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terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

J. G. Merquior: “O sistema internacional e a Europa Ocidental” (Bonn, 1973)

Dando continuidade à minha postagem de trabalhos de Merquior, informo sobre a disponibilidade desta análise diplomática que ele fez em Bonn, em 1973, ou seja, pouco tempo depois que a Grã-Bretanha aderiu à então Comunidade Econômica Europeia.

O trabalho, disponível em bibliotecas de Brasília (Itamaraty, Câmara e Senado), é este aqui: 

O sistema internacional e a Europa Ocidental” (Bonn, janeiro-fevereiro de 1973). [Brasília:] Ministério das Relações Exteriores, 1973 (separata).

O trabalho pode ser lido ou descarregado na plataforma Academia.edu:



Efetuei uma breve análise num trabalho mais longo sobre o pensamento político de Merquior, do qual destaco esses trechos: 

Merquior diplomata: o sistema internacional e a Europa ocidental
(...)
... um exemplo de seu trabalho meticuloso de análise do mundo da política internacional sobreviveu à crítica destrutiva das traças, ao ter sido mimeografado e distribuído como “folheto” pelo próprio Itamaraty. Encontrei-o no catálogo da biblioteca do Itamaraty – e também nos das bibliotecas do Congresso – sob o seguinte título: “O sistema internacional e a Europa Ocidental”, datado de “Bonn, janeiro-fevereiro de 1973” (seu segundo posto na carreira, depois da embaixada em Paris), em 27 páginas cuidadosamente datilografadas, cujo estatuto preciso – se anexo a algum ofício de rotina, depois transformado em separata, ou se já um trabalho extra em meio aos expedientes de rotina – ainda precisa ser identificado.
O fato é que se trata de um curto, sintético, mas erudito ensaio – nada menos do que treze obras na bibliografia, entre eles a famosa conferência do embaixador, ex-chanceler de João Goulart, João Augusto de Araujo Castro, sobre o “congelamento do poder mundial”, e um artigo de Roberto Campos no Globo, no próprio mês de janeiro de 1973 – discutindo o panorama internacional no início daquela década, com uma atenção especial para o papel da Europa ocidental, ou mais especificamente da Comunidade Econômica Europeia, acrescida recentemente do ingresso do Reino Unido, no difícil equilíbrio de poderes no mundo bipolar da Guerra Fria, mas já marcando o retorno da China ao cenário geopolítico internacional. O trabalho está dividido em quatro partes bem identificadas: (a) “a dinâmica do sistema internacional nos anos 70”, com um pouco de prospectiva, portanto; (b) “o pentarca hipotético: a posição da Europa Ocidental”, entre os dois gigantes adversários; (c) “Détente, congelamento do poder mundial e impasse europeu”, com suas observações sobre os interesses contraditórios dos três grandes atores da CEE, França, Alemanha e Reino Unido; (d) “as negociações europeias de 1973”, sobre o começo do processo que seria depois conhecido como “acordos de Helsinque”, de 1975, e novas negociações em torno das armas nucleares entre os EUA e a URSS; mais a conclusão e a bibliografia.
Não é o caso de retomar aqui cada um dos seus argumentos sobre o cenário mundial e seus desenvolvimentos prováveis numa conjuntura em que os EUA procuravam se desengajar da terrível guerra do Vietnã, ao mesmo tempo em que a URSS brejnevista se dedicava a novos ensaios de projeção internacional em outros continentes, e quando a China buscava, justamente, uma aproximação ao Ocidente, ao ter na União Soviética a sua principal ameaça e favorecendo – este um ponto central – uma maior integração europeia, inclusive na área de defesa, como forma de diluir o imenso poderio convencional e nuclear da antiga aliada no sonho comunista. Merquior faz vários retrospectos ao período mais crucial da Guerra Fria e à doutrina da “mútua destruição” de Foster Dulles, mencionando en passant que “o Prof. Henry Kissinger é um renomado especialista em Metternich e Bismarck” (p. 1). Mesmo reconhecendo a oposição EUA-URSS, Merquior enfatiza que não se trata de um antagonismo “inspirado por reivindicações territoriais, mas sim por divergências ideológicas”, ao passo que “o antagonismo URSS-China, ao contrário, parte de motivos ideológicos, mas encerra uma divergência geográfica de enorme peso histórico” (pp. 2-3; ênfase no original). A partir desse cenário, Merquior observa que: 

De todas as combinações possíveis no interior do triângulo, a mais improvável é, de longe, uma conjunção sino-soviética contra os USA, sendo muito mais verossímil que os soviéticos se sintam obrigados a se aproximar de Washington, quando e se a China aumentar substancialmente seu capital estratégico e sua penetração nas zonas de influência soviética (p. ex., o Oriente Médio). (p. 4; ênfase no original)

Mais interessante, na perspectiva dos longos desenvolvimentos em direção ao final do século, são suas observações sobre a “pentarquia hipotética” da Europa Ocidental, e o papel dos três grandes países – duas potências nucleares, França e Grã-Bretanha, e uma potência econômica, a Alemanha – no complexo jogo com aqueles outros três grandes atores, no momento em que “o sistema internacional emprestou novas perspectivas de uma efetiva multipolarização do poder” (p. 7). Esse “pentarca” permanecia “hipotético”, uma vez “que prevalecem dúvidas  fundadas sobre a efetivação, em futuro próximo, da unidade política da CEE” (idem). Essa é a questão crucial ainda hoje, como se pode verificar num relatório do Egmont Institute, de 2020, sobre as “escolhas estratégicas” da Europa para o resto da década, ainda centradas, justamente, sobre as possibilidades de que a UE possa se “reposicionar na política internacional”, adotando uma “Grande Estratégia” consensual entre seus membros mais importantes, sem alienar a cooperação com os EUA em face dos grandes contendores, mas sem continuar a ser dependente submisso das escolhas estratégicas americanas (Sven Biscop, “Strategic choices for the 2020s”, Security Policy Brief n. 122, February 2020, Bruxelas: Egmont-Royal Institute for International Relations). Merquior vai inclusive muito mais além do que simplesmente expressar a necessidade de maior integração e cooperação entre os países membros da CEE – apenas nove, naquela conjuntura – nos terrenos político e de defesa, penetrando no desenvolvimento institucional desse quinto membro hipotética da pentarquia do poder internacional, junto com os dois grandes nucleares, a China emergente e o Japão. Seu parágrafo, sem ênfases, é o seguinte:

Não há dúvida de que, para desempenhar o papel que a evolução do sistema internacional lhe reserva, ocupando o seu lugar na pentarquia em formação, a Europa Ocidental se depara hoje com a necessidade de realizar com urgência uma inédita operação de química histórica: a fusão dos estados nacionais europeus numa federação. Numa federação de 250 milhões de almas, econômica e tecnologicamente superior à URSS, ao Japão e à China. (pp. 7-8)

Merquior reconhece imediatamente a dificuldade e o ineditismo dessa metamorfose, devido à circunstância 
... de que foi precisamente na Europa Ocidental que se originaram e mais se desenvolveram as entidades históricas denominadas Estados nacionais. A história do mundo registra muitas federações; mas desconhece, até aqui, uma federação feita de unidades tão ciosas e ciumentas de sua personalidade cultural e de sua soberania política quanto as grandes nações europeias. (p. 8)

Merquior continua enfatizando a relativa perda de poder pela Europa “desde os últimos decênios do séc. XIX”, inclusive em função da retração demográfica: 
Em consequência, a posição internacional da Europa Ocidental encerra, atualmente, um verdadeiro desafio – um “challenge”no sentido de Toynbee. Ou o Ocidente europeu se unifica, ou não usufruirá, senão em mui pequena escala, das perspectivas de poder e influência oferecidas pela evolução inscrita na dinâmica do sistema internacional. (p. 9)

Depois de tecer considerações sobre as contradições e ambiguidades nas relações entre os três grandes europeus, sobretudo no posicionamento em face da arrogância e do unilateralismo americano – conceitos que ele não usa –, Merquior vem às suas conclusões que parecem válidas ainda para a atualidade, bastando substituir soviéticos por russos: 

O que os soviéticos mais receiam, além do robustecimento da China, é a unificação política da Europa Ocidental, porque é grande o seu temor  de que, unida, a Europa Ocidental se converta em fator de desagregação do bloco socialista, na medida em que sua vitalidade econômica econômica e cultural, reforçada pela união, atrairia, mais do que já atrai, a maior parte dos atuais países satélites. Tudo o que se conhece dos trabalhos soviéticos de planejamento diplomático confirma essa impressão, ratificada pelos melhores kremlinólogos. (p. 24; ênfase no original)

Pois foi exatamente o que ocorreu menos de duas décadas depois, e não apenas em relação aos satélites da Europa central e oriental, mas também no tocante aos próprios membros da federação russo-soviética, como revelado mais adiante pelo caso da Ucrânia. Não se trata exatamente de uma presciência, ou profetismo, da parte de Merquior, mas de aguda observação dos dados da realidade internacional e regional, com base nas leituras que fazia de grandes especialistas ocidentais. O Brasil não aparece nessa análise de Merquior, a não ser pela adesão do autor às teses de Araujo Castro sobre o “congelamento do poder mundial” e por uma menção aprobatória à não adesão do Brasil ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP): “Bem andou o Brasil ao não assinar convênio tão estranhamente ‘altruístico’.” (p. 11), quando se sabe que seu amigo e mentor Roberto Campos desdenhava dessas posturas e recomendava a adesão do Brasil ao TNP desde a sua finalização.
Finalmente, ao apoiar em sua conclusão, a ideia da “constituição de uma Europa Ocidental militarmente emancipada e politicamente coesa”, Merquior menciona um aspecto do balé diplomático ainda em voga na atualidade e totalmente pertinente para os dias que correm, com Brexit ou sem ele: 

Nada comprova melhor a veracidade disso do que a constância com que Pequim aconselha a unificação política da CEE e o reforço militar da OTAN às personalidades europeias em visita à China... (p. 25)

No conjunto, esse ensaio de análise prospectiva sobre o cenário internacional, a partir de seu posto de observação em Bonn, tendo vindo de Paris na oportunidade em que se negociou o ingresso do Reino Unido na então CEE, oferece a oportunidade de penetrar na argumentação de planejamento diplomático de Merquior, em complemento ao seu interesse básico num momento de transição de sua própria trajetória intelectual: o distanciamento dos temas de crítica literária e cultural da primeira fase e um engajamento mais decidido nos grandes temas da ciência política e da realidade da política internacional. Poucos anos depois, em 1977, Merquior elaboraria seu curto mas denso trabalho sobre a legitimidade em política internacional.

(...)







segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

J. G. Merquior: Brésil: cent ans de République: bilan historique (1990)

Mais um texto de José Guilherme Merquior, tal como disponível num arquivo francês:

Brésil: cent ans de République: bilan historique

Conferência feita por José Guilherme Merquior, quando era o chefe da missão brasileira junto à Unesco, em Paris, nas derradeiras semanas de sua vida, no dia 17 de dezembro de 1990, no quadro das comemorações dos cem anos da república brasileira, no âmbito do Centre de Recherches sur le Brésil Colonial et Contemporain, que tinha sido criado no seio da École des Hautes Études en Sciences Sociales por Ignacy Sachs, em março de 1985. A conferência, “Brésil: cent ans de République: bilan historique”, uma síntese magistral de um século de regime republicano, foi publicada num dos Cahiers du Brésil Contemporain (n. 16, pp. 5-22; cujo texto transcrito está neste link: http://www.revues.msh-paris.fr/vernumpub/1-Merquior%20-%20Souza.pdf).

Cahiers du Brésil Contemporain, vol. 16, 1991, pp. 5-22

Academia.edu: link:

https://www.academia.edu/41933966/J._G._Merquior_Br%C3%A9sil_cent_ans_de_R%C3%A9publique_bilan_historique_Cahiers_du_Br%C3%A9sil_Contemporain_1990_



sábado, 7 de janeiro de 2012

Jose Guilherme Merquior, um polemista refinado - Obras Completas


Uma coleção para o polemista maior

Série reúne 22 volumes com a obra integral de um dos mais controvertidos ensaístas brasileiros, o carioca José Guilherme Merquior, morto em 1991, homenageado ainda com biografia e livro tributo

Antonio Gonçalves Filho
O Estado de S.Paulo, 07 de janeiro de 2012 

Temperamento polêmico, o diplomata, ensaísta e acadêmico carioca José Guilherme Merquior (1941-1991) colecionava adversários intelectuais com a facilidade com que citava nomes imemoráveis - o que lhe dava enorme vantagem sobre seus opositores. Erudito, divertia-se em fustigar os inimigos com adjetivos ruidosos e denúncias de plágio. O crítico e ex-ministro da Educação Eduardo Portella definiu-o como "a mais fascinante máquina de pensar do Brasil pós-modernista - irreverente, agudo, sábio". Dessa "máquina", que parou aos 49 anos, saíram 22 livros produzidos em 25 anos de vida acadêmica, que começam a ser publicados ainda este semestre pela Editora É Realizações. Só este ano são lançados oito deles (seis de crítica e dois de ensaios) na Biblioteca José Guilherme Merquior, coleção organizada pelo professor de Literatura Comparada da Uerj, João Cezar de Castro Rocha.
O professor de literatura João Cezar de Castro Rocha destaca o papel visionário de Merquior (foto) - Fernando Bueno/AE - 29/11/1985
Fernando Bueno/AE - 29/11/1985
O professor de literatura João Cezar de Castro Rocha destaca o papel visionário de Merquior (foto)
Até 2014 a coleção estará completa, inclusive com dois volumes adicionais, o primeiro sendo um livro tributo, escrito por quem conviveu com Merquior, e o último uma biografia ainda em preparo. A meta, diz o organizador, é criar um público novo para a obra de um polemista que investiu contra a filosofia de Foucault, defendeu que o marxismo estava em processo de liquidação, atacou a prática da psicanálise ("uma doença do intelecto", dizia) e desancou luminares da crítica literária, incomodando ainda consagrados compositores como Caetano Veloso, a quem chamou de "pseudointelectual de miolo mole". Em troca, foi acusado de "terrorismo bibliográfico" pelo psicanalista carioca Eduardo Mascarenhas (1942-1997) e chamado de "empregadinho da ditadura militar" pelo filósofo e dramaturgo Carlos Henrique Escobar.
Tão múltipla como a formação intelectual de Merquior é a do organizador da biblioteca que leva o nome do diplomata. João Cezar de Castro Rocha é autor, entre outros livros, deLiteratura e Cordialidade - o Público e o Privado na Cultura Brasileira (1998) eAntropofagia Hoje? - Oswald de Andrade em Cena (lançado o ano passado pela É Realizações). O professor encara o desafio de organizar a reedição das obras e examinar os inéditos de Merquior justamente porque seu itinerário e sua independência se parecem com a trajetória intelectual do homenageado.
Aos 47 anos, Castro Rocha, colaborador do Sabático, fez conferências em vários países, dá aulas numa universidade americana e tem igual vocação para a polêmica - recentemente, num seminário sobre René Girard (de quem também organizou a obra completa), comprou briga com as maiores autoridades estrangeiras na obra do filósofo francês.
"Minha geração não leu Merquior, autor de livros fundamentais como Formalismo eTradição Moderna (1974), que antecipou algumas questões estéticas só discutidas na década seguinte, de 1980", observa Castro Rocha. Ele admite que o trânsito do diplomata pelas altas esferas pode ter afastado as novas gerações da sua obra- Merquior foi assessor do chefe da Casa Civil, João Leitão de Abreu (1913-1992), durante a ditadura do general Médici (1905-1985) e um dos ideólogos do governo Collor, ao lado do também diplomata e senador Roberto Campos (1917-2001). "No entanto, é conveniente lembrar que um dos melhores amigos de Merquior foi o marxista Leandro Konder, a quem sempre ajudou, inclusive financeiramente", lembra o organizador da coleção.
De fato, o diplomata, vinculado à corrente liberal - seu último livro é O Liberalismo,Antigo e Moderno (1991)-, não só tinha amigos comunistas como escreveu O Marxismo Ocidental (1987), um de seus livros mais polêmicos. Entre outras coisas, Merquior afirmava (há 25 anos) não ver futuro para o marxismo e decretava como permanente a crise pela qual passava a doutrina - de raízes religiosas, segundo ele, o que provocou escândalo. No livro sobram ainda farpas para o filósofo alemão Habermas, herdeiro da Escola de Frankfurt e um dos mais prestigiados pensadores do marxismo cultural. Em outro livro, A Natureza do Processo (1984), ele chega a arriscar um chocante diagnóstico de Marx, definindo-o como "um caso de esquizofrenia intelectual". O que ele não aceitava no marxismo, segundo disse o ex-ministro Sergio Paulo Rouanet numa mesa-redonda sobre Merquior, era o dogmatismo.
Como revelou Eduardo Portella nesse mesmo encontro, realizado na Academia Brasileira de Letras em 2001, poucos sabem que Merquior teve um "pequeno período lukacsiano", quando escreveu um artigo intitulado Contradições da Vanguarda, que deve figurar no livro dedicado aos textos inéditos do diplomata. Até mesmo no livro Arte e Sociedade em MarcuseAdorno e Benjamin (1969), o segundo a ser lançado pela É Realizações, persiste um "sotaque heideggeriano", segundo Portella, concluindo que não foi Marx que retirou Merquior de Frankfurt, mas Heidegger.
Ao ser transferido para Paris, seu primeiro posto internacional, em 1966, o diplomata foi inicialmente atraído pelo estruturalismo, mas sua independência não permitiu que defendesse a causa. Aluno do antropólogo Lévi-Strauss, Merquior tem alguns livros escritos originalmente em francês e inglês e traduzidos para o português, como Verso eUniverso em Drummond (1975), sua tese de doutorado na Sorbonne (de 1972), que será lançada durante a Flip (de 4 a 8 de julho), em Paraty. O organizador Castro Rocha o inclui entre os três mais importantes do diplomata (os outros dois são Razão do Poema, seu primeiro livro, de 1965, e Formalismo e Tradição Moderna). "Estamos revisando outras traduções, pois Merquior era muito cioso de sua obra." Entre os ensaios produzidos quando Merquior servia nas embaixadas do Brasil na Europa estão A Estética de Lévi-Strauss (1977) e Rousseau & Weber (1989), dois estudos de peso que se tornariam obras de referência - inclusive, para a comunidade cultural europeia.
Julia Merquior, filha do ensaísta, revela que, curiosamente, nenhuma editora antes da É Realizações procurou a família para recolocar esses títulos - fora de catálogo há anos - no mercado. "Claro, José Mário Pereira, da Topbooks, publicou muitos títulos, mas era mais a parte literária, direcionada à universidade." Um dos maiores especialistas na obra do amigo, ele republicou, em 1996, entre outros títulos que serão relançados na coleção, De Anchieta a Euclides (1977), e foi convidado pelo organizadora Castro Rocha para organizar os volumes extras com os inéditos e a correspondência de Merquior. Entre os missivistas estão o antropólogo Lévi-Strauss, o poeta Carlos Drummond de Andrade, o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre e o cineasta baiano Glauber Rocha (que lhe pediu uma bolsa para estudar a obra do escritor Oscar Wilde em Londres).
Desde cedo Merquior conviveu com grandes intelectuais brasileiros. Aos 22 anos, foi convidado por Manuel Bandeira para organizar a antologia Poesia do Brasil e, antes, aos 18 anos, já assinava textos no suplemento dominical do Jornal do Brasil - alguns incluídos em Razão do Poema, republicado pela Topbooks em 1996 com contracapa assinada por Antonio Candido, que o classificou entre os maiores críticos que o Brasil já teve, destacando ainda sua capacidade de interpretar textos "sem os reduzir à mecânica formalista".
Além de crítico literário, diplomata, filósofo, bacharel em Direito e membro da Academia Brasileira de Letras, Merquior tinha, a exemplo do organizador de sua coleção, uma paixão imensa por arte. Sua biblioteca, que chegou a ter mais de 10 mil volumes (8.300 comprados pela Fundação Banco do Brasil), abrigava desde os clássicos da Filosofia (Spinoza, seu mentor, em primeiro lugar) até estudos da arquitetura de Buckminster Fuller e da pintura de Poussin, que adorava.
"Lembro dele nos levando (ela e o irmão Pedro, que morreria num acidente de moto) ao museu e como sempre tinha informações sobre os autores dos quadros", diz Julia, alfabetizada em língua inglesa durante os anos em que Merquior serviu na embaixada de Londres. O traço mais característico do pai, segundo a ex-atriz e agora dona de uma empresa de recicláveis, era o humor perene. "Fico imaginando o que ele diria do governo Lula, da Dilma, são perguntas que me faço sempre." Julia garante que o pai ficou muito feliz com a volta das eleições diretas, em 1985, esperança que fez o maior pensador liberal do Brasil abraçar o caminho político após a morte de Tancredo Neves. "Foi o período em que conversamos mais", revela. "Notei que a sua luta era contra ver as coisas de uma maneira só, sendo ele profundo conhecedor da História."
Visto como um direitista pela esquerda, Merquior se definia como um liberal em economia, social-democrata em política e anarquista em cultura. Ele dizia que no Brasil há uma intelectualidade, mas não uma intelligentsia. O modelo histórico que tinha em mente era o dos intelectuais da Europa oriental do século 19, quase párias cuja independência incomodava a sociedade em que viviam. Aqui, os intelectuais, dizia, se organizam em corporação. Um tema que rendeu e ainda rende muita discussão.
PRIMEIROS LIVROS DA COLEÇÃO
1. Razão do Poema (1965)
2. Arte e Sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin (1969)
3. Saudades do Carnaval (1972)
4. Formalismo e Tradição Moderna (1974)
5. As Ideias e as Formas (1981)
6. O Elixir do Apocalipse (1983)
7. De Anchieta a Euclides (1977)
8. O Fantasma Romântico (1980)



sexta-feira, 23 de abril de 2010

2058) Jose Guilherme Merquior: 19 anos de sua partida

Enviado por Jonathan Yuri:

Quando se trata em descrever tamanha figura que existiu no Brasil, não me contento a dizer meras palavras feitas ou um simplório bibliográfico.
José Guilherme Merquior nos deixou há anos, em plena atividade intelectual, porém sua obra e pensamento se tornou eterno e hoje, é impossivel tratar sobre liberalismo social no Brasil sem mencioná lo.
Ao procurar uma definição do que foi e é a pessoa de José Guilherme, me remeto as palavras de Eduardo Portella: 'A mais fascinante máquina de pensar do Brasil pós-modernista — irreverente, agudo, sábio", cito a Revista Veja 'José Guilherme Merquior foi um filósofo pop, uma espécie de metaleiro do pensamento, que adorava duelos públicos', tanto que, comprou briga com Caetano Veloso e dona Marilena Chaui.

Nascido em 1941, no Rio de Janeiro, foi diplomata, escritor, filósofo, sociólogo e bacharel em Direito, tendo uma das formações universitárias mais destacadas e completas, em 1962 tira a licenciatura em Filosofia, Bacharel em Direito, no ano de 1963, e no mesmo ano recebe o diploma do curso de preparação à carreira diplomática, aluno titular do Seminário de Antropologia do College de France (1966 a 1970); Doutor em Letras pela Universidade de Paris (1972); PhD em sociologia pela London School of Economics and Political Science (1978) e Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco (1979).
Como professor, ministrou aulas nos seguintes cursos:
Instituto de Belas-Artes - Rio de Janeiro (1963); curso de História da Literatura Brasileira, na Universidade do Ar; curso de pós-graduação sobre o modernismo brasileiro (Universidade Nova de Lisboa, 1976); curso de Estética Contemporânea, (Montevidéu - julho de 1981).
Ministrou conferências sobre Arte, Literatura, Filosofia, Sociologia, Semiologia e História da Civilização em várias Universidades brasileiras. Participou de vários eventos de natureza cultural em nosso país e no exterior.
A 07 de setembro de 1963, data em que recebeu diploma como terceiro secretário, exerceu funções nos seguintes gabinetes:
Ministério das Relações Exteriores; Divisão de Cooperação Intelectual; Oficial de Gabinete do Ministro de Estado; Secretário da Delegação brasileira à II Conferência Interamericana Extraordinária; Terceiro Secretário na Embaixada do Brasil em Paris, 1966, e Segundo Secretário no ano seguinte; Primeiro Secretário em Bonn (1973); Primeiro Secretário em Londres (1975/1979); Conselheiro, em Montevidéu (1980/1981); Ministro de segunda classe em Montevidéu (1982) e Ministro-conselheiro na Embaxada do Brasil em Londres (1983).
Em 1982, se elege membro da Academia Brasileira de Letras, sendo empossado no ano seguinte.
Ao lado de Roberto Campos, trabalhou no governo Collor, tendo colaborado com o discurso de posse do então presidente. Foi convidado a ser Secretário da Cultura neste governo, convite este recusado.
Faleceu em Nova York, aos 49 anos, de um terrível câncer, deixou, porém para nós uma imensidão de escritos, tanto como prolífico escritor e polímata humanista.

Obras mais importantes:


O Estruturalismo dos Pobres e outras Questões (1975)
Verso e Universo em Drummond (1976)
De Anchieta a Euclides (1977)
Rousseau and Weber (1980)
O Fantasma Romântico e outros Ensaios (1980)
As Idéias e as Formas (1981)
A Natureza do Processo (1982)
O Elixir do Apocalipse (1983)
O Argumento Liberal (1983)
Michel Foucault, ou o Niilismo de Cátedra (1985)
Crítica (1990)
O Véu e a Máscara (1997)
De Praga a Paris: uma Crítica do Estruturalismo e do Pensamento Pós-Estruturalista (1991).

Completa hoje 19 anos de sua partida, mesmo sem conhecê-lo (pois nasci em 1990), me surpreendo cada dia mais ao ver tamanha astúcia e genialidade, de uma alma que se eternizou pela 'arte de metabolizar idéias', num país tão em falta delas.