O pouco conhecido genocídio cometido pela Alemanha na África antes do Holocausto
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
domingo, 4 de agosto de 2024
quinta-feira, 9 de maio de 2024
Repercussões da catástrofe gaúcha na mídia internacional - BBC, FSP
BBC NEWS BRASIL
As inundações no Rio Grande do Sul —que provocaram mais de cem mortes e vem afetando milhões de gaúchos — serão um dos momentos definidores da Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, segundo análise da agência Bloomberg.
Nos últimos dias, vários veículos da imprensa internacional destacaram as enchentes no sul do Brasil.
A análise da Bloomberg fala em "teste crucial para a liderança de Lula".
"Os assessores [de Lula] dizem que ele está perfeitamente consciente de que este pode ser o seu 'momento Katrina', uma referência ao furacão de 2005 que pegou o presidente dos EUA, George W. Bush, desprevenido e entrou no vocabulário global como sinônimo de fracasso de liderança em uma crise", afirma o texto da Bloomberg, assinado por Travis Waldron
A agência disse que Lula reagiu às enchentes com atendimento às necessidades básicas dos afetados, viajando à região e assinando um decreto que retira os gastos emergenciais das regras fiscais.
"Com mais chuva e temperaturas em queda previstas durante a semana, os desafios só vão aumentar", diz o texto da Bloomberg.
"Isso pode dar a Lula a oportunidade de recuperar uma presidência assolada nos últimos meses por rivalidades internas, brigas com o Congresso, escrutínio do mercado sobre os seus planos de gastos e popularidade em declínio."
A Bloomberg diz que Lula foi eleito na esteira da insatisfação da população com a gestão do governo de Jair Bolsonaro durante a pandemia de Covid-19 —e que este momento das enchentes pode definir se Lula vai reconquistar sua liderança no país, ou perdê-la de vez.
O jornal britânico Financial Times destacou o prejuízo financeiro do Estado —estimado na ordem de R$ 5 bilhões.
"O Rio Grande do Sul é a quinta maior economia do Brasil e é um importante produtor agrícola e um centro industrial", diz a reportagem de Bryan Harris e Michael Pooler.
"O Estado é responsável por 70% da produção nacional de arroz, e acredita-se que 10% tenham sido perdidos devido às cheias. Prevê-se também que 30% da colheita de soja do Estado, de 21 milhões de toneladas, pereça. Lula disse que o Brasil importará arroz e feijão do exterior para evitar a escassez de alimentos."
O texto também cita críticas do professor Pedro Luiz Cortês, da USP, às autoridades brasileiras: "Os governos estadual e federal estavam mal preparados para essas emergências climáticas".
'DÍVIDA HISTÓRICA'
Na quarta-feira (8/5), dia em que o número oficial de mortos chegou a cem, o jornal americano New York Times publicou uma reportagem chamada, em tradução livre, "Imagens de uma cidade brasileira embaixo d'água" — com fotos e relatos das pessoas afetadas.
"O Brasil está enfrentando uma das piores enchentes da história recente. Chuvas torrenciais inundaram o Estado do Rio Grande do Sul, no sul do país, onde vivem 11 milhões de pessoas, desde o final de abril e provocaram graves enchentes que inundaram cidades inteiras, bloquearam estradas, romperam uma grande barragem e fecharam o aeroporto internacional até junho."
A reportagem de Ana Ionova e Tanira Lebedeff narra o drama de alguns dos afetados que conseguiram ser resgatados.
"Muitos dos que ficaram isolados aguardavam ajuda nos telhados. Alguns tomaram medidas desesperadas para fugir: quando o abrigo onde sua família estava inundada, Ana Paula de Abreu, 40 anos, nadou até um barco de resgate enquanto segurava seu filho de 11 anos debaixo do braço. Dois moradores de um bairro de Porto Alegre usaram um colchão inflável para retirar pelo menos 15 pessoas de suas casas inundadas."
O New York Times cita Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília, que diz que "os efeitos do El Niño [nas inundações no Rio Grande do Sul] foram exacerbados por uma combinação de alterações climáticas, desmatamento e urbanização desenfreada".
Em entrevista à BBC News Brasil, Bustamante disse que a região agora afetada é uma área "onde vamos viver muito mais extremos, segundo os modelos climáticos".
O Washington Post, principal jornal da capital americana, também noticiou as enchentes.
"Mesmo em um país cada vez mais habituado a desastres naturais provocados pelas alterações climáticas, as inundações que engoliram o Rio Grande do Sul — um dos Estados mais desenvolvidos e prósperos do Brasil — abalaram gravemente esta nação de 215 milhões de habitantes. Com mais da metade das cidades do Estado enfrentando enchentes [...], o Rio Grande do Sul não foi apenas afetado. Foi arrasado."
A reportagem de Terrence McCoy e Marina Dias diz que, apesar de alertas sobre os efeitos das mudanças climáticas feitos por alguns políticos e cientistas brasileiros, "a retórica produziu poucas mudanças concretas".
"Em um comentário feito exclusivamente ao The Washington Post, Lula atribuiu a devastação no Rio Grande do Sul às falhas da comunidade global em responder às mudanças climáticas. Ele disse que existe uma 'dívida histórica'. Os países mais pobres que historicamente emitiram poucos gases com efeito de estufa, disse ele, estão sofrendo com a poluição das nações mais ricas."
Lula disse ao Washington Post: "Esta foi a terceira enchente recorde na mesma região do país em menos de um ano. Nós e o mundo precisamos nos preparar todos os dias com mais planos e recursos para lidar com eventos climáticos extremos."
sábado, 13 de abril de 2024
Ukraine could face defeat in 2024. Here's how that might look - Frank Gardner BBC
Uma possibilidade bem real, dada a falta de apoio militar e econômico do Ocidente e de suas hesitações em atacar a Rússia diretamente, ou de estrangulá-la economicamente de forma mais efetiva. (PRA)
Ukraine could face defeat in 2024. Here's how that might look
The former commander of the UK's Joint Forces Command has warned that Ukraine could face defeat by Russia in 2024.
General Sir Richard Barrons has told the BBC there is "a serious risk" of Ukraine losing the war this year.
The reason, he says, is "because Ukraine may come to feel it can't win".
"And when it gets to that point, why will people want to fight and die any longer, just to defend the indefensible?"
Ukraine is not yet at that point.
But its forces are running critically low on ammunition, troops and air defences. Its much-heralded counter-offensive last year failed to dislodge the Russians from ground they had seized and now Moscow is gearing up for a summer offensive.
So what will that look like and what are its likely strategic objectives?
"The shape of the Russian offensive that's going to come is pretty clear," says Gen Barrons.
"We are seeing Russia batter away at the front line, employing a five-to-one advantage in artillery, ammunition, and a surplus of people reinforced by the use of newish weapons."
These include the FAB glide bomb, an adapted Soviet-era "dumb bomb" fitted with fins, GPS guidance and 1500kg of high explosive, that is wreaking havoc on Ukrainian defences.
"At some point this summer," says Gen Barrons, "we expect to see a major Russian offensive, with the intent of doing more than smash forward with small gains to perhaps try and break through the Ukrainian lines.
"And if that happens we would run the risk of Russian forces breaking through and then exploiting into areas of Ukraine where the Ukrainian armed forces cannot stop them."
But where?
Last year the Russians knew exactly where Ukraine was likely to attack - from the direction of Zaporizhzhia south towards the Sea of Azov. They planned accordingly and successfully blunted Ukraine's advance.
Now the boot is on the other foot as Russia masses its troops and keeps Kyiv guessing where it is going to attack next.
"One of the challenges the Ukrainians have," says Dr Jack Watling, senior research fellow in land warfare at the Whitehall thinktank the Royal United Services Institute (Rusi), "is that the Russians can choose where they commit their forces.
"It's a very long front line and the Ukrainians need to be able to defend all of it."
Which, of course, they cannot.
"The Ukrainian military will lose ground," says Dr Watling. "The question is: how much and which population centres are going to be affected?"
It is quite possible that Russia's General Staff have yet to go firm on which direction to designate as their main effort. But it is possible to broadly break down their various options into three broad locations.
Kharkiv
"Kharkiv," says Dr Watling, "is certainly vulnerable."
As Ukraine's second city, situated perilously close to the Russian border, Kharkiv is a tempting goal for Moscow.
It is currently being pummelled daily with Russian missile strikes, with Ukraine unable to field sufficient air defences to ward off the lethal mix of drones, cruise and ballistic missiles aimed in its direction.
"I think the offensive this year will have breaking out of the Donbas as its first objective," adds Gen Barrons, "and their eye will be on Kharkiv which is 29km [18 miles] or so from the Russian border, a major prize."
Could Ukraine still function as a viable entity if Kharkiv were to fall? Yes, say analysts, but it would be a catastrophic blow to both its morale and its economy.
The Donbas
The area of eastern Ukraine known collectively as the Donbas has been at war since 2014, when Moscow-backed separatists declared themselves "people's republics".
In 2022 Russia illegally annexed the two Donbas oblasts, or provinces, of Donetsk and Luhansk. This is where most of the fighting on land has been taking place over the past 18 months.
Ukraine has, controversially, expended enormous efforts, in both manpower and resources, in trying to hold on to first the town of Bakhmut, and then Avdiivka.
It has lost both, as well as some of its best fighting troops, in the attempt.
Kyiv has countered that its resistance has inflicted disproportionately high casualties on the Russians.
That is true, with the battlefield in these places being dubbed "the meat grinder".
But Moscow has plenty more troops to throw into the fight - and Ukraine does not.
The Commander of US Forces in Europe, General Christopher Cavoli, has warned that unless the US rushes significantly more weapons and ammunition to Ukraine then its forces will be outgunned on the battlefield by ten to one.
Mass matters. The Russian army's tactics, leadership and equipment may be inferior to Ukraine's, but it has such superiority in numbers, especially artillery, that if it does nothing else this year, its default option will be to keep pushing Ukraine's forces back in a westward direction, taking village after village.
Kyiv has countered that its resistance has inflicted disproportionately high casualties on the Russians.
That is true, with the battlefield in these places being dubbed "the meat grinder".
But Moscow has plenty more troops to throw into the fight - and Ukraine does not.
The Commander of US Forces in Europe, General Christopher Cavoli, has warned that unless the US rushes significantly more weapons and ammunition to Ukraine then its forces will be outgunned on the battlefield by ten to one.
Mass matters. The Russian army's tactics, leadership and equipment may be inferior to Ukraine's, but it has such superiority in numbers, especially artillery, that if it does nothing else this year, its default option will be to keep pushing Ukraine's forces back in a westward direction, taking village after village.
Zaporizhzhia
This, too, is a tempting prize for Moscow.
The southern Ukrainian city of more than 700,000 (in peacetime) sits dangerously close to the Russian front lines.
It is also something of a thorn in Russia's side given that it is the capital of an oblast of the same name that Russia has illegally annexed, and yet the city is still living freely in Ukrainian hands.
But the formidable defences that Russia built south of Zaporizhzhia last year, in the correct expectation of a Ukrainian attack, would now complicate a Russian advance from there.
The so-called Surovikin Line, consisting of triple layers of defences, is laced with the largest, most densely packed minefield in the world. Russia could partially dismantle this but its preparations would probably be detected.
Russia's strategic objective this year may not even be territorial. It could simply be to crush Ukraine's fighting spirit and convince its Western backers that this war is a lost cause.
Dr Jack Watling believes the Russian objective is "to try to generate a sense of hopelessness".
"This [Russian] offensive will not decisively end the conflict, irrespective of how it goes for either side," he says.
Gen Barrons is also sceptical that, despite the dire situation Ukraine now finds itself in, Russia will automatically drive home its advantage with a decisive advance.
"I think the most likely outcome is that Russia will have made gains, but will not have managed to break through.
"It will not have forces that are big enough or good enough to punch all the way through to the river [Dnipro]... but the war will have turned in Russia's favour."
One thing is certain: Russia's President Vladimir Putin has no intention of giving up on his assault on Ukraine.
He is like a poker player gambling all his chips on a win. He is counting on the West failing to supply Ukraine with the sufficient means to defend itself.
Despite all the Nato summits, all the conferences and all the stirring speeches, there is a chance he may be right.
domingo, 22 de outubro de 2023
Eleições argentinas: quando começou a derrocada econômica da Argentina - e quão rica ela já foi? - Veronica Smink Role (BBC News Mundo)
Eleições argentinas: quando começou a derrocada econômica da Argentina - e quão rica ela já foi?
- Author, Veronica Smink
- Role, BBC News Mundo, Argentina
“A Argentina começou o século 20 como o país mais rico do mundo e hoje tem 40% de pobres e 10% de indigentes.”
Esta frase, repetida diversas vezes durante a campanha presidencial pelo economista “libertário” Javier Milei – que lidera as pesquisas para as eleições deste domingo (22/10) – reproduz um conceito que está impregnado no subconsciente dos argentinos: esta nação, submersa há décadas em sucessivas crises econômicas, já soube ser uma superpotência.
Vários apelidos remetem a esse passado glorioso. O mais famoso é “celeiro do mundo”, uma referência ao poderoso modelo agroexportador que enriqueceu a Argentina há um século e hoje continua a ser o seu principal suporte econômico.
Há também “a Paris da América do Sul”, uma alusão à arquitetura de estilo europeu da capital argentina, hoje em desarmonia com a realidade de um país onde 56% das crianças são pobres.
Essas frases nostálgicas são lembranças de uma época de ouro que muitos no país idealizam. E que alguns políticos, como Milei, prometem resgatar.
“A Argentina pode voltar a ser uma potência mundial”, afirma repetidamente o economista ultraliberal.
“Se aplicarmos todas as reformas pró-mercado, nos primeiros 15 anos poderemos parecer com a Itália ou a França; em 20 anos como a Alemanha; em 35 anos como os Estados Unidos”, diz ele.
Ele não é o primeiro político a entusiasmar eleitores com promessas de volta a esse passado próspero.
O ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) – cujo campo político é representado nestas eleições pela candidata Patricia Bullrich – propôs na época transformar a Argentina numa “nova Austrália”, um país que na primeira parte do século XX teve uma trajetória econômica semelhante à Argentina, mas que conseguiu se manter no caminho do desenvolvimento, algo que muitos argentinos tomam como exemplo do que sua nação deveria ter feito.
Mas será que a Argentina era realmente o país mais rico do mundo?
E como passou de uma das nações mais prósperas a um dos países com a maior inflação do planeta?
Número 1?
Fim do Podcast
Comparar a riqueza de diferentes países é tarefa complexa, mas a maioria dos especialistas considera que a melhor forma de fazê-lo é medir o Produto Interno Bruto por habitante (PIB per capita, ou PIBpc).
Dado que o PIB dos países periféricos, como a Argentina, só começou a ser medido oficialmente em meados do século XX, informações anteriores a esse período devem ser vistas com cautela.
No entanto, economistas de várias ideologias concordam que a fonte mais confiável é a base de dados do Projeto Maddison, que usa diferentes estatísticas econômicas históricas para estimar o PIBpc no passado.
Em 2018, esta série estatística - criada pelo economista britânico Angus Maddison e mantida, até hoje, pela Universidade de Groningen, na Holanda - estimou que a Argentina foi o país mais rico do mundo em 1896, e que permaneceu entre os mais ricos nas primeiras décadas do século XX.
No entanto, a metodologia utilizada foi questionada por muitos historiadores econômicos, levando à publicação de uma nova série estatística em 2020 que tirou o troféu de número 1 do país sul-americano, relegando-o para o sexto lugar em 1896.
De qualquer forma, esta edição – que ainda é a mais atual – confirma que a Argentina começou o século XX como uma das nações mais ricas do mundo, uma prosperidade que a levou a estar no “top 10” das nações ricas até a Primeira Guerra Mundial (1914-18).
A partir daí, o país declinaria até atingir o atual 66º lugar.
Quão rica foi a Argentina?
Em 1913, antes do início da Primeira Guerra, o PIBpc da Argentina era de US$ 6.052 (a preços em dólares de 2011), segundo cálculos do Projeto Maddison.
Isso era menos que o PIBpc dos Estados Unidos (US$ 10.108), do Reino Unido (US$ 8.212) e da Austrália (US$ 8.220).
Mas era o dobro da Espanha (US$ 3.067), da qual se tornou independente há quase um século, e superior à da Alemanha (US$ 5.815), da França (US$ 5.555) e da Itália (US$ 4.057), entre outras nações europeias.
Foi também muito superior ao rendimento dos países asiáticos que hoje dominam a economia, como a China (US$ 985) e o Japão (US$ 2.431).
E este não era um fenômeno regional, como mostram os índices dos seus vizinhos e de outros países latino-americanos como o Uruguai (US$ 4.838 ), o Chile (US$ 4.836), o México (US$ 2.004) e o Brasil (US$ 1.046).
Então, quando foi que a Argentina começou a perder seu lugar privilegiado no mundo e por quê?
"100 anos de decadência"
Se observarmos como o PIB por habitante evoluiu no mundo no século passado, veremos que a posição da Argentina no ranking mundial tem caído constantemente ao longo dos últimos cem anos.
Embora a riqueza de todos os países – incluindo a Argentina – tenha aumentado ao longo do tempo, a nação sul-americana começou o século XX com a renda de um país rico e aos poucos foi ficando cada vez mais relegada na tabela internacional.
Muitos chamam o fenômeno de “os 100 anos de declínio argentino” e afirmam que este é o único exemplo no mundo de um país que passou de desenvolvido a em desenvolvimento.
Alguns até usam o caso argentino para ensinar o que não fazer.
Isto foi feito pela revista britânica The Economist, que em 2014 publicou uma famosa reportagem de capa intitulada “A Parábola da Argentina”, na qual explicava “o que outros países podem aprender com um século de declínio”.
artigo apontava claramente um culpado pela queda: o peronismo, o movimento político fundado por Juan Domingo Perón e sua esposa, Eva Duarte (a famosa "Evita"), que desde 1946 foi principal força a governar a Argentina.
Segundo a revista, o peronismo gerou “uma sucessão de populistas economicamente analfabetos” que levaram a Argentina “à ruína”.
Esta é uma opinião amplamente difundida entre setores liberais do país sul-americano.
Mas será verdade?
O peronismo
O economista Fausto Spotorno é vice-presidente da Fundação Norte e Sul, dedicada a questões de desenvolvimento, e compilou as estatísticas econômicas da Argentina desde sua fundação em 1810 até 2018.
Spotorno disse à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, que “os dados mostram que o crescimento econômico argentino começou a desacelerar a partir de 1930”, quando o país sofreu um duplo golpe: os impactos da crise internacional, devido à quebra da bolsa de Wall Street, e seu primeiro golpe de Estado militar.
No entanto, ele observou: “Fica claro pelos números que as coisas começaram a ficar complicadas depois do peronismo”.
“A Argentina se assemelhava a uma economia desenvolvida, em termos de padrão de vida, renda per capita e taxa de crescimento, até 1946”, explicou. Ou seja: até a chegada de Perón.
“É aí que a inflação começa a aparecer”, disse ele, referindo-se ao problema mais persistente enfrentado pela Argentina.
Embora o país já tivesse tido aumentos de preços antes, esclareceu, a partir desse momento eles subiram para além de 20% pela primeira vez.
E por que a inflação começou a subir?
“Porque os gastos aumentaram muito”, explicou o economista, que destacou que “a Argentina tinha gastos públicos de 8,5% do PIB e na segunda metade da década de 1940 e isso aumentou para 12%”.
No entanto, Spotorno esclareceu que muitos dos problemas que Perón enfrentou surgiram antes da sua chegada e foram agravados pelo contexto internacional desfavorável que a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) trouxe.
Os países europeus para os quais a Argentina exportava produtos de sua agricultura atrasaram pagamentos, afirmou. E o país, que durante décadas teve um superávit primário - isto é, mais receitas do que despesas - "começou a ter um deficit na década de 1940".
Este rombo não poderia ser resolvido – como fizeram os governos anteriores – com empréstimos externos, também por causa da guerra, disse o especialista.
Mas estas limitações não frearam Perón, que, apesar do contexto, aumentou drasticamente os gastos sociais.
“A Argentina aumentou as despesas sem poder financiá-las”, disse Spotorno.
“Perón nacionalizou o Banco Central para poder imprimir dinheiro, o que desencadeou a inflação.”
Esse problema (gastar mais do que se tem) foi piorando a cada governo posterior, explicou o economista.
E as soluções adotadas por todos - seja emitindo mais dinheiro ou solicitando mais empréstimos - foram o que levou a Argentina a se tornar um dos países com mais inflação e mais incumprimentos (ou cessação de pagamentos de dívidas - os famosos calotes) do mundo.
Os militares
Mas muitos também dizem que seria injusto dizer que a Argentina “perdeu o rumo” por causa do peronismo.
Afinal, as potências com as quais o país conviveu no início do século se beneficiaram pelo Plano Marshall, que depois da Segunda Guerra lhes permitiu regressar ao caminho do desenvolvimento.
Em contraposição, a Argentina, que demorou a declarar guerra à Alemanha e ao Japão, foi excluída dos mercados europeus.
Quanto à inflação, economistas lembram que Perón conseguiu reduzi-la para menos de 4% antes de ser derrubado por um golpe de Estado em 1955.
E observam que, depois desse acontecimento, o peronismo foi banido por mais de 18 anos.
Acadêmicos como Eugenio Díaz Bonilla, economista e professor da Universidade George Washington, destacam que se compararmos a trajetória econômica da Argentina com a da Austrália - que sofreu os mesmos ataques internacionais e não foi incluída no Plano Marshall - pode-se perceber que o verdadeiro colapso do país sul-americano não teria ocorrido com a ascensão do peronismo, mas décadas depois, com a chegada do último regime militar, que aplicou políticas neoliberais.
“Se compararmos os dois países tomando como referência a distância em relação à renda per capita dos Estados Unidos, vemos que a relação permanece entre 1900 e 1975. A mudança ocorreu com o golpe de 1976”, disse Díaz Bonilla à BBC Mundo após a polêmica gerada pela revista The Economist.
O historiador argentino Ezequiel Adamovsky concluiu o mesmo.
“Nos trinta anos após 1945, a Argentina dobrou sua renda per capita e expandiu seu PIB a taxas superiores às dos Estados Unidos e também às do Reino Unido, Austrália ou Nova Zelândia (embora tenha sido superada pelos de alguns países europeus)", observou numa coluna de opinião no jornal El Diario AR.
“Com todos os seus problemas, a economia argentina crescia a um ritmo mais rápido do que o das principais potências ocidentais”, observou.
“Só em 1975 é que a economia local sofreu um declínio abrupto e perdeu terreno em comparação não só com os países mais avançados, mas praticamente com o mundo inteiro. Desde 1975, sim, pode-se dizer que o país sofreu um declínio”, escreveu ele, em referência a um período marcado pela crise de hiperinflação.
Um problema de base
Mas há algo com que analistas de várias ideologias concordam: para além das falhas de governos específicos, o problema subjacente que afetou a Argentina é uma instabilidade institucional que levou a seis golpes de Estado no século XX.
Neste ano, o país está comemorando, pela primeira vez, 40 anos ininterruptos de democracia.
Uma pesquisa conduzida pelo professor de economia da Universidade de Liubliana, Rok Spruk, destacou que esta fraqueza existe desde o início.
“Em comparação com EUA, Canadá e Austrália, a Argentina nunca completou a transição para uma democracia aberta sustentada pelo Estado Democrático de Direito”, escreveu Rok num artigo intitulado “The Rise and Fall of Argentina” (A ascensão e queda da Argentina, em tradução direta), publicado em 2019 na revista Latin American Economic Review.
“Quando os militares quebraram formalmente a ordem constitucional em 1930, a Argentina embarcou no caminho do desenvolvimento institucional instável e das frequentes transições de idas e vindas entre ditadura e democracia.”
“Em vez de embarcar no caminho do desenvolvimento institucional sustentado, a Argentina sofreu uma fraude eleitoral tumultuada com uma quase erosão do sistema de freios e contrapesos que precipitou a ascensão de líderes populistas”.
Spotorno diz que esta instabilidade democrática fez com que a Argentina perdesse a atratividade que tinha no final do século XIX e início do XX.
“Se há um golpe de Estado volta e meia e as instituições são violadas, obviamente os investimentos começam a bambear”, disse ele.