Os interesses das nações e seus conflitos
Roberto Fendt* - O Estado de S.Paulo
No Iluminismo Escocês do século 18 acreditava-se que a busca dos interesses individuais geraria necessária e inevitavelmente a cooperação social. Os ganhos mútuos do comércio levariam à progressiva divisão do trabalho e ao aumento da produtividade do trabalho humano. Os ganhos das trocas voluntárias superariam a violência na vida privada e nas relações entre os países.
Um século depois, lord Palmerston, duas vezes primeiro ministro britânico, afirmava que "a Inglaterra não tem amigos eternos, a Inglaterra não tem inimigos perpétuos. A Inglaterra tem somente eternos e perpétuos interesses".
Esses interesses eternos e perpétuos de cada nação constituiriam um motor de conflitos entre elas? Até que ponto os ganhos mútuos do comércio atenuariam essa tendência aos conflitos?
Nas "décadas de ouro" entre os anos de 1870 e 1913, prevaleceu a mais ampla liberdade comercial e de fluxos de capital registrada na era moderna. Essa liberdade coexistiu com a maior interdependência conhecida entre as nações. Isso, no entanto, não impediu que ocorressem conflitos de grande escala, como a Guerra Franco-Prussiana ou a Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905.
A partir da 2ª Guerra Mundial construímos um sofisticado arcabouço institucional que serviu de base para o espetacular crescimento do comércio e do investimento transfronteiras e que serviu de motor para o crescimento das economias que deles participaram.
Esse arcabouço se centra nas grandes instituições multilaterais que regem o comércio, financiam ajustes nos balanços de pagamentos e tornam mais seguros os investimentos entre os países.
Naturalmente, o arcabouço não está completo nem perfeito. Mas, sob os auspícios da Organização Mundial do Comércio, diversos acordos bilaterais e regionais dão substância às relações econômicas entre as nações que os subscrevem.
Esse é o caso do Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio. O mesmo se dá com o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços e o Acordo sobre Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, para ficar com somente alguns deles.
Os acordos regionais que incorporam essas disciplinas conferem segurança à nova fase da divisão internacional do trabalho. Nela, a produção se distribui em cadeias internacionais de valor em que as diversas partes de um produto final ocorrem em diferentes países, em razão da competitividade de cada um deles.
A participação nas cadeias mundiais de valor será cada vez mais importante para determinar se um país poderá ou não beneficiar-se desse novo mundo mais interligado hoje que na segunda metade do século 19. Aqueles países que não souberem ou puderem fazê-lo estarão limitados a exportar somente produtos de menor valor agregado.
Há em muitas partes um sentimento de que a maior integração econômica sofrerá com o aumento dos conflitos. Para muitos a divergência entre maior cooperação no campo econômico e o dissenso político aumentará. Como exemplo citam o fato de que as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos contra a Rússia lançarão o país em severa recessão, com claras implicações para a Europa e a economia mundial como um todo.
Na década de 1930 o colapso do comércio mundial e a exacerbação do nacionalismo levou à prática generalizada do protecionismo comercial de cada nação contra todas as demais. Esse retorno à autarquia econômica foi um dos principais responsáveis pela depressão e miséria que levou à 2ª Guerra Mundial.
Devemos o marco institucional que hoje temos a esses eventos e ao compromisso de que não repetiríamos os erros do passado. O crescimento econômico que resultou da expansão do comércio e dos investimentos evitou que um novo conflito de grandes proporções voltasse a ocorrer. Não há razões para crer que os eternos e perpétuos interesses das nações não venham a prevalecer sobre suas atuais divergências e conflitos, passageiros e transitórios.
*Roberto Fendt é diretor executivo do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI).
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