marcelo Godoy (o primeiro – “A Casa da Vovó” – li e tenho um exemplar na minha biblioteca. É muito bom ! Este outro – “Cachorros”- também promete e merece uma leitura e uma reflexão aprofundada de todos os que viveram os anos de chumbo no Brasil).

MD

 

P.S.: O BNDES – onde passei boa parte da minha vida professional como economista desde quando voltei do exílio e de onde fui demitido duas vezes por razões políticas, a primeira em 1980 por pressões do SNI, a segunda em 1990 no (des)governo Collor, como rescaldo da primeira demissão, sendo reintegrado como Anistiado em 1985 e novamente reintegrado em 1996, já no governo FHC, por decisão judicial – o BNDES era uma Casa cheia de “viúvas do Geisel” que o glorificavam como “o homem da Abertura”, deixando de lado que ele pessoalmente mandou liquidar (matar) a cúpula do pacífico PCB como passo prévio para seguir com o seu projeto político. E ainda há gente que hoje ainda o elogia...

 

FSP, domingo, 21 de julho de 2024

Elio Gaspari - Godoy esmiúça o segredo do PCB


Livro traça um grande painel da história do Partido Comunista Brasileiro, com seu chefe, Luís Carlos Prestes, ilustrado por um verdadeiro romance policial

Está chegando às livrarias “Cachorros”, do repórter Marcelo Godoy. É um grande painel da história do Partido Comunista Brasileiro, com seu chefe, Luís Carlos Prestes, ilustrado por um verdadeiro romance policial: a dupla militância de Severino Theodoro de Mello, o Pacato ou Melinho, morto em maio passado, aos 105 anos. Era um cabo do Exército quando participou do levante comunista de 1935. Cuidou do aparelho onde vivia Prestes, morou na União Soviética e tornou-se um dirigente do PCB; era um contato de agentes soviéticos no Rio. Essa vida começou a mudar no dia 10 de maio de 1966, quando ele caminhava por Copacabana e foi abordado por um agente do Serviço Nacional de Informações, o SNI. (Ele era o quarto dirigente contactado pelo serviço brasileiro, ou americano. A clandestinidade do PCB era uma fantasia.)

Em 1974, o que parecia uma trégua tácita entre a “tigrada” do regime o PCB começou a acabar. Pacato foi capturado na rua, levado para um aparelho clandestino e lá conheceu o capitão Ênio Pimentel, o Doutor Ney. O jogo era claro: virava informante ou morria. Da Casa de Itapevi (SP) saiu o agente Vinícius e começou a segunda militância. (O cabo José Anselmo dos Santos, colocado diante do mesmo dilema, achou que podia enganar o delegado Sérgio Fleury, até que ele lhe mostrou a notícia de que havia morrido, enquadrou-se e viveu até 2022, quando morreu, aos 80 anos.)

Melinho/Vinícius operou sem deixar pistas. Viajou a Moscou. Em 1996, quando um ex-sargento do CIE o identificou, muita gente não acreditou. Até então, recebeu duas mesadas, uma do Centro de Informações da Aeronáutica e outra do Socorro Vermelho, do PCB.

Marcelo Godoy já havia publicado “A Casa da Vovó”, o melhor retrato conhecido do DOI de São Paulo, com seus agentes e execuções. “Cachorros” superou-o. (O livro trata superficialmente de outros infiltrados, em outras organizações, que mesmo tendo prestado serviços, não tiveram a penetração nem a durabilidade de Vinícius.)

Godoy se move com documentos e segurança por arquivos brasileiros, americanos e soviéticos. Num campo minado por demonizações, ele ouviu comunistas, policiais e militares com o rigor de um repórter. Manteve o equilíbrio lidando com rivalidades que separaram tanto os serviços do governo quanto as organizações de esquerda. Salvo o caso da Guerrilha do Araguaia, do qual não trata, Godoy ilumina todos os mistérios dos porões da ditadura e os segredos do Partidão.

Uma de suas melhores fontes foi o ex-sargento da FAB Antônio Pinto, o Doutor Pirilo, ou ainda o pesquisador Carlos Ilich Santos Azambuja, morto em 2018. Durante três anos, conversaram e trocaram mensagens. Ele foi um dos fundadores do Centro de Informações da Aeronáutica e Godoy transmite seu veredito:

“Doutor Pirilo contou que o extermínio da cúpula do partido foi uma política que ‘veio de cima’, não era apenas uma cultura de linha de frente; os agentes do CIE ‘cumpriam ordens’”.

Outros agentes disseram o mesmo.

Severino Theodoro de Mello completou 100 anos em 2017. Saía pouco de seu apartamento em Copacabana. Em junho de 2023, o Exército suspendeu os proventos de capitão reformado que lhe pagava. E Godoy conclui:

“Não deixou uma única palavra sobre eles em suas memórias. Só tratou de seu papel no desmantelamento do PCB ao ser autorizado por Pirilo. Obedeceu ao amigo até o fim. Tinha 105 anos. Sobrevivera a quase todos os que testemunharam a sua história.”

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Correio Braziliense, domingo, 21 de julho de 2024

Luiz Carlos Azedo - Cachorros, o “cerco e aniquilamento” da cúpula do PCB


Correio Braziliense

Severino Theodoro de Mello, o Pacato, militante histórico do PCB, era “Vinícius”, um super espião da inteligência militar nos anos de chumbo

O novo livro de Marcelo Godoy, “Cachorros” (Alameda), já à venda na internet, remove velhos esqueletos dos porões do regime militar e sua infiltração nas organizações de esquerda, sobretudo a cooptação de um dirigente histórico do antigo PCB, Severino Theodoro de Mello.

Mello contribuiu para sequestros, mortes, prisões e desaparecimentos que ajudaram a neutralizar o PCB nos anos 1970. Com a publicação do livro “A Casa da Vovó: uma biografia do DOI-Codi, relatos inéditos de policiais e militares que atuaram nos centros de torturas e assassinatos do regime”, ganhador dos prêmios Jabuti (não ficção) e melhor Ensaio Social da Biblioteca Nacional, questionamentos de dirigentes oriundos do antigo PCB sobre esses depoimentos, que classificam os infiltrados como “cachorros”, desafiaram Godoy a aprofundar suas investigações, sobretudo sobre o veterano dirigentes do PCB.

O resultado é seu novo livro, lançado 10 anos depois, com revelações surpreendentes, entre as quais a morte de Theodoro de Mello, aos 105 anos, no Recife, tão clandestinamente como fora a sua trajetória de dirigente do antigo Partidão. Godoy somente soube do paradeiro de “Vinícius” ao descobrir que Mello deixara de receber os soldos de capitão do Exército brasileiro, por falecimento. A infiltração no PCB era estratégica para os militares, porque o Partidão conseguiu se rearticular durante a abertura e influenciar toda a oposição democrática, até a eleição de Tancredo Neves, apesar dos duros golpes que sofreu após a vitória do MDB de 1974.

Via chilena

A organização do aparelho de repressão do regime militar atingiu novo patamar após o golpe militar do general Augusto Pinochet, no Chile, em 1973. Militares brasileiros que auxiliaram os colegas chilenos a interrogar brasileiros no Estádio Nacional foram identificados e entrevistados por Godoi. Doutor Pirilo, o capitão Antônio Pinto, da Aeronáutica, conta no livro como foi a morte de Stuart Angel Jones e como interrogou outros integrantes do MR-8. Foi um informante no Chile que deu informações para o sequestro e desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva.

Outro infiltrado ajudou os militares na caçada ao ex-campeão do Exército Carlos Lamarca, morto no interior da Bahia. Hoje, é um banqueiro de bicho no Norte do país, ligado ao Capitão Guimarães, do Rio. O coronel Romeu também conta como cooptou o dirigente do PCdoB Manoel Jover Telles para entregar a reunião do Comitê Central do PCdoB onde seria feito um balanço da Guerrilha do Araguaia, na Lapa, em São Paulo, em 1976. O episódio terminou com as mortes de três dirigentes do partido. O coronel entregou a degravação da conversa dele com Jover Telles. Romeu era subcomandante do DOI do Rio de Janeiro.

A Cia também se infiltrou no PCB, no começo dos anos 1960. O “Agente Carlos” acompanhara Prestes em viagem para Moscou e Pequim e passou informações detalhadas sobre as conversas de Prestes com Mao Tse Dong e com Nikita Kruschev. Adalto Alves dos Santos pode estar ligado à queda das famosas cadernetas de Luiz Carlos Prestes, logo depois do golpe de 1964. Foi preso pelo Cenimar (Marinha) durante a Operação Master e revelou para quem trabalhava.

Um dos seus relatórios dizia que o partido mantinha contato com cerca de 80 bispos católicos brasileiros, 10 dos quais classificados como comunistas, entre os quais os cardeais Eugênio Salles e Evaristo Arns, e 2 mil padres. Em 1973, o documento foi encaminhado pelo Itamaraty ao Núncio Apostólico no Brasil. Responsável pelos contatos com a Igreja, o advogado e jornalista potiguar Luís Ignácio Maranhão Filho, membro do Comitê Central do PCB, foi sequestrado no Rio de Janeiro e assassinado pelo DOI-Codi de São Paulo.

Áudios de reuniões do Comitê Central do PCB em Moscou e Praga, que foram gravadas, mostram que a suspeita da existência de um informante mobilizou a cúpula comunista com discussões envolvendo Prestes e outros dirigentes do partido, sem que eles soubessem que o traidor estava presente participava dos debates. Severino Teodoro de Mello fora enviado pelos militares para Moscou a fim de continuar seu trabalho como espião.

Depoimentos inéditos do próprio Mello ao repórter Marcelo Godoy, todos gravados, contam a razão do seu acordo com os militares, após ser preso. Solto, era vigiado em seus encontros, causando muitas quedas em SP, RJ, GO, BA e RS, entre 1974 a 1976. Melo continuou trabalhando para o Cisa até 1995. O PCB já havia mudado de nome e sigla, passando a se chamar Partido Popular Socialista (PPS), mas continuou espionado, sem que o presidente Fernando Henrique Cardoso soubesse.


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