Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
segunda-feira, 7 de outubro de 2024
A esquerda fanática - Denis Lerrer Rosenfield (O Estado de S. Paulo)
segunda-feira, 6 de maio de 2024
O antiocidentalismo - Denis Lerrer Rosenfield (O Estado de S. Paulo)
O antiocidentalismo
Denis Lerrer Rosenfieldterça-feira, 9 de abril de 2024
Diplomacia ideologizada - Denis Lerrer Rosenfield ( Estadão)
ESPAÇO ABERTO
Diplomacia ideologizadaDenis Lerrer Rosenfield
Em períodos normais, as relações externas do País têm pouco impacto sobre a política interna. Presidentes e diplomatas estão centrados na defesa dos interesses estratégicos do Brasil, de seus interesses comerciais e em sua inserção num mundo cada vez mais globalizado. Isso se traduz pelo fato de que questões diplomáticas se tornam assuntos restritos de especialistas e do Itamaraty. Saliente-se a neutralidade e a imparcialidade, enquanto princípios norteadores, do trabalho de nossa diplomacia. Todavia, a diplomacia presidencial está tendo como efeito a perda de popularidade do presidente.
A causa se deve a que o presidente Lula e o PT geraram uma inflexão desta política diplomática, praticamente operando uma ruptura, embora não cansem de dizer que estão apenas fazendo uma correção de rota. Se há correção de rota, caberia determinar se há rota alguma no que estão apresentando, salvo se a virmos sob o prisma do apoio a presidentes autocráticos, avessos à democracia, e da crítica feroz aos valores ocidentais, aqueles mesmos que introduziram no mundo os princípios da liberdade e da igualdade. Chega a ser lamentável a fraternidade introduzida com os terroristas do Hamas, com o ditador Nicolás Maduro, com Vladimir Putin e Cuba.
De repente, o atual governo torna-se um baluarte do antiocidentalismo. Tudo isso sob a máscara esquerdista da luta contra o "imperialismo norte americano", como se nosso futuro estivesse atrelado ao fundamentalismo islâmico, do Hamas ou do Irã, aos valores da "Grande Nação" russa, eurasiana e não ocidental, ou ao esquerdismo venezuelano.
Dentre as aberrações diplomáticas, fica difícil privilegiar uma ou outra. A de Maduro é um caso contumaz de apreço pela violência, pela ditadura e pela mais cruel repressão, e isso desde o primeiro governo Lula. Segue coerente! Seria, ao arrepio de toda a lógica, uma "democracia" por realizar eleições fraudulentas, sem a participação legítima da oposição e sem imprensa e meios de comunicação livres.
Ademais, a população venezuelana vive sob a miséria e a violência, como se isso fosse, então, o reino do socialismo/comunismo. Se esse é o reino da igualdade, melhor os eleitores brasileiros se organizarem para o próximo pleito eleitoral, pois não é isso que almejam.
Ainda sob a ótica diplomática, bastou o Itamaraty fazer uma nota amiga, tímida, solidária com Maduro e sua trupe, quase se desculpando por exprimir uma pequena discordância, para que o ditador e seu ministro de Relações Exteriores dessem um tapa na cara do Brasil. E o que fez o presidente brasileiro? Calou-se!
O caso da Rússia é um caso à parte, pois a ditadura de Putin é considerada como se fosse de esquerda, quando defende abertamente valores de extrema direita, ancorados na Igreja Ortodoxa, na repressão indiscriminada a quaisquer opositores, em valores antiocidentais, propugnando pela ideia de uma civilização russa que se projetaria para o exterior, sendo a invasão da Ucrânia o seu primeiro passo e tendo em Alexander Dugin o seu mais proeminente pensador. Lula e o PT são uma amostra de daltonismo político, nem mais sabendo distinguir esquerda de direita.
Cuba é outro exemplo de um amor incontido. A ditadura castrista e seus herdeiros não cessam de submeter a sua população à miséria, à repressão policial, à ausência de liberdade, com uso intensivo de prisões e tortura, se for o caso. Essa ilha é tão feliz sob o domínio comunista que os seus servos (não se pode considerá-los cidadãos) têm um único objetivo: fugir do paraíso. Recentemente, uma dirigente petista chegou a dizer que a situação cubana se deve ao "bloqueio" americano. Não há nenhum bloqueio, mas embargo! A ilha não está cercada militarmente, pode comercializar com quem quiser, salvo com os Estados Unidos e com empresas americanas no mundo. Por que não se torna próspera negociando com a Rússia, a China e o Irã?
A visita do presidente Emmanuel Macron ao Brasil, por sua vez, foi constrangedora. Os dois presidentes não negociaram o que é mais importante para o Brasil: o acordo Mercosul-União Europeia. O presidente francês deu-se, inclusive, ao luxo de dizer que a proposta atual, fruto de 20 anos de laboriosas negociações, era "péssima". Tudo deveria recomeçar, provavelmente para atender aos interesses dos agricultores franceses, que nem querem ouvir falar de restrições ambientais, pelos próximos 20 anos. Lula e Macron ficaram saltitando de mãos dadas como namorados e fazendo fotos com indígenas na Amazônia. Os franceses adoraram as fotos! Paradoxalmente, Lula colocou-se na posição do colonizado e Macron, do colonizador.
Lula, até agora, não se desculpou por sua infame comparação entre o Holocausto judeu sob o nazismo e a autodefesa de Israel, operando uma guerra urbana, em meio a túneis e com o Hamas utilizando a sua população como escudo humano. Hospitais tornam-se centros do terror, em flagrante crime de guerra. Entretanto, numa completa inversão, Israel é que seria culpado pela "destruição de hospitais". Vale aqui, também, o antiocidentalismo, senão o antissemitismo.
PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR
segunda-feira, 23 de outubro de 2023
Pequeno dicionário de conceitos invertidos - Denis Lerrer Rosenfield, O Estado de S. Paulo
Hamas
Denis Lerrer Rosenfield,segunda-feira, 28 de julho de 2014
Israel-Hamas: o posicionamento de Denis Lerrer Rosenfield
terça-feira, 11 de março de 2014
Venezuela: uma ditadura eleita (fraudulentamente) - Denis Lerrer Rosenfield
Concordo com meu amigo Orlando Tambosi, que se trata, não de uma democracia totalitária, mas de uma ditadura, simplesmente, apenas que recorrendo a eleições, sempre manipuladas, a partir de certo momento.
Paulo Roberto de Almeida
Democracia e ditadura
Nesse sentido, a "democracia" poderia prescindir das liberdades civis e políticas, devendo contentar-se com eleições e referendos, cada vez mais restritos, pois as condições de competitividade são progressivamente reduzidas. De fato, a democracia representativa nesses países "socialistas" é substituída, para retomar um conceito de J. L. Talmon, pela democracia totalitária.
A democracia representativa caracteriza-se por ser constitucional, obedecendo a princípios que fogem a qualquer deliberação popular. Consequentemente, não pode ser objeto de deliberação a igualdade de gêneros ou de raças. Uma maioria popular machista ou racista não se poderia impor numa democracia representativa, graças aos limites constitucionais, de princípios e valores, por ela assegurados.
Segundo a democracia totalitária, o poder reside na vontade popular encarnada pelo líder carismático. Não tem este, em razão da delegação popular recebida, nenhuma limitação, como se eleições o autorizassem, virtualmente, a fazer qualquer coisa. Basta um referendo para que isso ocorra. Foi o que aconteceu com o "socialismo do século 21", nas figuras de Hugo Chávez e de sua caricatura, Nicolás Maduro, que aboliram a separação de Poderes, emascularam o Judiciário e o Legislativo, fazendo do Executivo o único Poder que conta.
A economia de mercado, por sua vez, foi cerceada, quando não aniquilada, tendo como consequência o domínio do Estado, cujos efeitos mais nítidos são a inflação galopante e a falta de produtos básicos - o papel higiênico é o mais emblemático deles. Já a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em geral foi sendo suprimida, só sobrando, hoje, o resquício de uma sociedade livre. Milícias no melhor estilo das SA nazistas aterrorizam a população, fazendo uso da violência e do assassinato sempre e quando o líder máximo o exigir. Tudo, evidentemente, em nome da "revolução" e do "socialismo".
Não obstante, o Itamaraty e setores do PT continuam a justificar a "democracia venezuelana", como se os protestos do que ainda resta de oposição fossem o real perigo. Ora, as posições estão totalmente invertidas. A dita "cláusula democrática", bem entendida, significaria, apenas, a "cláusula democrática totalitária".
Do ponto de vista diplomático, por uma questão de pudor, não se pode acatar o argumento de que o Brasil não se ingere em assuntos de outros países, uma vez que foi bem isso que fez no Paraguai. O então presidente Fernando Lugo foi afastado do poder por um impeachment, segundo a legislação paraguaia. O governo brasileiro não reconheceu o impeachment e aproveitou a ocasião para suspender esse país do Mercosul, tornando viável, dessa maneira, a entrada da Venezuela. É evidente o uso de dois pesos e duas medidas.
Nessa perspectiva, poderíamos aplicar os mesmos critérios para o que se denomina ditadura militar brasileira, com o intuito de melhor apreciarmos a "verdade" do período, contrastada com o juízo "democrático" do atual governo a propósito do "socialismo do século 21".
Considera-se a ditadura militar como se estendendo desde o governo Castelo Branco até o final do governo Figueiredo, quando há diferenças significativas nesse longo período. O governo Castelo Branco, por exemplo, tinha inclinação liberal, enquanto o governo Geisel foi fortemente estatizante. Segundo esse critério, o governo Dilma Rousseff se encaixaria na concepção geiselista, com forte intervenção do Estado na economia, a escolha de empresas e setores privilegiados a serem apoiados e o uso da política fiscal e de subsídios para o apoio a esses grupos. Seria Geisel de esquerda, conforme essa concepção? Mais ou menos democrático? E Lula, em seu primeiro mandato, seria castelista?
Durante o período do governo Castelo Branco (1964-1967) até o Ato Institucional n.º 5, promulgado por Costa e Silva em setembro de 1968, o País desfrutava ampla liberdade. Foi esse ato extinto em 1978 por Geisel e o habeas corpus, restaurado. Penso não ser atrevido dizer que as liberdades civis eram muito mais respeitadas do que o são nos países que, atualmente, encarnam o "socialismo do século 21".
A gozação, para não dizer a sátira e a ironia, do Pasquim começou em 1969, quando o regime militar havia endurecido e a ditadura propriamente dita se estabeleceu. Isto é, a ditadura tolerou o Pasquim, enquanto os governos bolivarianos não toleram nenhuma crítica, muito menos a que se faz pela sátira que atinge os seus líderes.
A greve do ABC sob liderança de Lula, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, foi um marco no Brasil, abrindo efetivamente caminho para a liberdade de participação sindical. Ocorreu em 1974, sob o governo Geisel. A partir dela novas greves se estenderam de 1978 a 1980, já no governo Figueiredo. Imaginem algo semelhante nos países bolivarianos. Por muito menos os "socialistas" enviam as suas milícias e fazem uso de perseguições, prisões, tortura e assassinato.
A Lei da Anistia, negociada entre militares democratas, políticos do establishment e a oposição do MDB, com amplo apoio da sociedade civil, foi assinada por Figueiredo em agosto de 1979, abrindo realmente caminho para a redemocratização do País. Foram os próprios militares que tomaram a iniciativa de abandonar o poder.
Sem dúvida a "democracia" bolivariana consegue ser mais dura do que a ditadura brasileira nesses períodos!
*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail: denisrosenfield@terra.com.br.
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
Depois do dilmes, o marines: Brasil avanca na terminologia do nada - Denis Lerrer Rosenfield
O marinês
segunda-feira, 9 de setembro de 2013
Diplomacia e ideologia - Denis Lerrer Rosenfield
Diplomacia e ideologia
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segunda-feira, 29 de julho de 2013
O Brasil no limiar de novas turbulencias e instabilidade - Denis Lerrer Rosenfield
Política e economia
Se tal formulação já é verdadeira no marco mais geral, ganha particular significação quando vista na perspectiva de períodos pré-eleitorais e, mais precisamente, de crise, como a enfrentada pela sociedade brasileira pós-jornadas de junho/julho. Note-se que estas puseram a nu um sério problema de representação política, com os políticos e governantes em geral mostrando-se separados, diria até desapegados, dos cidadãos.
O governo federal (bem como os estaduais e municipais), diante desse quadro, mostrou-se desorientado, dissociando-se dos clamores populares. O País entrou numa disputa partidária sobre a reforma política, que nem nas ruas apareceu. O descolamento aumentou.
Mais particularmente, o País vive num processo de baixo crescimento econômico, com a inflação longe do centro da meta e o governo se contentando em dizer que ela não passará do teto dessa mesma meta, o que é uma evidente distorção. O emprego já começa a dar mostras de desaceleração, mantendo-se estável, com leve tendência de queda. O alarme já soou, num contexto que se apresenta como de difícil reeleição, num jogo que, a persistir a atual situação, se encontra zerado.
Decisões econômicas são urgentes. Seu componente político é inegável. O cálculo eleitoral comparece imediatamente. Acontece que decisões que visem ao bem comum deveriam ser tomadas em perspectivas de médio e longo prazos. Ora, são justamente estas que desaparecem do horizonte. O passado recente do País, envolvendo tanto o PMDB (Plano Cruzado e outros do governo Sarney) como o PSDB (crise cambial no governo FHC), mostra o quanto, por motivos eleitorais, decisões econômicas maiores são postergadas, mergulhando o País, no presente de tais decisões, na crise e no imediatismo.
Como se já não bastassem a inércia econômica e as soluções "criativas", como a da contabilidade fiscal, o governo atual enfrenta-se com anseios cidadãos não atendidos, que podem irromper novamente a qualquer momento, e muito provavelmente nos meses anteriores às eleições de 2014, quando dos preparativos e durante a Copa do Mundo. O que esperar?
O governo optou por uma política econômica dirigista no nível estatal, não hesitando em interferir nos mecanismos de mercado, dos quais guarda visceral desconfiança. Responde aos problemas do mercado com mais intervencionismo, agravando os que tenta resolver. Quanto mais procura regular, mais desregulamentação produz. Os impasses e dilemas não cessam de se reproduzir. Vejamos alguns, salientando o seu caráter propriamente político.
Inflação - Não é de interesse político do governo que a inflação fuja do controle, embora não tome medidas que adequadamente possam trazê-la para o centro da meta, salvo intervencionismos pontuais, como a redução do preço da energia elétrica e a desoneração tributária de alguns setores, entre outros. A equação é política, porque a inflação crescente recai predominantemente sobre as classes mais desfavorecidas, que sentem no bolso o aumento do custo de vida. Ora, estas são beneficiárias do Bolsa Família e constituem a nova classe ascendente. A inflação surge, então, como um problema político-eleitoral. E o que faz o governo? Em vez de diminuir o peso da máquina estatal, reduzindo o seu custeio, responde com mais intervencionismo - e alimentando o processo inflacionário que busca equacionar.
Consumo da classe média - Muito tem sido criticado o fato de o governo privilegiar o crescimento da economia apostando no consumo, em vez do investimento. O modelo baseado no consumo está dando mostras de esgotamento, visível nos pífios índices de crescimento do produto interno bruto (PIB). As autoridades econômicas, diante desse fato, só estão dando respostas pirotécnicas, falando idilicamente de um crescimento futuro que se desmente a cada dia. Perdem legitimidade e nada transmitem de confiança, elementos essenciais para uma economia de livre-mercado.
Do ponto de vista social, não parece haver, no curto prazo, horizonte para que isso se altere, salvo se a presidente optar por uma posição de estadista, alterando o rumo da política econômica, visando o longo prazo. Acontece que sua base eleitoral está ancorada numa política expansionista de consumo, que se traduz em maior compra de automóveis, fogões, geladeiras, etc. Não é casual que depois do Minha Casa, Minha Vida o governo adote uma política de equipamento eletrodoméstico financiado dessas moradias. Os empréstimos bancários multiplicam-se e as dívidas de quem os contrai só crescem. No longo prazo é altamente problemático, no curto rende dividendos eleitorais.
Responsabilidade fiscal - Nesse contexto, falar de responsabilidade fiscal torna-se, quando muito, um exercício de retórica, visando a transmitir uma confiança inexistente. Aliás, os cortes anunciados nos gastos federais, da ordem de R$ 10 bilhões, só frustram ainda mais as expectativas. Há uma razão política de fundo para isso, pois o governo nem bem consegue implementar suas próprias políticas, por problemas evidentes de gestão. Boas iniciativas, como privatização de aeroportos e rodovias e a nova Lei dos Portos, tendem a ficar presas no emaranhado da incompetência e da burocracia. Faz parte dela também uma desconfiança em relação ao lucro.
Nesse meio tempo, as ruas estão cada vez mais dissociadas do que está sendo discutido no mundo político. A relativa calmaria atual pode ser o prenúncio de novas tempestades futuras.
segunda-feira, 25 de março de 2013
O fascismo em construcao no Brasil: o Estado administra a sua vida...
Mentalidades fascistas acham que podem controlar o que fazemos. E conseguem, em certa medida. Depois vão querer controlar o que pensamos...
Paulo Roberto de Almeida
Ciência e liberdades
No entanto, a liberdade de que goza a pesquisa científica vem tendo um contraponto na utilização pelo Estado dos produtos dessa mesma pesquisa. Isso é particularmente visível no uso da ciência por políticas públicas de saúde, como se a certeza do conhecimento devesse traduzir-se por um controle "científico" do comportamento humano. Resultados de pesquisas ou, muitas vezes, meras hipóteses não verificadas são utilizados como instrumentos de ações governamentais, como se assim estivessem justificados.
Tais ações públicas estão particularmente presentes nas políticas conduzidas contra alimentos gordurosos, bebidas açucaradas, bebidas alcoólicas ou cultivo e consumo de tabaco. Governos arrogam-se direitos de intervenção na vida dos cidadãos, supostamente amparados no conhecimento científico. A justificação da restrição das liberdades não seria, então, arbitrária, mas científica. A dominação mudou de nome.
É próprio do progresso científico que seus resultados sejam tornados públicos, vindo a balizar, no caso, a vida das pessoas se elas optarem por seguir esse conhecimento adquirido. Se elas optarem, não se trata, ou não deveria tratar-se, de uma obrigação imposta pelo Estado.
A diferença é de monta. Uma coisa é as pessoas, de posse de certos conhecimentos, optarem por não consumir determinado produto por considerá-lo prejudicial à sua saúde. Nesse sentido, seria função do Estado informar os cidadãos sobre malefícios reais ou prováveis à saúde das pessoas do consumo de tais produtos. Outra, muito diferente, é o Estado impor determinadas condutas restritivas da liberdade de escolha, em nome de um conhecimento científico apropriado pelo governo com vista a seus fins específicos. Os cidadãos seriam despojados de sua liberdade de escolha.
Consequentemente, estaríamos diante de algo extremamente perigoso, a saber, a administração da vida. Pior ainda, a administração "científica" da vida. Cidadãos tutelados são cidadãos administrados, incapazes de discernir por si mesmos o que é "bom" para eles.
A pior administração é a que se diz "verdadeira", "científica", como se coubesse ao Estado optar no lugar dos cidadãos. Cidadãos administrados cientificamente tendem a se tornar servos do Estado. A eles é reservado um lugar específico, o de serem destituídos do conhecimento "verdadeiro", esse que lhes é imposto à sua revelia.
A comunidade científica, à medida que avança no terreno do político, começa a abandonar o seu terreno próprio, vindo a se tornar uma parte do problema, em vez de poder ser um elemento de sua solução. No momento em que entra na seara da política, ela corre o risco de colocar o seu próprio trabalho sub judice.
Melhor fariam os cientistas em avançar em suas pesquisas, mostrando, por exemplo, os elementos e produtos eventualmente prejudiciais à saúde dos indivíduos. Não lhes compete uma conduta de "cruzados" pelo controle "científico" dos cidadãos. Cidadãos devem ser informados, não tutelados. A sua liberdade de escolha deve ser, antes de tudo, preservada, tratando-se de um direito fundamental do ser humano.
A ideia de que caberia ao Estado simplesmente administrar a vida dos cidadãos segundo critérios "verdadeiros" não é nova, tendo produzido historicamente resultados catastróficos. Está amparada numa concepção de que o Estado, graças à sua "sapiência", sabe o que é melhor para os cidadãos, que não têm o alcance desse discernimento.
Em sua forma extrema, ela foi concebida e levada a efeito na extinta União Soviética, que sucumbiu, aliás, ao seu excesso de "verdade" e de "conhecimento". Bukharin, dileto discípulo de Lenin e destacado teórico bolchevique, chegou a escrever que num Estado de uma sociedade sem classes - logo, o Estado "bom" e "verdadeiro" - a sua função essencial seria somente "administrar" a sociedade e os cidadãos.
Tal administração seria, então, conduzida por burocratas "sapientes", "científicos", convenientemente doutrinados, que saberiam impor aos cidadãos o que seria melhor para eles. E não apenas a contragosto, mas pelo uso da força e da imposição, se necessário.
O direito de ser obeso é um direito fundamental, se assim a pessoa optar. Não se trata de impor aos que estão acima do peso considerado normal determinada conduta, que termina, ademais, atingindo todos os cidadãos. Em nome da suposta saúde dos obesos, todos os cidadãos, magros ou não, seriam obrigados a não mais consumir certos produtos.
O direito de beber, mesmo até a embriaguez, se ela não perturbar o próximo, é também um direito fundamental, o exercício que qualquer cidadão faz do seu gosto, sem nenhuma restrição. Cabe, evidentemente, ao Estado informar os cidadãos sobre os malefícios do seu consumo excessivo.
O direito de fumar - assim como a produção de tabaco é um direito proveniente da livre-iniciativa econômica, garantida, aliás, pela Constituição federal - é igualmente um direito fundamental. Proveniente que é da liberdade de escolha, pode ou não ser exercido pelos cidadãos que encontram prazer em fazê-lo. Evidentemente, fumantes não devem importunar o próximo, pois violariam a liberdade deste.
A fogueira, simbolicamente falando, está voltando em algo que se está tornando uma espécie de guerra contra alimentos gordurosos, bebidas alcoólicas, refrigerantes e tabaco. São os novos bodes expiatórios dos que temem a liberdade de escolha. Não nos enganemos: por meio desses produtos e suas proibições, são as liberdades individuais e de escolha que são visadas.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
A blogueira e os mercenarios, 12 (chega...): o silencio ensurdecedor dos companheiros.. .
Enfim, chega de bater em cachorro morto (no caso os mercenários, cuja presença não será mais requisitada das próximas vezes...).
Paulo Roberto de Almeida
Apropriação indébita
Um caso interessante dessa desorientação foi a apropriação operada pela esquerda da doutrina dos direitos humanos, como se fosse coisa sua. Isso é particularmente visível no Brasil. Ora, a doutrina dos direitos humanos, no século 20, foi um instrumento dos dissidentes soviéticos e dos países do Leste Europeu para reclamar do controle totalitário e autoritário seguido por seus respectivos governos.
Clamavam eles por liberdade de expressão, de imprensa, de publicação. Lutavam pelo direito de ir e vir, que lhes era proibido. Andrei Sakharov, na extinta URSS, e Vaclav Havel, depois presidente da República Checa, foram símbolos importantes dessa época. Ou seja, os direitos humanos foram elaborados e usados contra os governos de esquerda, de modo a que viessem a aceitar uma liberdade necessária, de valor universal.
Nessa perspectiva, Yoani Sánchez, dissidente cubana e colunista do Estadão, nada mais faz do que se colocar como herdeira dessa tradição dos direitos humanos. Cuba, governo de esquerda tão prezado por alguns setores do nosso país, é um esbirro caribenho dos governos comunistas. Por via de consequência, os defensores da ditadura dos irmãos Castro são liberticidas que desprezam profundamente os direitos humanos.
A vergonha, usando um termo brando, das manifestações esquerdistas, com seus apoios partidários, contra a dissidente cubana mostra o quanto certos setores da esquerda em nosso país continuam presos aos dogmas totalitários do século passado. Uma visitante impedida fisicamente de falar é um exemplo de como essa doutrina, que deveria ter um valor universal, é pervertida ideologicamente.
O governo brasileiro tem uma Secretaria de Direitos Humanos. O curioso é a seleção que opera dos valores ditos universais. Se um policial morre no cumprimento do dever, o mutismo é a regra, como se não fosse algo universal. Se um invasor do MST é preso, lá vão os companheiros conclamando o respeito aos direitos humanos. Eloquente também é a omissão do governo na questão dos direitos humanos em Cuba. A contradição é flagrante.
No caso de Yoani Sánchez, o silêncio da Secretaria de Direitos Humanos é de furar os tímpanos. Será que não há nada a ser dito? Nem indignação a ser externada acerca de grupos que usam da violência para impedir a liberdade de expressão do pensamento de uma digna representante dos direitos humanos?
O outro lado da apropriação manifesta-se no uso que se tornou corrente do politicamente correto, como se fosse a outra face dos direitos humanos. O mais interessante aqui consiste nas restrições que operam na liberdade de escolha, como se fosse um valor que deveria ser relativizado em função de "bens" supostamente maiores.
Há setores da esquerda brasileira, do PT aos tucanos, passando pelo novo partido de Marina Silva, que importam o purismo religioso comportamental dos EUA enquanto símbolo da nova esquerda. Os liberals americanos, cuja tradução correta deveria ser trabalhistas ou social-democratas, para distingui-los dos verdadeiros liberals, os liberais no sentido inglês do termo, estariam fornecendo os novos parâmetros da esquerda. Não deixa de ser interessante constatar que os discursos antiamericanos vêm acompanhados da importação da ideologia esquerdizante norte-americana.
O politicamente correto brasileiro está importando as cotas raciais americanas, apelando para posições morais, como se a solução da miséria no Brasil passasse pela introdução de uma nova forma de racialismo, discriminando, em sentido inverso, as pessoas pela cor. Pior ainda, pela autodeclaração da cor, o que aumenta ainda mais o componente ideológico dessa diferenciação/discriminação. O valor universal da igualdade entre as pessoas perde-se no ralo.
Outra importação é a das restrições à liberdade de fumar e mesmo, por extensão, as tentativas de interferência na própria produção de tabaco, produto, aliás, importante da pauta de exportação brasileira. Não se trata, evidentemente, de defender o direito de alguém dar uma baforada na cara de outro, mas tão simplesmente de guardar o respeito à liberdade de escolha de cada um em lugares adequados e separados. Marina Silva chegou a considerar a indústria do tabaco como "algo sujo", quando se trata de um setor que se caracteriza pelo desenvolvimento sustentável em sua área agrícola, cultivada por agricultores familiares.
Exemplo ainda é a campanha crescente, e que só tende a aumentar, contra o consumo de álcool, alcançando proibições draconianas na direção de veículos. Beber está se tornando um ato que vem a ser identificado com dano irremediável à saúde, podendo se traduzir até pela morte do próximo. Estamos voltando ideologicamente à doutrina da lei seca americana, revigorada de outra maneira pelo purismo comportamental religioso.
Mais uma questão que se encaixa nessa "cruzada" do politicamente correto é o controle quase total da liberdade de escolha dos cidadãos, no exercício legítimo - e universal - do direito à autodefesa. As campanhas em curso pelo desarmamento, deixando as pessoas de bem completamente à mercê de criminosos, num Estado incapaz de assegurar a segurança física de seus cidadãos, mostram o quanto a liberdade se está tornando um valor relativo em função de supostos bens maiores.
Os direitos humanos, tais como foram elaborados e defendidos no século 20, inclusive pelos críticos dos governos de esquerda, apresentam posições de defesa irrestrita da liberdade de escolha em todos os seus níveis, contra as ideologias coletivistas e totalitárias.