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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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quarta-feira, 20 de março de 2024

As múltiplas crises do internacional: transição, hegemonia e resistência nas ruínas da ordem global: chamada para artigos - revista Carta Internacional

Uma chamada interessante;

Chamada para publicação de dossiê na Revista Carta Internacional v. 19, n. 3 de 2024

A Carta Internacional, revista científica de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ISSN 2526-9038) está selecionando artigos para o Dossiê 

As múltiplas crises do internacional: transição, hegemonia e resistência nas ruínas da ordem global

A revista aceita artigos inéditos em português, espanhol ou inglês. O prazo máximo de submissão para o dossiê é 31 de maio de 2024.

Dossiê:

As múltiplas crises do internacional: transição, hegemonia e resistência nas ruínas da ordem global

Editores: Carolina Moulin (UFMG) e Daniel Maurício de Aragão (UFBA) 

TEXTO

O velho está morrendo e o novo não pode nascer; neste interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece

A frase de Antonio Gramsci, tema do IX Encontro da ABRI em 2023, revela o espírito do tempo presente e as inquietações e incertezas que perpassam a análise da ordem internacional contemporânea. Múltiplas ‘patologias de crise’ – guerras, epidemias, catástrofes ambientais, genocídios, desigualdades aprofundadas, populismos reacionários e fissuras nas formas democráticas de governo, para citar apenas algumas – tem reverberado um sentimento de “fim de mundo”. Esses sintomas mórbidos resvalam nas dificuldades das estruturas e instituições globais, erigidas na esteira do projeto moderno liberal, de se adaptarem e, no limite, se reinventarem sob outros termos diante das demandas das sociedades atuais, face ao capitalismo financeirizado, às transformações na relação entre ordens internacionais, formas de Estado e forças sociais (Cox, 1981) e de crise de hegemonia (Fraser, 2020).

Sobre o húbris do projeto da modernidade liberal - agravada pelo fracasso de sua vertente fundamentalista, o neoliberalismo, e por retrocessos associados à sua crise, particularmente no que tange à democracia e aos direitos humanos e à ascensão do autoritarismo e conservadorismo; por crises recorrentes dos processos de acumulação capitalista; por promessas frustradas nos processos de globalização e integração regional; por conflitos, guerras e pandemias - Estados e as Organizações Internacionais têm dificuldade de reagir. Ao mesmo tempo, protestos e formas de resistência apontam para fissuras e novas possibilidades de rearticulação, ainda que efêmeras, tentativas e provisórias. Dos protestos globais às ocupações, passando por hashtags e táticas efusivas de mobilização, emergem conformações alternativas à relação entre ordem e justiça, violência e poder, representação e política e entre o local e o internacional, com implicações importantes para o futuro da disciplina de Relações Internacionais.

Para o dossiê, almejamos receber contribuições que se engajem com esses “sintomas mórbidos”, seus impactos e alternativas, seus limites e aberturas. Os editores convidam artigos que aprofundem debates sobre essa conjuntura histórica, em temas tais como:

- Crise de hegemonia, seus atores e processos;

- Crise do capitalismo associada às transformações dos processos de acumulação, agravada pela especulação do capital financeiro e por processos de expropriação e precarização;

-  Limitações, retrocessos, incógnitas e alternativas nos e aos processos de globalização e integração regional;

- Limites e possibilidades teóricas nas Relações Internacionais, refletindo sobre a resiliência de abordagens tradicionais e pluralismo teórico no campo enquanto estratégias possíveis para compreensão de processos políticos do mundo atual; 

- Reflexões substantivas e originais sobre noções de crise e catástrofe enquanto gêneros importantes para a disciplina de RI, na esteira da centralidade de fenômenos como conflitos armados, pandemias, e esgotamento de modelos de desenvolvimento ancorados no capitalismo liberal e suas consequentes formas de institucionalização;

- Contribuições sobre estratégias narrativas e transdisciplinares que possibilitam olhar para temas persistentes das Relações Internacionais (guerra e paz, mobilidade e circulação, exclusão e desigualdade, populismo e nacionalismo, dentre outros) de forma criativa e imaginativa em um contexto de transição;

- Perspectivas de futuro nas Relações Internacionais, a partir, principalmente, das reivindicações de movimentos antirracistas, feministas, LGBTQIAPN+, socio ambientalistas, quilombolas e indígenas, bem como das reações e reconfigurações, usualmente violentas dos modos de governo e governança sobre esses territórios de luta política e social.

Regras de submissão:

O formato dos artigos deverá seguir o padrão já adotado pela revista:

  1. O artigo deve ser inédito e redigido em português, inglês ou espanhol. Além de inédito, o artigo não deve estar em apreciação concomitante em nenhum outro periódico ou veículo de publicação, no todo ou em parte, no idioma original ou traduzido.
  2. Os artigos devem ter entre 7500 e 8500 palavras, incluindo título, resumo e palavras-chave (em português, inglês e espanhol), notas de rodapé e referências bibliográficas.

Site da revista: https://www.cartainternacional.abri.org.br/Carta/announcement/view/9


quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Globalização e poder militar: lições da história - Democracia e supremacia no sistema internacional (2004) - Paulo Roberto de Almeida

 Um texto que serviu para uma palestra no Uniceub, mas que nunca tinha sido divulgado.

1309. “Globalização e poder militar: lições da história: Democracia e supremacia no sistema internacional”, Brasília, 3 ago. 2004, 14 p. Texto-suporte, elaborado com base no trabalho 1296, para palestra na semana de história do Centro Universitário de Brasília, Uniceub, em 25/08/2004. Disponibilizado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/108622467/1309_Globalização_e_poder_militar_lições_da_história_Democracia_e_supremacia_no_sistema_internacional_2004_).


Globalização e poder militar: lições da história

Democracia e supremacia no sistema internacional

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Texto-suporte para palestra na semana de história do

Centro Universitário de Brasília, Uniceub

(Brasília, 25 de agosto de 2004)

Sumário: 

1. Do direito da força à força (ainda incipiente) do direito

2. O fim do sistema de Vestfália?

3. A democratização do poder mundial é possível ou realizável?

4. O sistema internacional é igualitário, democrático, eficiente?

5. A igualdade de direito, a desigualdade de fato

6. O novo império e a supremacia universal: estabilidade hegemônica ou novo ciclo?

 

 

1. Do direito da força à força (ainda incipiente) do direito

Depois de uma primeira metade marcada por terríveis guerras que dizimaram milhões de pessoas em várias partes do mundo, o século XX assistiu, em sua segunda metade, à conformação de uma nova ordem internacional fundada antes no direito do que na força bruta, como tinha sido o caso até então. Mas, no início do século XXI, o sistema internacional ainda não constitui, evidentemente, uma ordem equitativa, segura e, sobretudo, estável, que garanta um padrão de vida condigno a todos os habitantes do planeta, ou que os coloque ao abrigo de possíveis ameaças de rupturas indesejáveis nos domínios da ordem política, do bem-estar econômico e da segurança pessoal. Ameaças latentes ainda existem, seja em termos de garantias de paz, seja no terreno da democracia política, seja ainda no estabelecimento de condições materiais mínimas para a preservação de níveis aceitáveis de desenvolvimento humano, em especial nos países menos desenvolvidos. Se o espectro de guerras globais entre as principais potências parece felizmente afastado, conflitos regionais, guerras civis, instabilidade econômica e política e desigualdades sociais persistentes ainda constituem realidades frequentes no cenário atual, com uma incidência mais aguda nos países mencionados. 

Esses problemas constituem a nova fronteira institucional e política do início no novo milênio. O sistema internacional evoluiu positivamente, ao longo do último meio século, no sentido da construção tentativa de uma ordem política mais estável e previsível e de uma arquitetura institucional tendencialmente mais democrática. Esse sistema precisaria fazer, agora, novos progressos materiais e organizacionais na direção da superação desses problemas “residuais” – muitos deles de origem estrutural – que afligem grande parte da população mundial. Um diagnóstico realista das perspectivas que se oferecem nesse terreno indicaria que o sistema de relações internacionais precisaria caminhar para a construção de uma arquitetura política e econômica que possa se basear na governança global e na democracia preventiva. Como sistema de governança global eu não proponho um sistema de controle supranacional baseado na ONU ou qualquer outro órgão político de caráter intergovernamental, mas sim um espaço de desenvolvimento inter-estatal que leve em consideração as novas realidades criadas pela globalização e as estenda a todos os países do planeta, sem distinção de fronteiras políticas. A democracia preventiva pode ser entendida como um sistema que ultrapassa as restrições atuais da soberania absoluta dos Estados, realidade que comanda um respeito total e irrevocável ao princípio da não-intervenção nos assuntos internos. Ela significaria um processo coletivo de tomada de decisões que tenha no respeito aos direitos humanos e na adoção da forma democrática de governo os critérios básicos de participação na comunidade internacional.

 

2. O fim do sistema de Vestfália?

(...)


Ler a íntegra neste link: 

 https://www.academia.edu/108622467/1309_Globalização_e_poder_militar_lições_da_história_Democracia_e_supremacia_no_sistema_internacional_2004_

quarta-feira, 23 de março de 2022

A Diplomacia em um Mundo em Transformação - e-book de Paulo Fernando Pinheiro Machado - disponível na Amazon

 Centelhas de Tempestade: a Diplomacia em um Mundo em Transformação


 Esta obra oferece uma reflexão prática a respeito do atual sistema internacional e do papel do Brasil nele, a partir da experiência profissional, como diplomata e como advogado, do autor Paulo Fernando Pinheiro Machado. São apresentadas análises sobre os elementos mais profundos do sistema internacional, de caráter estrutural, dos quais depende a articulação do próprio sistema, e cuja configuração baliza a negociação dos temas da agenda internacional, que se dá sobre o pano de fundo desse sistema. A preocupação deste livro está nos elementos de longo prazo da vida internacional, seja no aspecto instrumental, diplomático, seja no aspecto de configuração de possibilidades econômico-financeiras, geopolíticas e/ou tecnológicas. 
Verificam-se quatro principais forças que estão desintegrando o atual sistema internacional e moldando o novo sistema ainda em formação, que irá substituí-lo. Essas quatro forças são a pandemia de Covid-19, a Segunda Guerra Fria, a desigualdade estrutural e as novas tecnologias. Dessa forma, esta obra proporciona uma visão geral sobre os processos estruturais pelos quais está passando o sistema internacional contemporâneo.
Recomendo vivamente.
Paulo Fernando já é o autor deste livro, que tive o privilégio de prefaciar: 
  • Publisher ‏ : ‎ Chiado Books (January 1, 2022)
  • Language ‏ : ‎ Portuguese
  • ISBN-10 ‏ : ‎ 989372189X
  • ISBN-13 ‏ : ‎ 978-9893721896

Vejam o sumário deste livro e trechos de meu prefácio neste link: 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

J. G. Merquior: “O sistema internacional e a Europa Ocidental” (Bonn, 1973)

Dando continuidade à minha postagem de trabalhos de Merquior, informo sobre a disponibilidade desta análise diplomática que ele fez em Bonn, em 1973, ou seja, pouco tempo depois que a Grã-Bretanha aderiu à então Comunidade Econômica Europeia.

O trabalho, disponível em bibliotecas de Brasília (Itamaraty, Câmara e Senado), é este aqui: 

O sistema internacional e a Europa Ocidental” (Bonn, janeiro-fevereiro de 1973). [Brasília:] Ministério das Relações Exteriores, 1973 (separata).

O trabalho pode ser lido ou descarregado na plataforma Academia.edu:



Efetuei uma breve análise num trabalho mais longo sobre o pensamento político de Merquior, do qual destaco esses trechos: 

Merquior diplomata: o sistema internacional e a Europa ocidental
(...)
... um exemplo de seu trabalho meticuloso de análise do mundo da política internacional sobreviveu à crítica destrutiva das traças, ao ter sido mimeografado e distribuído como “folheto” pelo próprio Itamaraty. Encontrei-o no catálogo da biblioteca do Itamaraty – e também nos das bibliotecas do Congresso – sob o seguinte título: “O sistema internacional e a Europa Ocidental”, datado de “Bonn, janeiro-fevereiro de 1973” (seu segundo posto na carreira, depois da embaixada em Paris), em 27 páginas cuidadosamente datilografadas, cujo estatuto preciso – se anexo a algum ofício de rotina, depois transformado em separata, ou se já um trabalho extra em meio aos expedientes de rotina – ainda precisa ser identificado.
O fato é que se trata de um curto, sintético, mas erudito ensaio – nada menos do que treze obras na bibliografia, entre eles a famosa conferência do embaixador, ex-chanceler de João Goulart, João Augusto de Araujo Castro, sobre o “congelamento do poder mundial”, e um artigo de Roberto Campos no Globo, no próprio mês de janeiro de 1973 – discutindo o panorama internacional no início daquela década, com uma atenção especial para o papel da Europa ocidental, ou mais especificamente da Comunidade Econômica Europeia, acrescida recentemente do ingresso do Reino Unido, no difícil equilíbrio de poderes no mundo bipolar da Guerra Fria, mas já marcando o retorno da China ao cenário geopolítico internacional. O trabalho está dividido em quatro partes bem identificadas: (a) “a dinâmica do sistema internacional nos anos 70”, com um pouco de prospectiva, portanto; (b) “o pentarca hipotético: a posição da Europa Ocidental”, entre os dois gigantes adversários; (c) “Détente, congelamento do poder mundial e impasse europeu”, com suas observações sobre os interesses contraditórios dos três grandes atores da CEE, França, Alemanha e Reino Unido; (d) “as negociações europeias de 1973”, sobre o começo do processo que seria depois conhecido como “acordos de Helsinque”, de 1975, e novas negociações em torno das armas nucleares entre os EUA e a URSS; mais a conclusão e a bibliografia.
Não é o caso de retomar aqui cada um dos seus argumentos sobre o cenário mundial e seus desenvolvimentos prováveis numa conjuntura em que os EUA procuravam se desengajar da terrível guerra do Vietnã, ao mesmo tempo em que a URSS brejnevista se dedicava a novos ensaios de projeção internacional em outros continentes, e quando a China buscava, justamente, uma aproximação ao Ocidente, ao ter na União Soviética a sua principal ameaça e favorecendo – este um ponto central – uma maior integração europeia, inclusive na área de defesa, como forma de diluir o imenso poderio convencional e nuclear da antiga aliada no sonho comunista. Merquior faz vários retrospectos ao período mais crucial da Guerra Fria e à doutrina da “mútua destruição” de Foster Dulles, mencionando en passant que “o Prof. Henry Kissinger é um renomado especialista em Metternich e Bismarck” (p. 1). Mesmo reconhecendo a oposição EUA-URSS, Merquior enfatiza que não se trata de um antagonismo “inspirado por reivindicações territoriais, mas sim por divergências ideológicas”, ao passo que “o antagonismo URSS-China, ao contrário, parte de motivos ideológicos, mas encerra uma divergência geográfica de enorme peso histórico” (pp. 2-3; ênfase no original). A partir desse cenário, Merquior observa que: 

De todas as combinações possíveis no interior do triângulo, a mais improvável é, de longe, uma conjunção sino-soviética contra os USA, sendo muito mais verossímil que os soviéticos se sintam obrigados a se aproximar de Washington, quando e se a China aumentar substancialmente seu capital estratégico e sua penetração nas zonas de influência soviética (p. ex., o Oriente Médio). (p. 4; ênfase no original)

Mais interessante, na perspectiva dos longos desenvolvimentos em direção ao final do século, são suas observações sobre a “pentarquia hipotética” da Europa Ocidental, e o papel dos três grandes países – duas potências nucleares, França e Grã-Bretanha, e uma potência econômica, a Alemanha – no complexo jogo com aqueles outros três grandes atores, no momento em que “o sistema internacional emprestou novas perspectivas de uma efetiva multipolarização do poder” (p. 7). Esse “pentarca” permanecia “hipotético”, uma vez “que prevalecem dúvidas  fundadas sobre a efetivação, em futuro próximo, da unidade política da CEE” (idem). Essa é a questão crucial ainda hoje, como se pode verificar num relatório do Egmont Institute, de 2020, sobre as “escolhas estratégicas” da Europa para o resto da década, ainda centradas, justamente, sobre as possibilidades de que a UE possa se “reposicionar na política internacional”, adotando uma “Grande Estratégia” consensual entre seus membros mais importantes, sem alienar a cooperação com os EUA em face dos grandes contendores, mas sem continuar a ser dependente submisso das escolhas estratégicas americanas (Sven Biscop, “Strategic choices for the 2020s”, Security Policy Brief n. 122, February 2020, Bruxelas: Egmont-Royal Institute for International Relations). Merquior vai inclusive muito mais além do que simplesmente expressar a necessidade de maior integração e cooperação entre os países membros da CEE – apenas nove, naquela conjuntura – nos terrenos político e de defesa, penetrando no desenvolvimento institucional desse quinto membro hipotética da pentarquia do poder internacional, junto com os dois grandes nucleares, a China emergente e o Japão. Seu parágrafo, sem ênfases, é o seguinte:

Não há dúvida de que, para desempenhar o papel que a evolução do sistema internacional lhe reserva, ocupando o seu lugar na pentarquia em formação, a Europa Ocidental se depara hoje com a necessidade de realizar com urgência uma inédita operação de química histórica: a fusão dos estados nacionais europeus numa federação. Numa federação de 250 milhões de almas, econômica e tecnologicamente superior à URSS, ao Japão e à China. (pp. 7-8)

Merquior reconhece imediatamente a dificuldade e o ineditismo dessa metamorfose, devido à circunstância 
... de que foi precisamente na Europa Ocidental que se originaram e mais se desenvolveram as entidades históricas denominadas Estados nacionais. A história do mundo registra muitas federações; mas desconhece, até aqui, uma federação feita de unidades tão ciosas e ciumentas de sua personalidade cultural e de sua soberania política quanto as grandes nações europeias. (p. 8)

Merquior continua enfatizando a relativa perda de poder pela Europa “desde os últimos decênios do séc. XIX”, inclusive em função da retração demográfica: 
Em consequência, a posição internacional da Europa Ocidental encerra, atualmente, um verdadeiro desafio – um “challenge”no sentido de Toynbee. Ou o Ocidente europeu se unifica, ou não usufruirá, senão em mui pequena escala, das perspectivas de poder e influência oferecidas pela evolução inscrita na dinâmica do sistema internacional. (p. 9)

Depois de tecer considerações sobre as contradições e ambiguidades nas relações entre os três grandes europeus, sobretudo no posicionamento em face da arrogância e do unilateralismo americano – conceitos que ele não usa –, Merquior vem às suas conclusões que parecem válidas ainda para a atualidade, bastando substituir soviéticos por russos: 

O que os soviéticos mais receiam, além do robustecimento da China, é a unificação política da Europa Ocidental, porque é grande o seu temor  de que, unida, a Europa Ocidental se converta em fator de desagregação do bloco socialista, na medida em que sua vitalidade econômica econômica e cultural, reforçada pela união, atrairia, mais do que já atrai, a maior parte dos atuais países satélites. Tudo o que se conhece dos trabalhos soviéticos de planejamento diplomático confirma essa impressão, ratificada pelos melhores kremlinólogos. (p. 24; ênfase no original)

Pois foi exatamente o que ocorreu menos de duas décadas depois, e não apenas em relação aos satélites da Europa central e oriental, mas também no tocante aos próprios membros da federação russo-soviética, como revelado mais adiante pelo caso da Ucrânia. Não se trata exatamente de uma presciência, ou profetismo, da parte de Merquior, mas de aguda observação dos dados da realidade internacional e regional, com base nas leituras que fazia de grandes especialistas ocidentais. O Brasil não aparece nessa análise de Merquior, a não ser pela adesão do autor às teses de Araujo Castro sobre o “congelamento do poder mundial” e por uma menção aprobatória à não adesão do Brasil ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP): “Bem andou o Brasil ao não assinar convênio tão estranhamente ‘altruístico’.” (p. 11), quando se sabe que seu amigo e mentor Roberto Campos desdenhava dessas posturas e recomendava a adesão do Brasil ao TNP desde a sua finalização.
Finalmente, ao apoiar em sua conclusão, a ideia da “constituição de uma Europa Ocidental militarmente emancipada e politicamente coesa”, Merquior menciona um aspecto do balé diplomático ainda em voga na atualidade e totalmente pertinente para os dias que correm, com Brexit ou sem ele: 

Nada comprova melhor a veracidade disso do que a constância com que Pequim aconselha a unificação política da CEE e o reforço militar da OTAN às personalidades europeias em visita à China... (p. 25)

No conjunto, esse ensaio de análise prospectiva sobre o cenário internacional, a partir de seu posto de observação em Bonn, tendo vindo de Paris na oportunidade em que se negociou o ingresso do Reino Unido na então CEE, oferece a oportunidade de penetrar na argumentação de planejamento diplomático de Merquior, em complemento ao seu interesse básico num momento de transição de sua própria trajetória intelectual: o distanciamento dos temas de crítica literária e cultural da primeira fase e um engajamento mais decidido nos grandes temas da ciência política e da realidade da política internacional. Poucos anos depois, em 1977, Merquior elaboraria seu curto mas denso trabalho sobre a legitimidade em política internacional.

(...)







domingo, 4 de maio de 2014

Os interesses das nacoes - Roberto Fendt

Os interesses das nações e seus conflitos
04 de maio de 2014 |
Roberto Fendt* - O Estado de S.Paulo

No Iluminismo Escocês do século 18 acreditava-se que a busca dos interesses individuais geraria necessária e inevitavelmente a cooperação social. Os ganhos mútuos do comércio levariam à progressiva divisão do trabalho e ao aumento da produtividade do trabalho humano. Os ganhos das trocas voluntárias superariam a violência na vida privada e nas relações entre os países.
Um século depois, lord Palmerston, duas vezes primeiro ministro britânico, afirmava que "a Inglaterra não tem amigos eternos, a Inglaterra não tem inimigos perpétuos. A Inglaterra tem somente eternos e perpétuos interesses".
Esses interesses eternos e perpétuos de cada nação constituiriam um motor de conflitos entre elas? Até que ponto os ganhos mútuos do comércio atenuariam essa tendência aos conflitos?
Nas "décadas de ouro" entre os anos de 1870 e 1913, prevaleceu a mais ampla liberdade comercial e de fluxos de capital registrada na era moderna. Essa liberdade coexistiu com a maior interdependência conhecida entre as nações. Isso, no entanto, não impediu que ocorressem conflitos de grande escala, como a Guerra Franco-Prussiana ou a Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905.
A partir da 2ª Guerra Mundial construímos um sofisticado arcabouço institucional que serviu de base para o espetacular crescimento do comércio e do investimento transfronteiras e que serviu de motor para o crescimento das economias que deles participaram.
Esse arcabouço se centra nas grandes instituições multilaterais que regem o comércio, financiam ajustes nos balanços de pagamentos e tornam mais seguros os investimentos entre os países.
Naturalmente, o arcabouço não está completo nem perfeito. Mas, sob os auspícios da Organização Mundial do Comércio, diversos acordos bilaterais e regionais dão substância às relações econômicas entre as nações que os subscrevem.
Esse é o caso do Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio. O mesmo se dá com o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços e o Acordo sobre Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, para ficar com somente alguns deles.
Os acordos regionais que incorporam essas disciplinas conferem segurança à nova fase da divisão internacional do trabalho. Nela, a produção se distribui em cadeias internacionais de valor em que as diversas partes de um produto final ocorrem em diferentes países, em razão da competitividade de cada um deles.
A participação nas cadeias mundiais de valor será cada vez mais importante para determinar se um país poderá ou não beneficiar-se desse novo mundo mais interligado hoje que na segunda metade do século 19. Aqueles países que não souberem ou puderem fazê-lo estarão limitados a exportar somente produtos de menor valor agregado.
Há em muitas partes um sentimento de que a maior integração econômica sofrerá com o aumento dos conflitos. Para muitos a divergência entre maior cooperação no campo econômico e o dissenso político aumentará. Como exemplo citam o fato de que as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos contra a Rússia lançarão o país em severa recessão, com claras implicações para a Europa e a economia mundial como um todo.
Na década de 1930 o colapso do comércio mundial e a exacerbação do nacionalismo levou à prática generalizada do protecionismo comercial de cada nação contra todas as demais. Esse retorno à autarquia econômica foi um dos principais responsáveis pela depressão e miséria que levou à 2ª Guerra Mundial.
Devemos o marco institucional que hoje temos a esses eventos e ao compromisso de que não repetiríamos os erros do passado. O crescimento econômico que resultou da expansão do comércio e dos investimentos evitou que um novo conflito de grandes proporções voltasse a ocorrer. Não há razões para crer que os eternos e perpétuos interesses das nações não venham a prevalecer sobre suas atuais divergências e conflitos, passageiros e transitórios.
*Roberto Fendt é diretor executivo do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). 

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Guerra e paz no contexto internacional - Paulo R. Almeida

Paz e guerra no contexto internacional: um mundo pacífico ainda está longe
Paulo Roberto de Almeida
Via Política, 14.06.2010

A história da humanidade é, em grande medida, uma história de guerras, como ensina John Keegan em seus muitos livros de história militar. Guerras de conquista por territórios, recursos e escravos; guerras de defesa contra inimigos mais poderosos; impérios expansionistas (desde os mongóis, sobre a China, até a Alemanha e o Japão, no século 20); alianças militares (defensivas e ofensivas) e enormes gastos estatais com aparatos bélicos custosos; e, finalmente, uma tentativa de deslegitimar a guerra, no contexto do direito internacional.

Este é o cenário evolutivo – nem sempre para melhor – das sociedades humanas desde a mais remota antiguidade. Os ‘progressos’ da civilização também assistiram à expansão exponencial da capacidade de matar, como demonstrou ainda recentemente Niall Ferguson (em The War of the World).
(...)
Texto integral aqui.